lume Mato Grosso
300 Anos de Cuiabá
Revista nº. 31 • Ano 5 • Abril/2019
Breve passeio por alguns fatos de sua história. Pag. 8
CRIAÇÃO DA VILA REAL DO BOM JESUS DE CUIABÁ OBRAS ESTRUTURAIS E SOCIAIS EM CUIABÁ REABERTURA DA NAVEGAÇÃO E ACORDOS DE LIMITES A FIXAÇÃO DE CUIABÁ COMO CAPITAL DE MATO GROSSO A IMPACTANTE DÉCADA DE 1970 CENTRO HISTÓRICO
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ÍNDIOS BORORO EM RITUALÍSTICA. POR SUA ANCESTRALIDADE E OCUPAÇÃO IMEMORIAL, ESSA NAÇÃO INDÍGENA REPRESENTA O INÍCIO DE TUDO QUE EXISTE HOJE EM CUIABÁ
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C A RTA D O E D I TO R
JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral
O
ferecemos ao nosso público leitor nesta edição nº 31, de abril de 2019, período em que a capital de Mato Grosso completa 300 anos de sua fundação, uma edição dedicada à sua história, notadamente os seus primórdios. Trata-se de uma pequena viagem à instigante história cuiabana. Os inúmeros poetas, novelistas, cronistas, escritores, historiadores e artistas das mais variadas estirpes cantam, dançam, fotografam, filmam, desenham e sonham Cuiabá já a traduziram e registraram, nas suas páginas, telas e vozes. Para escrever sobre o que essa cidade representa para o povo cuiabano, natos ou aqueles que a escolheram para viver, seria necessário compor uma verdadeira coleção de livros que contemplasse todas as áreas de interesse histórico. Na comemoração dos trezentos anos de Cuiabá, a 8 de abril de 2019, ha-
via muito motivo para celebrar, especialmente a história das famílias, das pessoas, das sagas, dos sofrimentos, dos choros que secaram no rosto do povo cuiabano, ora por alegria, ora por tristezas infindas. Tem que se festejar mesmo, afinal de contas, são três séculos de histórias vividas pelo amálgama de raças e de credos. Que essa comemoração sirva de exemplo para toda a sociedade, especialmente a política, de que o bem maior dessa cidade é a preservação de sua memória, de sua história. Está na hora devida de se criar um grupo suprapartidário, pró-Cuiabá, para que o centro histórico da capital seja revitalizado e preservado. A área central de qualquer cidade que se preze o seu cartão postal, no entanto, em Cuiabá, isso não ocorre. Turistas tem muito pouco a ver e conhecer. Perdemos, e de longe, para nosso vizinho Goiás e Minas Gerais no quesito preservação do pa-
trimônio arquitetônico. Em muitas cidades goianas e mineiras o turismo cultural é parte interessante da receita. Aqui, não se fala nisso. Não por falta de boa vontade de pessoas e instituições. Recentemente alguns proprietários de imóveis, arquitetos e o próprio CDL, através da liderança da empresária Maria Cândida (do centro histórico de Cuiabá), demonstraram a sua indignação com o descaso de autoridades com a derrubada de imóveis históricos, a exemplo da Casa de Bem-Bem e da Gráfica Pêpe. A revista pretende contribuir para ajudar a abrir os olhos e corações de pessoas que querem bem a Cuiabá. Esta edição tem esse objetivo, o de que as pessoas guardem com carinho esse número que foi especialmente trabalhado nessa data tão especial. Viva Cuiabá e os seus trezentos anos de vida. Tenham todos uma ótima leitura.
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EXPEDIENTE
lume Mato Grosso
PESCUMA MORAIS Diretor de Expansão e de Projetos Especiais ELEONOR CRISTINA FERREIRA Diretora Comercial JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral MARIA RITA UEMURA Jornalista Responsável JOÃO GUILHERME O. V. FERREIRA Revisão AFRÂNIO CORRÊA, ANDRÉIA KRUGER, ANNA MARIA RIBEIRO, CARLOS FERREIRA, CARLOS GOMES DE CARVALHO, CASSYRA VUOLO, DIEGO DA SILVA BARROS, EDNA LARA, EDUARDO MAHON, ENIEL GOCHETTE, EVELYN RIBEIRO, FELIPE DE ALBUQUERQUE, JOYCE THAYS PEREIRA DOS SANTOS, JULIANA RODRIGUES, JÚNIOR CÉSAR GOMES GUIMÃES, KALLITA DOS ANJOS MORAES, LUCIENE CARVALHO, MILTON PEREIRA DE PINHO GUAPO, PAULO PITALUGA COSTA E SILVA , RAFAEL LIRA, ROSE DOMINGUES, THAYS OLIVEIRA SILVA, VALÉRIA CARVALHO, WELLER MARCOS DA SILVA, YAN CARLOS NOGUEIRA Colaboradores ANDREY ROMEU, ANTÔNIO CARLOS FERREIRA (BANAVITA), CECÍLIA KAWALL, CHICO VALDINEI, EDUARDO ANDRADE, HEITOR MAGNO, HENRIQUE SANTIAN, JANA PESSOA, JOSÉ MEDEIROS, JOYCE CORRÊA, JP-FOTOS,
JÚLIO ROCHA, LAÉRCIO MIRANDA, LUIS ALVES, RAI REIS, MAIKE BUENO, MARCOS BERGAMASCO, MARCOS LOPES, MÁRIO FRIEDLANDER, MOISÉS INÁCIO DE SOUZA Fotos OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO SÃO DE RESPONSABILIDADE DE LUME MATO GROSSO, E SIM DE SEUS AUTORES. LUME - MATO GROSSO é uma publicação mensal da EDITORA MEMÓRIA BRASILEIRA Distribuição Exclusiva no Brasil RUA PROFESSORA AMÉLIA MUNIZ, 107, CIDADE ALTA, CUIABÁ, MT, 78.030-445 (65) 3054-1847 | 36371774 99284-0228 | 9925-8248 Contato WWW.FACEBOOK.COM/REVISTALUMEMT Lume-line REVISTALUMEMT@GMAIL.COM Cartas, matérias e sugestões de pauta MEMORIABRASILEIRA13@GMAIL.COM Para anunciar ROSELI MENDES CARNAÍBA Projeto Gráfico/Diagramação IGREJA DO ROSÁRIO E SÃO BENEDITO, EM 1928. FOTO: ARQUIVO PÚBLICO MT Capa
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SUMÁRIO
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REPORTAGEM ESPECIAIL
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R E P O RTAG E M ESPECIAL
300 Anos de Cuiabá Breve passeio por alguns fatos de sua história
Palácio Alencastro na década de 1940
POR JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA
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Em abril de 2019 a revista Lume Mato Grosso optou por publicar uma edição especial sobre aspectos históricos de Cuiabá. É que se se comemora no dia 8 deste mês trezentos anos de fundação da capital de Mato Grosso e, nada mais justo, do que homenagearmos a cidade que é a sede de nosso empreendimento. Vamos nos ater aos principais fatos históricos dos quais se originam Cuiabá, pois, a história dessa cidade é tão intensa, complexa e cheia de detalhes e meandros que
até o dia de hoje nenhum historiador se atreveu a conta-la, como se deve. O que temos sobre Cuiabá, em termos de publicações historiográficas, são recortes de fatos e fases da sociedade, da política, da economia e da cultura cuiabana. Existem ótimos trabalhos, no entanto, nenhum fecha o começo, meio e fim dessa linda história. O que oferecemos aqui nas páginas dessa revista é um breve histórico baseado em alguns fatos, notadamente o da ocupação pioneira. Esperamos que apreciem.
1º Gasômetro, na década de 1950
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Antiga Prefeitura, na década de 1950
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R E P O RTAG E M ESPECIAL OS PRIMÓRDIOS DA HISTÓRIA DE CUIABÁ
»»Para Mato Grosso, o século XVIII demarcou o período de sua ocupação pelos bandei-
rantes paulistas, ocasião em que se verificou a fundação oficial de Cuiabá, a 8 de abril de 1719. Antes, na segunda metade do século XVII, a região do São Gonçalo Velho, às margens do Coxipó, já havia sido visitada por bandeirantes em busca de minas auríferas. Ocorreram movimentações, descobertas e registro, no entanto, sem ocupação. É de Cuiabá que surgiram todas as unidades municipalistas que compõem o território mato-grossense, além dos municípios de Mato Grosso do Sul e Rondônia. Cuiabá, se constitui na base histórica da ocupação de todo o Oeste do Brasil colonial. Este feito de portugueses e paulistas foi o fator principal da significativa mudança na cartografia brasileira desde a sua ocupação no primeiro quartel do século XVIII. Foi a tomada de posse de Cuiabá que permitiu Tratados de Limites futuros que delinearam novos rumos divisionais com os países fronteiriços a oeste e norte brasileiros. Foi nessa época que teve origem a célula mater dos sonhos: Cuiabá, permitindo-se propósitos de transformar Mato Grosso na pujante unidade administrativa brasileira consolidada e reconhecida na segunda década do século XXI. Data daquela época os mais importantes fatos para a consolidação histórica e geopolítica do território que viria a ser denominado Mato Grosso. Com o avanço luso ao oeste e, por conta do Tratado de Madri, assinado, na ciMANOEL DE CAMPOS BICUDO E dade espanhola do mesmo SEU FILHO ANTÔNIO PIRES DE nome, em 14 de janeiro de CAMPOS, GRAVURA: BELMONTE 1750, os marcos divisórios entre os impérios espanhol e lusitano foram colocados, pelo lado português, na margem direita do Rio Guaporé, em toda a sua extensão e, esquerda, do Rio Paraguai, das grandes lagoas até onde o uti possidetis poderia permitir. Esta expressão que vem do latim se traduz por “se já possuis, continuais possuindo” (HOLANDA FERREIRA, 2009, p. 2.028), pois, assim sendo, seria reconhecida a propriedade das terras a quem nela já habitasse. O ouro cuiabano se tornou efetivamente atrativo a partir da segunda década do século XVIII. Foi a partir daí que se formaram no oeste brasileiro as primeiras povoações de origem europeia. Somente com a tomada de Cuiabá pelos paulis-
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tas e portugueses é que a Coroa lusitana se deu conta da imensidão do território brasileiro, mostrando que essa porção territorial não tinha sido ocupada. Hábeis políticos e com visão extremada em tomada de posse de territórios, os portugueses se organizaram no sentido de avançar o máximo possível os seus domínios, antes que os espanhóis o fizessem. Por conta disso é que, ao ser criada a Capitania de Mato Grosso, a escolha da capital recaiu sobre ponto extremado do Oeste, próximo à divisa com terras dominadas pelos espanhóis. Querendo zelar pelo seu valioso patrimônio, conquistado pela força da astúcia e custosos empreendimentos, a Coroa portuguesa enviou para a capital administrativa da Capitania homens de reconhecido valor. Eram varões de nobre passado que, depois de governarem Mato Grosso, conquistaram os mais honrosos postos na vida política da Colônia e também de Portugal. Foram Vice-Reis no Brasil, Ministros, Conselheiros ou generais dos Exércitos, Embaixadores nas cortes da Europa ou Governadores das colônias da África. O primeiro governante de Mato Grosso, que efetivamente dirigiu a Capitania a partir de sua capital, foi Rolim de Moura, que chegou a Cuiabá por terra, vindo de Goiás, no entanto, é preciso não esquecer da figura política Gomes Freire de Andrade - Conde de Bobadela, que foi nomeado capitão-general de Mato Grosso, por Carta Régia, em 9 de maio de 1748, administrando-o, de longe, da cidade do Rio de Janeiro, até 17 de janeiro de 1751, ocasião que Rolim de Moura foi efetivado à frente do poder executivo da Capitania de Matto Grosso e Cuiabá, permanecendo na região fronteiriça até 1765. Por isso, é lícito afirmar que o primeiro governador de Mato Grosso foi Gomes Freire de Andrade, tendo sido Rolim de Moura o segundo. A formação do território cuiabano foi obra de paulistas e portugueses, com o braço forte de indígenas e escravos africanos. Tudo começou com a busca pelo ouro e pedras preciosas, empreendida por Manoel de Campos Bicudo e Bartolomeu Bueno da Silva, em torno de 1675. Nessa ocasião, ambos levavam seus filhos, garotos de apenas 12 anos de idade. Filho de Campos Bicudo, o bandeirante Antônio Pires de Campos, em 1716, voltou à região de Cuiabá, em busca de aventura e, quiçá, para encontrar o ouro dos Martírios. Não encontrou. Em sua volta a São Paulo, depois de busca a lendária mina, a bandeira de Antônio Pires de Campos, descendo o Cuiabá, chegou ao Arraial Velho, ponto de encontro de bandeirantes paulistas. Campos se encontrou com Paschoal Moreira Cabral e o informou ter desistido da empreitada, por ter se deparado com índios Coxiponé. Sugeriu a Moreira Cabral que subisse o rio em busca de prea fácil, eis que, em 1718, este subiu o Cuiabá e entrou pelo Coxipó, se arranchando na aldeia velha de São Gonçalo. Não demorou e seguiu por terra, margeando o Coxipó, com muitos homens, a procura de índios para aprisionamento. No caminho, depararam com um rio ao qual chamaram de Peixe. Mais a frente, encontraram outro curso d›água a que denominaram Mutuca. Cansados, acamparam nas margens desse último e, eis que, em pouco tempo, se valendo de instrumentos rudimentares, alguns bandeirantes conseguiram retirar do solo três oitavas de ouro. Aquela descoberta mexeu com os homens da bandeira, que não tiveram tempo para extrair mais ouro e muito menos comemorar, visto que foram atacados por índios. Estes se apresentavam enfeitados com joias feitas em ouro, tanto no nariz quanto nas orelhas. Eram hábeis arqueiros e fizeram cinco mortos e catorze feridos, entre os homens de Moreira Cabral. A bandeira retrocedeu e encontrou uma situação inusitada em São Gonçalo, os homens que haviam ficado também encontraram ouro nas águas do Coxipó. Apesar da refrega e poucos suprimentos entusiasmaram-se e resolveram ficar. Sem dúvida alguma, pelo ouro do Coxipó. Não demorou e a bandeira dos irmãos Antônio, Gabriel e Felipe Antunes Maciel, aportou em São Gonçalo. Estes, lançaram-se a cuidar da pequena povoação, tratando de plantar roças, pois imaginavam permanecer no lugar por muito tempo. As dificuldades inerentes a uma situação dessa não é difícil imaginar, pois os víveres tinham prazo para se esgotarem. Não demorou muito tempo e outra bandeira apontou na curva do rio, era Fernão Dias Falcão, com 130 homens, trazendo comida e pólvora.
