Ensaios para o ensino de filosofia

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Daiane Martins Rocha Jason de Lima e Silva Evandro Oliveira de Brito (organizadores)

ENSAIOS PARA O ENSINO DE FILOSOFIA

Promoção Grupo de Pesquisa Filosofia, Arte e Educação UFSC

Parceiro Editorial Centro Universitário Municipal de São José USJ 2015



ENSAIOS PARA O ENSINO DE FILOSOFIA



Daiane Martins Rocha Jason de Lima e Silva Evandro Oliveira de Brito (organizadores)

ENSAIOS PARA O ENSINO DE FILOSOFIA

São José

CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ 2015


CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ - USJ Reitora: Elisiane C. de Souza de F. Noronha EDITORA CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ Editor Conselheiro: Evandro Oliveira de Brito Assessor editorial: Débora Medeiros COMISSÃO EDITORIAL ACADÊMICA Adarzilse Mazzuco Dallabrida Carolina Ribeiro Cardoso da Silva Fernando Mauricio da Silva Keila Villamayor Gonzalez Jason de Lima e Silva José Cláudio Morelli Matos Maria Solange Coelho Rogério Tadeu Lacerda Vera Regina Lúcio

100 R672e

EDITORA ASSISTENTE Zuraide Silveira EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Assessoria de Comunicação USJ CAPA: Evandro O. Brito “Gota de orvalho” de Escher, 1948. REVISÃO: Organizador FICHA CATALOGRÁFICA Coordenação de Biblioteca do USJ

Ensaios para o ensino de filosofia / Daiane Martins Rocha, Jason de Lima e Silva, Evandro Oliveira de Brito – 1 ed. – São José : Centro Universitário Municipal de São José, 2015. 173 p. ISBN 978-85-66306-13-2 (e-book) Inclui bibliografia 1.

Filosofia – Estudo e ensino. 2. Estágios supervisionados. 3. Prática de ensino. I. Rocha, Daiane Martins. II. Silva, Jason L. III. Brito, Evandro O. IV. Título. CDD 100

Atribuição - Uso Não-Comercial Vedada a Criação de Obras Derivadas


A filosofia não é uma habilidade para exibir em público, não se destina a servir de espetáculo; a filosofia não consiste em palavras, mas em ações. O seu fim não consiste em fazer-nos passar o tempo com alguma distração, nem em libertar o ócio do tédio. O objetivo da filosofia consiste em dar forma e estrutura à nossa alma, em ensinar-nos um rumo na vida, em orientar os nossos atos, em apontar-nos o que devemos fazer ou pôr de lado, em sentar-se ao leme e fixar a rota de quem flutua à deriva entre escolhos. Sêneca



SUMÁRIO Apresentação Jason de Lima e Silva e Daiane Martins Rocha ................... 09 Por que e como ensinar filosofia no ensino médio? Ou Sócrates contra Eichmann: educar para o pensar ou para o não pensar? Helder Félix Pereira de Souza .............................................. 17 The Wall: uma reflexão acerca do mecanicismo escolar e o ensino de filosofia Felini de Souza ..................................................................... 43 É possível a filosofia no ensino médio? Como é possível? Vinicius Arion Aliende Palongan de Oliveira ....................... 57 Uma possibilidade para o ensino de filosofia atual: o intercruzamento kathegeliano em dois atos Lucas Beligni Campi ............................................................. 69 Ensino da filosofia: um exercício antropofágico Thor João de Sousa Veras .................................................... 79 O “ensinar a filosofar” e o filosofar sobre sexualidade: uma proposta pedagógica para a filosofia enquanto processo de criação conceitual de gilles deleuze e félix guattari e o corpo lascivo em Merleau-Ponty Diego Luiz Warmling.......................................................... 101

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Os desafios do ensino de filosofia para o ensino médio Michelle Ramunno Monteiro ............................................ 115 Sobre o ensino de filosofia no ensino médio Guilherme Damin Bortoli .................................................. 125 Filosofia no ensino médio: sim, uma experiência possível Aldo Félix Barreto .............................................................. 141 Compreensão prévia e filosofia no ensino Flávio Ricardo da Silva ....................................................... 153 A importância do estudo dos textos clássicos nas aulas de filosofia do ensino médio: reflexões acerca da docência em filosofia Yuri Galvão Oberlaender de Almeida ................................ 163

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APRESENTAÇÃO Os ensaios deste livro foram produzidos pelos estagiários do curso de Licenciatura em Filosofia da UFSC, em 2014, a partir de dois campos de atuação: o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e o Colégio Aplicação da UFSC. O trabalho de supervisão desses estagiários, ou seja, o trabalho de acolhimento na escola e acompanhamento na sala de aula, devemos a quatro pessoas, sem as quais a formação filosófica dos estudantes careceria da excelência que a experiência humana e coletiva nos dá, nesta tarefa de tornar-se professor, a cada encontro, na escuta e na palavra. São elas: Sandro Ricardo Rosa e Leonardo Francisco Schwinden, do Colégio de Aplicação, e Eliodória Ventura e Eliéser Spereta, do IFSC. A essas pessoas deixamos nossos mais sinceros agradecimentos: pelo trabalho de formação na escola e de diálogo permanente com a universidade. A experiência em sala, desde a etapa da observação e assistência até o momento da prática de ensino, despertou nos estagiários e estagiárias o interesse em muitos dos problemas que integram o nosso sistema escolar, sobretudo no que diz respeito à possibilidade de se ensinar Filosofia (o que significa também a possibilidade de o discurso filosófico produzir algum efeito sobre aqueles que não escolheram a filosofia como modo de vida e/ou profissão). Assim, tais ensaios expressam o trabalho de o estagiário primeiramente se situar como sujeito na escola, entre outros sujeitos, segundo a ordem de disciplinas e de saberes que regulamentam o tempo e o espaço de cada qual; esse esclarecimento põe ao mesmo tempo em jogo o desafio de se constituir uma forma de saber cuja razão é justamente problematizar a realidade (como algo evidentemente conhecido ou inquestionável) e a ocasião de se fazer do encontro, num tempo e espaço previamente dados, o princípio de uma experiência de pensamento e liberdade entre 9


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outros. Nada disso, claro, é tão simples, nem seguramente garantido. Depende em parte da compreensão do que fazemos (ou do que é possível fazer) onde estamos, em parte também do quanto o outro está aberto à experiência de aprender a ser livre ao questionar o que pensa ou julga ser. Abrimos essa edição com o ensaio de Helder Félix Pereira de Souza, Por que e como ensinar Filosofia no Ensino Médio? Ou Sócrates contra Eichman: Educar para o pensar ou para o não pensar? Nesse texto, somos levados a questionar o sentido da educação após Auschwitz (os campos de concentração do Terceiro Reich). Para o filósofo Theodor Adorno, a razão de educar se daria no evitar a barbárie. Considerando as possíveis implicações da análise de Hannah Arendt sobre o julgamento de Eichmann, são pensadas duas formas fundamentais de educação, segundo duas espécies de formação: o “tipo Eichmann”, que corresponde à produção de indivíduos prontos a obedecer a seus superiores, sem pensar o quanto esses atos seriam bons ou ruins para si e para outros; e o “tipo Sócrates”: a atividade educacional teria como base um caráter mais reflexivo, compreendido tanto pelo conhecimento de si, quanto pelas implicações das escolhas e ações individuais sobre a humanidade como um todo. Cabem ainda as críticas de Nietzsche a Sócrates e Platão, no sentido de considerar o pensamento reflexivo e moral o princípio para nos converter em animais de rebanho, ao invés de liberar o animal guerreiro. Como essas questões podem nos levar a uma postura em sala de aula no que se refere ao ensino de Filosofia? Que métodos poderíamos utilizar para alcançar os objetivos propostos, os quais, como proposto nesse artigo, opõem-se a uma educação que produza indivíduos do “tipo Eichmann”? Em seguida, lemos o ensaio de Felini de Souza, intitulado The Wall: Uma reflexão acerca do mecanicismo escolar e o ensino de Filosofia, no qual somos provocados pelo clássico filme The Wall, do diretor Allan Parker (1982), 10


Apresentação

baseado no sucesso da banda Pink Floyd: trata-se de questionar o ensino enciclopédico que reprime a criatividade e a diferença entre os estudantes, o qual, por sua vez, impossibilita o exercício filosófico propriamente dito. Em tom bastante provocativo e instigante, o ensaio traz várias críticas ao nosso sistema de educação atual, de tal modo que aponta a outro direcionamento: rumo a uma educação para a reflexão e liberdade. E nesse sentido, retoma e atualiza muito do legado de nosso mestre Paulo Freire. Vale também conferir É possível a Filosofia no Ensino Médio? Como é possível?, de Vinicius Arion de Oliveira, quem pensa nossa aptidão filosófica desde a mais tenra idade. As questões mais básicas feitas por nós quando crianças, assim, corresponderiam a um exercício filosófico natural a nós seres humanos, o qual pode e deve ser incentivado na adolescência. Por quê? Justamente para que tais questionamentos e dúvidas não sejam rejeitados como meros “porquês”, mas se tornem princípios para mudanças de pensamento e atitude frente ao mundo. Lucas Beligni Campi abre o ensaio Uma possibilidade para o ensino de Filosofia no modelo atual: o intercruzamento Kanthegeliano em dois atos com um poema de sua autoria sobre o exercício filosófico em sala de aula: ressignificação de si e do outro durante o processo de ensino. Campi direciona seu artigo para a defesa de um modelo Kanthegeliano do exercício de Filosofia no ensino médio, o que consistiria numa compatibilização tanto da proposta kantiana, de um ensino que proporcione o exercício da autonomia aos educandos, quanto da abordagem historicista da Filosofia, que é atribuída a Hegel, já que toda a tradição filosófica, com os dilemas e as grandes questões da humanidade investigados, não devem ser ignorados. O foco é, sobretudo, ir além da história da filosofia, fazendo com que o exercício filosófico ocorra em sala de aula, e que as ferramentas para a construção de um raciocínio sólido 11


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e bem argumentado sejam alcançadas nas aulas (em razão do que os professores partem dos clássicos da história da Filosofia). O objetivo não é de pouca importância: permitir ao estudante de ensino médio, através das aulas de Filosofia, viver um processo de ressignificação de sua existência, de modo a fortalecer o seu pensar para o enfrentamento diário dos próprios problemas. No ensaio Ensino da Filosofia: Um exercício Antropofágico, Thor João de Sousa Veras parte do que ele nomeia uma “pedagogia da devoração”, inspirada no manifesto antropofágico de Oswald de Andrade, e que se serve de quatro etapas (aperitivação, deglutição/devoração, digestão e transformação). Etapas que muito lembram os escritos de Sílvio Gallo a propósito do ensino da filosofia, embora aqui esteja em jogo uma apropriação da arte como recurso fundamental para afetar os alunos “com a filosofia, na filosofia e para a filosofia”, contando ainda com o suporte da história da filosofia e a construção de conceitos. Em O ensinar a filosofar e o filosofar sobre a sexualidade, de Diego Luiz Warmling, somos instigados a pensar em como trabalhar a questão da sexualidade nas aulas de Filosofia, a partir de Merleau-Ponty e seus escritos sobre a relação do sujeito com o seu corpo, sua reação à dor e ao prazer, o que importaria à formação da estrutura subjetiva do indivíduo enquanto tal. Partindo de questionamentos como “o que vocês entendem por relações afetivas?”, “existe, de fato, o que podemos entender por uma sexualidade normal? Se existe, o que pode ser definido como tal?”, o ensaio reforça a importância do ensino de filosofia como construção de conceitos, e esboça alguns caminhos para se pensar no ensino médio o conceito de sexualidade. Michelle Ramunno Monteiro, no ensaio Os desafios do ensino de Filosofia para o Ensino Médio, descreve a aparente falta de interesse dos estudantes nas aulas de filosofia 12


