Eu, Fernando Pessoa em quadrinhos

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Mesmo com mais de 120 anos de idade, Fernando Pessoa é um ícone pop. A curiosidade sobre a heteronímia ultrapassa fronteiras e vence as barreiras do tempo. Talvez multiplicar­‑se em muitos seja mesmo a única maneira de conseguirmos nos encontrar com alguma essência. Teria Fernando feito isso inadvertidamente, como conta na célebre carta enviada ao amigo Adolfo Casais Monteiro? Nunca saberemos a resposta exata, e talvez isso não seja mesmo o mais importante. O que nos resta (e não é pouco!) é encontrar Fernando Pessoa nos belos desenhos de Guazzelli, guiados pelo inteligente roteiro de Susana Ventura.

EU, FERNANDO PESSOA EM QUADRINHOS

ELOAR GUAZZELLI é ilustrador, quadrinista, diretor de arte para animação e wap designer. Mestre em Comunicação pela ECA-USP, atua como quadrinista desde a década de 1990 e tem trabalhos publi­ cados em revistas da Argentina (Fierro e Lápiz Japonés) e da Espanha (Ojo Clínico). No Brasil, publicou Túnel de letras, O rei de pedra, O primeiro dia, entre outros livros. Foi premiado no Yomiuri International Cartoon Contest (1991) e no Salão Internacional de Piracicaba em 1991, 1992 e 1994. Neste último ano, recebeu também o troféu HQ Mix na categoria Desenhista Revelação. Além desses, recebeu inúmeros outros prêmios em festivais de cinema, salões de humor e bienais de quadrinhos dentro e fora do Brasil, e participou de exposições em diversas partes do mundo.

Deixemos­‑nos conduzir então por mãos firmes

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ao mundo maravilhoso da arte pessoana. Maurício Soares Filho

ASSISTA AO CURTA

EU, FERNANDO PESSOA, POR GUAZZELLI

SUSANA VENTURA e GUAZZELLI

SUSANA VENTURA é doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela ­Universidade de São Paulo. Como professora e pesquisadora das literaturas de língua portuguesa, tem trabalhado em diferentes universidades brasileiras, portuguesas e francesas, ministrando­cursos e palestras. Além disso, atua ao lado de atores, músicos, grafiteiros, artistas plásticos e videoartistas em atividades que buscam l­evar a lite­ratura a um grande número de pessoas. ­Pesquisadora ligada do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa (CLEPUL) e do Centro de Pesquisas sobre os Mundos Ibéricos Contemporâneos (­ CRIMIC), da Sorbonne (Paris IV). Autora de Convite à navegação: uma conversa sobre literatura portuguesa e Viagem pela Literatura Portuguesa: leituras ­sugeridas (ambos pela Editora Peirópolis).

– em quadrinhos – Susana Ventura e Guazzelli

Neste álbum da coleção Clássicos em HQ, Fernando Pessoa, considerado uma das mais importantes expressões da língua e da literatura portuguesa depois de Camões, é apresentado a partir de sua obra e de documentos, como a “Carta da gênese dos heterônimos”, escrita em 1935, alguns meses antes de sua morte, na qual explica ao amigo Adolfo Casais Monteiro o nascimento e vida de seus principais heterônimos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, e do semi-heterônimo Bernardo Soares. Em dezembro daquele mesmo ano, o ponto de partida dessa narrativa, o poeta faz uma pequena mala de viagem, levando consigo Sonetos de Bocage e umas poucas roupas, para ir ao Hospital São Luís dos Franceses, onde viria a falecer. Na imaginação da roteirista e no traço do quadrinista, o clima lisboeta frio e chuvoso dessa cena foi pontuado pelo poema “Chuva oblíqua”, essencial na obra pessoana. O poeta chega ao hospital e uma volta no tempo nos conduz ao mês de janeiro novamente, quando escreve ao amigo a carta sobre si mesmo e sua obra. A partir daí, os heterônimos aparecem e se apresentam, tanto nos poemas selecionados por Susana Ventura como no traço às vezes rascunhado, às vezes detalhadamente trabalhado de Eloar Guazzelli. Para completar a viagem, a notícia póstuma escrita pelo poeta Luís de Montalvor e publicada em Portugal no tradicional Diário de Notícias, no dia seguinte ao da morte do poeta, lembra o leitor que “Se Fernando Pessoa morreu, se a matéria abandonou o corpo, o seu espírito não abandonará nunca o coração e o cérebro dos que o admiravam”. O roteiro de Susana guia o leitor pelas imagens labirínticas do desenhista Guazzelli, que demonstra que também ele sabe se perder e se encontrar nas multifacetadas personalidades artísticas de Pessoa para reconstruir mundos com múltiplos estilos e técnicas. Diferente uma visão fragmentada da biografia e da obra do poeta, o leitor terá aqui uma viagem completa e criativa, bem como elementos essenciais para compreender um dos maiores autores do século XX.