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R E P O RTAG E M ESPECIAL A ATA DE FUNDAÇÃO DE CUIABÁ
»»Diante da realidade do ouro de cata fácil, Moreira Cabral achou por bem participar ao
governador da Capitania de São Paulo, Dom Pedro de Almeida, o seu precioso achado. Convocou para esta missão António Antunes Maciel e Fernão Dias Falcão, que chegaram a São Paulo contando as mais espalhafatosas histórias sobre as minas do Cuiabá. A 8 de abril de 1719, foi assinada Ata de fundação da vila: Aos oito dias do mês de Abril da era de mil setecentos e dezenove anos neste Arraial do Cuiabá fez junta o Capitão Mór Pascoal Moreira Cabral com os seus companheiros e ele requereu a eles este termo de certidão para notícia do descobrimento novo que achamos no ribeirão do Coxipó invocação de Nossa Senhora da Penha de França depois de foi o nosso enviado o Capitão Antônio Antunes com as amostras que levou do ouro ao Senhor General com a petição do dito capitão-mor fez a primeira entrada aonde assistiu um dia e achou pinta de vintém e de dois e de quatro vinténs a meia pataca e a mesma pinta fez na segunda entrada em que assistiu sete dias e todos os seus companheiros às suas custas com grandes perdas e riscos em serviço de suas Real Majestade e como de feito tem perdido oito homens brancos fora negros e para que a todo tempo vá isto a notícia de sua Real Majestade e seus governos para não perderem seus direitos e por assim por ser verdade nós assinamos todos neste termo o qual eu passei bem e fielmente a fé de meu ofício como escrivão deste Arraial. Pascoal Moreira Cabral, Simão Rodrigues Moreira, Manoel dos Santos Coimbra, Manoel Garcia Velho, Baltazar Ribeiro Navarro, Manoel Pedroso Lousano, João de Anhaia Lemos, Francisco de Siqueira, Asenço Fernandes, Diogo Domingues, Manoel Ferreira, Antônio Ribeiro, Alberto Velho Moreira, João Moreira, Manoel Ferreira de Mendonça, Antônio Garcia Velho, Pedro de Godói, José Fernandes, Antônio Moreira, Inácio Pedroso, Manoel Rodrigues Moreira, José Paes da Silva. No mesmo dia e ano atrás nomeado elegeu o povo em voz alta o Capitão Mor Pascoal Moreira Cabral por seu guarda mor regente até ordem do senhor General para poder guardar todos os ribeiros de ouro, socavar e examinar e composições aos mineiros e botar bandeiras tanto a minas como nos inimigos bárbaros e visto ao dito lhe acatarão o respeito que poderá tirar auto contra aqueles que forem régulos com é amotinador e alivia que expulsará e perderá todos os seus direitos e mandará pagar dívidas e que nenhum se recolherá até que venha o nosso enviado o Capitão Antônio Antunes de que todos levamos a bem hoje oito de abril de mil setecentos e dezenove anos e eu, Manoel dos Santos Coimbra, escrivão do Arraial, que escrevi - Pascoal Moreira Cabral. (Publicações Avulsas do IHGMT, nº 53, 2002, p. 15)
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Convém lembrar que esta Ata de fundação de Cuiabá foi assinada na aldeia velha de São Gonçalo, hoje bairro cuiabano de São Gonçalo, às margens dos rios Cuiabá e Coxi-
lumeMatoGrosso pó, se bem que existem correntes históricas bem abalizadas que contestam o local da assinatura desse documento. A melhor delas é assinada pelo historiador Paulo Pitaluga Costa e Silva, em seu livro Erros e Mitos da História de Mato Grosso, o qual alega ter sido a Ata redigida e assinada somente anos depois, quando o arraial deu manifestação de estabilidade. No entanto, o que valeu, é que a Ata foi importante passo na tomada do solo oestino, até então ocupado milenarmente por dezenas de nações indígenas. A atração do metal precioso à nascente povoação de Cuiabá foi imediata, mesmo com as questões de distância a serem vencidas em travessias de rios, campos, matas e pantanais. Em 1720, mais de dois mil paulistas chegaram a São Gonçalo, com destino ao arraial de Forquilha. Segundo o cronista José Barbosa de Sá, em seu Relação das povoações do Cuiabá e Mato Grosso de seus princípios até os presentes tempos, publicado em 1975, pela UFMT, na página 13, se registra que: (...)Que dentre esse elevado número de aventureiros e trabalhadores, estavam José de Sá Arruda, Jacinto Barbosa Lopes, João Carvalho da Silva, os irmãos João Martins de Almeida e Inocêncio Martins de Almeida, João Leite de Barros, José Pires de Almeida, Pedro Corrêa de Godoy, Frei Florêncio dos Anjos, Frei Pacifico dos Anjos, Padres Jerônimo Botelho e André dos Santos Queiroz, irmão Jacinto Barbosa Lopes. Nessa leva também vieram os irmãos João Leme da Silva e Lourenço Leme da Silva, João Antunes Maciel, capitão-mor de Sorocaba e os irmãos Sutil de Oliveira (SÁ, 1975, p. 13)). O próprio Pascoal Moreira não demorou em São Gonçalo, vindo a estabelecer-se em Forquilha. A 21 de fevereiro de 1721, foi celebrada missa, pelo padre Jerônimo Botelho, em capela erguida em homenagem a Nossa Senhora da Penha de França, com sua imagem sendo trazida de Arararitaguaba, hoje cidade de Porto Feliz, no estado de São Paulo (CORRÊA, 2015, P. 42).
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R E P O RTAG E M ESPECIAL
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SÃO GONÇALO VELHO, ÀS MARGENS DO COXIPÓ E CUIABÁ, AO TEMPO DE SUA FORMAÇÃO ORIGINAL (DESENHO DE MOACYR FREITAS)
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R E P O RTAG E M ESPECIAL O OURO QUE BROTAVA DA TERRA FEITO MATO
»»Em outubro de 1722, o sorocabano Miguel Sutil desceu o Coxi-
pó, subiu o Cuiabá e enveredou para o córrego da Prainha, onde tinha deixado uma roça. Enquanto cuidava do roçado, mandou dois índios carijós, seus escravos, encontrar mel. Na sua volta, no final do dia, sem o mel e respondendo a Sutil disse: “vieste buscar mel ou ouro?”. Mostraram ao patrão 23 gravetes de ouro que pesavam 120 oitavas, encontradas à flor da terra, nas margens do córrego da Prainha, e que lá havia muito mais. No dia seguinte, Miguel Sutil foi até o sítio indicado, acompanhado pelos dois índios e pelo português João Francisco, o “Barbado”. E, por todo o dia, tiraram ouro da flor da terra. Ao cair da tarde, regressando ao seu rancho, Sutil conseguiu amealhar meia arroba de ouro e Barbado, 280 oitavas. No dia seguinte, todo o povoado de Forquilha sabia da novidade. No mesmo ano de 1722 se formou um novo povoado às margens do Córrego da Prainha e Jacinto Barbosa Lopes já levantava, de pau-a-pique e coberta de palha, a capela do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, onde seu irmão, frei Pacifico dos Anjos, celebrou a primeira missa. Nasciam as Minas do Cuiabá. Em 1739 e 1740, mediante subscrição pública, foi a igrejinha do Bom Jesus construída solidamente, de pedra e cal, obra do Padre João Caetano Leite, vigário da Vila, e do reverendo Dr. José Pereira Aranda, que orientou as obras. (CORRÊA, 2015, P. 42). Em 1771, teve a sua primeira torre construída, bem como melhorada e ampliada a sua edificação. Em 1868, outra torre foi erguida, a qual, que perdurou até a segunda metade do século XX. No segundo quartel do mesmo século, uma nova Matriz foi erguida no lugar daquela, mantendo, em seu interior, no mesmo altar lateral, permaneceu por séculos a vetusta imagem do senhor Bom Jesus, fabricada por mãos de uma mulher paulista, por volta de 1718. A Cuiabá setecentista era, sim, uma cidade bonita e interessante, apesar de não apresentar arquitetura suntuosa em seu casario, com ruas estreitas, calçamento irregular e quintais sombreados. No entanto, o ouro cuiabano mexeu muito com a cabeça da Corte lusitana. Os paulistas tencionavam enriquecer São Paulo com índios escravos e riquezas minerais. Portugal estabelecia um programa de governo de avanço para oeste, indo até onde encontrasse efetivamente os espanhóis. Forçava a transferência do domínio espanhol para Portugal. Os paulistas, a princípio, varreriam a riqueza de Cuiabá sem maiores consequências de organização duradoura social. Cada garimpo tomado individualmente durava pouco tempo sustentando notável número de faiscadores. Logo desaparecia o ouro fácil, permanecendo no local um que outro pertinaz cavoqueiro, contente com as sobras das manchas. Portugal tomou a decisão de conquistar a terra de forma estável, mesmo acabado o ouro.
lumeMatoGrosso POVOADO GARIMPEIRO DE FORQUILHA, NA BARRA DO RIO DO PEIXE COM O COXIPÓ (GRAVURA DE MOACYR FREITAS)
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R E P O RTAG E M ESPECIAL O CAPITÃO GENERAL RODRIGO CÉSAR DE MENEZES CHEGANDO EM CUIABÁ, EM 15 DE NOVEMBRO DE 1726 (GRAVURA: MOACYR FREITAS)
CRIAÇÃO DA VILA REAL DO BOM JESUS DO CUIABÁ
»»O passo português seguinte foi a criação da Vila. Foi então que o governador e capitão-ge-
neral da Capitania de São Paulo, Dom Rodrigo César de Menezes, instalou a Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, estrutura suprema local de governo durante o período colonial. Dom Rodrigo partiu de São Paulo a 6 de junho de 1726 e chegou em Cuiabá a 15 de novembro do mesmo ano. A 1º de janeiro instalou a Vila, cuja Ata segue transcrita a seguir, inclusive com algumas formas e palavras da escrita da época:
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Ao primeiro dia do mês de janeiro de 1727, n’esta Villa Real do Senhor Bom Jesus de Cuyabá, sendo mandado por S. M., que Deus guarde a creal-a de novo o Exmo. sr. Rodrigo Cesar de Menezes, Governador e Capitão General d’esta Capitania, e que o acompanhasse para o necessário o dr. Antônio Alvez Lanhas Peixoto, Ouvidor Geral da Comarca de Paranaguá, sendo por eles eleitas as justiças, juízes ordinários, Rodrigo Bicudo Chacim, o Tesoureiro Coronel João de Queiróz Magalhães, e vereadores Marcos Soares de Faria, Francisco Xavier de Mattos, João de Oliveira Garcia e Procurador do Conselho Paulo Anhaia Lima, servindo de Secretário da Comarca Luiz Teixeira de Almeida, almocaté o brigadeiro Antônio de Almeida Lara, e o capitão-mor Antônio José de Mello, levando o estandarte da Villa Mathias Gomes de Faria, foi mandado pelo dito Senhor Governador e Capitão
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General que com dito Ouvidor, todos juntos com nobreza e povo, fossem à praça levantar o Pelourinho d’esta Villa, a que em nome d’El-Rei deu o nome de Villa Real do Bom Jesus, e declarou que sejam as armas de que usasse um escudo dentro com o campo verde e um morro ou monte no meio, todo salpicado com folhetas e granitos de ouro, e por timbre, em cima do escudo, uma phenix; e nomeou para levantar o Pelourinho ao Capitão-Mor regente Fernando Dias Falcão e todos os sobreditos com o dito Dr. Ouvidor, nobreza e povo, foram á praça d’esta villa, aonde o dito Fernando Dias Falcão levantou o Pelourinho do que para constar a todo o tempo fiz este termo, que assinou o dito Senhor General com os sobreditos. E eu, Gervásio Leite Rabello, secretário d’este governo, que o escrevi, dia e era ut supra - Rodrigo Cesar de Menezes, Antônio Alves Lanhas Peixoto, Rodrigo Bicudo Chacim, Marcos Soares de Faria, Francisco Xavier de Mattos, João de Queiroz Magalhães, João de Oliveira Garcia, Luiz Ferreira de Almeida, Antônio José de Mello, Paulo de Anhaya Lemes, Antônio de Almeida Lara, Mathias Soares de Faria, Fernando Dias Falcão, João Pereira da Cruz, Manoel Dias de Barros, Luiz de Vasconcellos Pessoa, Manoel Vicente Neves, Salvador Martins Bonella (CORRÊA, 2015, P. 47/48) Com esse ato foi criado, também, o Senado da Câmara da Vila de Cuiabá. Registra-se que os capitães-generais não possuíam qualquer vínculo com o Senado da Câmara, que se atinha aos interesses da Vila de Cuiabá, tão somente. Dali saíam as ordens administrativas, legislativas e judiciárias, necessárias ao seu bom andamento político, quando não, também, as de julgamento. Os camaristas eram respeitados por seus cargos, por serem o centro de poder da vila, mas também eram regularmente cobrados por resultados favoráveis à sociedade local, como nos mostra o historiador Paulo Pitaluga Costa e Silva, em seu livro As Câmaras de Vereadores no Século XVIII: (...) Os oficiais camaristas eram respeitados como autoridades plenas e maiores do lugar. Mas também eram muito cobrados, tanto pelo povo, como por outras autoridades, no estrito cumprimento das leis, de suas obrigações e de suas funções legais. Essa cobrança era um Direito do povo que os havia eleito, Direito esse assegurado legalmente, estando disciplinado nas Ordenações. E parece que o povo, os cidadãos, os homens bons, tinham plena consciência disso, e tornavam os camaristas os principais interlocutores de seus problemas e de suas reivindicações (COSTA E SILVA, 2000, p. 29). Pela primeira vez na história foram eleitos vereadores de Cuiabá: Marcos Soares de Faria, Francisco Xavier de Mattos e João de Oliveira Martins. O juiz ordinário eleito foi Rodrigo Bicudo Chassim, como procurador da Câmara Paulo Anhaia Lima. Ocupou o cargo de almotacel o brigadeiro Antônio de Almeida Lara, o mesmo que inspetor de taxação e de pesos e medidas de mercadorias importantes, dentre as quais, obviamente, o ouro cuiabano.
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R E P O RTAG E M ESPECIAL Há de se dizer, entretanto, que na administração do governador e capitão-general Rodrigo Cesar de Menezes, que trouxe ao Arraial mais de 3 mil pessoas, houve transformações radicais no seu sistema econômico e administrativo. A medida mais drástica foi a elevação do imposto cobrado sobre o ouro, gerando aumento no custo de vida, devido ao crescimento populacional, agravando a situação precária do garimpo já decadente. Esses fatos, aliados à grande violência que mesclou a sua administração, bem como a escassez das minas de Cuiabá, tornaram-se fundamentais para a grande evasão populacional para outras áreas. Em bem abalizada pesquisa, a historiadora Elizabeth Madureira Siqueira, no livro Evolução Histórica da Sefaz 1719-2014, nos revela importantes fatos sobre o aumento de impostos no governo Cesar de Menezes: (...) Inicialmente, segundo Virgílio Corrêa Filho (2002), Pascoal Moreira Cabral, compreendendo as dificuldades dos mineiros, procurou aliviá-los de altos impostos taxando-os quase que simbolicamente, visto ter sido eleito Guarda-Mor e primeiro administrador das Minas do Cuiabá. (...) Ao longo dos sete primeiros anos, e com o aumento da afluência populacional, os impostos sofreram um representativo aumento, visto que o governador da capitania de São Paulo enviara, para arrecadar e fiscalizar a região mineira, pessoas de sua absoluta confiança: - Provedor da Real Fazenda: Fernão Dias Falcão; - Provedor dos Quintos: Jacinto Barbosa Lopes; - Almoxarife, Capitão-Mor: Antônio José de Melo; - Provedor dos Registros e Entradas: Sargento-Mor Domingos Leme da Silva. (...) Apesar de ter fixado esse montante de impostos, já em 1724 e 1725, nova alteração de valores se verificou no ano seguinte, com maior notabilidade para o das bateias, escravos e índios e, com maior relevo, para o das cargas de secos e molhados, tão necessário para abastecer a nova zona mineradora que despontava no cenário colonial. Elevação significativa pode ser observada no ano de 1727, quando Rodrigo César de Menezes residiu em Cuiabá (MADUREIRA SIQUEIRA, 2014, p. 33/34). Além de descabidas taxas de impostos para a nascente sociedade cuiabana, outros fatos de grande relevância, a exemplo da precariedade do mercado abastecedor de gêneros alimentícios, da consequente subnutrição da Vila, tornando-a vulnerável às epidemias e endemias, além de constantes choques com povos indígenas, que provocavam grandes baixas na população, incentivou, desta forma, o êxodo dos mineiros para a região das Minas do Mato Grosso, na porção oeste da colônia, no vale do Rio Guaporé. A 5 de junho de 1728, depois de quase dois anos de estada em Cuiabá, parte Rodrigo Cesar de Menezes de volta a São Paulo, pelo mesmo caminho de vinda, o das monções. A 29 de março de 1729, D. João V, criou o cargo de Ouvidor de Cuiabá. Se bem que Cuiabá nascesse tardiamente, ainda incorporou a estrutura antiga dos Municípios, em que o poder máximo era exercido pelo legislativo, cabendo ao executivo um simples papel de Procurador. O chefe nato do legislativo era a autoridade suprema do Judiciário. Por isso, o poder municipal era também denominado Ouvidoria de Cuiabá. Ainda não se usava designar limite ou área ao município, recebendo atenção formal a sede municipal, com seu perímetro urbano. O resto do território se perdia num indefinido denominado Distrito. Por isso se costumava dizer Cuiabá e seu Distrito.