Apresentação

como um dos principais desafios que se apresentam aos professores de ensino médio, situação que foi “desmistificada” com a aplicação de um questionário que indagava estudantes acerca de temas que lhes interessariam. Os resultados foram surpreendentes, pois levam a perceber que o desinteresse não é em relação à filosofia em si, mas ao modo como ela tem sido trabalhada em sala de aula. Como é defendido no artigo, a atividade filosófica no ensino médio não se trata somente de transmitir informações ou conceitos, mas também de incitar a reflexão acerca das questões universais que a Filosofia aponta, o que pode ser feito pautando o plano de ensino em três aspectos: problematizar, conceituar e argumentar. Com o ensaio Sobre o ensino de Filosofia no Ensino Médio, Guilherme Bortoli, apresenta Sócrates como o professor de filosofia por excelência. Investiga sua formação e seus métodos, bem como a importância de o professor ter uma “atitude filosófica” que possa levar seus interlocutores a “ascese do pensamento”, sobretudo segundo o uso da dialética. E ainda temos o ensaio Filosofia no Ensino Médio: Sim, uma experiência possível, de Aldo Félix Barreto, que traz algumas experiências de sala de aula e reflexões do professor supervisor sobre a possibilidade e função da Filosofia no ensino médio, bem como a responsabilidade atribuída a essa disciplina e ao professor pelos PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) e OCN’s (Orientações Curriculares Nacionais para o ensino de Filosofia). Acerca da Compreensão prévia e filosofia no ensino médio, Flávio Ricardo da Silva sustenta ser a filosofia possível por conta de sermos e estarmos sempre em contato com o mundo, de modo que o existir, como seres conscientes, se torna o princípio da própria filosofia. Através de alguns exemplos práticos de formas para se trabalhar em sala de aula, o ensaio coloca a filosofia como aquela que “abre o jovem para a

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possibilidade de ressignificação e enriquecimento da própria experiência no mundo”. Por fim, o ensaio A importância do estudo dos textos clássicos nas aulas de Filosofia do ensino médio: reflexões acerca da docência em filosofia, de Yuri de Almeida, provoca reflexões sobre a situação do ensino de Filosofia após 2008, quando se tornou obrigatório novamente, com a responsabilidade de “ajudar a formar cidadãos”. O artigo nos chama atenção ainda para o déficit de formação adequada de professores, visto que muitas vezes o foco dos cursos de filosofia é o da pesquisa acadêmica e não o da formação de professores. Também observa o quanto é recente o crescimento no número de material didático de filosofia. A proposta do artigo é, sobretudo, mostrar o quanto o estudo dos clássicos poderia iluminar o ensino de filosofia atualmente, tais como Platão e Aristóteles, através dos problemas levantados por esses grandes autores, de modo a tornar possível o exercício do pensamento crítico e efetivamente encorajada a tal “educação para a cidadania”. Muitos contribuíram para a realização deste livro, a começar pelos próprios estagiários, que se serviram de uma experiência em razão da qual a vida profissional é precedida pelo risco de se colocar diante de outros, convencer-se do que se faz como algo que tem algum sentido e pode dar algum sentido àqueles que encontra, reconhecer que o tempo no fim das contas oprimiu e que lamentavelmente não foi possível falar e discutir tudo o que pensou antes e depois de um encontro, mas também descobrir que a inclinação solitária e filosófica pode ser reforçada pela solidariedade de alguns, ao lembrar ter sido despertada certa apatia ou concentrada a euforia. Dar-se conta de que o mundo é mundo no seu devir e fazer filosofia, dar-se a pensar e dar a pensar, eis a diferença, no trabalho entre os jovens de um mundo que nos dá tantas coisas quantas poucas boas ideias, as ideias com as quais 14


Apresentação

fazemos mais digna nossa condição tão frágil. A esses primeiramente agradecemos, os acadêmicos com quem aprendemos a generosidade de que ensinar é estar cercado de olhares e distrações, e por isso mesmo o esforço para se produzir e perceber o entusiasmo que nos dá o pensar. Agradecemos de modo especial a todos os professores e idealizadores do LEFIS (Laboratório Interdisciplinar de Ensino de Filosofia e Sociologia), por proporcionarem o debate e a integração entre pesquisadores e professores do ensino médio e das licenciaturas de Filosofia e Sociologia. Nossos agradecimentos ao professor Alberto Cupani, que incentivou e amparou os estagiários durante o ano, em reuniões na universidade e no colégio, além de ter se dedicado à leitura crítica de seus ensaios. Boas leituras! Jason de Lima e Silva Daiane Martins Rocha

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POR QUE E COMO ENSINAR FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO? OU SÓCRATES CONTRA EICHMANN: EDUCAR PARA O PENSAR OU PARA O NÃO PENSAR?

Helder Félix Pereira de Souza

1. Introdução A primeira parte do ensaio desenvolve a noção de ausência do pensar caracterizada pela figura do tipo Eichmann como perigo para a existência da humanidade. Problema atual em nossa época e que foi enfatizada pela pensadora alemã Hannah Arendt, mas também em coro com Heidegger, Adorno e outros autores que refletiram sobre o período pós-guerra e os riscos da homogeneização do ser. Por outro lado, a segunda parte destaca a importância da presença do pensar representada pela figura do tipo Sócrates como capaz de cultivar a pluralidade humana. Ou seja, o autoexame, o exame de si, a reflexão ou o pensar, como o elemento que cuida e possibilita a convivência entre homens no singular e no plural, combinando a diferença e a identidade. Na terceira parte o pensar socrático e o não-pensar eichmaniano são contrapostos a fim de destacar a importância de manter ativo o pensar para evitar a instalação do horror totalitário e a perpetuação da barbárie. Apontando como possível resposta ao por que ensinar filosofia no ensino médio a aposta no ensino de filosofia na educação básica brasileira 17


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como uma abertura ao pensar ou filosofar para evitar a perda da pluralidade do mundo humano. Aceitando tal aposta na educação filosófica como o exercício do filosofar, a quarta parte busca indicar algumas maneiras de como ensinar filosofia no ensino médio. Assim, são destacadas algumas táticas experimentadas durante o estágio I e II e que são de grande serventia para quem ousa ensinar filosofia. Por fim, algumas considerações finais.

2. O tipo Eichmann e o não-pensar Se pensarmos com Heidegger (1973), Hannah Arendt (2010, 2011a), Adorno (2000) etc., grande parte dos pensadores do século passado aceitam o acontecimento da segunda grande guerra, o evento totalitário, os campos de concentração, como marcos na história da humanidade que não podemos simplesmente esquecer, mas cuidar para que não se instalem novamente. Mesmo que a ameaça do totalitarismo pretenda sempre desertificar o mundo humano, como destaca Arendt (2011b), a nossa época exige um esforço para que o mundo não seja esvaziado. Mas, qual a relação entre o risco de perdermos o mundo e a educação, especificamente, o ensino da filosofia na educação? Se pensarmos com Arendt que, apesar de ter tratado diretamente muito pouco o tema da educação, é possível detectar, ao menos indiretamente, em seus textos, uma preocupação com a continuidade do mundo e consequentemente com a educação, ainda mais ao desenvolver as noções de amor mundi (ALMEIDA, 2009) e “banalidade do mal” (ARENDT, 2010), ou seja, do amor ao mundo do qual pertencemos no plural e no singular e o risco de perdermos o 18


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mundo pela ausência do pensamento reflexivo. A inserção da filosofia na educação pode ser um caminho para ampliar ainda mais a reflexão na formação dos alunos e estimular ainda mais tal postura entre os professores, os cidadãos e a sociedade, contribuindo para que o mundo não seja totalmente desertificado pela ausência de pensamento. Hannah Arendt, influenciada por Heidegger1 (1973) que apontou sobre a importância da tarefa do pensamento que se abria com os acontecimentos do século passado e também pelo espírito de sua época do pós-guerra, voltou seus esforços para realizar uma espécie de ontologia do presente na medida em que buscava pensar o que estamos fazendo. Tal postura arendtiana se intensifica após suas reflexões sobre o julgamento do alemão nazista Adolf Eichmann (2011a) realizado em Jerusalém em 1961. 1

É importante destacar o fato curioso de Heidegger ter participado do nazismo por alguns meses, se afastando depois. Alguns autores criticam tal postura do grande filósofo alemão e, sobretudo, detectam elementos totalitários em suas obras. Pensemos se a abertura ao pensar não seria também uma armadilha em que a humanidade caiu e não consegue escapar, como Nietzsche (2010) alertava sobre o engodo em que Sócrates nos colocou ao implantar o gérmen do pensamento reflexivo e moral, que nos torna animais de rebanho ao invés de liberar o animal guerreiro. Mesmo agora, nesta pequena nota, refletindo sobre isso, não conseguimos escapar do pensar e do pensamento. Talvez isso seja uma condição que não podemos mais deixar de lado, ainda mais que “onde mora o perigo é lá que também cresce o que salva” (HEIDEGGER, 2012, p.37). Por esse motivo, como veremos mais a frente, o ensino da filosofia no ensino médio é um estímulo à atividade do pensar contra a ausência do pensamento, sendo uma aposta no modo de ser socrático frente ao maior perigo de tipos Eichmann de ser, que não pensam. Antes ser um animal de rebanho pensante do que um animal de rebanho não pensante que pode colocar em risco todo o rebanho, ainda mais em tempos no qual o homem manipula cientificamente experimentos capazes de aniquilar sua própria existência, tal como os experimentos físico-nucleares, químicos, biológicos e também as tecnologias sociais. Antes de fazer ou agir cegamente é melhor pensar duas vezes ou três vezes mais. 19


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A partir do contato com Eichmann, sua vida e sua postura no julgamento, Arendt e muitos outros ficaram espantados ao encontrar uma figura comum no banco dos réus. Um pai de família normal, com círculo de colegas e laços de amizade como qualquer outra pessoa, bem diferente do monstro nazista e cruel que muitos esperavam encontrar. A questão que espantava Arendt é como Eichmann, uma pessoa tão normal, foi capaz de organizar a logística da solução final identificando e transportando milhares de pessoas, enviando-as para a morte nos campos de concentração sem muito se importar? A pensadora alemã destaca a hipótese de que o respectivo tenente-coronel nazista era incapaz de refletir sobre suas ações, de pensar sobre o que estava fazendo, ponderar o bem e o mal daquilo que ele fazia. O que mais assustou Arendt foi a extrema obediência de Eichmann às ordens do Führer e a sua completa normalidade diante do assassínio em massa que organizou e cuidou enquanto burocrata e que alegava somente cumprir ordens. “O problema com Eichmann era exatamente que muitos eram como ele, e muitos não eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram e ainda são terrível e assustadoramente normais” (AREDNT, 2011a, p.299). No nazismo o mais importante era o cumprimento estrito do dever, ou seja, as leis do Estado que emanavam diretamente das palavras de Hitler e adquiriam força de lei devendo ser realizadas cegamente. Tais ordens eram rigorosamente e eficientemente cumpridas pelos nazistas, em que o certo era cumprir ordens, mas não pensá-las, mesmo que implicasse em aniquilar milhares de pessoas. Os atos eram monstruosos, mas o agente – ao menos o que estava em julgamento – era bastante comum, banal, e não demoníaco ou monstruoso. Nele não se encontrava sinal de firmes convicções ideológicas ou de motivação 20