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– em quadrinhos – Susana Ventura e Guazzelli

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Pessoa de todos e de cada um, sem tempo e sem idade

Levar aos leitores um livro que tem Fernando Pessoa e a sua obra de mil rostos como personagens centrais é uma forma de celebrar a magia da palavra, o prodígio e o mistério da criação e, naturalmente, a própria poesia. Todos os grandes poetas portugueses sonharam, de uma forma ou de outra, ser ­super Camões, reinventado a épica e a lírica de uma existência luminosa que ­continua a resumir, na grandeza e na inquietação, o essencial da “portugalidade” e do destino dos portugueses no mundo. Fernando Antônio Nogueira Pessoa, nascido no dia 13 de junho – Dia de Santo ­Antônio –, de 1888, morreu em 1935 praticamente inédito e desconhecido, mas com uma arca imensa onde foi guardando milhares de originais que, à medida que foram alcançando a luz do dia, o confirmaram como um dos mais geniais criadores poéticos de toda a tradição ocidental, para usar uma expressão de Harold Bloom. Eterno viajante imóvel, Pessoa viajou sobretudo à proa das palavras, com as quais conseguiu construir um teatro inteiro de personagens, vozes e emoções, que trans‑ cende, no fulgor e na grandiosidade, qualquer existência comum. Fernando Pessoa foi imenso e tornou­‑se eterno, e quanto mais o lemos e redescobrimos, mais nos descobrimos a nós próprios e às nossas inquietações, sonhos e mistérios. Com ele e por ele tornamo­‑nos senhores do nosso próprio desassossego, que tanto pode ser um livro como um périplo ulissiano em busca de um sentido para a vida. Este Eu, Fernando Pessoa em quadrinhos, com roteiro de Susana Ventura e ­desenhos de Guazzelli, é uma conseguida abordagem do universo pessoano, com opção por uma estética que o coloca ao alcance de um vasto público, com natural destaque para o mais jovem, que se sente mais envolvido quando o suporte comunicacional é a imagem. Num país como o Brasil, onde a paixão pela obra do poeta dos heterô‑ nimos não tem limite nem conhece esmorecimento, esta é mais uma aposta certa de Renata Borges e da Peirópolis, no quadro de uma estratégia editorial moderna, abrangente e capaz de atrair públicos diversificados, fazendo também a ponte com a boa literatura que se produz em Portugal. A atualidade da obra do autor de O livro do desassossego é cada vez mais tocante e evidente, porque tem a universalidade e a intemporalidade que a fazem ser de todos nós sem deixar de ser de cada um, tal como o patrimônio dos heterônimos, eternamente de Pessoa e do mundo.

JOSÉ JORGE LETRIA Abril de 2013

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Novembro de 1935, Rua Coelho da Rocha, 16 – 1º Direito, Campo de Ourique, Lisboa.

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“Chuva oblíqua” – Fernando Pessoa

Atrave ssa esta paisage m o meu sonho dum porto infinit o

Que largam do cais arrasta ndo nas águas por sombra

E a cor das flores é transpa rente de as velas de grande s navios

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Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...

O porto que sonho é sombrio e pálido

E esta paisagem é cheia de sol deste lado...

Mas no meu espíri to o sol deste dia é porto sombr io

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E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...

Liberto em duplo, abandone i­‑me da paisagem abaixo...

O vulto do cais é a estrada nítida e calma

Que se levanta e se ergue como um muro, E os navios passam por dentro dos troncos das árvores

Com uma horizontalidade vertical,

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E deix am cair ama rra s na águ a pel as fol has uma a uma den tro ...

Não sei quem me sonho...

Súbito toda a água do mar do porto é transpare nte e vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrad a,

Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto,

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mais antiga que o porto

E a sombra duma nau

que passa

Entre o meu sonho do porto e

o meu ver esta paisagem

E che ga ao pĂŠ de mim , e ent ra por mim den tro ,

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