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lumeMatoGrosso : VILA REAL DO BOM JESUS DE CUIABÁ, EM MEADOS DO SÉCULO XVIII (GRAVURA DE MOACYR FREITAS).
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R E P O RTAG E M ESPECIAL CUIABÁ: DECADÊNCIA E ÊXODO
»»Nos primeiros tempos do ouro cuiabano, logo depois de Forquilha, o brigadeiro An-
tônio de Almeida Lara, um dos nomes mais importantes da história de Cuiabá, subiu a serra e abriu a primeira fazenda em terras de Mato Grosso, o Engenho do Burity, cujos resquícios existem até os dias de hoje, com o mesmo nome e lugar. Lara foi pioneiro plantador de cana-de-açúcar para o fabrico de cachaça e açúcar, além do que produzia feijão, milho e ainda criava galinhas, porcos e animais silvestres. Suas plantações salvaram, pelo menos em parte, a fome da população cuiabana, em 1726, quando ocorreu horrenda seca e falta de víveres, que precisou vir de outras plagas. Segundo o historiador Washington Luís: (...) Os víveres que escapavam ao gentio, chegavam podres e imprestáveis; a agricultura rudimentar sofria das inundações ou das secas demoradas, e principalmente, dos ratos vorazes, que se multiplicavam prodigiosamente, constituindo um verdadeiro flagelo, comparável às pragas do Egito. (...) faltava milho, havia quem desse um negro por quatro alqueires de milho; não havia sal, comprava-se um frasco por 40 oitavas e, para os batizados, mendigavam-se pedras de sal e, ainda assim muitas crianças morriam pagãs. Para se ter ideia da carestia imposta àquela sociedade, um casal de gatos, imprescindíveis, valia uma libra de ouro. Um gatinho desmamado era vendido a 20 ou 30 oitavas de ouro. Entre os anos de 1728 e 1730, um fenômeno social aflorou nas chamadas Minas do Cuiabá, que não eram minas cavadas, visto que o ouro era de aluvião, trata-se de que não eram apenas os desconfiados paulistas que socavavam o chão cuiabano, como conta o historiador Afrânio Estêvão Corrêa, em seu livro O Paredão de Ouro: (...) Também negros escravos que, seminus, sob sol escaldante, se puseram à labuta mineira, sob ordens de seus senhores, que os vigiavam, a distância”. (...) com tabuleiros na cabeça, negras forras e cativas, iam para as lavras vender quitandas, excitando os patrícios que mineravam ou faiscavam, a uma volúpia fácil, ardente e animal. Aí mesmo, ao rebrilhar de uma folheta, tratavam dos seus amores; e, de noite, nas tabernas e ranchos da vila e dos arraiais, verdadeiros alcouces, por entre bebedeira, gritos e tiros que ensurdeciam, a devassidão fervia. Para essas casas, à noite, com facas de ponta e armados de paus curtos dissimulados pelos capotes em que se envolviam, os negros se dirigiam a consumir o ouro que roubavam aos senhores e as ferramentas que lhe desencaminhavam. Os taverneiros, poucos escrupulosos, os recolhiam apoderando-se dos furtos a troco de bebidas alcoólicas e bugigangas, que eram o preço dos amores africanos (CORRÊA, 2015, p. 52).
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Por conta dessa situação, os senhores maltratavam os seus escravos, chegando a casos extremos de assassinatos mesmo com a perda de capital, pois o negro, naquela época, era apenas isso, um negócio: (...) “Daí, as fugas dos escravos, que se revol-
lumeMatoGrosso VILA REAL DO BOM JESUS DE CUIABÁ, EM MEADOS DO SÉCULO XVIII (GRAVURA DE MOACYR FREITAS)
tavam, matavam os brancos e engrossavam os quilombos dos arredores. (...) A licença dos costumes e o ouro fácil animavam o jogo; isso ia a todos, e muitos, às cartas e aos dados, perdiam também os dias se esquecendo de minerar”. Pouco a pouco, a própria natureza hostilizava os povoadores do vale da Prainha, dando-lhes uma vida quase insustentável pela miséria dos recursos. Fome, chuva, seca, índios, ratos e, sobretudo, a falta de ouro. Assim, por ocasião das notícias de muito ouro para as bandas do Guaporé, enorme contingente populacional de Cuiabá optou pela migração, indo para as lavras de São Francisco Xavier e Santana de Chapada: “(...) mais de 1.500 pessoas, escreve Pizzaro, em 70 canoas conduzidas pelo ouvidor João Gonçalves Pereira, deixaram a vila nesse ano (1736), ficando em Cuiabá apenas cerca de 7 pessoas, inclusive clérigos” (CORRÊA, 2015, p. 55). O Vale do Guaporé produziu muito ouro nesse período, possivelmente em maior quantidade que nas lavras cuiabanas. Se a situação da Vila de Cuiabá já estava difícil, tornou-se pior com a criação da Capitania, em 9 de maio de 1748. Em 1751, Cuiabá contavam-se seis ruas, sendo a principal a Rua das Trepadeiras (hoje Pedro Celestino). Muitos de seus habitantes migraram para a capital da Capitania, atraídos pelos privilégios oferecidos aos que ali fossem morar. Este fator permitiu que Cuiabá ficasse quase estagnada por décadas, somente melhorando a partir da transferência da sede de governo, de Vila Bela da Santíssima Trindade para Cuiabá, em 1835.
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R E P O RTAG E M ESPECIAL ÓPERA E FESTEJOS CUIABANOS
»»Mesmo sem ser oficialmente ainda capital de Mato Grosso, a Vila de Cuiabá atraia para si a simpatia de todas as camadas da sociedade política, social e empresarial da época. O motivo poderia ser a permanente cordialidade do povo cuiabano, já consolidada naquele período. Era comum os capitães generais ficarem longos períodos em Cuiabá, antes de ir até a antiga capital, Vila Bela, para assumirem suas funções de forma oficial. A recepção cuiabana às autoridades criara fama, a exemplo do que ocorreu com vários capitães generais. Com o falecimento do Capitão General João de Albuquerque, assumiu o governo da Capitania uma Junta Governativa, composta pelo ouvidor-geral António da Silva Amaral, Coronel Ricardo Franco de Almeida Serra e Vereador Marcelino Ribeiro, que governou até a chegada do 6º capitão-general de Mato Grosso, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, empossado a 4 de novembro de 1796. Montenegro era doutor em Direito pela Universidade de Coimbra. Quando assumiu o governo de Mato Grosso tinha 37 anos de idade e veio pelo caminho de Goiás. Chegou em Cuiabá a 17 de setembro de 1796, e sua estada nessa Vila foi uma grande festa. O cronista Joaquim da Costa Siqueira registrou nos anais do Senado da Câmara a chegada e estadia de Miranda Montenegro, numa Cuiabá festiva e cultural:
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(...) O dia 17 de setembro, pelas 10 horas da manhã, chegou a esta vila Exmo. General Caetano Pinto de Miranda e Montenegro, em cuja vinda, alegres os povos desta Capitania, se julgam remidos do cruel cativeiro em que se achavam; nesta mesma manhã saiu do Coxipó, onde fora o pouso antecedente, acompanhado de um esquadrão de cavalaria auxiliar, composto de 20 soldados comandados por um tenente, além do esquadrão de Dragões, que desde o Rio Grande o acompanhavam, e vinha então comandado o tenente António Francisco de Aguiar; e passando pelo Regimento Auxiliar, que estava postando próximo à vila, aí se lhe fizeram as continências militares e se deram as competentes descargas do costume. Logo á entrada da vila, se apeou do garboso ginete em que vinha montado, junto à casa que o senado havia mandado preparar na rua ricamente armada, em que o esperava com o seu estandarte e o pálio que carregavam seis republicanos: e metendo-se debaixo dele, prosseguiu a sua
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entrada pelas ruas mais públicas, acompanhado do mesmo senado, atrás do pálio e das pessoas da nobreza, adiante, praticando o corpo das ordenanças que se achava formado na Rua da Mandioca, na sua passagem, as mesmas funções e obrigações militares. Encaminhou-se à Igreja Matriz, onde a toque dos sinos dela e das capelas filiais, foi recebido pelo rev. Vigário da vara e Igreja, Agostinho Luiz Goulart Pereira que, paramentado com todos os mais sacerdotes, os esperavam à porta da igreja e, feitas as cerimônias do estilo, subiram para a capela mor, entoando o reverendo Vigário o hino Te Deum Landamus, que prosseguiu a música e findo se recolheu da mesma forma ao palácio que se lhe havia destinado na praça da vila, onde então se achavam postados o regimento de milícias e o corpo de ordenanças por um e outro lado, praticando as continências devidas. Nesta noite, continua o cronista de Cuiabá: (...) E nas duas sucessivas, houve uma iluminação geral e orquestras de músicas, assim defronte do palácio de S. Excia., como por todas as ruas, que deram os dois mestres de música desta vila; e no dia 22, se publicou à porta do palácio e rua da vila, um bando com que se principiaram as festas dedicadas a S. Excia., em seu aplauso, em que figuravam vinte homens das pessoas principais da terra, com máscaras, fardados de sargentos, com fardas encarnadas, bandas, golas, canhões e forros verdes e agaloadas, vestes e calções brancos, com alabardas; iam no centro doze figuras bem adereçadas, com farsas de homens e mulheres, que contra dançaram depois de se publicar o bando, indo adiante também mascarados os músicos, com uma excelente orquestra, além dos tambores que tocam caixa de guerra. Continuam daí por diante, funções de máscaras nas tardes; passados três dias, houve, assembleia em palácio à noite, com bailes e contra-danças bem executadas e brilhante farsas; correram-se cavalhadas duas tardes sucessivas com muito gosto, esplendor e luzimento; e depois, por noites interpoladas se representavam seis comédias, três executivas por homens brancos, duas por homens pardos e uma por homens pretos. Como se vê, àquele tempo, Cuiabá tinha um avançadíssimo movimento artístico e teatral, uma vez que naquele ano de 1796, foram encenadas comédias, tragédias e óperas. Em homenagem ao ouvidor Diogo de Toledo Lara, representam-se tragédia de Voltaire “SAIRA”; a ópera “ESIO EM ROMA”, a comédia “SGANARELO”, de Moliére e várias outras comédias, entremeies, tragédias e bailados. E surgiu também, naquele ano, o primeiro crítico teatral do Brasil. Era assim incontestável a influência que Cuiabá exercia no espírito dos capitães-generais.
CAPITÃO GENERAL DE MATO GROSSO, CAETANO PINTO DE MIRANDA MONTENEGRO
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R E P O RTAG E M ESPECIAL OBRAS ESTRUTURANTES E SOCIAIS EM CUIABÁ
»»Por Carta Régia de 9 de julho de 1806, foi transferido da Capitania do Ceará, para a de
Mato Grosso, o capitão-general João Carlos Augusto de Oyenhausen de Gravemburg. Foi o primeiro governante que praticamente permaneceu durante todo o seu mandato sob a égide do príncipe regente D. João VI, fato que veio a favorecer suas decisões administrativas, que se tornaram mais ágeis e eficientes. Seu governo teve início ainda no período colonial, concluindo-se no Reino Unido: Portugal, Brasil e Algarves, que vicejou entre 16 de dezembro de 1815 e 7 de novembro de 1822. A 7 de outubro de 1807, tendo viajado pela estrada de Goiás, chegava a Cuiabá o 8º governador da Capitania. A cidade o recebeu com pompa e circunstância, assim registrado nos anais do Senado da Câmara de Cuiabá:
SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE CUIABÁ, NA DÉCADA DE 1950
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(...) Houve iluminação geral por três noites por toda a vila e na segunda delas, ofereceu o capitão juiz de fora Joaquim da Costa Siqueira, um pomposo carro todo iluminado, em que ocupavam com propriedade os seus lugares, Apolo, Jupiter, Marte, Cupido, Juno, Vênus, Minerva e as Nove Musas, o qual, tendo rodeado a praça, parou em frente das janelas da aposentadoria de S. Excia., a quem se dedicava aquele obséquio. Repetiram, os atores que ocupavam o carro um drama poético, que assas agradou a S. Excia., pelo que foi repetido na noite do dia 18, havendo nova audição poética e iluminação varia, que mereceu maior aplauso. Seguiram-se três tardes de cavalhadas igualmente ricas e bem desempenhadas, de que foram mantenedores o capitão Apolinário de Oliveira Gago e o cadete Antonio Pedro Falcão das Neves. Houve também duas noites com música e baile de máscaras da residência do mesmo Exmo. General, e duas tardes de touros, o que tudo aplaudiu com demonstração da mais polida afabilidade. A 18 de novembro de 1807, assumiu o Governo em Vila Bela. Foi brilhante governador, mas em seus 11 anos de governo permaneceu a maior parte do tempo em Cuiabá. Com sua mente voltada ao social, mandou construir, com recursos advindos de uma herança para tal fim, em 1817, o Hospital de N. S. da Conceição e a da Casa Pia de S. Lázaro, para abrigar os hansenianos. O hospital de N. S. da Conceição, existindo até hoje sob o nome de Santa Casa da Misericórdia de Cuiabá, foi, no seu passado tão longínquo, uma obra de real valor, proporcionando à população de Cuiabá os benefícios da assistência médica. Também ordenou a instalação de um horto botânico em Cuiabá e mandou criar uma escola de Marinheiros e Construções Navais, entidade que desempenhou papel relevante na educação da mocidade desprotegida. Não demorou e o resultado dessa ação social se fez reconhecer, o porto fluvial de Cuiabá passou, pouco tempo depois, a receber navios a vapor, em viagens normais até Montevidéu. Em sua notável administração, ainda mandou que se criasse a Casa da Moeda, em Cuiabá, assim como fundou a Companhia de Mineração na mesma cidade. No ano de 1813, foi recriado o Juizado de Fora de Cuiabá, e constituído um Tribunal, composto pelo capitão-general, ouvidor geral e juiz de fora. Importante lembrar que o governo de Gravemburg ocorreu durante o principado de D. João VI, sendo que a maioria, CAPITÃO GENERAL JOAO CARLOS quase que absoluta, desse período, o foi diretamente da AUGUSTO OESEINHEUSEN Corte no Rio de Janeiro. Esse foi um fator determinante para a consolidação de inúmeros benefícios à Capitania e, especialmente, para Cuiabá, visto que a presença ativa e política de João Carlos Augusto Gravemburg contribuiu para o progresso cultural e social da cuiabania. No tempo do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, no início do século XIX, Cuiabá, mesmo não sendo oficialmente sede da Capitania, o era de fato. Nessa época, foi iniciada a transferência da capital de Mato Grosso, de Vila Bela para Cuiabá. Por conta de sofrer rebaixamento de status político, Vila Bela, a antiga capital do Estado passou a chamar-se Matto Grosso, numa referência às minas auríferas encontradas no vale do Rio Guaporé.
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R E P O RTAG E M ESPECIAL DOM JOSE ANTONIO DOS REIS, O BISPO DA RUSGA (GRAVURA: MOACYR FREITAS)
UM BISPO PARA CUIABÁ
»»Em 29 de outubro de 1804, foi nomeado, pelo príncipe regente, D. João VI, o bispo D.