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especificamente más, e a única característica notória que se podia perceber tanto em seu comportamento anterior quanto durante o próprio julgamento sumário de culpa que o antecedeu era algo de inteiramente negativo: não era estupidez, mas irreflexão. No âmbito dos procedimentos da prisão e da corte israelenses, ele funcionava como havia funcionado sob o regime nazista; mas, quando confrontado com situações para as quais não havia procedimentos de rotina, parecia indefeso, e seus clichês produziam na tribuna, como já haviam evidentemente produzido em sua vida funcional, uma espécie de comédia macabra. Clichês, frases feitas, adesão a códigos de expressão e conduta convencionais e padronizados têm a função socialmente reconhecida de proteger-nos da realidade, ou seja, da exigência de atenção do pensamento feita por todos os fatos e acontecimentos em virtude de sua mera existência. Se respondêssemos todo o tempo a essa exigência, logo estaríamos exaustos; Eichmann se distinguia do comum dos homens unicamente porque ele, como ficava evidente, nunca havia tomado conhecimento de tal exigência. Foi essa ausência de pensamento – uma experiência tão comum em nossa vida cotidiana, em que dificilmente temos tempo e muito menos desejo de parar e pensar – que despertou meu interesse (ARENDT, 2010, pp.18-19).

O sociólogo e filósofo Zigmunt Bauman (2014, p. 78) aponta que Eichmann era o modelo perfeito de burocrata, cidadão, cumpridor dos deveres que mantinha-se o mesmo tanto em casa ou no trabalho, capaz até mesmo de em momentos livres executar metodicamente algumas sonatas de Brahms sem cometer erros. Pensando nos dias de hoje ele seria o modelo de trabalhador perfeito ou “o orgulho de uma prestigiosa firma europeia (incluindo, pode-se acrescentar, as 21


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empresas com grandes proprietários ou grandes executivos judeus)”. O oficial nazista não nutria ódio intenso ou preconceito contra os judeus, apesar de os enxergar como “objetos que deveriam ser, por exigência de sua repartição, devidamente manejados” (BAUMAN, 2014, p.79). Curiosamente, ele cita Kant em seu julgamento ao fundamentar a sua aceitação rigorosa das leis e que Arendt (2011a) ironicamente atesta a superficialidade da sua leitura dado que a sua versão do imperativo categórico estaria corrompida pelo fato de colocar em risco a pluralidade humana e que Eichmann fora incapaz de ponderar reflexivamente. No entanto, a constatação de Arendt sobre o modo de ser de um agente nazista, tomando como modelo o modo de ser do burocrata Eichmann, causa espanto na medida em que relacionamos com o nosso cotidiano atual. Em nossa vida parece que mais reproduzimos mimeticamente comportamentos do que agimos com espontaneidade, ou seja, nos acostumamos facilmente a aceitar uma ordem ou uma lei, repetir gestos, comportamentos, frases de efeito e clichês, sem ao menos refletir sobre elas próprias e mais ainda sobre suas causas e consequências. “Isso levou alguns observadores a supor que na maioria das pessoas, se não em todas, vive um pequeno SS esperando para vir à tona [...]” uma espécie de “‘Eichmann latente’ escondido no homem comum” (BAUMAN, 1998, p.195). Se dirigirmos a perspectiva para o meio educacional brasileiro e lembrarmos os inúmeros modos de se ensinar, constataremos que boa parte do ensino e aprendizagem se foca na repetição mimética de clichês. Na filosofia, um âmbito que por excelência nos deveria estimular o pensar, não é tão diferente como aponta o professor Geraldo Balduíno Horn visto que “o ensino institucional e formal da Filosofia sempre serviu ao estabelecimento e manutenção de forças hegemônicas 22


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que buscavam neutralizar ou mesmo anular qualquer possibilidade de formação humana crítica e autônoma”(2009, p.19). O professor Silvio Gallo (2012) tece também diversas críticas sobre a forma de ensino mecânico e acelerado, característico de nossa época e que tem em vista a mera repetição de conceitos e aplicação em prova, deixando de lado a reflexão que exige tempo e paciência. Reforçando a crítica, o professor Alejandro Cerletti aponta os cuidados que se deve ter no ensino da filosofia para que não sejam “simples técnicos que apenas aplicam receitas ideadas por especialistas” (2009, p.78) e nem repetidores de propostas de ensino, deixando de lado os contextos e as particularidades dos cursos e dos alunos. Enfim, Nietzsche em seus primeiros escritos já havia criticado essa forma de ensino de filosofia que causa mais repugnância à filosofia do que aproximação: [...] pense-se em uma cabeça juvenil, sem muita experiência da vida, em que cinquenta sistemas em palavras e cinquenta críticas desses sistemas são guardados juntos e misturados – que aridez, que selvageria, que escárnio, quando se trata de uma educação para a filosofia! Mas, de fato, todos reconhecem que não se educa para ela, mas para uma prova de filosofia: cujo resultado, sabidamente e de hábito, é que quem sai dessa prova – ai, dessa provação! – confessa a si mesmo com um profundo suspiro: ‘Graças a Deus que não sou filósofo, mas cristão e cidadão do meu Estado! (NIETZSCHE, 1974, p.89).

Parece que essa forma de ensino educa para formar tipos Eichmann de ser. Tipos normais, comuns, incapazes de pensar por si, mas somente obedecer. Dotados de uma extrema normalidade e que em momentos extremos podem colocar em risco a existência da humanidade, pois irrefletidamente são 23


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capazes de cometer crimes contra o gênero humano pelo fato de não saberem ou sentirem “que estão agindo de modo errado” (ARENDT, 2011a, p.299). Kant, já havia alertado para essa forma de educação em que foca somente no treino/adestramento dos indivíduos. O pensador de Köningsberg enfatiza que “não é suficiente treinar as crianças; urge que aprendam a pensar.” (1996, p.28) e diz que na filosofia2 é possível aprender a filosofar, ou seja, estimular o exercício do pensamento, mas não ensinar um pensamento filosófico, a não ser historicamente (2001). E tal atividade se dá praticando “o método de Sócrates” (1996, p.75): a maiêutica. Parece que para fugir dos clichês, da mimética irrefletida, da obediência incondicional e cega que caracterizam uma educação para formar tipos como Eichmann, a reflexão praticada com a maiêutica socrática é capaz de conter o perigo de tal irreflexão que pode colocar em risco a pluralidade humana.

3. O tipo Sócrates e o pensar Como muito bem observa o professor Cléber Duarte Coelho (2014), a maioria dos filósofos tomam Sócrates como o um modelo de educador. Ou seja, Sócrates é um exemplo de homem que além cumprir seus deveres, respeitar as leis, é capaz de pensar reflexivamente e instigar as pessoas a pensar, sendo um médico de si e também dos outros.

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É importante destacar que a tarefa da reflexão é objetivo comum a todos os saberes, não só da filosofia, mas das diversas outras disciplinas. A diferença é que a tarefa por excelência da filosofia que defendemos é a de manter ativa a atividade do pensar e refiná-la cada vez mais ao aproximar os âmbitos da ciência, da arte e da própria filosofia, assim como da vida. 24


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Não é de pouca consideração que o próprio Platão se utiliza de Sócrates para difundir a filosofia em diálogos e mais à frente Kant o elege como o modelo de educador que difunde a atividade do filosofar através da maiêutica. Em passagens finais da Crítica da razão pura de Kant discorre sobre a filosofia e o filosofar dizendo que: “Entre todas as ciências racionais (a priori) só é possível, por conseguinte, aprender a matemática, mas nunca a filosofia (a não ser historicamente): quanto ao que respeita à razão, apenas se pode, no máximo, aprender a filosofar” (2001, p.672). Por esse motivo, podemos pensar sobre os pensamentos filosóficos e seus conceitos, mas não ter como certo e acabado alguma ideia filosófica. Isso indica que há na compreensão filosófica de Kant um aspecto mais originário e fundamental da filosofia como uma atividade do filosofar, muito diferente de uma concepção demonstrativa e puramente expositiva no seu ensino. Segundo o professor e grande intérprete de Kant, Leonel Ribeiro dos Santos, Kant tem da prática filosófica uma concepção essencialmente investigativa e inventiva. Todo aquele que pensa deve chegar à verdade por si mesmo, servindo as opiniões alheias apenas de matéria para o exercício do próprio talento filosófico. A verdade filosófica não está feita nem dada em parte alguma. Cada qual a extrai da sua própria razão e a legitima perante a própria razão. E é neste sentido que se deve entender a afirmação kantiana, tão frequentemente repetida, segundo a qual não se aprende Filosofia, mas aprende-se a filosofar, não se ensinam pensamentos, mas ensina-se a pensar (SANTOS, 2013, p.132).

O apontamento do filósofo português evidencia a importância de Kant com a atividade inesgotável do pensamento que não se limita à mera imitação e repetição de 25


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outros pensamentos, como muitas vezes constatamos nas aulas de filosofia, mas extrapola esses limites e expande tal atividade através do filosofar por si. Como dito anteriormente, é neste sentido que a filosofia adquire seu caráter mais elementar: a maiêutica socrática, em que a tarefa fundamental da filosofia enquanto atividade do filosofar é a de ser parteira de pensamentos. No caso do ensino da filosofia aos jovens, a estratégia básica implica em extrair conhecimentos dos alunos: que se “dê a luz o que tem dentro acerca do saber” (PLATÃO, 2010, p.265) tal como exemplarmente fazia Sócrates, e não somente introduzilos. Transferir conceitos abstratos dos pensadores da filosofia, se é que isto é possível, é uma tarefa complexa e maçante para os jovens no ensino médio, que estão sendo inseridos no universo da filosofia e muitos deles tendo o seu primeiro contato com tal saber. Portanto, trabalhar de forma leve os conceitos, priorizando o filosofar através da maiêutica socrática é um caminho possível para a filosofia no ensino médio brasileiro. Hannah Arendt também aceita Sócrates como uma espécie de tipo ideal de homem e pensador, na medida em que convida a todos ao autoexame ou a reflexão: [...] um pensador que tenha permanecido sempre um homem entre homens, que nunca tenha evitado a praça pública, que tenha sido um cidadão entre cidadãos, que não tenha feito nem reivindicado nada além do que, em sua opinião, qualquer cidadão poderia e deveria reivindicar.[...] decidido dar a vida não por um credo ou uma doutrina específica – ele não tinha nenhum dos dois - , mas simplesmente pelo direito de examinar as opiniões alheias, pensar sobre elas e pedir a seus interlocutores que fizessem o mesmo (2010, pp.189-190). 26


