Torsten Pettersson
DÁ-ME OS
TEUS OLHOS Tradução do orig ina l sueco por Ja ime Berna rdes
Torsten Pettersson
DÁ-ME OS
TEUS OLHOS Tradução do original sueco por Jaime Bernardes
São Paulo – 1ª edição – 2014
Título original: Ge mig dinna ögon © Torsten Pettersson, 2008. Publicado originalmente por Söderströms Förlaget, Helsinque. Tradução do original sueco por Jaime Bernardes Todos os direitos reservados. Editora Claridade Ltda. Av. Dom Pedro I, 840 01552-000 – São Paulo – SP Fone/fax: (11) 2168-9961 E-mail: claridade@claridade.com.br Site: www.claridade.com.br Coordenação editorial: Jeosafá Fernandez Gonçalves Preparação: Patrizia Zagni Revisão: Lucas de Sena Lima Projeto Gráfico e Capa: Viviane Santos Editoração eletrônica: Eduardo Seiji Seki Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Pettersson, Torsten Dá-me os teus olhos / Torsten Pettersson; tradução de Jaime Bernardes. – São Paulo : Editora Claridade, 2014. 384 p. ISBN: 978-85-8032-043-5 Título original: Ge mig dina ögon 1. Literatura sueca I. Título II. Bernardes, Jaime 14-0704
CDD 839.73 Índices para catálogo sistemático: 1. Literatura sueca
Em conformidade com a nova ortografia. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sem a autorização expressa da Editora Claridade.
Sumário o garfo
Eu 9 Harald 12 Reunião 38 Harald 46 Eu 56 Harald 57 Interrogatório 64 Harald 82 O relato de Gabriella 96 Harald 120 A CRUZ
O diário de Nadya 125 Harald 159 Reunião 166
Harald 178 O relato de Erik 188 Harald 219 O diรกrio de Nadya 223 o gaTo
Eu 237 Reuniรฃo 240 Conversa gravada 247 Harald 255 O relato de Lennart 259 Harald 272 O relato de Lennart 274 Harald 280 Eu 282 Harald 284 a CorDa
Harald 303 O relato de Philip 306 Harald 346 a MoCHILa
O diรกrio de Nadya 351 Conversa gravada 357 Harald 379
o garfo
Eu
M
ulher desleixada! Megera! Puta mentirosa! Vais aí com o nariz levantado ao vento. Com os teus cabelos descuidados, nem longos, nem curtos, acastanhados como certa cor de merda escura, bosta
pisada de vaca. Com um gorro musgo-esverdeado. Está com frio, sua piegas! Ainda estamos apenas em outubro, pô! Uma pessoa como tu não merece viver. Mas, na verdade, tu és gente fina. Vamos estar juntos para sempre. Ao sair do cinema, a noite já tinha caído. Deixei para trás um mundo de árvores douradas sob um céu azul brilhante e voltei para um outro totalmente diferente. Os anúncios em néon fazem suas caretas. As pessoas aparecem sob as luminárias da rua e logo desaparecem de novo. Esperando pelo ônibus, vou passeando ao longo da margem do córrego e fico observando suas águas escuras. O riacho me parece morto, mas, de vez em quando, surge uma onda cintilante empurrada pelo vento, logo seguida de outras. Todas vêm respirar à superfície, durante um momento, para logo remergulhar nas águas do riacho. Há um guidão de bicicleta 9
Torsten Pettersson
emergindo entre as ondas, imóvel, junto à margem, visível pelo efeito da luz de uma luminária da ponte. Há também um animal que morreu afogado, que faz lembrar a imagem de ossadas de cabeças de gado, de cornos espetados, surgindo da areia, habitualmente vistas nos chamados filmes westerns. No passeio público, as pedras soltas do calçamento se amontoam umas sobre as outras, em meio a lenços descartáveis sujos de urina atirados ao léu. Vou até a praça. Chega um ônibus com atrelado. Uma mulher sobe e se instala na parte traseira da serpente esverdeada. Atrás dela, sobe também um homem já meio careca, cabelos grisalhos, além de outra mulher que veste um sobretudo bem pesado e de três jovens que, munidos de garrafas de bebidas alcoólicas, tilintando na sacola de papel, perguntam ao chofer a respeito do endereço de uma festa que deve estar começando agora, embora já sejam onze horas da noite. No momento em que o ônibus