Luiz de Castro Pereira, para a Prelazia de Cuiabá, que chegou à cidade em 17 de agosto de 1808. A Prelazia foi criada em 1745, por Bula Papal de Bento XIV, a Candor Lucis Aeternae, quando apenas Cuiabá representava Mato Grosso enquanto núcleo populacional. Se bem que existissem vários arraiais espalhados pelo vasto território mato-grossense, nem Vila Bela da SS Trindade e muito menos a Capitania de Mato Grosso haviam sido fundadas. Essa bula contribuiu de forma positiva para compor as pretensões de Portugal por ocasião do Tratado de Madri, em 1750, pois caracterizava o uti possidetis, assinado pelo Papa. Um documento inquestionável e de valiosa contribuição aos lusos, imbatíveis em artimanhas políticas. O bispo D. Luiz de Castro Pereira não foi o primeiro nomeado, muitos o foram, mas ninguém teve coragem de deixar as benesses e o conforto que lhes proporcionavam as porções litorâneas do Brasil. Esse religioso é considerado o primeiro bispo de Mato Grosso que teve desprendimento e coragem de viajar pelo caminho de Goiás, em demorada e penosa viagem, em longo trecho desassistido de apoio logístico, com o
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objetivo de cumprir sua missão de sacerdote em Cuiabá. Sua chegada foi comemorada com grande festa, característica marcante do povo cuiabano ao receber autoridades, notadamente a do bispo D. Luiz de Castro Pereira, que foi saudado por salva de tiros para, em seguida, receber os símbolos religiosos que o aguardavam, a mitra e o báculo. Sua entrada triunfal na cidade deu-se inicialmente pelo Largo da Mandioca, ricamente enfeitado com arcos e flores, com destino à igreja matriz. Desse trajeto, registrou o cronista Joaquim da Costa Siqueira: (...) o arco da câmara tinha oitenta e seis palmos de altura e quarenta de largo, tecido com cimalha real e guarnecido em cima com magnífico remate, com sua pirâmide em cada lado; no dito remate tinha duas tarjas, na parte da entrada a mitra e báculo e na parte da vila as armas do Senado. O arco foi todo vestido de fazenda branca encrespada, com várias flores e todos eles guarnecidos com galões de ouro; debaixo da cimalha real, o painel do retrato de nossa Augusta Soberana, isto é, na frente da entrada e correndo pé direito de ambos os lados, os retratos dos vice-reis e dos capitãesgenerais que tem servido nesta América. Após o trajeto o cortejo adentrou à catedral e durante a missa solene foi entoado o Te Deum e hinos sacros. Por ter sido muito bem recebido, D. Luiz de Castro Pereira se entregou de corpo e alma à cidade de Cuiabá, tendo ocupado, inclusive, cargo político, ao aceitar compor a Junta Governativa, em 1821, no período em que o Capitão General Magessi foi deposto. Em seguida, foi eleito deputado, por Cuiabá, para as cortes portuguesas. Faleceu em Cuiabá, no dia 1º de agosto de 1822, sendo sepultado na Matriz da capital mato-grossense. A RUSGA CUIABANA
»»O Brasil passou, durante o período Regencial, a ser administrado por brasileiros, o que
ensejou a expressão de uma movimentação que terá, de um lado, os Caramurus e, de outro, os Liberais,que se subdividiam em moderados e exaltados. Ambos se organizavam através de sociedades políticas, germe dos futuros partidos. Em Mato Grosso, esses dois grupos tinham como suporte político a Sociedade Filantrópica, que apoiava os Caramurus, sendo que a dos Zelosos da Independência abrigava as duas alas Liberais. A 28 de maio de 1834, o tenente-coronel João Poupino Caldas assumiu a presidência da Província, ali permanecendo até 22 de setembro do mesmo ano. Foi nesse período que arrebentou a revolta nativista denominada Rusga, que transformou a pacata comunidade cuiabana em zona de guerra, com homens travestidos de feras à cata de portugueses, a quem repudiavam. Os cuiabanos apelidaram-nos de bicudos. O tom pejorativo da alcunha vinha da forma lusitana de tratar os brasileiros, segundo relatos, com falta de apreço e menosprezo. A Sociedade Zelosos da Independência, instituição derivada da Nacional, defensora da liberdade e independência, foi fundada por António Luís Patrício da Silva Manso, Pascoal Domingues de Miranda, Bento Franco de Camargo, João Fleury de Camargo, Brás Pereira Mendes, dentre outros. Essa sociedade organizou a movimentação que visava a retirada dos portugueses e estrangeiros, em geral, proprietários de casas e comércios. Pensaram em um castigo para ficar à história. Registra-se que o principal chefe desse movimento em Mato Grosso foi o médico cirurgião e botânico Antônio Luiz Patrício da Silva Manso, que ficou sendo conhecido pelo apelido de “O Tigre de Cuiabá”.
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R E P O RTAG E M ESPECIAL
MORTE DE POUPINO CALDAS (GRAVURA: MOACYR FREITAS)
Conforme texto escrito por Joaquim Antonio Rodrigues, testemunha viva dos fatos da Rusga Cuiabana, por volta das 23h00 se ouviu:
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(...)Tocar rebate de cometas e caixas de guerra, tiros de arcabuzes, e gritos de morram os bicudos. Na escuridĂŁo da noite apenas se ouviam barulhos de machados e alavancas arrombando as portas de todos os negociantes adotivos
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ali residentes. O batalhão dos Nacionais tinha tomado o quartel, estando à testa deles o Sargento-Mor Caetano Xavier da Costa e o Ajudante Euzébio Luís de Brito. Do Campo d’Ourique vieram oitenta homens, quarenta comandados pelo Tenente Sebastião Rodrigues da Costa e quarenta sob o comando do Ajudante Euzébio Luís de Brito. O povo se juntou em frente ao antigo Quartel da Polícia, atualmente prédio do Palácio da Instrução, na Praça da República, próximo à igreja matriz de Cuiabá, e, aos gritos cantavam: Embarca Bicudo, Embarca, embarca, canalha vil, Que os brasileiros não querem Bicudos no seu Brasil! Na noite de 30 de maio de 1834, registros históricos nos dão conta de que também reuniram-se no Campo D’Ourique, atualmente Praça Moreira Cabral, na Rua Barão de Melgaço, zona central da capital, uma multidão revoltada e enraivecida, que, sob toque de tambores e cornetas, comandadas pela própria Guarda Nacional, já incorporada à turba, percorreram as ruas de Cuiabá, passando a atacar a todos os portugueses, seus familiares, além de assaltar seus negócios: comércios e residências. Foi uma noite de triste lembrança. O grito de guerra era “Morram os Bicudos, Pés de Chumbo”. Muitos portugueses morreram, outros tantos foram maltratados e humilhados. Os lusitanos que não foram mortos ou feridos conseguiram fugir à sanha implacável dos cuiabanos. Alguns foram para a região oeste, no sentido de Cáceres, outros foram para Diamantino. Um grupo grande deslocou-se para a localidade de Brotas, hoje cidade de Acorizal. A fuga era para livrar-se da morte, não levando quase nada, a não ser alguns pertences e a roupa. Os lusitanos saíram mato a fora. Foi uma debandada geral. Outro grupo, bastante significativo fugiu em direção à cidade de Vila Boa de Goiás, capital da vizinha província de Goiás. O presidente Poupino Caldas tentou conter a fúria da população enraivecida, mas nada conseguiu, a não ser que, mais tarde, o taxassem de traidor, por pertencer ao grupo liberal moderado. Da mesma forma, os exaltados cuiabanos não ouviram os apelos do bispo D. José Antônio dos Reis, que, de crucifixo na mão implorava o término da carnificina, mas de nada adiantaram seus apelos. É incerto o número de portugueses e estrangeiros mortos na noite de 30 de maio de 1834, porém o escritor Alfredo Taunay calculou ser, aproximadamente, entre 100 e 200, sendo contestados pelo Barão de Melgaço, que considerou não passar de 30, os sacrificados. Os portugueses e o Partido dos Caramurus nunca aceitaram de bom grado a abdicação de D. Pedro I, pela notória ascendência social que desfrutavam, da qual os lusitanos não queriam renunciar, pois viam o Brasil apenas como uma conquista. Uma propriedade de Portugal, ou dos portugueses. A arrogância dos portugueses não encontrou amparo na independência altiva do povo cuiabano. O ódio aos lusitanos por parte do brasileiro cuiabano aumentou com atitudes arrogantes de negociantes que dominavam o comércio da capital, além de serem eles convidados a ocupar altos cargos públicos. Passou-se a falar em revolução contra os pés de chumbo ou bicudos, forma chula de se referir aos portugueses em Cuiabá. Ao par desta situação caótica vivida em Cuiabá, o restante do país também atravessou momentos semelhantes, visto os vários levantes, revoluções e guerrilhas ocorrido país afora, a exemplo da Cabanagem no Pará e da Revolução Farroupilha. O motivo era sempre o mesmo: o jugo luso.
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R E P O RTAG E M ESPECIAL
: EM 1867, EM CUIABÁ, POR CAUSA DA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA, A VARÍOLA MATOU 6.000 PESSOAS, METADE DA POPULAÇÃO DE CUIABÁ, À ÉPOCA. (GRAVURA MOACYR FREITAS)
A GRANDE GUERRA E A VARÍOLA EM CUIABÁ
»»Por ocasião da Guerra do Paraguai, Mato Grosso contribuiu para a Pátria de modo
notável, fazendo frente ao Exército preparado belicamente por Francisco Solano Lopes, com irrisórias forças e apetrechos multiplicados pelo domínio de estratégica e valor pessoal dos poucos combatentes. O Exército paraguaio invadiu Mato Grosso em dois corpos, em movimento de pinça: enquanto uma força se dirigia para o nascente e depois infletia para o norte e cortava as comunicações com o resto do Brasil, a outra
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subia o Rio Paraguai em direção a Cuiabá. A 26 de dezembro de 1864, Vicente Barrios atingiu o Forte de Coimbra e tomou Corumbá. Este armistício produziu muitos heróis brasileiros, dentre os quais os mato-grossenses almirante Augusto Leverger (francês naturalizado brasileiro), tenente Antônio João Ribeiro, coronel Carlos de Morais Camisão, dentre tantos outros. Foi célebre a Retomada de Corumbá pelo corpo de expedicionários Voluntários da Pátria, comandados pelo capitão Antônio Maria Coelho, no dia 13 de junho de 1867. No governo provincial de Couto de Magalhães ocorreu terrível epidemia de varíola, advinda da épica Retomada de Corumbá, em 13 de junho de 1867, ocasião que se deu a contaminação de mais de mil pessoas, entre soldados do Exército Brasileiro, prisioneiros paraguaios e civis, que foram embarcados com o resto da tropa com destino a Cuiabá. Trata-se de doença infecciosa aguda e contagiosa causada por vírus, de estado febril e incubação de doze dias. A epidemia atingiu a todas as famílias, sem atentar para condição social, econômica ou cor. Rara alguma casa ou alguma família que não tivesse um membro contaminado. Por falta de tratamento médico adequado, a varíola alastrou-se pela cidade e pelas povoações vizinhas, como Guia, Brotas, Rosário, Diamantino, região do rio abaixo e Chapada. A doença chegou até mesmo a atingir algumas tribos indígenas. O voluntário António Felix foi a primeira vítima da varíola, tendo falecido em sua residência no Beco Quente, a 2 de julho de 1867, depois de retornar de Corumbá. A 15 de agosto de 1867, a epidemia chegou ao seu ponto máximo. Não raro eram vistos cães famintos arrastando membros humanos e vísceras pelas ruas e urubus, no cemitério do Cai-Cai, em Cuiabá, devorando cadáveres insepultos. Não existe um número exato sobre o número de vítimas desta peste, mas foram milhares os mortos, alguns falam em 6 mil pessoas que tenham falecido, vitimadas pela doença em Cuiabá. O médico baiano José Antônio Murtinho, que foi deputado federal e senador por Mato Grosso, por conta de ser o 3º vice-presidente da província, que tinha o mineiro Couto de Magalhães na chefia do governo, dirigiu os destinos da província de 19 de setembro de 1868 até 26 de março de 1869. No período que a varíola grassava em Cuiabá, Murtinho se encontrava, a contragosto, no Rio de Janeiro. Nesse período sua esposa faleceu vítima da epidemia, deixando-o viúvo com 7 filhos, dentre os quais Joaquim Duarte e Manuel José, que enveredaram para o campo da política. Em seu governo promoveu retaliações contra adversários que julgava responsáveis pelo seu infortúnio. Depois arrependeu-se, procurando corrigir eventuais excessos.
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R E P O RTAG E M ESPECIAL REABERTURA DA NAVEGAÇÃO E ACORDOS DE LIMITES
»»A reabertura de navegação no Rio Paraguai, no período pós-guerra, representou um
importante passo para a retomada do progresso. Não apenas a Guerra do Paraguai foi o grande empecilho para seu uso, pois, mesmo antes da intervenção bélica, Solano Lopes não oferecia qualquer segurança ao governo provincial e central brasileiro, quando estes estavam em solo paraguaio. O governo imperial favoreceu o restabelecimento das finanças de Mato Grosso pela isenção de impostos de importação, através do Decreto nº 4.388, de 15 de julho de 1.869. Este fato estimulou o comércio de exportação de gêneros produzidos em Mato Grosso, notadamente o extrativismo e a pecuária. Inúmeras empresas foram criadas e sociedades empresariais formadas com o intuito de exportar matéria-prima mato-grossense para a Europa e América do Norte, a exemplo de peles de animais silvestres, penas de aves exóticas, couro curtido de gado vacum, especialmente o produzido na Fazenda Descalvados. No entanto, um dos produtos mais cobiçados para exportação foi a poaia, a borracha e a erva-mate. Cuiabá era o principal centro comercial da borracha, e, além da Casa Almeida, trabalhavam neste ramo as empresas Casa Orlando, fundada em 1873; Alexandre Addor, fundada em 1865, e com sede na Rua Conde D’Eu (hoje Avenida 15 de Novembro); mas também as empresas: Firmo & Ponce, Figueiredo Oliveira, Lucas Borges & Cia, Fernando Leite e Filhos, João Celestino Cardoso, Eduardo A. de Campos, Francisco Lucas de Barros, Arthur de Campos Borges, Dr. João Carlos Pereira Leite dentre outras do ramo. O PORTO GERAL DE CUIABÁ, EM FINS DO SÉCULO XIX (GRAVURA DE MOACYR FREITAS).
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lumeMatoGrosso A RUA DE BAIXO, NO CENTRO HISTÓRICO DE CUIABÁ (GRAVURA DE MOACYR FREITAS).