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Pensar o que estamos fazendo, realizar uma ontologia do presente, exercitar o autoexame, são atividades sinônimas ao cuidado de si e que se constitui também em uma espécie de cuidado do outro (FOUCAULT, 2011), podendo servir como um antídoto ao perigo do totalitarismo ou para que Auschwitz não se repita (ADORNO, 2000). Em outras palavras, o modelo socrático de ser, que estimula a atividade reflexiva como postura de vida, se fomentada também no ensino da filosofia como convite ao filosofar, pode contrapor-se a ausência de pensamento ou a incapacidade de pensar o que fazemos, característica de tipos Eichmanns de ser ou de uma educação meramente instrumental, que busca o conhecimento pelo conhecimento e o homem não como fim em si, mas como meio. Até mesmo Hannah Arendt destacou que o maior mal que pode ocorrer entre homens, a banalidade do mal, é a ausência do pensar. É a possibilidade da morte do pensamento e que pode implicar no estabelecimento do mal banal e a desertificação do mundo humano, nos deixando acostumados com o deserto e até mesmo a viver nessa falta de mundo (ARENDT, 2011b). Ser capaz de discernir o certo do errado, pensando em si e nos outros enquanto seres plurais que habitam e constituem o mesmo mundo, foi a postura de Sócrates e é a peculiaridade do pensamento reflexivo, diferentemente do pensamento que calcula e enquanto vontade de verdade quer instrumentalmente conhecer e dominar a totalidade. Como aponta Arendt, “A manifestação do vento do pensamento não é o conhecimento, é a habilidade de distinguir o certo do errado, o belo do feio. E isso, nos raros momentos em que as cartas estão postas sobre a mesa, pode sem dúvida prevenir catástrofes, ao menos para o eu.” (2010, p.216).

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4. Sócrates x Eichmann e a aposta na educação para o pensar Mas e se pensarmos de forma contrária? Ou seja, e se aceitássemos a hipótese nietzschiana presente em “Crepúsculo dos ídolos” na qual Sócrates e Platão são “como sintomas de declínio, como instrumentos da dissolução grega, como pseudogregos, antigregos” (2010, p.18)? Seria então o surgimento do pensar maiêutico a decadência de um povo? E o modo de ser do tipo Eichmann, incapaz de pensar reflexivamente por si, seria um modelo a ser seguido, pois é o inverso de Sócrates? Qual então seria o caminho certo da educação? Obedecer cegamente suspendendo o pensar reflexivo ou saber obedecer e também mandar, mantendo ativo o pensar reflexivo? Em outras palavras, por que ensinar filosofia na educação básica? Por que abrir nos alunos a vereda da reflexão e educar para o filosofar? Parece que, pensando com Heidegger, Arendt, Adorno, dentre inúmeros outros pensadores, nós contemporâneos ocidentais tendemos a ponderar para o caminho do pensamento reflexivo. Sobretudo após os horrores da segunda grande guerra, a melhor aposta (PASCAL, 1973) que podemos fazer é evitar que coisas como o totalitarismo, a barbárie ao extremo se instalem. Mesmo não tendo absoluta certeza de que estimular o pensamento reflexivo seja um caminho absolutamente seguro, ao menos contra a ausência de pensamento que produz tipos Eichmann, apostar na reflexão é uma opção para quem não tem alguma outra. Além do mais, o simples fato de se colocar tal questão nos insere no âmbito do pensar e que nos força a meditar sobre outra questão importante: é possível escapar ao pensar quem já nele se encontra?

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Podemos dizer que nos encontramos dispostos em um ‘entre’ pensar e não pensar. Em alguns momentos o pensamento parece nos requisitar e algumas vezes não, porém há momentos em que não podemos deixá-lo de lado, sobretudo nos acontecimentos extremos como aqueles que sempre ameaçam o mundo e a existência humana, ou a instalação da barbárie como aponta Adorno (2000). Parece que a justa medida aristotélica (1973) pode auxiliar o respectivo problema do excesso de pensar e o excesso de não pensar. O meio termo implica em cultivar a reflexão para que ela se refine em suas múltiplas possibilidades e desperte quando necessária, mas também cultivá-la para que o pensar não se torne um peso ou tormento ao ponto de suspender o mundo buscando um além-mundo para habitar. Há aqui uma espécie de educar para que nem sejamos completamente socráticos, o que nos levaria a ser “superafetados” (NIETZSCHE, 2010, p.19) da razão ao ponto de platonicamente suspender o mundo acreditando em outro melhor. Por outro lado, é importante educar também para que nem sejamos completamente Eichmanns, que nos levaria a ser repetidores miméticos de ordens, incapazes de refletir sobre o que se está fazendo (ARENDT, 2011a). No entanto, partindo do pressuposto de que Eichmann tornou-se um tipo comum de ser do homem moderno e atual que não pensa ou pouco pensa sobre suas próprias ações, pois não tem tempo para pensar; parece que apostar em um tipo socrático de ser, que muito pensa e sabe pensar com rigor quando é requisitado, poderia ser uma boa aposta justamente por representar uma falta em nossa época. O antídoto para tipos Eichmann de ser é misturar-se, contaminar-se a tipos Sócrates de ser. O que falta em um torna evidente o que transborda no outro, e vice e versa, desvelando assim a essência de ambos e a sua importância em nossa época.

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Pensando a educação brasileira atual, ter como modelo de ensino filosófico a maiêutica socrática, mas também que ultrapasse a barreira das disciplinas, é um possível e estimulante contraponto ao modo eichmaniano de ser. Em outras palavras, uma possível resposta à pergunta sobre por que ensinar filosofia na educação básica é: educar para refletir ou pensar o que estamos fazendo consiste em uma aposta frente a ausência do pensar ou da reflexão, tão comum hoje em dia em nossa era da instantaneidade (BAUMAN, 2001) e que pode colocar em risco toda a pluralidade humana. É uma aposta na educação que possibilita saber obedecer e saber mandar, e, quando requisitado, também pensar as próprias ações para se evitar catástrofes.

5. Como exercitar a maiêutica socrática no ensino médio? A aceitação da aposta no exercício do filosofar ou de se pensar o que estamos fazendo tal como Sócrates, em contrapartida ao estabelecimento de figuras não-pensantes reflexivamente do tipo Eichmann, representa um caminho possível para a filosofia no ensino médio na tentativa de se educar contra a barbárie (ADORNO, 2000) e o deserto do totalitarismo (ARENDT, 2011b). Mas como pode acontecer este tipo de educação filosófica no ensino médio? Em outras palavras, como ensinar filosofia aos alunos do ensino médio? Esta é também uma pergunta que se mantém sempre aberta, pois existem vários modos de se ensinar filosofia. Aqui, o ensino de filosofia na educação básica é pensado juntamente com Kant (2001), que aposta no ensino da filosofia como atividade do filosofar. Para isso, indicamos três táticas úteis que se orientam pela grande aposta na estratégia da 30


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atividade de filosofar no ensino médio e que foram exercitadas durante a prática de estágio I e II na licenciatura em filosofia da UFSC. Acompanhadas pela tática do SPIC que conforme Silvio Gallo (2012) consiste em sensibilizar, problematizar, investigar e conceitualizar com os alunos; as táticas do CSI que implica no dizer claro, simples e ingênuo; e com a tática do PréDuPós como exercícios pré-aula (fixação do tema, esboço mental e escrito da aula, aula com alunos invisíveis, ensaios e reensaios), durante-aula (manter-se no aqui agora, sensibilidade espacial e temporal, aproveitar toda e cada questão do aluno, instigá-los e entusiasmá-los, tirá-los do aturdimento, etc.) e pós-aula (reexame mental e se possível escrito das aulas), podem ampliar as chances de que a atividade do filosofar aconteça em sala de aula no ensino médio. De modo geral, a grande tática do SPIC consiste em uma etapa do ensino em que os alunos são sensibilizados a fim de serem inseridos e preparados para o tema da aula; consequentemente, o tema é problematizado abrindo espaço para um exame de tais problemas na história da filosofia; e, por fim, os conceitos que emergem das atividades anteriores em diálogo com os alunos através dos pensamentos filosóficos, intermediado pelo professor-filósofo, são reproblematizados com o intuito de os alunos, e também o professor, apropriaremse dos conceitos abrindo a possibilidade de construírem por si mesmos seus próprios conceitos ou ao menos algumas noções conceituais. De toda essa tática orientadora do ensino filosófico no ensino médio, destaca-se maior importância para a atividade do filosofar, pensado como um jogo dialógico de perguntas e reperguntas entre professor aluno, aluno professor, e entre os próprios alunos; vertendo e invertendo constantemente pontos de vista entre os envolvidos no diálogo.

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Nesse aspecto, são bem vindas as lições de Silvio Gallo sobre o SPIC com o intuito de sensibilizar os alunos para preparar o terreno para o filosofar e também à filosofia. Dispor de exemplos, mídias, assuntos que estão em nosso cotidiano e dos alunos, chamá-los pelo nome3, ou se estiverem compenetrados no celular pedir para acessarem a internet e compartilhar uma informação que contribua para o tema da aula, etc., são táticas importantes para retirá-los do aturdimento e despertá-los para o caminho do filosofar. Por isso, para potencializar a grande tática do SPIC podemos combinar mais táticas para derivá-las em conjunto e aumentar as possibilidades de que a estratégia do filosofar se abra e até mesmo se realize em sala de aula. Além dessa sensibilização e sensibilidade em sala de aula, é importante também uma tática princípio, inspirada em Schopenhauer, que destaca a importância do dizer “simples, claro e ingênuo” (2005, p.33) consistindo na tática do CSI. Implica em elaborar uma proposta temática claramente definida e desenvolvê-la de forma simples, sem muitos floreios ou eruditismos, para que qualquer um entenda minimamente do que trata o assunto; e por fim, ter em conta a leveza da ingenuidade no sentido de realizar um raciocínio que se desenvolva naturalmente no decorrer da aula, sem artificialidades, ou seja, sem denotar algo que pareça forçado, pouco à vontade, mas tomar as aulas com uma desenvoltura

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O espelho de turma com as fotos e nomes de cada aluno é extremamente importante como ferramenta para conhecer o rosto de cada aluno e estabelecer uma proximidade empática em um primeiro contato do estagiário e a turma ou do professor e aluno, pois permite reconhecer e chamar cada aluno por seu próprio nome, o que desperta maior interesse e atenção na aula para ambos os lados. Permite também identificar quem são os alunos mais participativos, os menos participativos, os que levam a sério as aulas e os que não se interessam, etc., permitindo montar táticas para lidar diretamente com cada um durante as aulas. 32