parte do lugar, ela lamenta ter se sentado, justamente, ao lado das sacudidelas do motor. Vejo como ela se encolhe, mas evita a troca de lugar, considerando que a viagem vai ser curta até Stensta. Ainda as portas não tinham se fechado e eu já mudara de lugar, indo mais para a frente do ônibus, do lado esquerdo. O ônibus corre depressa. As luzes dos semáforos estão piscando em amarelo. Só os rapazes descem no caminho. Se não fosse isso, era como se fosse uma corrida de táxi. Pelo espelho do motorista, vejo que ela já pressionou o botão para parar, uma parada cedo demais. Também saio, mas dirijo-me para o lado contrário. A essa altura, ela ousa encaminhar seus passos para a aleia do parque, por trás da rua Torkelsgatan. Dou uma virada e sigo-a a distância. A cidade fica do lado direito. A planície e, mais distante, a floresta ficam do lado esquerdo. Mais longe ainda, por trás do pinheiral, aparecem 10
Dá-me os teus olhos
algumas línguas de luz em contraste com o céu noturno. O vento atravessa a planície e bate de frente nos pinheiros e abetos, fazendo-os balançar e soltar assobios. O chiado é agudo. Estamos no outono e as folhas e os pinos já secaram. Estou absolutamente calmo, mas dou uma acelerada na ponta dos pés, com passadas longas, mas silenciosas, que forçam a barriga das pernas. Consigo me aproximar dela e, por fim, ela me ouve, mas não chega a virar o corpo. Alguma coisa se enrosca, fortemente, em seu pescoço. É uma coisa fina e cortante, rapidamente puxada com tanta força que ela já não pode respirar. Ela tenta arrancá-la, mas nada consegue com as mãos enfiadas em luvas de pelica. Também não alcança as mãos que puxam a linha por trás de sua nuca. O rosto incha de sangue. Ela esperneia e empurra o corpo para trás com os calcanhares fincados na areia do caminho, de modo que seus cabelos cheirosos começam a fazer coceira em meu rosto. Mas minhas mãos e a linha cortante no pescoço mantêm-na para baixo. Ela grita, mas nenhum som sai de sua boca. O grito fica engasgado na garganta, expande-se pelo cérebro, a cabeça parece explodir. Ela ainda tenta, faz qualquer coisa para se livrar. Uma náusea começa a crescer, rapidamente, vindo de seus pulmões, uma onda intensa de mal-estar. Nesse momento, tudo muda, ela muda, entrega-se, chega a desejar ir embora para o centro da luz negra, para as mãos daquele que a prende e espera por ela. A essa altura, ela se abate e fica totalmente tranquila. Mole como uma criança a dormir, encosta seu corpo no meu. Suas costas escorregam por meus braços e eu deixo, cautelosamente, o corpo pousar no chão. Ela não respira mais, mas eu respiro por ela, rapidamente, esfomeado. Estamos juntos. Por isso, passo a ser seus pulmões e sua boca. Escuto. O vento varre toda a planície. Ninguém se aproxima pelo caminho e eu considero que há tempo suficiente para fazer o que pretendo. Pego a faca. 11
U
ma mulher está caminho de casa numa noite de outono. alguém se aproxima por trás dela. No crepúsculo, ela é encontrada estrangulada e nua, num caminho do parque, os olhos foram extirpados e a letra “a” marcada com arranhões no seu ventre. o caso desafia o experiente comissário criminalista Harald Lindmark e a sua nova colega Sonia alder, que nos Estados Unidos se especializou em assassinatos em série. os dois ainda continuavam sem pistas, quando foi encontrado um novo cadáver ao qual também faltavam os olhos. Será que existe um assassino em série na cidade?
Como me sinto quando tudo termina? Missão cumprida. Uma sensação de fome se abre em mim, mas logo está satisfeita por esta noite e este encontro. Permaneço por bastante tempo ao lado do seu corpo, respirando fundo, de cabeça inclinada para trás, antes de iniciar os meus rituais finais, com as roupas e a faca...
ISBN 978-85-8032-043-5