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R E P O RTAG E M ESPECIAL O DISTRITO DO COXIPÓ DA PONTE, EM FINS DO SÉCULO XIX
A PONTE DE FERRO DO COXIPÓ
»»A denominação Coxipó da Ponte é de origem geográfica, em relação ao Rio Coxipó e
pela instalação de ponte com estrutura metálica, em 1897, em Cuiabá. Essa denominação se estendeu à circunvizinhança e posteriormente ao distrito cuiabano. A ponte de ferro do Rio Coxipó é um dos bens mais preciosos da historiografia cuiabana. Sua estrutura foi construída e importada da Inglaterra e montada pelo engenheiro inglês Jacques Marckwalder, vindo especialmente da Europa para este fim. É bem tombado pelo Patrimônio Histórico Estadual, Port. nº 26/1984, assinado pelo governador Júlio Campos. A ponte foi levada por espetacular enchente na década de 1990. Até 2006 era possível ver os ferros retorcidos na margem direita do Coxipó, encobertos pela mata. Em 2007, iniciou-se trabalho de recuperação da ponte de ferro, sendo que mais de 90% do material retirado do leito do rio e de suas margens foram reaproveitados. Em 2008, totalmente restaurada a ponte foi entregue à sociedade cuiabana, para regojizo, especialmente dos moradores do histórico bairro do Coxipó da Ponte. Em 2009, Cuiabá foi incluída para ser uma das doze sedes da Copa do Mundo de 2014, com isso, iniciou-se uma série de projetos de viabilidade e mobilidade urbana na capital por conta de melhorias, afetando a Ponte de Ferro, que passou a ser ameaçada de ser retirada de seu lugar de origem. Em 2012, o jornalista Rodrigo Vargas, em jornal local, fez a seguinte reportagem sobre o assunto: “Uma importante referência histórica de Cuiabá teria de ser removida para dar lugar às obras de preparação da cidade para a Copa do Mundo de 2014. Inaugurada
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em 1897, tombada em 1984, destruída por uma enchente em 1995 e reinaugurada em 2009, a Ponte de Ferro do rio Coxipó está no caminho do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). Segundo o arquiteto Rafael Detoni, assessor especial de Mobilidade Urbana da Secopa, à época, as exigências do novo modal iriam obrigar a demolição das pontes de alvenaria e a retirada e transferência da ponte histórica. “Existe no projeto um viaduto que passa por cima da Avenida Beira Rio e, como a distância é curta até o rio, vamos prolongá-lo até o outro lado”, disse à época. Para que a obra terminasse antes, preservando as pontes atuais, Detoni diz que seria necessária uma grande rampa. “Mas, neste caso, o VLT não conseguiria subir”, explicou. Além do viaduto que cruzará o rio, disse o arquiteto, haverá duas pontes laterais que permitirão o acesso da Fernando Corrêa à Beira-Rio e vice-versa. “Vamos ter que eliminar as duas pontes de alvenaria atuais para poder fazer o encaixe do viaduto. E a ponte de ferro vai ter de ser removida, pois não haverá espaço”, afirmou. A direção da Secopa confirmou que a ponte de ferro, por ser desmontável, poderia ser reconstruída alguns metros adiante da atual localização, mantendo o aspecto atual. Mas a Secretaria de Cultura do Estado pretendia encaminhar à Prefeitura uma proposta de se aproveitar o material na criação de um novo acesso ao horto florestal, no bairro Coophema. “O horto tem uma frente para o rio. Então existe a ideia de aproveitar a ponte mais à frente, para se criar um novo acesso pela. O visitante chega de carro pela Beira Rio, estaciona e atravessa a pé”, disseram. Construída com estrutura metálica importada da Europa, a ponte de ferro do Coxipó foi uma importante via de acesso às regiões da Serra de São Vicente e Santo Antônio de Leverger. Seu tombamento como Patrimônio Histórico e Cultural de Mato Grosso ocorreu em 1984. Em 1995, uma enchente arrastou consigo a estrutura metálica. Os destroços ficaram abandonados às margens do rio até 2006, quando o governo estadual decidiu investir R$ 400 mil na restauração da estrutura de 54 metros de comprimento e 4,2 metros de largura. Segundo a SEC, a lei que determinou o tombamento não deverá impedir a remoção da ponte. “Mesmo que em outro local, continuará a preservação. É preciso lembrar, ainda, que a restauração aproveitou muito pouco da estrutura metálica original, que estava muito deteriorada. Aquela ponte é praticamente uma réplica”, avaliaram. Ledo engano. Se fosse dessa forma a preservação não continuaria, pois, o que interessa no processo de preservação não é apenas a estrutura de ferro, mas o local histórico de passagem. Ademais, foi aproveitado absolutamente todo o material da antiga ponte na reconstrução da estrutura de ferro da ponte. Ainda foram envidados esforços com o Secretário da Secopa, Maurício Magalhães, solicitando a não retirada do local da histórica ponte. O Secretário sempre se mostrou afável e receptivo, dizendo que tudo faria para preservar o imóvel tombado, atestado em documentos. No entanto, mesmo após ofícios enviados e recebidos, em tons amenos e cordatos, a empresa contratada para execução das obras da Avenida Fernando Corrêa, em referência à implantação do VLT, executou obras de base e construção em concreto armado para a fase inicial de novos viadutos praticamente engolindo a antiga ponte de ferro. Em fins de 2014, após a Copa do Mundo, era possível ver, ao lado da ponte de ferro enormes colunas cilíndricas de concreto armado, daquilo que poderia ser o fim de uma era histórica. Em outubro de 2014, o arquiteto e servidor público da SEC, Estêvão Alves Corrêa, de longa folha de serviços prestados à preservação do patrimônio histórico de MT, formulou consistente documento em defesa da não retirada da Ponte de Ferro do Coxipó, como pretendia a Secopa, apresentando-o ao Ministério Público Estadual, que se manifestou favorável ao seu pedido, tomando as providências necessárias para levantamento de informações e oferecendo os prazos legais de argumentação das partes interessadas. Foi uma atitude cívica e cidadã, restando a esperança, naquela época, de que o pedido do arquiteto Estevão Alves Corrêa fosse acatado e o projeto de retirada da histórica ponte arquivado.
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R E P O RTAG E M ESPECIAL O TELÉGRAFO E O BONDE PUXADO A BURROS EM CUIABÁ
»»Num momento de turbulência política, após a queda do governador Antônio Maria
Coelho, assume o governo o 2º vice-presidente - comerciante e pecuarista José da Silva Rondon, que permaneceu no poder até o dia 6 de junho de 1891, aguardando a chegada do governador nomeado, coronel João Nepomuceno de Medeiros Mallet. O governador nomeado, José da Silva Rondon, conseguiu uma verdadeira proeza, pois, em menos de 4 meses, em três atos, angariou a estima pública, e figurando positivamente nos livros sobre a história de Mato Grosso. Explico, os três atos foram: a implantação do telégrafo em Cuiabá, a implantação de bonde puxado a burros e a eleição da Assembleia Constituinte. A 30 de abril de 1891 inaugurou-se a Estação Telegráfica de Cuiabá. Um avanço sem precedentes naquele momento da história de Mato Grosso, pois as notícias do Rio de Janeiro, capital da República, poderiam vir de forma mais rápida e eficiente. As obras de abertura de linhas telegráficas em Mato Grosso, abrangendo territórios que hoje compõem, também, os estados de Mato Grosso do Sul e Rondônia, tiveram início em 1890, com a criação da Comissão de Linhas Telegráficas de Cuiabá ao Araguaia, sob o comando de Gomes Carneiro, tendo como auxiliar direto Cândido Mariano da Silva Rondon. Inúmeras outras Comissões foram criadas e seus trabalhos foram realizados sob as ordens de Cândido Mariano da Silva Rondon, excetuando-se a rota Coxim/Corumbá e linhas adjacentes (1900-1906), cujo reconhecimento de trecho e busca do melhor traçado ficaram sob o comando do major Bento Ribeiro Carneiro. Registra-se que esse mesmo oficial construiu a estação telegráfica de São Lourenço, localizada no município de Santo Antônio de Leverger, ficando o trabalho de implantação das linhas e construção das estações a cargo de Rondon. De todas as expedições a que mais se destacou foi a Comissão de Linhas Telegráficas de Mato Grosso ao Amazonas. No mesmo 30 de abril de 1891, segundo Lenine Póvoas teve início o serviço de bonde puxado a burros, em Cuiabá: (...) A 30 de abril de 1891, sob o governo interino do Vice José da Silva Rondon a “Companhia de Progresso Cuiabano” inaugurou o serviço de transporte urbano da Capital com bondes puxados a burros; (...) Essa firma era de propriedade do empresário Manoel da Silva Monteiro que adquiriu as viaturas, com todo o material necessário ao seu funcionamento no Rio Grande do Sul. Os bondes eram idênticos e do mesmo tamanho dos que faziam o serviço de transporte urbano em Montevidéu, no Uruguai. (...) As linhas dos bondes, que deslizavam sobre trilhos, ligavam o bairro do Porto ao “Largo da Mandioca” (hoje Praça Conde de Azambuja), com passagem pela Praça Bispo Dom Carlos (atual Praça da República); (...) Mais tarde a Companhia de Progresso Cuiabano vendeu seu acervo e direitos à exploração do serviço à firma Almeida & Cia., que posteriormente transferiu ao comerciante Benedito Leite de Figueiredo, encerrando-se depois os serviços. A partir de 1919, sob D. Aquino Corrêa, foi implantada a linha de automóveis, passando, o serviço de bonde a burros ao desuso.
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lumeMatoGrosso À DIREITA ANTIGA INTENDÊNCIA MUNICIPAL, À ESQUERDA O JARDIM ALENCASTRO, AO CENTRO O BONDE PUXADO A BURROS (GRAVURA: MOACYR FREITAS)
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R E P O RTAG E M ESPECIAL COMEMORAÇÕES DOS 200 ANOS DE CUIABÁ Por ocasião do bicentenário de Cuiabá, completado no dia 8 de abril de 1919, e por ser considerada a célula mater de Mato Grosso, por sua precedência, o Presidente de Mato Grosso, D. Aquino Corrêa, pretendeu fazer comemoração dessa data com pompa e circunstância. A memória histórica da cidade pedia isso, além de ter essa data perenizada por atos solenes e dísticos cívicos que eternizassem o evento. Em seu História de Mato Grosso, o historiador Virgílio Alves Corrêa Filho nos dá mais preciosas informações sobre essa comemoração:
DESFILE MILITAR EM CUIABÁ, NO ALTO DO PALANQUE O PRESIDENTE DOM AQUINO (DE GUARDA SOL), GENERAL RONDON E OUTRAS AUTORIDADES.
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FOTO: ARQUIVO PÚBLICO MT
A programação foi intensa e pensada com certa antecedência, contemplando melhorias urbanas, instalação de marco histórico, lançamento de livros de autores cuiabanos, que são referência até os dias de hoje, dentre atividades escolares, civis e militares. Ainda em março de 1918, nas dependências do salão nobre da Câmara Municipal de Cuiabá, foi constituída uma comissão para organizar a programação. Foi a mesma composta por ilustres personalidades daquele período, dentre os quais se nominam os desembargadores Luís da Costa Ribeiro e Antonio Fernando Trigo de Loureiro, o deputado federal Annibal Benício de Toledo e o estadual Joaquim Gaudie de Aquino Corrêa; os capitães Carlos Gomes Borralho e Octávio Pitaluga, o coronel Júlio Müller, o tenente-coronel Firmo José Rodrigues, Américo Augusto Caldas, Antonio Fernandes de Souza, padre João Batista Couturen - diretor do Liceu Salesiano, os engenheiros civis Miguel Carmo de Oliveira Mello e Virgílio Alves Corrêa Filho, o professor Fernando Leite Campos - diretor da Biblioteca Estadual, o dr. João Barbosa de Faria e o professor Philogonio de Paula Corrêa. As propostas foram acatadas e se registra a inauguração de um obelisco comemorativo, colocado na praça principal do bairro do Porto e oferecido pela cidade de Corumbá aos cuiabanos; exposição de produtos do estado de Mato Grosso; publicação de um trabalho de propaganda do Estado; cunhagem de moedas comemorativas; festejos militares e escolares oficiais; além de muitas outras solenidades. A proposta foi acatada pelo presidente do Estado, D. Aquino Corrêa, um apoiador e incentivador da cultura e história de Mato Grosso. A cidade de Cuiabá recebeu inúmeras melhorias, a exemplo da instalação de luz elétrica na região central da cidade e instalação de praças. Foram lançadas as seguintes obras: “Os predecessores dos Anhangueras e Pires de Campos”, de Antônio Corrêa da Costa; “Datas Matogrossenses”, de Estevão Corrêa; “Notícia Corográfica de MT”, de Virgílio Alves Corrêa Filho; “Terra Natal”, de Dom Aquino Corrêa; “Invasão Paraguaia”, de Antônio Fernandes de Souza, além de exposição cartográfica da Comissão Rondon e da Carta Geográfica feita por Francisco Jaguaribe Gomes de Mattos, e ainda publicação de artigos sobre a questão de divisas com Goiás.
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(...) As cerimônias do dia oito de abril, porém, em cujo plano se incluiu a inauguração do Instituto Histórico de Mato Grosso, interromperam-se, para continuarem a 30 de novembro, quando do porto desembarcou o Núncio Apostólico, D. Ângelo Scapardini, convidado de honra, que não pudera estar presente, como pretendia, em data anterior; (...) Teve, então, início aplaudido programa de inauguração do tráfego de automóveis, da nova Igreja Matriz de São Gonçalo, de melhoramentos na Santa Casa de Misericórdia, e no Campo de Demonstração; (...) Colocação da primeira placa da Avenida Presidente D. Aquino, por homenagem da Câmara Municipal, passeata escolar, abertura da exposição de quadros da vida rural de Campo Grande; (...) Instalação dos novos edifícios das oficinas e do Observatório Metereológico e Sismógrafo; (...) Até o dia 9 continuaram as festividades de que participou o povo cuiabano, que promoveu manifestação ao Núncio Apostólico, visitante insigne, e exaltou os folguedos folclóricos de rua então realizados (2012, p. 643).
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R E P O RTAG E M ESPECIAL A CIDADE DE MARIÓPOLIS
»»Esse tema é pouco conhecido da sociedade cuiabana contemporânea, especialmen-
te dos neo-cuiabanos. Trata-se de uma cidade imaginária, que nunca existiu a não ser na mente umbrática de Mário Corrêa da Costa, governador de Mato Grosso (1926-1930). Tudo não passou de um sonho – o de se construir uma cidade na região da serra acima, para ser a capital de Mato Grosso. Mário Corrêa apreciava sobremaneira o clima ameno de Chapada dos Guimarães e imaginou Mariópolis. Sua pedra fundamental foi lançada a 14 de julho de 1927, num frio dia do inverno chapadense. A sugestão, na época, foi recebida com entusiasmo por grande parte da sociedade cuiabana, que avalizou a iniciativa em documento que se encontra atualmente no Arquivo Público do Estado em forma de Ata Oficial. Em parte, justificava-se o intento, pois Cuiabá, apesar de toda tradição histórica, em 1927, não possuía estrutura de capital de um Estado com mais de 1,4 milhão de quilômetros quadrados, abrangendo o que são hoje os Estados de RO e MS. Modernista, bem à frente de seu tempo, Mário Corrêa não foi compreendido, e queria justamente o melhor, por isso sonhou Mariópolis. Se saísse da prancheta para a realidade, Mariópolis seria implantada em terras de Chapada dos Guimarães, em ponto pouco adiante da região do Mirante. Um lugar de clima agradável e rico em quedas d’água para energia elétrica, além de caminhos fáceis para toda parte. O sonho de Mariópolis morreu com a Revolução de 1930, sendo abandonado por governos posteriores. De certa forma, o projeto de Mariópolis contribuiu para a consolidação de Cuiabá enquanto capital do Estado. TOURADAS CUIABANAS
»»A tourada, designada de corrida de touros, era um espetáculo tradicional em Cuia-
bá de lide de touros bravos. A primeira “corrida de touro”, na capital de Mato Grosso, nome dado às touradas cuiabanas, aconteceu em 1805, a mando do ouvidor-geral da província Sebastião Pita de Castro. As primeiras touradas ocorriam onde hoje é a Praça Alencastro, posteriormente passou à Praça Ipiranga e, por último, no Campo d’Ourique, local que hoje abriga a Câmara Municipal de Cuiabá. As touradas aconteciam geralmente por ocasião da Festa do Divino e eram realizadas durante três dias, sempre no período vespertino, mormente no domingo, segunda e terça-feira. Era um grande acontecimento social, pois a cidade comparecia em peso. Eram construídos camarotes e proporcionados os “footings”. Na arena, além do touro, os principais personagens eram o toureiro, o jacuba, os capinhas e os máscaras. Ao jacuba era dada a função de oferecer e receber as “sortes” do toureiro, ou seja, arrecadava dinheiro para estimular a perigosa e instigante atividade. Os capinhas e máscaras andavam descalços, usavam roupas coloridas e eram os principais auxiliares do toureiro dentro da arena. O toureiro usava geralmente um traje de gala, bem vistoso e chapéu preto, sempre dobrado na testa, de abas largas e com plumas. Ficou na memória da cuiabania o toureiro de nome Mirandeiro, morto de ataque cardíaco em plena atividade na arena. A última tourada cuiabana ocorreu nas festas de São Benedito de 1936, no Campo d’Ourique, no governo de Mário Corrêa da Costa.