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espontânea em que professor e alunos sintam-se bem naquele espaço preparado para o filosofar. A grande tática do SPIC, atravessada pela tática princípio do CSI, da clareza, simplicidade e ingenuidade, consistindo no desenvolvimento de um tema claro e bem definido; uma exposição simples e sem tantos floreios; uma disposição ingênua de abertura para o acontecimento de uma aula filosófica: tais elementos reunidos são orientações chave para se montar uma economia de recursos, conceitos e tempo de aula no ensino médio, que merecem ser exercitados para que toda aula tenha grandes chances de se abrir para o acontecimento filosófico. Para isso, mais táticas-exercício são importantes para que o professor esteja bem preparado para ir para a sala de aula. Destacam-se três táticas-exercício que podem auxiliar na realização das aulas: as táticas pré-aula, durante-aula e a pósaula (PréDuPós). Primeiramente, a tática pré-aula consiste em um exercício inicial que antecede a aula, ou seja, serve para o melhor preparo e ensaio da aula. Após o professor ter elaborado e estudado o plano de aula4, passando-o e repassando-o quantas vezes for preciso mentalmente e em

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A etapa de escolha do tema e problema de aula consiste em um conhecimento inicial da turma (que pode ser aferido por um questionário dirigido a cada aluno para perscrutar seus gostos, como muito bem sugerido por uma das estagiárias) que denota predisposição para certos temas e que o professor se aproveita para inspirar os motes de aulas. Após ter delimitado e estudado o tema, o professor elabora o seu plano de aula e monta como será a aula orientando-se pela grande tática do SPIC e a tática-princípio da clareza, simplicidade e ingenuidade. Após reunir todo o material para a aula, exercitá-lo mentalmente e escrever um esboço ou esquema de aula no papel, até chegar a uma aula aproximada daquilo que pretende realizar, está delimitado o plano de aula e o professor está pronto para seguir a etapa da tática pré-aula, ou ensaio concreto de aula com alunos invisíveis. 33


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esboço no papel, surge o momento de ensaiá-lo, como em um teatro performático para alunos invisíveis. Ou seja, o professor poderá ensaiar ao menos três vezes sua pré-aula simulando uma aula com alunos invisíveis, pois tal ensaio permite construir uma noção do tempo/espaço de aula, ter melhor noção da tonalidade e intensidade da voz, do corpo, dos gestos e dos passos; além de inspirar (DELEUZE, 2014) e permitir exercitar a imaginação do que poderia ocorrer durante a aula, o que um aluno poderia perguntar sobre tal e tal coisa, etc. Exercitar essa previsibilidade de aula é preparar-se para a arte do improviso, que está presente e é inevitável em todas as aulas, aproveitando esses momentos fundamentais da melhor forma possível abrindo espaço para a criação do novo junto com os alunos. Combinar o aqui agora real, ou o que aparece do mundo, com o aqui agora invisível do pensamento (imaginação), amplia as possibilidades do acontecimento de uma aula. É imprescindível, como parte da estratégia de aula, treinar a tática do ‘passar a aula imaginando-a no pensamento’ testando mentalmente todas as suas possibilidades e ‘passar a aula para alunos invisíveis’ simulando em uma sala real como seria de fato a mesma aula pensada anteriormente para alunos invisíveis, e também se possível para alguns colegas, o que futuramente será a aula para os alunos reais do ensino médio. Aqui a noção de tempo e espaço ganham extrema importância. O aqui agora do espaço tempo visível do mundo é aquele ao qual estamos acostumados: é o tempo cronológico, com delimitações físicas e necessárias. Já o aqui agora do pensamento é sempre presente, ou seja, não há contagem de tempo e medida de espaço necessária, pois sendo um âmbito do pensamento livre para a imaginação, pode ou não contar o tempo e delimitar o espaço, assim o pensamento interiorizado suspende o mundo e o que vigora nele é a imaginação de uma aula em um aqui agora, ou espaço e tempos invisíveis 34


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(ARENDT, 2010). Quando ambos estão bem exercitados, tudo é possível na imaginação reflexiva. Uma segunda tática importante e que deriva do exercício anterior é a tática durante-a-aula, que consiste em sempre estar no aqui agora da aula, praticando com alunos reais tudo o que fora ensaiado. Isso implica na disposição do professor em estar aberto para o acontecimento-aula, bem preparado através da tática da pré-aula, e pronto para qualquer improviso. Tal tática consiste em ficar atento a tudo e a todos que estão ali presentes de um modo que nenhum sinal passe despercebido e também não se esquecer da estratégia e táticas desenvolvidas, para que não se percam os objetivos pretendidos na aula. No entanto, é importante tomar extremo cuidado para que durante a aula o aqui agora (espacial e temporal) da relação direta com os alunos, com a sala, com o que esta sendo dito, etc., não seja suspenso pelo intenso pensar ou preocupar-se com a estratégia ou o plano a ser seguido e as táticas a serem usadas. Pois tal deslocamento pode acabar suspendendo o aqui agora da sala de aula deslocando-o para o aqui agora do pensamento (o lugar invisível do pensamento) comprometendo o jogo com a realidade externa, anulando a ingenuidade do professor e tornando a aula extremamente artificial e mecânica, bem diferente de uma aula com desenvoltura natural e espontânea.5

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Por isso é importante o professor ter sua estratégia de aula bem definida e suas táticas bem exercitadas a fim de organicamente se desenvolverem quando necessárias. Do mesmo modo que no teatro as cenas são ensaiadas e exercitadas para que sejam naturais no decorrer da peça, durante as aulas é necessário o professor também sentir-se à vontade no manuseio de suas próprias ferramentas e deixar à vontade seu público inspirando segurança, confiança e entusiasmo aos alunos. 35


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Alguns cuidados durante o acontecimento de aula são importantes. Por exemplo: se durante a montagem da lousa6 o professor perceber que uma parte da turma está dispersa, seria interessante aproveitar o momento para construir conjuntamente com os alunos os itens dispostos no quadro ao mesmo tempo em que os explica; outra opção para trazer os alunos para a aula é perguntar mais para os alunos o que eles acham de tal e tal coisa para prepará-los para o diálogo e iniciar a discussão sobre o tema de aula; se muitos estiverem conectados na internet, mexendo em celulares ou tablets, pedir para que pesquisem na internet algo simples, mas pertinente ao tema da aula (como a data de vida e morte de tal filósofo, nome completo do autor de tal obra, de filme, pintura, significado de palavras no dicionário, período histórico, etc.)7. Por fim, o intuito durante-as-aulas é que o professor esteja integralmente presente a fim de usar todas as táticas possíveis como tentativa de se conquistar um espaço livre para que o pensamento filosófico, ou a atividade do filosofar, aconteça em sala de aula entre professor e alunos, alunos e professor, e entre os próprios alunos, com a finalidade de que estes também se presentifiquem no aqui agora da aula e do 6

Caso o professor utilize na aula recursos de mídia (power point, vídeo, projeção de imagem ou texto) convém prepará-los e testá-los com antecedência, a fim de que no momento da aula não seja desperdiçado tempo com tais preparativos e tenha-os disponíveis prontamente. De outro lado, pensar outras alternativas como: enquanto pede uma atividade para os alunos (lerem ou escreverem um texto, etc) o professor vai ativando o equipamento de mídia, ou ter outros recursos em mãos para substituir as multimídias quando falharem. 7 Isso talvez seja uma boa tática para guiar os alunos na utilização das tecnologias e orientá-los para uma boa pesquisa na internet indicando alguns sites interessantes para frequentarem, mas também orientando como identificar boas fontes de conhecimento e informação na internet. Há também vídeos e jogos na internet que podem direcioná-los para os assuntos filosóficos, como o jogo ‘filosofighter’, o vídeo do ‘futebol dos filósofos’, etc. 36


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pensamento. Tudo isso planejado para que uma aula de 45 minutos no ensino médio tenha um bom rendimento, mas que esses poucos minutos possam ser estendidos para as aulas do ano como um todo e consequentemente para a vida dos que ali estão presentes e por ali passaram.8 Por fim, a tática-pós-aula, que consiste em um reexame mental e escrito da aula efetivamente dada, com o intuito de marcar pontos positivos e negativos da aula trasncorrida para aprimorar ou desenvolver novas táticas de ensino e descartar ou consertar as falíveis. E também para dar um panorama geral da aula a fim de preparar as próximas aulas, mantendo a estratégia do filosofar sempre ativo. Em suma, falou-se da estratégia da aula de filosofia que é possibilitar e manter ativo o filosofar. Para isso destacou-se a importância das táticas de aula: como a grande tática do SPIC; a tática CSI, do dizer claro, simples e ingênuo; a tática PréDuPós: do pré-aula (tema, esboço mental, escrito, aula com alunos invisíveis, ensaios e re-ensaios); a tática durante-a-aula (manter-se no aqui agora, sensibilidade espacial e temporal, aproveitar toda e cada questão do aluno, instigá-los e entusiasmá-los, tirá-los do aturdimento); a tática pós-aula, que consiste em um reexame mental e se possível escrito das aulas, para poder cada vez mais manter aberto o caminho do pensamento e o filosofar como estratégia de educação filosófica no ensino médio. É importante lembrar que mesmo com todo esse treinamento, exercício e ensaios, não é possível garantir o 8

Como sugestão de uma atividade mais longa a criação de um diário de pensamentos pode ser muito útil para manter o filosofar ativo por mais tempo e bem exercitado como destacado no artigo A escrita de si como exercício filosófico para o ensino médio: elaborando um diário de pensamentos (PIEDADE; SOUZA, 2014). Tal atividade pode servir também como instrumento de avaliação do professor, capaz de aferir o andamento do aprendizado do aluno e reforçar a apropriação conceitual pelo mesmo. 37


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acontecimento de aula e que a atividade do filosofar se ative, mas sem tais táticas a possibilidade que uma aula de filosofia no ensino médio se abra para o filosofar podem diminuir, pois o professor vai para aula com menos preparo. Nota-se que toda a aula, assim como uma peça teatral, nunca está definitivamente pronta, acabada, mas ela pode estar mais ou menos, melhor ou pior preparada, ainda mais quando precisa lidar com os improvisos. A grande tática do SPIC, a tática do CSI e a tática do PréDuPós são fundamentais para que o preparo de aula se torne orgânico no professor e a estratégia do ensino da filosofia entre os jovens da educação básica mantenha aberto o caminho do filosofar para que este aconteça com naturalidade e desenvoltura.

6. Considerações Finais Por fim, a filosofia no ensino médio assim como a educação é uma aposta que nós enquanto educadores, filósofos, cidadãos e pessoas não podemos fugir, pois já estamos inseridos nessa tradição mundana. Educar e ensinar filosofia na educação básica é acreditar que a abertura à crítica e a reflexão através da atividade do filosofar socrático pode auxiliar contra a instalação da barbárie que partilha da condição humana e está sempre presente em tipos tão normais e comuns de ser como Eichmann. Em outras palavras, ao ingressarmos no trágico jogo da vida e da existência humana é melhor ter algo no que apostar do que nada ter para apostar. Como já dizia o antigo provérbio: ‘mais vale ter um pássaro na mão do que dois voando’, ou seja, já que somos lançados em um mundo ‘pronto’ e em movimento é melhor ter presente a atividade do filosofar como aposta do que nada ter para apostar. 38


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Apostando na educação e na importância da filosofia no ensino médio, um caminho possível, dentre vários outros, para que o filosofar aconteça em sala de aula no ensino médio é a de orientar-se pela estratégia de manter ativo o filosofar estimulados pelas táticas do SPIC, do CSI e do PréDuPós explorados neste ensaio. Quando tais táticas são bem exercitadas as chances do acontecimento filosófico ocorrer em sala de aula tornam-se maiores, o que pôde ser constatado durante a realização do estágio I e II no colégio de aplicação da UFSC.