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lumeMatoGrosso A FAMÍLIA CORRÊA DESFILANDO EM SEU AUTOMÓVEL, NA RUA BARÃO DE MELGAÇO, EM 1931. AO VOLANTE O MÉDICO CUIABANO CAIO CORRÊA. FOTO: AFRÂNIO CORRÊA
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R E P O RTAG E M ESPECIAL A FIXAÇÃO DE CUIABÁ COMO A CAPITAL DE MATO GROSSO
»»A força política emergente do que hoje é Mato Grosso do Sul, sempre trabalhou viva-
mente para mudar a capital, de Cuiabá, para Campo Grande. Fatos políticos demonstram que, ao longo dos tempos, esse foi o desejo de muitos. É só lembrar a criação do Estado de Maracaju. A política desenvolvimentista do Estado Novo ajudou Cuiabá a se estruturar com vultuoso número de obras que permitiram a consolidação e fixação da cidade enquanto Capital de Mato Grosso. Esse fato ocorreu graças à determinação de Júlio Strübing Müller, com apoio do poder central. Getúlio Vargas, o primeiro presidente da República a visitar Mato Grosso, tomou pessoalmente a bandeira de Cuiabá na luta sulista. O próprio Getúlio Vargas, na visita à Cuiabá, no dia 6 de agosto de 1941, sepultou a proposta com a expressão: Metrópole heróica das Bandeiras, rica de quase dois séculos de um adiantado centro de cultura, Cuiabá tem absoluto direito à primazia política que exerce. Antes de se tornar político, Júlio Strübing Müller, nascido na fazenda Bom Jardim, e único entre seus irmãos que assinara “Strübing”, numa homenagem a parentes alemães, atuou como professor na rede pública, exercendo a profissão, como professor primário, na Escola Modelo, tendo sido também diretor do grupo escolar Barão de Poconé, em Poconé, lecionou alemão no Liceu Cuiabano e francês na Escola Normal. A partir da Revolução de 1930, se tornou prefeito nomeado de Cuiabá, ficando no cargo até 1932. Em 1933, foi eleito deputado estadual e, posteriormente, secretário-geral do Estado nos governos interventores de Mesquita Serva e Fenelon Müller. O Interventor Júlio Strübing Müller governou por oito anos, de 10 de novembro de 1937 até 29 de outubro de 1945, numa administração pautada pela tranquilidade política e, também, pelo número de obras, benefícios e serviços que prestou a Cuiabá e para todo Mato Grosso. Foi um governo que construiu importantes obras que contribuíram para a consolidação de Cuiabá enquanto Capital de Mato Grosso. Nessa época foi contratada a empresa Coimbra Bueno, com sede na cidade do Rio de Janeiro e de renomada competência, para executar as obras necessárias. Para comandar a empreitada a construtora trouxe do Rio de RESIDÊNCIA DOS GOVERNADORES, E A FESTA DA CUMEEIRA, EM 14 DE ABRIL DE 1939
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lumeMatoGrosso A CONSTRUÇÃO DO CLUBE FEMININO, EM 1940
Janeiro o engenheiro civil Cássio Veiga de Sá, formado pela Politécnica da capital da república, veio para Cuiabá em 1938, onde se notabilizou por grandes obras e por contribuir para a preparação de operários para trabalhar na construção civil, profissão até então quase inexistente na capital. Cássio de Sá se fixou em Cuiabá, desenvolvendo atividade política, vindo a ser, inclusive, governador do Estado. Dentre as principais obras públicas que construiu estão a Residência Oficial dos Governadores (em 1941), o Clube Feminino (em 1941), a Secretaria Geral (em 1942), o Palácio da Justiça (em 1942), o Cine Teatro Cuiabá (1942), o Liceu Cuiabano (1944), a Estação de Tratamento de Água (1942), o Abrigo Bom Jesus (1942), a Ponte Júlio Müller, a Usina de Pasteurização de Leite (1944) e o Hospital Geral (em 1944). Nessa empreitada, se destacou o também carioca e mestre de obras Edgar Vieira, que também se estabeleceu empresarialmente em Cuiabá. Tornou-se uma das pessoas mais queridas pela sociedade cuiabana devido a sua dedicação às melhorias urbanas, entre as décadas de 1940 e 1970. Ele foi verdadeiramente um profissional da construção civil, um homem que conhecia, como poucos, o manuseio de todos os equipamentos e máquinas destinadas à conclusão de obras em qualquer nível de exigência e qualidade, desde simples casas, passando por pontes, edifícios e palácios. Do período em que Cuiabá, no governo Júlio Müller, recebeu notável quantidade de obras públicas para se tornar uma capital com maior e melhor qualidade de vida e, consequentemente, ter condições de aspirar progresso, o empreiteiro e mestre de obras Edgar Vieira estava lá, à frente dessas construções. Além das obras públicas edificadas no período do governo de Júlio Müller, o obstinado Edgar Vieira construiu o Palácio Filinto Müller (sede da atual Câmara municipal de Cuiabá), Edifício Maria Joaquina (localizado na praça Alencastro), os hotéis Santa Rosa e Fenícia, os cinemas Cuiabá e Bandeirantes, o Quartel do 16º BC, a ponte sobre o Rio Araguaia, em Barra do Garças e tantas outras obras importantes. É o fundador do Bairro Boa Esperança, entre a UFMT e o 9º BEC, para onde conseguiu levar a elite intelectual da cidade. FOTOS: ARQUIVO PÚBLICO MT
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R E P O RTAG E M ESPECIAL A PIONEIRA VOZ DO OESTE
»»O rádio foi o primeiro veículo de comunicação de massa, chegando ao país em 1922
e constituindo-se na matriz da indústria da cultura brasileira. A primeira emissora a ser implantada no Brasil foi a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923, com programação bastante improvisada. Em 1931, o governo central compreendeu o poder que o rádio poderia ter junto à sociedade, definindo-o como de interesse nacional e, por regulamentação, passou a outorgar concessões. A 15 de outubro de 1939 foi instalada, em Cuiabá, a Rádio A Voz do Oeste, sob a direção de seu criador, Jercy Jacob, que era professor, poeta, músico, compositor e técnico em radioeletricidade. Marcou época o programa “Domingo Festivo na Cidade Verde”, apresentado por Rabello Leite e Alves de Oliveira, ao vivo, no anfiteatro do Liceu Cuiabano. Mais tarde, Alves de Oliveira e Adelino Praeiro deram sequência ao mesmo programa no Cine Teatro Cuiabá. Outro veículo de comunicação que teve apoio total de seu governo foi o jornal O Estado de Mato Grosso, fundado por Archimedes Pereira Lima e João Ponce de Arruda, ainda no ano de 1939. Esse veículo de comunicação teve longa duração, vindo fenecer na década de 1990. Um dos veículos de maior sucesso editorial na época foi a revista Pindorama, de periodicidade mensal. Publicada com 32 páginas, em média, possuía diagramação moderna e dinâmica, tendo circulado em Cuiabá a partir de 1º de junho de 1939. Seus diretores e principais redatores eram Gervásio Leite, João Batista Martins de Melo e Rubens de Mendonça. Posteriormente, juntaram-se à proposta editorial da revista os escritores Manoel de Barros, Agrícola Paes de Barros, João Antônio Neto, Lobivar de Matos, Alceste de Castro, Carmindo de Campos, Corsíndio Monteiro da Silva e Euricles Motta. Sucesso histórico. Na esteira da produção jornalística, estimulado pelo notável progresso experimentado VISTA GERAL DO CENTRO DE CUIABÁ A PARTIR DO ALTO DA COLINA DA IGREJA DO ROSÁRIO (DÉCADA DE 1940). FOTO: MUSEU HISTÓRICO MT
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por Mato Grosso sob Júlio Müller, surgiu o jornal semanal Correio da Semana, que circulou em Cuiabá nos anos de 1938 e 1939. O veículo foi fundado pelo então estudante Afrânio Estêvão Corrêa, tendo no redator-chefe o também estudante João Batista Martins de Mello. Teve grande sucesso, com a tiragem semanal de 700 exemplares. Promoveu, por delegação dos Diários Associados, o 1º concurso de Miss Brasil realizado em Cuiabá, quando a Srta. Azélia Ribeiro foi eleita Miss Cuiabá. Logo depois, foi feita a escolha de Miss Mato Grosso, certame disputado com a Miss Campo Grande, Srta. Venina Martins. A escolha final aconteceu no salão do Bar do Bugre, com a presença do prefeito de Cuiabá, Isác Povoas, sendo escolhida a Srta. Azélia Ribeiro como primeira Miss Mato Grosso. Mudando-se de Cuiabá, em fins de 1938, Afrânio Corrêa passou a direção do Correio da Semana para o advogado Antonino O. Paredes, que o manteve até fim de 1939. O AEROCLUBE
»»A primeira metade da década de 1940, sob Júlio Müller, foi de grandes avanços em to-
dos os segmentos da sociedade. As novidades eram bem-vindas e, nessa linha de buscar equiparar Cuiabá aos grandes centros econômicos, sociais e culturais do país, surgiu o Aeroclube de Mato Grosso, a partir do agrupamento de pessoas interessadas na aviação e no aprendizado de pilotagem de aviões. O Aeroclube de Mato Grosso foi fundado em Cuiabá, no ano de 1941, e teve influência direta de Assis Chateaubriand, que estimulava a criação, em todo o Brasil, de aeroclubes. Cuiabá recebeu um avião Poterfield e inúmeros pilotos tiraram seu brevê no aeroclube mato-grossense. O primeiro presidente da instituição foi João Ponce de Arruda e o primeiro secretário Luís-Philippe Pereira Leite. A primeira turma de alunos foi brevetada em 14 de março de 1942: Antero de Moraes Barros; Augusto Frederico Müller; Amaro de Castro Lima; Claret Otaviano Dias; Clideonor Cícero de Sá; Elpídio Gonçalves Preza; Lourival Nunes de Barros; Luíz Cordeiro Uchôa; Mário Brizola Ferreira; Paulo de Araújo Calháo e Waldemar Lopes de Oliveira. Era instrutor o Sr. Francisco Paes de Barros, carinhosamente chamado de Chiquinho. O Aeroclube funcionava no antigo Campo de Aviação, atualmente Vila Militar, situada às margens da atual Avenida Miguel Sutil, nas proximidades dos bairros Santa Isabel e Santa Rosa, em Cuiabá. Na história da aviação em Cuiabá tem destaque o nome de Hilda Lima Corrêa, a primeira mulher de Mato Grosso a voar num avião. Hilda era bacharel em letras e nascida em Ponta Porã, em 1898. Destemida e ousada, em 1913, foi a primeira moça de Cuiabá a estudar no Liceu Cuiabano, integrando uma turma só de rapazes. Algum tempo depois Hilda se casou com o SRA. HILDA CORRÊA, PRIMEIRA MULHER médico Dr. Caio Corrêa, de tradicional família cuia- A SOBREVOAR CUIABÁ A BORDO DE bana e médico particular do arcebispo de Cuiabá, UM AVIÃO (DÉCADA DE 1920) Dom Aquino Corrêa. O fato que fez de Hilda Corrêa uma pioneira na aviação civil em Mato Grosso deu-se em 1929, quando sobrevoou Cuiabá a bordo do avião “Mário Corrêa”, pilotado pelo alemão Hanz Guzzi. Essa aeronave tinha apenas 20 HP, podendo carregar, entre piloto, passageiro ou carga, apenas 180 kg. Guzzi pousou no campo do Pico do Amor no dia 1º de abril, às 15h,30, tendo permanecido em Cuiabá até o dia 5 de junho, sendo alvo de homenagens e honrarias por parte do governo estadual.
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R E P O RTAG E M ESPECIAL A DEMOLIÇÃO DO PALÁCIO ALENCASTRO
»»O governo de João Ponce de Arruda foi muito eficaz em diversos pontos da administração
pública, agradando expressiva parcela da sociedade mato-grossense. Porém, foi em sua administração como governador de Mato Grosso que ocorreu a demolição do antigo Palácio Alencastro, uma obra construída em “arte-noveau”, ainda no século XIX, e palco de muitos eventos da história política mato-grossense. Essa demolição se traduziu em modelo a ser seguido, conseguindo muitos adeptos à modernidade arquitetônica que se avizinhava em Cuiabá, fazer com que contemporaneamente tenhamos apenas alguns poucos exemplares da grandiosa arquitetura dos séculos XVIII e XIX. Sobre esse tema o historiador, arquiteto e desenhista Moacyr Freitas produziu artigo publicado no livro Mato Grosso e Seus Municípios, onde apresenta uma exposição de motivos sobre a derrocada dos antigos casarões cuiabanos: (...) A arquitetura cuiabana adaptava-se a eles, provocados pela revolução industrial que acontecia no mundo. Entretanto, continuava o ritmo mesclado de neo-classismo e romantismo; (...) O acontecimento no Rio de Janeiro, em 1930, anunciando um novo estilo de arquitetura, refletiu também em Cuiabá, despindo aos poucos as edificações de suas características renascentistas. Apareceram nas obras oficiais de Júlio Müller, a partir de 1939. Edificações particulares também acompanhavam estas novas modalidades construtivas, sem muita definição; (...) Ensaiando em 1960, um novo movimento atingiu a arquitetura cuiabana. Desta feita, impulsionada pelo modernismo da arquitetura da capital do país, Brasília. Infelizmente, foi o princípio da mutilação e demolição do patrimônio arquitetônico e histórico de Cuiabá. (...) Poucos exemplares antigos ainda existem; foram salvos pelo governo federal para testemunharem o passado local. O “velho” não resistiu a essa tendência do “novo” que condenava o “arcaico”, tido como sinônimo de feio. Assim, os casarões e sobrados antigos foram ao chão, encabeçados pela Igreja Matriz e pelo Palácio do Governo. Felizmente, em suas ruas, travessas e becos deixaram sobreviver alguns exemplares da velha arquitetura, testemunhas que ainda vivem para revelar passagem da história dos antepassados cuiabanos; (...) Devíamos ter sempre na mente que compreendemos o presente olhando para o passado, pensando no futuro e preparando-nos para ele. (...) Detrás, muito próximo do antigo palácio foi construído o prédio de sete pavimentos que abriga a atual prefeitura de Cuiabá. Juntamente com a demolição/destruição da antiga catedral metropolitana de Cuiabá, pode-se considerar esses dois atos como os principais para incentivar a destruição, abandono por anos a fio e desvelo que ocorreu com o patrimônio histórico e arquitetônico de Cuiabá (FERREIRA, 1997, p. 191). O terreno e primeira sede do antigo Palácio Alencastro foram adquiridos pelo capitão-general Francisco de Paula Magessi Tavares de Carvalho, e recebeu, ao longo de sua existência, inúmeras melhorias e obras de conservação, com destaque para o traba-
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lho realizado pelo presidente da Província José Maria de Alencastro (1881-1883), que fez construir o Jardim Alencastro. Outro bom trabalho de reforma e de adequações no palácio foi realizado a mando do governador Mário Corrêa da Costa (1926 - 1929), em seu primeiro mandato, ocasião que o Alencastro readequado e melhorado. Suas demolições, assim como a da Catedral Metropolitana de Cuiabá, tiveram significação de inaudito desalento à causa histórica, especialmente por serem edifícios que se encontravam em bom estado de conservação, bastando, naquela época, tão somente, dedicação e investimentos em obras de conservação, tanto por parte do Estado e da Igreja Católica. PONTE DA CONFUSÃO
»»Existe um certo desalinho sobre onde está (ou estava) localizada a histórica “Pon-
te da Confusão”, em Cuiabá. Algumas pessoas imaginam que essa era uma ponte de arco, sobre o ribeirão Prainha, que ligava as igrejas do Rosário e São Benedito e a Senhor dos Passos, quase que em linha reta e que foi retratada e publicada no Álbum Gráfico de Mato Grosso, de 1914 e depois, reproduzida em grafite pelo genial artista Moacyr de Freitas. Não é. A verdadeira Ponte da Confusão tem história mais recente, remontando à uma disputa política de poder que se deu em 1958, entre a UDN - União Democrática Nacional, do prefeito de Cuiabá, José Garcia Neto, e o PSD - Partido Social Democrata, do governador de MT, João Ponce de Arruda. A briga entre os dois partidos corroeu as entranhas políticas do país nas décadas de 1940/50/60. Tudo começou com uma demanda social de um ponto da capital conhecido nessa época como “Beco do Pito Aceso”, que atualmente é ponto acima da Avenida Mato Grosso, aproximadamente 200m, entre os bairros do Baú e Araés. O lugar que era reduto da UDN, solicitou através de suas lideranças a construção de uma ponte sobre o ribeirão Prainha, que naquele lugar possui baixa vazão d’água, mas que no período de cheias transbordava, atrapalhando o trânsito de pessoas que se valiam apenas de uma precária passagem sobre dois troncos superpostos um ao lado do outro. Perigosíssimo. Os tempos eram difíceis em termos de recursos para a capital, ainda mais que o Estado não enviava regularmente os recursos destinados à Cuiabá através do Fundo dos Municípios que era repassado pela C.E.R., causando dificuldades para o prefeito. Aquele era um período de eleições e a disputa entre os dois partidos era acirrada e qualquer ação social era bem-vinda e podia ser revertida em votos. Diante dessa situação, o governador João Ponce, que apoiava à prefeitura de Cuiabá o nome de Júlio Strubing Müller, de seu partido, se propôs a construir a ponte no Pito Aceso. Sabendo desse fato, o prefeito Garcia Neto foi ao local da obra que estava se iniciando e retirou do lugar os 25 tubos de concreto que estavam na margem do Prainha para serem utilizados na construção da ponte. Este foi o estopim de uma batalha que durou apenas um dia e uma noite, mas que tem repercussão até os dias de hoje. Garcia Neto articulou um grupo de funcionários e voluntários e com seus conhecimentos de engenheiro se iniciou a construir a pequena ponte. De repente o policial militar Edu Lobo, comandando um contingente bem armado tentou impedir o prefeito de dar prosseguimento à construção da ponte. O exército foi chamado e a confusão foi armada. Tiros foram disparados para o ar, mas sem nenhuma conseqüência, pois não houveram feridos. Houve quem afirmou serem os pipocos apenas rojões. O engenheiro Garcia Neto venceu o perrengue e fez a ponte, que não passava de uma certa quantidade de manilhas de cimento dispostas no sentido da corrente do riacho, cobertas com terras e cascalhos, que foram compactadas numa ação que teve início a 13:00h e terminou às 24:00h, que além da mão de obra humana tiveram o apoio de apenas um caminhão e um trator da prefeitura cuiabana. Hoje a Ponte da Confusão não existe mais, está coberta por asfalto, cascalho e histórias.