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Por que e como ensinar filosofia

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THE WALL: UMA REFLEXÃO ACERCA DO MECANICISMO ESCOLAR E O ENSINO DE FILOSOFIA Felini de Souza

O sistema educacional brasileiro sempre entra em discussão, principalmente durante o período de eleições. Nas manifestações em junho de 2013 no Brasil, muitos cartazes continham escritos que pediam por mais educação, por mais investimentos na educação, ou por uma educação de qualidade. Porém, uma pergunta que surge é: que educação nós queremos? E o que nós entendemos por educação? As promessas de mais escolas, escolas de qualidade e boa remuneração ao professor sempre são citadas nesses períodos de eleições para governantes, porém durante décadas a educação vem sendo debatida, como uma necessidade mal empregada na sociedade. Na atual eleição de governantes federais e estaduais de 2014, foi comum ouvir a proposta de educação em tempo integral. Confunde-se assim, escola com educação, considerando-se que o aluno ficará na escola o dia inteiro, e assim aprenderá. Pensamos que este tipo de promessa eleitoreira, não passa de uma proposta de “asilo” infantil, onde se coloca a criança na escola em tempo integral para que os pais e as mães possam trabalhar mais, servir mais ao sistema. A educação não se dá apenas no ambiente escolar. O ser humano possui a capacidade de aprender e essa capacidade não se limita à escola. A todo momento o ser humano está aprendendo, descobrindo coisas novas, experimentando, modificando conceitos que até então acreditava, aperfeiçoando capacidades e se adaptando ao meio que sempre se modifica. E de quem é a culpa pelos problemas da educação? Da escola? Dos professores? Dos alunos? Da sociedade? Ou do 43


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governo? Responder essas perguntas não é uma questão fácil, assim como tentar solucionar os problemas da educação que a décadas são diagnosticados e debatidos.

1. Relação docente-discente e discente-docente O processo de ensino não se dá simplesmente por transferência de conhecimento. Os conteúdos trabalhados precisam estar associados à realidade do estudante, deste modo, o aluno consegue compreender e adaptar o conteúdo às problemáticas do seu cotidiano. O professor não é o único dentro da sala de aula que possui conhecimentos prévios, é preciso notar que os alunos já possuem uma carga cultural e de aprendizado que proporcionaram experiências válidas para a constituição do conhecimento. Sendo assim, não é só o aluno que aprende na relação professor-aluno, mas também o professor adquire conhecimento. Nesta forma de compreender e de viver o processo formador, eu, objeto de meu ato formador. É preciso que, pelo contrário desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos [...](FREIRE, 1996, p. 22-23).

É necessário levar em consideração os conhecimentos culturais vividos pelos alunos. Por meio desse conhecimento, é possível construir um entendimento melhor a respeito do que é passado em sala de aula. Não existe professor sem os alunos, assim como não existe o “ensinar” sem o “aprender”. Portanto, o ensinar e o aprender se dá simultaneamente, a professora ou o professor aprende enquanto ensina, devido aos conhecimentos 44


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prévios dos estudantes. É preciso parar de considerar o aluno como tábula rasa. É preciso parar de considerar o professor como o portador de todo o conhecimento, aquele que tem a obrigação de responder todas as perguntas. As respostas para os questionamentos podem ser encontradas de forma coletiva, na relação docente-discente e discente-docente. O professor não é aquele que simplesmente “dá a aula”, a aula deve ser construída como uma participação ativa tanto do aluno como do professor. O aluno não é um mero espectador apassivado que apenas recebe os conteúdos prontos e as respostas para as suas perguntas. Dar as respostas para os alunos, para todos seus questionamentos, é impedi-lo de ir em busca da solução para as suas dúvidas por conta própria. Portanto, o professor deve ter uma postura democrática, visando reforçar a capacidade crítica do educando e sua curiosidade. O professor não deve silenciar o aluno, deve deixá-lo livre para perguntar, questionar, expor sua curiosidade frente aos conteúdos passados e situações cotidianas, pois o que é ensinado em sala de aula tem relação com situações cotidianas e é preciso que os alunos consigam visualizar desta maneira: visualizar que o aprender, os conteúdos tratados na escola, tem total relação com a nossa vida e com todo o meio que nos cerca. No filme The Wall (1982), do diretor Allan Parker, temos a demonstração do que é uma cultura educacional conservadora e tecnicista, em que é preciso apenas repetir os ensinamentos do professor a ponto de decorá-los. Não há criação, apenas repetição. O personagem principal do filme, chamado Pink, durante a infância, cria um poema que é lido de forma pejorativa pelo professor. Uma demonstração de uma atividade docente que nega as origens, ideias e criações de suas alunas e alunos. Em The Wall, o professor de Pink não instiga os alunos a buscarem o conhecimento, não os torna inquietos a 45


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ponto de que haja uma procura por parte deles, somente se vê a repetição, a criação de padrões de mentes. Suas potencialidades são deixadas de lado, dando vez apenas às “frases” decoradas: “Daí a impossibilidade de ver a tornar-se um professor crítico se, mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor cadenciado de frases e de ideias inertes do que um desafiador (FREIRE, 1996, p.27)”. Um ponto negativo de tomar a finalidade da escola como a aprovação no vestibular é esse caráter de repetir e decorar para passar no concurso e ter uma boa colocação. Para essa memorização através da repetição são criados métodos como a paródia de músicas onde a letra é a fórmula que precisa ser aplicada, ou o conteúdo que precisa ser decorado para saber responder a questão na prova. Mas na prática da vida o aluno não consegue assimilar aquele conteúdo decorado na música com o seus questionamentos cotidianos. O professor que utiliza como um meio apenas a memorização do aluno quanto aos conteúdos, não consegue dar a liberdade de criação e de assimilação do mundo em que o aluno vive. Sabe-se, porém, como os educadores são tentados a considerar a educação como um processo puramente espiritual. Entretanto, à educação compete também a tarefa de ajudar o homem a situar-se no seu meio físico e a tirar o maior proveito possível das condições que este lhe oferece (SAVIANI, 1983, p.33).

Atribui-se importância, então, a aproximação com a realidade do aluno ao ensinar. Deste modo, fazendo com que o aluno perceba que pode experimentar seu aprendizado em seu meio e em seu cotidiano.

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2. O despertar da curiosidade Costumamos ter a infância e a juventude como períodos de questionamentos e descobertas. A postura filosófica é ir além do senso comum nas respostas para tais questionamentos e incentivar que essa curiosidade dos alunos leve a aprendizados. A criança ou adolescente vai passar por diversas problemáticas nessas fases, como exemplo podemos considerar os seguintes casos; quando ocorre uma morte de um parente ou conhecido da criança e surgem as dúvidas sobre “o que acontece quando as pessoas morrem?” ou quando o adolescente passa pelo seu primeiro conflito amoroso e surgem questionamentos sobre “o que é o amor?”; ou sobre o futuro, “com o que vou trabalhar?”; e “o que preciso para ser feliz?”; “o que é felicidade?”. Todos esses questionamentos não deixam de ser questionamentos filosóficos que devem ser levados em consideração. Devem ser levados para a sala de aula e trabalhados de modo que possam trazer mais questionamentos e mais conhecimentos para os alunos. Para Dermeval Saviani (1983, p.66) o objeto da filosofia é tratar “os problemas que o homem enfrenta no transcurso de sua existência”. Pensando assim, podemos chegar à conclusão de que a filosofia está muito presente na vida dos seres humanos e, portanto, ela não deve ser ensinada distante dos questionamentos e experiências dos estudantes. O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos (FREIRE, 1996, p.86).

A curiosidade é uma característica vital que proporciona descobertas e ultrapassa os limites do aprendizado 47


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mecânico. Por meio das perguntas e indagações os alunos vão construindo ou reconstruindo suas opiniões. Esse é o papel principal das aulas de Filosofia, pois elas precisam ser questionadoras para que desse modo o aluno encontre meios e soluções para os problemas filosóficos. Um dos deveres da prática educativa é o desenvolvimento da curiosidade insatisfeita e crítica do aluno. A curiosidade precisa ser estimulada para que por meio dela o estudante possa buscar experiências, desse modo, adquirindo conhecimento. E é por meio da curiosidade que atingimos a criatividade. A criatividade e a autonomia do aluno devem ser respeitadas, assim como sua identidade, e na prática educativa é preciso ser coerente com esses deveres. Em The Wall, os alunos são representados em uma das cenas com máscaras iguais, demonstrando assim que suas potencialidades e identidades não são respeitadas. No filme, mostra-se este exemplo também quando os alunos caem na máquina de moer carne, transformando-se em uma massa homogênea onde não é possível identifica-los. Considerar os alunos iguais em suas capacidades os obriga a ter o dever de saber das mesmas coisas, nas mesmas fases. Porém, o desenvolvimento pode não se dar assim de forma mecânica. Nem todos os alunos e alunas de determinada série vão possuir e ter condições de ter certos conhecimentos, ou ter facilidade para adquiri-los. Cada pessoa tem sua história, sua cultura, seu tempo de aprender e de fazer descobertas. A divisão por séries é mais uma amostra do modelo industrial que a escola utiliza. E a escola; no filme The Wall, segundo minha interpretação, tem ainda o caráter de formá-los para serem “mais um tijolo do muro”.

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3. A finalidade da escola Quando falamos em “mais um tijolo no muro”, isso nos remete a uma formação mecânica que visa um único fim a todos os estudantes. Na prática, atualmente, podemos observar que o fim comum das escolas tem sido a boa pontuação no vestibular que leva à aprovação dos estudantes nas universidades. Deste modo a educação perde o seu caráter de desenvolver a personalidade e as capacidades dos seres humanos e passa a ter apenas a finalidade da aprovação nos concursos e vestibulares. As publicidades apelativas que mostram números de aprovados chamam a atenção dos pais e dos alunos que sonham estar nos melhores cursos das universidades. Esse tipo de aprendizado mecânico é condenado pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Nietzsche em Schopenhauer como Educador trata do “ensino enciclopédico” mais voltado a área da Filosofia. Segundo Nietzsche, a Filosofia estava sendo ensinada distante da realidade dos jovens estudantes e o resultado era que os estudantes decoravam os sistemas e suas refutações antes da prova de avaliação e esqueciam-se de tudo logo após a avaliação. Nietzsche, portanto, desconsidera o sistema educacional de sua época, que tem como intenção formar “homens teóricos”, pois separam o pensamento da vida. O professor Nietzsche, não incitava em seus alunos o simples acúmulo de conteúdos, ao invés disso, propunha um desenvolvimento do senso crítico e da atividade criadora de cada indivíduo. Nenhuma matéria escolar deve ser ensinada de forma mecânica, forçando o aluno a decorar fórmulas e conceitos. O êxito da educação deve ir além dos resultados obtidos nas provas e testes, aos quais o estudante se submete. No entanto, temos que lembrar que a culpa pelos problemas da educação não se devem somente ao modo de 49


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ensinar do professor. No filme The Wall, o professor “desconta” em seus alunos a opressão que ele sofre de sua esposa. A esposa do professor, no filme, é uma representação do sistema que leva o professor a ter que cumprir ordens, como a de limitar a liberdade de criação do seu aluno levando ele a decorar fórmulas e conceitos. Sem contar a falta de estrutura para a educação que algumas escolas sofrem e a falta de incentivos aos professores no desempenho das suas funções como educadores, algo que também é representado pela figura da esposa do professor de Pink. As professoras e professores já estão sendo formados para atender as demandas do sistema educacional vigente que busca o vestibular e o mercado de trabalho como finalidade. De um modo geral, os docentes não são instigados a refletir sobre suas práticas e sobre o que os obriga a se submeterem a tais práticas de ensino. Sendo assim, também podem ser considerados como vítimas dessas problemáticas da educação. A função comum atual da escola é o vestibular, visando também o mercado de trabalho, bons salários e boas vagas de emprego. No entanto, tendo a utilidade da escola com esses fins é possível notar como as capacidades individuais dos alunos são deixadas em segundo plano. Todos são colocados da mesma forma aos mesmos conteúdos, deixando de levar em consideração dificuldades ou facilidades pessoais perante algumas temáticas ensinadas na escola. Esse tipo de postura da escola, que tem como “produto final” o indivíduo que será útil ao mercado de trabalho é comentado por Nietzsche. A sabedoria que tem como função a produção sem a reflexão é uma sabedoria vaga. [...] Mas essa sabedoria está podre e cada fruta tem seu verme. Acreditem em mim; quando quisermos que os homens trabalhem e se tornem úteis na oficina da ciência, antes de terem atingido a maturidade, arruinamos a 50


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ciência no mais breve prazo, assim como arruinamos os escravos empregados muito cedo nessa oficina. Lamento que sejamos obrigados a nos servirmos da gíria dos proprietários de escravos e dos empregadores para descrever condições de vida que deveriam ser imaginadas depuradas de todo utilitarismo e ao abrigo das necessidades da existência. Mas involuntariamente expressões como “oficina”, “mercado de trabalho”, “oferta e demanda”, “exploração” [...] saem da boca quando queremos descrever a mais jovem geração de sábios. A honesta mediocridade se torna sempre mais medíocre; a ciência, do ponto de vista econômico, sempre mais utilitária (NIETZSCHE, 2008, p. 86 - 87).

Os cursos pré-vestibular focalizam em um ensino rápido, de um conteúdo acumulado que deveriam ter sido dados desde o ensino básico. Propondo formas de decorar (que são por vezes vazias), para apenas garantir que o aluno – ainda sem muito conhecimento prático de vida e sem assimilar o conteúdo com situações cotidianas – passe no vestibular e produza na mesma rapidez em que seu conhecimento foi produzido. Estes testes avaliativos procuram homogeneizar quantificando o saber de forma equalizada, não levando em conta o ser humano e suas individualidades, também como membro ativo do processo de conhecimento.

4. Experiências do estágio de docência A experiência do estágio de docência no Instituto Federal de Santa Catarina nos permitiu acompanhar duas turmas diferentes. Uma no primeiro semestre (2014.1) e outra no segundo semestre (2014.2). Esta possibilidade de conhecer duas turmas distintas faz com que presenciamos variadas 51


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situações e diferentes estudantes, com suas singulares potencialidades, facilidades e dificuldades de aprendizado. Pois, o ser humano é constituído por sua cultura e sua história, e esta deve ser levada em conta no momento de aprendizagem. Portanto, cada turma e cada estudante devem ser considerados únicos. Na experiência do estágio de docência pude notar que os estudantes já estão preocupados com o mercado de trabalho, com o vestibular, as ações afirmativas, as bolsas de estudos e cursos. Nas aula de filosofia há um “escape” para refletir sobre conceitos de justiça e igualdade quanto ao mercado de trabalho e as ações afirmativas, por exemplo. É possível utilizar esses “dilemas”, dos alunos, como meios de sensibilizar e problematizar as temáticas em sala de aula. Aproximar o conteúdo da realidade dos alunos é uma ideia de sensibilização. Na sensibilização os alunos sentem-se incluídos no assunto, a partir da problematização o problema do assunto será também um problema deles. A partir de então começa a investigação para encontrar uma provável solução já encontrada por outros autores e conceituar em cima do problema que foi proposto. Quando problematizamos, abrimos as possibilidades de aprendizagem, uma vez que os conteúdos não são tidos como fins em si mesmo, mas como meios essenciais na busca de respostas. Os problemas têm a função de gerar conflitos cognitivos nos alunos (desequilíbrios), que provoquem a necessidade de empreender uma busca pessoal (SANTOS, 20--?, p.4).

A filosofia, como as demais disciplinas do currículo, não devem esquecer seu caráter prático e de reflexão das práticas. O método de memorização deve ser banido, pois impede uma visualização das teorias sendo colocadas em prática, ou a percepção da teoria dentro das práticas. Por exemplo: em uma aula com o tema “utilitarismo”, seria muito 52


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mais proveitoso que o conteúdo partisse de problemas morais práticos, como o dilema de Trolley. Deste modo, auxiliando no entendimento da teoria. Durante o estágio de docência, no Instituto Federal de Santa Catarina (2014), percebe-se como falta aos estudantes o pensar criticamente. As avaliações tendem a testar o nível de memorização dos alunos quanto aos conceitos apresentados em sala, mas não o pensar criticamente sobre um problema moral utilizando apenas as teorias e conceitos como uma base. Com isso, observou-se durante o estágio de docência que as alunas e alunos não estão acostumados com um tipo de avaliação que exija pensamento e reflexão, estão acostumados apenas com a memorização. Os estudantes não acham que uma avaliação com um caráter reflexivo seja difícil, consideram-na diferente do que estão acostumados. Ainda sobre a aproximação dos conteúdos abordados com a realidade dos alunos, percebe-se com frequência que os eles tendem a conversar nos intervalos de aula assuntos pertinentes para as aulas de filosofia, como por exemplo no período de eleições. É um desperdício deixar um tema tão presente escapar das aulas de filosofia política. Outro ponto observado no estágio de docência foi o fato das aulas não ocuparem outros espaços da escola fora de sala de aula. Está não é uma característica apenas desta escola, ou apenas desta turma. É comum vermos os corredores e o pátio das escolas vazios enquanto os alunos e alunas estão dentro de sala em horário de aula. A pergunta que fica é: a aprendizagem só se dá entre quatro paredes, com o auxilio da lousa e com os alunos sentados? Creio que não. A aprendizagem se dá em todo tempo e em todo lugar, e, portanto, devemos buscar explorar os espaços para novas descobertas. Na prática do estágio de docência tive a oportunidade de apresentar aos alunos os conceitos, do filósofo francês, René 53


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Descartes. Entre as imagens utilizadas para despertar nos estudantes algumas das paixões, tema abordado pelo filósofo na obra As Paixões da Alma, também fizemos uma atividade onde os alunos criavam seus “remédios para os excessos e faltas da paixões da alma” escrevendo tais conselhos para uma vida melhor em pedaços de folhas. Após uma conversa sobre os “remédios”, os estudantes saíram da sala de aula e colaram os bilhetes pelos espaços da escola. Esta é uma forma, ainda que “tímida”, de tirar os alunos das quatro paredes e das cadeiras, explorando os demais ambientes da escola. Este presente ensaio pode, também, servir como base para uma aula. Pois esta reflexão da qual o ensaio propõe discute a realidade tanto do professor, quanto do aluno e até da sociedade como um todo.

5. Considerações finais Precisamos tratar dos problemas da educação, sabendo que ela mesma é a solução para várias adversidades da sociedade. A educação precisa ainda ser muito pensada para que as pessoas que a compõe cobrem soluções e também sejam elas mesmas as soluções para tais problemas. Tendo em vista a Filosofia como uma portadora da visão crítica em cima dessas problemáticas e valorizando essa matéria como todas as outras que fazem parte do currículo da educação escolar. Em meio a toda essa ação docente e discente, o ser humano se vê imerso nessa problemática educacional e diante do problema a busca se dá no refletir. Refletir sobre a questão da educação e da escola já é um primeiro passo para uma mudança que esperamos. Refletir sobre nossa prática docente, nosso papel na escola, na educação e na sociedade. Se colocar no lugar da aluna e do aluno que busca mais conhecimento. Enquanto estudante, 54


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refletir também sobre seu papel dentro da sistemática que o cerca e questionar. Segundo Dermeval Saviani (1983), refletir é voltar-se a si mesmo, analisar com cuidado os conhecimentos que possui e que recebe, e o meio onde está. E é deste modo que em meio a educação e a escola devemos refletir sobre as problemáticas que nos cercam. Assim como o espelho tem a propriedade de captar a luz e projetá-la numa determinada direção (reflexão da luz), assim também o homem tem a capacidade de captar (através da consciência) os dados da realidade e imprimirlhes determinado sentido. Refletir é o ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, revistar, vasculhar numa busca constante de significado (SAVIANI, 1983, p.67).

É por meio do ato de refletir que podemos encontrar as soluções para nossas indagações, ou apenas questionar nossas próprias certezas ou realidades. Portanto, atribuímos, ao refletir importância na filosofia e na questão educacional, pois a reflexão sobre a educação já é o primeiro passo para uma mudança.

6. REFERÊNCIAS DIAS, Rosa Maria. Nietzsche educador. São Paulo: Editora Scipione, 1993. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 30. ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1996. GALLO, Silvio. Chegou a hora da filosofia. In: Revista Educação, set/2011. Disponível em: <http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/116/artigo2340741.asp>. Acesso em: 17 out. 2013.

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NIETZSCHE, Friedrich W. Segunda Consideração Intempestiva. Da Utilidade e do Inconveniente da História Para a Vida. Trad. Antônio Carlos Braga e Ciro Mioranza. São Paulo: Editora Escala. 2008. SANTOS, Júlio César Furtados dos. O papel do professor na aprendizagem significativa.[20--?] Disponível em: <http://www.famema.br/ensino/capacdoc/docs/papelprofessorp romocaoaprendizagemsignificativa.pdf .>. Acesso em: 29 de junho de 2014 SAVIANI, Dermeval. Educação brasileira: estrutura e sistema. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1983. THE WALL (O muro). Direção de Allan Parker. Música de Pink Floyd. EUA, 1982. TRAGTENBERG, Maurício. A escola como organização complexa. Revista espaço acadêmico. Ano II. n.2. Maio de 2002. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/012/12mt_1976.htm.>. Acesso em: out/ 2014.

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É POSSÍVEL A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO? COMO É POSSÍVEL?