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R E P O RTAG E M ESPECIAL
lumeMatoGrosso ATUAL RUA MATO GROSSO, NO CENTRO DE CUIABÁ, EM 1940. FOTO: AFRÂNIO CORRÊA
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R E P O RTAG E M ESPECIAL A DEMOLIÇÃO DA ANTIGA CATEDRAL DE CUIABÁ
»»O ano de 1968 marca a derrubada definitiva da Catedral Metropolitana de Cuiabá, uma
ação criticada pela maioria quase que absoluta das pessoas que acompanharam essa violência histórica. Havia quem defendesse a demolição da Igreja Matriz por esta apresentar fissuras e rachaduras nas paredes da parte superior do antigo templo, detectadas a partir de março de 1956, por uma comissão de engenheiros, por ocasião do falecimento do Arcebispo Dom Aquino Corrêa, que haveria de ser sepultado na Catedral. O laudo emitido foi de que a estrutura do antigo prédio da Matriz estava comprometida: (...) “Decidiu-se, então, pela demolição da Catedral, quando já era Arcebispo de Cuiabá Dom Orlando Chaves. A derrubada do velho templo acendeu viva polêmica. Mas ficou decidida sua demolição; (...) Deliberada a construção de uma nova Catedral, no mesmo lugar da antiga, foi trazido a Cuiabá, para colher os dados necessários à elaboração do projeto o mais famoso arquiteto especializado em arte sacra no país, o Dr. Benedito Calixto de Jesus Neto, de São Paulo, autor do projeto da imponente Basílica Nacional de Aparecida, a maior e mais bela igreja do mundo, depois da de São Pedro, em Roma; (...) A construção foi iniciada em 1958 e interrompida em 1963, durante o Concílio Vaticano II. Reiniciadas as obras em 1968, foi inaugurada a 24 de maio de 1973, em homenagem às Bodas de Prata episcopais do Arcebispo Dom Orlando, sucessor de Dom Aquino” (PÓVOAS, 1995, pg. 515, 516). Parte dos subsídios para construção do novo prédio da catedral foram oferecidos pelo governo Pedrossian. A outra parte de arrecadação de subsídios para a conclusão da obra foi feita pelo historiador Luís-Philippe Pereira Leite, que foi o coordenador dessa campanha de arrecadação. Perguntado se havia arrependimento em tal gesto, em função de haver muita contradita sobre o tema, respondeu que não, se pronunciando em entrevista para a jornalista Keka Werneck, do jornal A Gazeta: (...) “O argumento para o lamentável fato é um só. As paredes feitas de adobe, com um metro e quarenta centímetros, não aguentavam mais e ruiriam de qualquer forma” (1998, pg. 7). O padre Pedro Cometti, buscou contribuir com seu conhecimento sobre a demolição da Catedral na publicação “Por que foi derrubada a Catedral do Bom Jesus?”, editada no Diário Oficial Cultura, em Cuiabá: (...) “A verdade incontestável é a seguinte: era humanamente impossível manter de pé a Sé de Cuiabá, a qual, desde os inícios de sua construção, vinha sendo reformada e consertada. Seria absurdo injetar cimento em parede de taipa socada. A trepidação do solo numa cidade que concentrava seu trânsito no centro, abalara definitivamente as paredes e os alicerces” (1992, pg. 7). O advogado, professor e promotor público aposentado, e um dos fundadores da UFMT, Benedito Pedro Dorileo, em artigo publicado nesta revista Lume, edição nº 16, de agosto de 2017, nos diz o seguinte sobre a demolição da Sé:
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“Quando o governador João Ponce de Arruda decide demolir o velho Palácio Alencastro, limpando a grande área onde estavam os prédios térreos da Delegacia Fiscal, da LBA e Correios e Telégrafos e ainda a residência do coronel João Celestino Cardoso, levanta o novo palácio onde, hoje, se situa a Prefeitura Municipal. A velha Catedral, por motivo aludido, também é demolida passo a passo sem prejuízo dos atos religiosos. O cuiabano em sua maioria muda a face do seu cartão postal. O projeto da nova é de autoria do arquiteto Benedito Calixto de Jesus Neto, autor do da Basílica Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Houve oferta de dois estilos diferentes, postos em votação livre para fiéis e povo, resultando em 5.450 votos, prevalecendo o clássico com 3.000 sufrágios, com adoção de retoques. O Pároco Pe. Firmo Pinto Duarte Filho tudo, atentamente, acompanhava com os fiéis católicos e povo, de maneira democrática. A Imprensa dividida, ora apoiava, ora criticava, principalmente quando do uso de explosivo para romper unicamente a parede frontal de concreto armado. Após 15 anos de trabalho é, enfim, inaugurada a quarta e definitiva morada do Senhor Bom Jesus, no dia 24 de maio de 1973, dia expressivo de Nossa Senhora Auxiliadora, com presença do clero, altos prelados, personalidades, fiéis e povo. No ano seguinte, o coroamento da conquista: Sua Santidade o Papa Paulo VI, em 15 de novembro de 1974, atendendo ao pedido do venerando metropolita, concede a elevação da Catedral à categoria de Basílica Menor. Chamamo-la de Catedral Basílica do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Além da Imagem, acrescenta-se um dos maiores mosaicos do mundo, estampando o Salvador louvado com três oferendas: do bandeirante, do negro e do índio. Há alusão de que o Concílio Vaticano II de 1962 teria, além de profundas reformas intrínsecas, contribuído para a simplificação de altares e paredes internas dos novos templos católicos. As esculturas sacras do barroco removidas compõem, hoje, o Museu Sacro organizado no antigo Seminário da Conceição. Histórico, cívico e religioso são tudo quanto diz respeito à trasladação, em 1975, de Sorocaba para Cuiabá das cinzas de Miguel Sutil de Oliveira que, na cripta, repousam ao lado de Paschoal Moreira Cabral, de todos os prelados da Prelazia, Diocese e Arquidiocese de Cuiabá. Também repousa o corpo do arcebispo construtor, Dom Orlando Chaves, falecido em Cuiabá, em 15 de agosto – Assunção de Nossa Senhora – de 1981, aos 81 anos de idade. A saudade foi sempre presa da eternidade como flor murcha que exala aroma inebriante. Sentimento que se soma à memória telúrica. Também tenho saudade da velha Catedral, onde, menino, ouvia homilias de Dom Aquino Corrêa. Ou em dia do “Te Deum Laudamus”, como para recepcionar Getúlio Vargas, em 1941. Ou da sua nave, onde comandei, em 1956, a guarda da urna fúnebre do Prelado que governou Mato Grosso. Lembranças tantas que, entretanto, despertam-se diante da magnitude do novo belo que encanta as nova gerações.”
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R E P O RTAG E M ESPECIAL
BECO TORTO, NO CENTRO HISTORICO DE CUIABA, EM 1957
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BECO ALTO, DÉCADA DE 1950
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FOTOS: AFRÂNIO CORRÊA
RUA BARÃO DE MELGAÇO, EM 1940 SUBIDA DA IGREJA DO ROSÁRIO, EM 1950
BECO SUJO, EM CUIABÁ, EM 1957
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R E P O RTAG E M ESPECIAL O ANIVERSÁRIO DOS 250 ANOS DE CUIABÁ
»»Bento Lobo foi escolhido prefeito de Cuiabá pelo governador Pedro Pedrossian para
comemorar condignamente os 250 anos de história da capital de Mato Grosso. Lobo não era um político de carreira, titubeou, mas aceitou diante da afirmativa feita pelo governador que caso ele não aceitasse nomearia um estranho para preparar os festejos comemorativos aos 250 anos de Cuiabá (08/04/1969). Bento tornou-se, então, um político hábil e de bastante visão. Compensava sua baixa estatura (1,60m) e tipo franzino com discursos memoráveis, com voz bem colocada num português irretocável. No período em que esteve à frente da prefeitura o país estava no auge do governo militar sob o governo do Marechal Costa e Silva. Iniciavam-se os projetos nacionais de incentivo a abertura de áreas para implantação de projetos agropecuários em Mato Grosso. Nessa época iniciaram-se, através de tratativas políticas entre os governos federal e estadual, os trabalhos de implantação da Universidade Federal de Mato Grosso. As comemorações dos 250 anos de Cuiabá foram belíssimas, graças ao planejamento do Bento Machado Lobo e sua equipe, chefiada pelo José Rabelo Leite. Nessa época pesava contra a capital mato-grossense a deficiência na área da saúde. Segundo o próprio prefeito Lobo, “não era possível que uma cidade com 250 anos não tivesse um Pronto Socorro em funcionamento”. Por conta disso Bento Lobo se uniu a um grupo de médicos amigos: Benedito Vieira de Figueiredo, Luiz Gonzaga de Figueiredo e José Vaz Curvo Neto e deu a eles toda a cobertura financeira e de infraestrutura para que o Pronto Socorro se tornasse realidade. No dia 27 de dezembro de 1969, no período vespertino, como parte integrante das comemorações dos 250 anos, o Prefeito Bento Machado Lobo entregou ao povo cuiabano aquele que foi o primeiro Pronto Socorro de Cuiabá, localizado na área central da cidade. Dentre os mais importantes fatos que O BAILE DOS 250 ANOS DE CUIABÁ. AO marcaram os 250 anos da história de Cuiabá CENTRO, DE ÓCULOS, O PREFEITO BENTO se destacou a implantação da primeira emisLOBO. FOTO: ACERVO FAMÍLIA LOBO sora de televisão em Cuiabá – a TV Centro América. Essa história é recheada de protagonistas, no entanto, destacou-se o papel desempenhado por Antonieta Ries Coelho, mato-grossense de Coxim, e nascida no seio de tradicional família do Estado. A inauguração da TV deu-se no período de 250 anos de fundação da cidade de Cuiabá. Além de ocupar cargo de direção, Antonieta Ries também apresentou programas de auditórios e ajudou a formar os primeiros apresentadores de televisão em Mato Grosso, a exemplo de Paulo Zaviasck, que militou muitos anos na TV Centro América. Sua história com esse grupo de comunicação começou com um telefonema de Ueze Zahran, em 1964, no qual pedia-lhe que acompanhasse a documentação de um canal de televisão que o Grupo Zahran havia requerido para Campo Grande no então Conselho Nacional de Telecomunicações, pois na ocasião não existia o Ministério das Comunicações. Foi aventado
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a possibilidade de se instalar um canal também em Cuiabá, o que em primeiro momento não pareceu viável. Eduardo Zahran, que chefiava o Grupo naquele período propôs a Antonieta que se a mesma aceitasse vender uma quota de 1.500 aparelhos de TV, poderia requerer a TV para a cidade de Cuiabá. Em 1965, Antonieta passou a dirigir à implantação e direção da TV Morena, em Campo Grande, e no ano posterior, foi à Cuiabá para cumprir o trato da venda dos aparelhos de televisão. No início de 1967, foi registrada a firma Sociedade Mercantil Zahran Ltda. Foi adquirido o terreno para construção da sede da TV e em julho de 1968 a maioria dos aparelhos já tinham sido instalados com suas antenas enfeitando os céus cuiabanos. Desse período muito são os nomes que são necessários registrar, pois foi o da implantação da TV Centro América, a exemplo de Djalma Valadares de Figueiredo e dos técnicos Juquita (José Vilarinho dos Santos) e Ednésio Macedo. Em 13 de fevereiro de 1969, em iniciativa eminentemente empresarial, mas com apoio governamental, foi inaugurada oficialmente a TV Centro América – Canal 4 de Cuiabá – Mato Grosso com uma bela festa, transmitida totalmente para toda a população mato-grossense. A imagem ainda era em preto e branco.
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VISTA AÉREA DE CUIABÁ POR OCASIÃO DO ANIVERSÁRIO DE 250 ANOS. FOTO: CARTÃO POSTAL - LIVRARIA SANTA TEREZINHA
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R E P O RTAG E M ESPECIAL A IMPACTANTE DÉCADA DE 1970
»»Historicamente a década de 1970 foi de muitas transformações para a cidade de Cuia-
bá por conta de galopante aumento populacional verificado. Nessa época ocorriam deficiências no atendimento na área de saúde e moradia por conta da demanda aumentada. Era o período do chamado “Milagre Econômico Brasileiro”, que alargou a fronteira agrícola mato-grossense e criou dezenas de novas cidades no interland. Os presidentes da República dessa época foram Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo; o Estado teve como governantes José Fragelli, Garcia Neto e Frederico Campos e, a capital de Mato Grosso foi administrada pelos prefeitos Bento Lobo (15/03/1969 – 11/01/1969), José Villanova Torres (15/03/1971 – 10/03/1975), Manoel Rodrigues Palma (15/03/1975 – 15/03/1979) e Gustavo Arruda (15/03/1979 – 15/03/1983). Nesse clima de progresso para todos a cidade de Cuiabá passou a ser o receptáculo de milhares de famílias migrantes para o interior do estado. Primeiro vinham para Cuiabá, depois seguiam suas viagens. Alguns ficaram, alguns vinham depois, com filhos para estudar. Com isso a população aumentava vertiginosamente e a infraestrutura da capital não suportava a demanda socioeconômica que se apresentava. No período em que era prefeito Villanova Torres a cidade enfrentou uma das maiores enchentes do Rio Cuiabá, que deixou mais de 24 mil desabrigados e famílias ilhadas. Esse evento funesto deixou milhares de cuiabanos assustados com a devastadora enchente que inundou bairros e alagou algumas das principais avenidas da capital. Esse fato deu-se no dia 18 de março de 1974, ocasião que o Rio Cuiabá atingiu 10,87 metros depois de fortes chuvas que desabaram sobre a capital mato-grossense. Conforme a Defesa Civil estadual, à época, mais de 24 mil pessoas ficaram desabrigadas após a água invadir casas e regiões. A força da água foi tão grande que inundou e fez desaparecer até alguns bairros ribeirinhos como Barcelos, Várzea Ana Poupino e o bairro Terceiro. A situação de calamidade pública não foi apenas em Cuiabá. O caos também atingiu Várzea Grande, região metropolitana, e outros seis municípios ribeirinhos abastecidos pelo Rio Cuiabá. Na ocasião em que Rodrigues Palma foi o prefeito de Cuiabá verificou-se uma verdadeira revolução administrativa na capital. Uma das vantagens que o prefeito Palma teve em mãos foi o fato de o governador da época, Garcia Neto, ser da família. No entanto, nem sempre fatos semelhantes ocorrem de forma positiva, nesse caso o resultado foi ótimo para Cuiabá. Tal situação só contribuiu e facilitou para que a capital tivesse grandes obras urbanas e de infraestrutura. A saúde foi vista com prioridade e pensou-se em uma solução construindo um novo Pronto Socorro em Cuiabá. As obras do Pronto Socorro da capital, localizado na avenida General Valle, que tanto serviu à sociedade cuiabana, foram iniciadas em sua gestão de prefeito e entregue na gestão posterior. A administração do prefeito Gustavo Arruda concluiu a obra do Pronto Socorro de Cuiabá. Gustavo Arruda não tinha a política como meio de vida. Quando foi prefeito de Cuiabá desenvolveu notável trabalho. Atuava no Departamento de Obras Públicas do Estado, e foi escolhido para o cargo de Prefeito pelo governador Frederico Campos, pela competência no trabalho, a escolha foi técnica e não política. Graças a sua visão foram construídos em Cuiabá, várias obras, além da conclusão do Pronto Socorro, como a Rodoviária urbana, abertura definitiva e implantação da Avenida Mato Grosso, propiciou os acessos ao Parque de Exposição, promoveu a gestão para que a sede da Prefeitura Municipal de Cuiabá deixasse o Edifício Irene, passando a ocupar, em definitivo, o Palácio Alencastro, promoveu o lançamento e início das obras de duplicação da Av. Fernando Corrêa da Costa, a partir do Areão.
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lumeMatoGrosso CRUZAMENTO DA AVENIDA GETÚLIO VARGAS COM A RUA BARÃO DE MELGAÇO, NO CENTRO DE CUIABÁ, NA DÉCADA DE 1970
OS PRÉDIOS COMEÇARAM A OCUPAR A ÁREA CENTRAL DE CUIABÁ NA DÉCADA DE 1970 FOTOS AFRANIO CORREA
MUSEU DE PEDRA RAMIS BUCAIR
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R E P O RTAG E M ESPECIAL UNIVERSIDADE FEDERAL EM CUIABÁ
»»Na década de 1970 foi criada Universidade Federal de Mato Grosso, na capital do Esta-
do, sendo primeiro reitor o médico Gabriel Novis Neves. Esse foi um sonho acalentado por décadas pela sociedade cuiabana, que sabia que o ensino superior conduziria pessoas, tanto na vida social, quanto na empresarial, a enxergar o mundo além delas próprias, enquanto indivíduos, tornando-os seres humanos mais conscientes e preparados. A UFMT foi criada em 10 de dezembro de 1970, pela Lei n° 5647, a partir da fusão da Faculdade de Direito de Cuiabá (que foi criada em 1952) e do Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá. Nesse ano foram abertos os 11 primeiros cursos, oferecidos no campus universitário, na região do Coxipó. Foram criados os primeiros centros e iniciadas as obras de construção dos blocos. Na década de 1980 foi implantado o Hospital Universitário Júlio Müller e iniciado o processo de interiorização do ensino. Esse é o único hospital essencialmente público de Cuiabá que atende, plenamente, somente pacientes referenciados pelo SUS. Serve de campo de estágio de alta qualidade para os estudantes de Medicina, Nutrição, Enfermagem, Fisioterapia e Serviço Social, entre outros. Também são criados os campi de Rondonópolis, do Médio Araguaia e de Sinop. Começa nesse período a oferta de turmas especiais de graduação e ensino à distância, em diversas cidades e polos espalhados pelo estado, que não contavam até então com acesso ao ensino superior. Durante a década de 1990 continuam os projetos de turmas especiais e graduação parcelada em todos os estados, juntamente com a expansão significativa da oferta de cursos de graduação nos campi. O início da década de 2000 é marcada pela diminuição do orçamento da instituição. Apesar disso novos cursos e turmas são criados, e a universidade investe em programas de licenciatura voltados para professores de escolas públicas e nos de graduação parcelada nos municípios do interior. Em 2006 finalmente é consolidado o campus de Sinop, com a criação de vários cursos de graduação, lá e também nos outros campi interioranos, graças ao programa de expansão universitária do Governo Federal. No total, são 11 novos cursos e 500 vagas abertas no segundo semestre, em vestibular extraordinário. Já foram contratados professores e técnicos para atender a esses cursos, e em breve começarão as obras do novo campus. Contemporaneamente a UFMT tem 27 institutos e faculdades; o Hospital Universitário Júlio Müller, o Hospital Veterinário; uma fazenda experimental (em Santo Antônio do Leverger); uma base avançada de pesquisa no Pantanal (município de Poconé); estações meteorológicas (Cuiabá e Rondonópolis); herbário; biotério, zoológico, ginásio de esportes, parque aquático, museus e o único teatro com especificações técnicas exigidas para receber as diversas modalidades de artes cênicas no Estado, todos em Cuiabá. Conta ainda com o maior sistema de bibliotecas do Estado, somando mais de 300 mil volumes, sendo 200.908 na Biblioteca Central em Cuiabá; 47.878 em Rondonópolis; 16.639 no Campus do Araguaia e 15.588 em Sinop. O ESTÁDIO DO VERDÃO »»Uma ação de grande envergadura ainda no governo de José Fragelli foi o início da construção do Estádio de Futebol Verdão, em Cuiabá, pensado para suprir a necessidade de acolher as grandes torcidas de times da capital, a exemplo do Mixto, Dom Bosco e Operário de Várzea Grande, que viveram momentos de glória nesse estádio, por conta de disputas em campeonatos estaduais e nacionais. A área onde foi construído o estádio foi escolhida por uma comissão de notáveis, escolhida pelo governador Fragelli, composta pelo arquiteto Moacyr Freitas e pelos engenheiros Pohl Moreira de Castilho e Rômulo Vandoni, ainda em 1972. O local escolhido foi nas imediações do córrego Mané Pinto, sendo que parte do terre-
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no pertencia ao município de Cuiabá e a outra à família Pinto. As obras do estádio do Verdão se iniciaram com grande expectativa da sociedade em ter um local digno de receber grandes partidas de futebol. No entanto, as obras não tiveram o fluxo de produção que a população esperava, com poucos investimentos, estagnou e quase paralisou. Essa quase paralisação das obras deu-se com a coincidência de crise mundial e brasileira, motivado pela crise da energia e o aumento do petróleo, em ação capitaneada pela OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo, com o ápice dos problemas ocorrendo a partir de outubro de 1973. Com a ida de Garcia Neto ao comando do Paiaguás, este se comprometeu em acelerar as obras e concluí-la, em breve tempo. O engenheiro civil Rômulo Vandôni, da Academia Maçônica de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, depois de colaborar com a escolha do ponto a ser instalado o estádio do Verdão, foi convocado pelo governador Garcia Neto para assumir o papel de engenheiro chefe para conclusão de obras do estádio. Vandôni narra no livro Verdão - Uma história de desafios e conquistas, escrito sobre suas memórias, parte significativa da história de construção desse estádio de futebol: (...) “Em meados de 1975, a população pressionava o governo, querendo a conclusão do estádio e, num gesto de coragem, lá pelo mês de janeiro de 1976, Garcia Neto comprometeu-se com a população e com a comunidade esportiva a entregar o novo estádio na data do aniversário de 257 anos de Cuiabá: 8 de abril de 1976; (...) A conclusão das obras, se não faltasse numerário, estava prevista para o final de 1976, portanto a promessa do governador foi uma verdadeira temeridade, mas totalmente arrojada, próprio do seu jeito de ser; (...) Nesse contexto, Garcia Neto consultou seu eficiente e dinâmico secretário de Obras, o engº Frederico Carlos Soares Campos, e este lhe disse que concluir a obra em tempo tão exíguo era um problema de difícil solução. Solicitado para que indicasse um engenheiro que pudesse coordenar as obras, respondeu ao governador que o único que poderia tentar solucionar o problema seria eu, na época a disposição da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso, como assessor técnico do Reitor, Dr. Gabriel Novis Neves; (...) Analisei bem e disse ao Garcia que aceitaria, com a condição de que tivesse aval para agir de modo independente nas medidas a serem tomadas. Sem política. Garcia aceitou e, na mesma hora, me deu carta branca. Com essa medida, Garcia poderia dar uma satisfação à população e eu passaria a fiscalizar e ser o responsável por tudo (2006, pg. 11/17). O fato é que Vandoni deu conta do recado e concluiu as obras do Verdão. Enfrentou todo tipo de problema, resolvendo-os um a um e olha que não foram poucos: escolha de iluminação, tipo de grama, placar eletrônico, cadeiras, sonorização e drenagem, entre outros tópicos. Ao ser inaugurado, em partida com atletas do Mixto, Dom Bosco e Operário de Várzea Grande, contra o Clube de Regatas Flamengo, no governo de Garcia Neto, o Estádio Verdão, em Cuiabá, recebeu o nome de Estádio Governador José Fragelli, em homenagem ao governador, que iniciara sua obra. Este mesmo estádio foi demolido para dar lugar à Arena Pantanal (Estádio da Copa do Mundo de 2014), que em 2019, até o aniversário de Cuiabá, ainda não havia sido concluído.
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R E P O RTAG E M ESPECIAL A VISITA DO PAPA JOÃO PAULO II A CUIABÁ
»»Um fato extraordinário em toda a história da capital ocorreu no dia 16 de outubro de
1991, com a vinda a Cuiabá do Papa João Paulo II. Na visita, o Sumo Pontífice desfilou de Papamóvel com destino a local em que celebrou Santa Missa à milhares de fiéis, trazendo alívio espiritual ao povo desta terra, que passava por período de grave crise econômica, seguida de crise política: (...) Foi uma recepção apoteótica. Das cidades vizinhas e do Estado acorreram a Cuiabá autoridades religiosas e pessoas do povo em geral, no desejo de verem de perto o ilustre visitante; (...) Durante o percurso, de cerca de 15 quilômetros, desde o aeroporto até ao amplo espaço em que seria oficiada a Santa Missa, o povo ficou postado ao longo da pista pela qual passaria o “Papamóvel”, aplaudindo o primeiro Sumo Pontífice que pisara terras cuiabanas, em toda a sua história; (...) No local destinado à solene missa grande multidão aguardava a chegada de João Paulo II, a despeito do sol causticante e do intenso calor que fazia nesse dia; (...) Às 10 horas tinha início o ofício divino, durante o qual o Papa foi saudado, em belo discurso, pelo Arcebispo de Cuiabá, Dom Bonifácio Piccinini, tendo sua Santidade oportunidade de se dirigir ao povo de Mato Grosso através de uma cadeia de rádio e televisão, falando em português; (...) Ao Papa foram levadas oferendas por representantes de entidades civis e religiosas e por segmentos da sociedade mato-grossense, inclusive por representantes das populações indígenas. (PÓVOAS, 1995, p. 613). Após a Santa Missa oficiada em lugar atualmente denominado de Sesi-Papa, ponto de encontro de comemorações religiosas, a exemplo do Vinde e Vede, sob o comando do Arcebispo de Cuiabá, Dom Milton dos Santos, o Papa recolheu-se para almoço na Praça do Seminário, entre religiosos. Mais tarde, após breve descanso, encontrou forças e reuniu-se com lideranças indígenas, de quem levou lembranças e deixou ótima impressão, além interagir com jovens da Pastoral da Juventude.
A COPA DO MUNDO EM CUIABÁ »»Ao final do governo Blairo Maggi, numa articulação política muito bem elaborada, veio para Cuiabá o projeto Copa do Mundo do Pantanal - FIFA 2014, que contemplou a capital mato-grossense como uma das sedes nacionais. Na época, foi criada a AGECOPA Agência Estadual de Execução dos Projetos da Copa do Mundo do Pantanal, que tinha como missão principal, além da realização proposta do maior evento futebolístico mundial, a contribuição para o desenvolvimento socioeconômico e ambiental de Mato Grosso:
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(...) Após Cuiabá ser confirmada como uma das 12 sedes brasileiras da Copa do Mundo FIFA 2014, o governo de Mato Grosso se antecipou em imprimir organização e celeridade aos projetos das obras que envolvem o mais popular evento esportivo do planeta. No campo de atuação, coube à Agecopa a abertura de licitações para a contratação de bens e serviços envolvendo
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tais projetos, sendo o de maior destaque a construção da Arena Multiuso Verdão, que será o palco dos jogos de futebol, verdadeiros duelos entre seleções dos mais diversos países. O espaço substituirá o antigo Estádio Governador José Fragelli, o “Verdão”, inaugurado há mais de três décadas. Com toda a estrutura da Agecopa trabalhando em prol da competição, Mato Grosso cumpre o compromisso selado com a FIFA (Fédération Internationale de football Association), de ajudar o Brasil a promover uma das mais memoráveis edições da história da Copa do Mundo” (Des. c/ Integração, 2010, p. 343). Em 31 de março de 2010, após 7 anos e 3 meses de governo à frente do Palácio Paiaguás, Blairo Borges Maggi, que nesse período já estava filiado ao PR - Partido da República, renunciou ao cargo de governador e se lançou à candidatura de Senador da República, exitosa e com vigor até 2018. O empresário e advogado Silval da Cunha Barbosa foi o governador da Copa do Mundo. Esse tempo da história de Mato Grosso ainda está para ser escrito com maior clareza e riqueza de detalhes, visto que, após o seu término, desdobramentos ocorreram em vértice às análises futuras. Trata-se de um período em que ocorreram inúmeros escândalos na área da política mato-grossense. Muitas críticas a sua administração vieram à tona, devido a não conclusão de obras de mobilidade urbana em Cuiabá em prazo hábil, assim como geraram dúvidas na sociedade sobre a qualidade de suas edificações. Segundo notícias advindas da grande imprensa, o interior do Estado deixou de ser atendido devidamente em função da prioridade que se tornou a destinação de verbas à Copa do Mundo 2014. Naquele período, o governador Silval Barbosa quase não se defendeu das inúmeras acusações que lhe foram imputadas, mas sempre que se pronunciava sobre o assunto dizia que o tempo provaria que ele foi um dos mais importantes governantes do Estado, com obras de relevância, sendo realizadas em prol de toda a sociedade mato-grossense, notadamente a cuiabana. TRILHOS DO VLT
FOTO: JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA
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R E P O RTAG E M ESPECIAL
O CERTO E O ERRADO
CENTRO HISTÓRICO
»»É importante que se reveja, na contemporaneidade, a importância negativa que teve
o episódio da demolição do Palácio Alencastro e da Catedral de Cuiabá. A capital mato-grossense possui enorme potencial em arqueologia urbana. O centro histórico de Cuiabá com peculiar originalidade do traçado das ruas e a conservação feita de adobe e pau-a-pique, foi tombado pelo IPHAN na década de 1980, e ocupa área de 62 hectares em mais de 1000 imóveis entre comerciais e residenciais. A forte pressão urbanística, sentida a partir das décadas de 1960/70, aliada à necessidade de se proceder a uma efetiva gestão nas zonas urbanas arqueologicamente sensíveis e ao estudo e salvaguarda das estruturas arquitetônicas gera expectativa de ação premente das autoridades competentes em salvaguardar o que ainda resta do centro histórico de Cuiabá. Por falta de meios humanos e financeiros, grande parte do rico e variado espólio histórico cuiabano, a exemplo do que ocorreu com a Catedral Metropolitana de Cuiabá, não é objeto de um tratamento sistemático e profundo, de forma a potencializar todos os seus aspectos científicos, pedagógicos e culturais. A responsabilidade pela preservação do patrimônio histórico arquitetônico de Cuiabá é inicialmente de seus proprietários, sendo seguido pelos governos municipal, estadual e federal. Essa não é necessariamente a ordem oficial, mas, todos esses agentes devem estar atentos para que o pouco que sobrou do belo e rico patrimônio arquitetônico seja preservado.
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lumeMatoGrosso FOTOS: JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA
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RUA DE CIMA, ATUAL RUA PEDRO CELESTINO, NO CENTRO HISTORICO DE CUIABÁ, EM 1948. FOTO: AFRÂNIO CORRÊA
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