Vinicius Arion Aliende Palongan de Oliveira

“É possível?”-Sim é possível. Mas “como é possível?” é uma questão para a qual ainda não tenho uma resposta pronta e dificilmente a terei. Entretanto, isso não significa que esta seja uma questão tola ou sem importância de ser refletida, pelo contrário, é uma questão que me acompanhará enquanto eu quiser ser um professor de filosofia e que, com certeza, terá diferentes respostas conforme o momento em que me for colocada. Isso porque minhas respostas serão amadurecidas, modificadas e/ou reformuladas a cada experiência docente e a cada nova perspectiva filosófica com a qual me deparar. E justamente o que deixa tal questão mais interessante e provocativa é o fato de ela não possuir uma única resposta, muito menos um único método de resolução, pois há sempre essa possibilidade de mudança, essa incerteza quase iminente ao tentar respondê-la. Para mim esse é um fator positivo que serve como incentivo para tentar sempre buscar uma boa resposta. Outra característica forte que ela carrega é a individualidade, isto é, acredito que a principal base para respondê-la será a concepção de filosofia que cada um traz consigo. Digo isso porque lembro a minha primeira aula de “Filosofia da Educação”, na qual a professora pediu que escrevêssemos qual era nossa visão pessoal da filosofia e como nós a entendíamos. Nenhuma resposta foi igual, cada um apresentou uma visão diferente de filosofia e o que me chamou mais a atenção foi o fato de que estávamos todos na mesma 57


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fase e tínhamos cursado várias disciplinas juntos, logo, me pareceu que o mais natural seria darmos respostas parecidas. Portanto, nossa resposta para “como trabalhar a filosofia no ensino médio?” será basicamente uma extensão da nossa visão particular de filosofia somada às nossas experiências em sala de aula. Não tenho uma resposta definitiva também para o que seja filosofia, mas desde que essa pergunta me foi feita minha resposta já se modificou algumas vezes. Penso que uma característica comum aos seres humanos é a curiosidade, isto é, desde a infância, logo que dominamos a linguagem básica e começamos a fazer as primeiras associações já esboçamos a tentativa de compreender o mundo ao nosso redor, uma espécie de curiosidade natural de conhecer o desconhecido e entender o que nos cerca. Conforme nós vamos desenvolvendo nossa linguagem e, consequentemente, ampliando nossas associações e assimilações do mundo, os questionamentos de tudo que nos cerca surgem de maneira natural e espontânea, começam com as crianças pequenas (na época em que elas começam a bombardear os pais com os “porquês” infinitos) e se tornam uma espécie de hábito que nos acompanhará por algum tempo ou, se for estimulado, por toda a vida. Em meio a esse turbilhão de perguntas surgem (também de maneira espontânea) algumas questões filosóficas, que aparentemente são as mais tenebrosas, pois muitas vezes dizem respeito a coisas que estão além do nosso alcance e percepção, parece que nunca chegaremos a uma resposta definitiva (um questionamento leva ao outro que leva a outro e assim por diante). E sempre que nos conformamos sobre algum assunto aparece algo que nos desestabiliza e nos leva a refletir novamente. Por isso penso que o diferencial das questões filosóficas é que elas acompanham a dinâmica da vida, podendo sempre ser reformuladas e para cada reformulação há uma possibilidade de se chegar a uma resposta diferente, ou 58


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seja, elas se modificam ao longo de nossa vivência, conforme surgem novas experiências e conforme vamos assimilando novos conceitos. Elas se modificam de tal modo que podemos até dizer que nossas perguntas se renovam, mas isso não implica que vamos perdendo nossas primeiras dúvidas, nós as retomamos constantemente e muitas vezes com outras perspectivas ou somente acompanhadas de novos questionamentos. Arrisco até em dizer que nossas dúvidas amadurecem conforme o ritmo em que nós mesmos amadurecemos ao longo de nossa formação enquanto pessoa.1 Por exemplo, não me recordo ao certo que idade eu tinha, mas era bem pequeno quando uma tia-avó morreu e eu perguntei pra minha mãe “por que as pessoas morrem?” e “o que era a morte?”, não gostei nem um pouco da resposta que recebi, de que era algo natural e que acontece com todos, não queria que ninguém próximo de mim morresse e nem eu queria morrer. Lembro também que junto a essa resposta ela me disse que essa tia iria para o céu, que lá era o lugar das pessoas boas, etc. (me deu uma explicação condizente com a sua religião, a católica) o que levantou questões como “porque nem todas as pessoas iriam para o céu?” etc. Enfim, o que quero ilustrar com esse exemplo é que após essa primeira experiência já me deparei algumas vezes fazendo questionamentos sobre a morte, principalmente quando acontece com alguém próximo e sempre que me pergunto sobre isso acabo formulando uma resposta que difere, ao menos minimamente, da resposta anterior. Acredito que aqui já podemos ter uma predefinição de filosofia se pensarmos, então, que suas questões são aquelas 1

Não quero afirmar aqui que a Filosofia se resume apenas ao ato de questionar, penso que a dúvida é a porta de entrada para o desenvolvimento e a sistematização de toda Filosofia (e claro, não apenas da Filosofia, mas também a base para o desenvolvimento de todas as vertentes do conhecimento humano). 59


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que não visam encerrar um determinado assunto (apesar das várias tentativas dos filósofos), mas sim abrir possibilidades para pensarmos diferentes perspectivas. Em outras palavras, o mundo vai se construindo ao nosso redor e nos é despejada incessantemente uma carga enorme de crenças, teorias, conceitos e hábitos que nos absorvem e fornecem as matérias para tecermos uma rede que nos deixe confortáveis, porém, sempre que algo soar estranho, ou não se encaixar bem nessa rede, isso irá nos incomodar. Fazendo uma adaptação para o mito de Penélope, na Odisseia, nós estamos constantemente tecendo, descompondo e “retecendo” nossa rede. Entretanto, apesar desse processo de composição e recomposição, essa rede sempre vai aumentando conforme recebemos material para tecê-la e o ponto mais importante é que ela nunca será terminada. Pensando assim, podemos dizer que a filosofia é a caixa de ferramentas que nos possibilita construir, desconstruir, reconstruir e modificar essa rede conceitual que nos envolve (mas não é a única “caixa de ferramentas”, é claro). O que pude notar com o estágio é que cada aula é uma surpresa, pois enquanto a preparamos criamos certa expectativa de como ela irá se desenvolver, qual rumo seguirá etc., mas quando a aplicamos, ao entrar em sala, as coisas não saem como o esperado. Por exemplo, algum assunto que era apenas para servir de ligação, que se esperava passar despercebido, ganha um destaque inesperado ou algo que se achou que seria interessante acaba não sendo (não só os assuntos, mas também as dinâmicas pensadas para um melhor aproveitamento das aulas muitas vezes falham). Penso que isso ocorre porque uma aula não é uma equação exata, ela depende de inúmeras variáveis desconhecidas, por exemplo, depende do estado de espírito do professor, da sua abertura ou não para a classe, sua preparação para lidar com mudanças repentinas no cronograma; também depende do estado de espírito dos alunos e da abertura destes para o professor e para os assuntos a serem 60


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trabalhados em aula; depende de uma compreensão mínima da dinâmica da sala, ou seja, se os alunos são mais ativos ou passivos durante as aulas, qual é a abertura deles para diferentes dinâmicas, se eles têm uma boa relação entre eles próprios e com o professor; etc. Resumindo, a aula quase nunca sai exatamente como o esperado, às vezes supera as expectativas e outras não. É como se tivéssemos um arqueiro e um alvo e colocássemos ambos em constante movimentação (uma movimentação simultânea e aleatória, ou seja, ambos se movimentam para todas as direções sem qualquer tipo de padrão), de modo que, ao atirar a flecha ela poderá acertar o alvo em cheio, ou acertá-lo de raspão, ou passar muito perto, ou muito longe etc. Falando assim até parece uma loteria, principalmente se entendermos que o arqueiro é o professor, a flecha é o “conhecimento” e o alvo os alunos. Porém, temos essa impressão apenas se pensarmos na figura clássica do professor como o detentor do conhecimento e os alunos como “os alvos a serem atingidos”. Talvez, então, teremos um exemplo melhor se trocarmos o alvo por outro arqueiro, assim poderíamos entender que o conteúdo (a flecha) parte dos dois lados e um arqueiro só atinge o outro quando houver uma sincronia nos movimentos (uma sintonia entre professor e aluno). Isto é, precisamos buscar essa sintonia com os alunos para que haja um bom aproveitamento das aulas, além disso, os alunos precisam se identificar com o conteúdo e isso requer certa habilidade do professor para trazer os assuntos, assim como requer também uma sensibilidade de perceber essa sincronia e conseguir explorar isso de maneira produtiva para ambos os lados. Ultimamente o que me perturba são duas questões, a primeira é sobre como conciliar “história da filosofia - temas problemas” e a segunda é sobre como criar essa sintonia entre professor e aluno e, como perceber o interesse deles (os alunos) 61


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por determinados assuntos filosóficos, para que seja possível trabalhar em cima disso de uma forma mais significativa para ambos os lados. Como eu penso que muitos questionamentos filosóficos surgem espontaneamente em diferentes etapas de nossas vidas, acredito que possa estar aí uma das respostas, ou seja, muitos alunos já se perguntaram sobre “o porquê” das coisas em algum momento, mas provavelmente não dedicaram um tempo mínimo para a reflexão sobre determinado assunto2. Isto é, foram tocados pela curiosidade, muitas vezes ingênua, da descoberta, mas não a sistematizaram de maneira mais crítica. De acordo com Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Autonomia, a dúvida é natural do ser humano e é através dela que passamos do nível da intuição para uma “rigorosa curiosidade epistemológica”. Neste sentido, ele afirma: [...] quanto mais pomos em prática nossa capacidade de duvidar, tanto mais eficazmente curiosos nos podemos tornar e mais crítico se pode fazer o nosso bom senso. O exercício ou a educação do bom senso vai superando o que há nele de instintivo na avaliação que fazemos dos fatos e dos acontecimentos em que nos envolvemos (FREIRE, 1996, pg. 26).

Logo, se pensarmos que o alimento da filosofia é a dúvida, cabe ao professor de filosofia trazer para o aluno o gosto pelo questionamento e demonstrar a importância deste hábito para o desenvolvimento do estudante enquanto pessoa. Afinal, aquele que não estiver aberto à dúvida não consegue ampliar sua noção de mundo, muito menos desenvolver seu 2

O que é comum, pois nossa tendência é elaborar respostas prontas para os mais variados questionamentos, o que acaba reforçando um padrão de repetição mecânica de conceitos, crenças e teorias. E isso desestima a criança ou o jovem a investigar e, consequentemente, desenvolver um senso crítico. 62


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senso crítico, além do que, se não houvesse essa abertura seriam extintas quaisquer possibilidades de descobertas em qualquer área do entendimento humano. Talvez, se for possível mostrar aos estudantes, num primeiro contato, que a filosofia é algo importante para o desenvolvimento humano e que todos nós levantamos questões filosóficas (em maior ou menor grau) em alguma etapa de nossa vida, isso já possibilitaria uma abertura maior para abordar temas filosóficos em sala. O que pude observar na primeira etapa do estágio (observação) foi a importância de deixar os alunos falarem, pois não basta chegar à sala e apresentar um tema já acompanhado com sua opinião e “verdade” ou apenas apresentar o tema sob a perspectiva de um filósofo clássico, porque muitas vezes os alunos nem chegam a se identificar com o tema, não conseguem fazer a ligação com as experiências deles. Portanto, acho que é de extrema importância um diálogo horizontal com os alunos, para ouvir suas opiniões e poder apresentar, a partir delas, alternativas e pensamentos diferentes. Uma primeira sensibilização pode ser facilitada por meio de filmes, fotos, músicas, literatura, notícias de jornais, novelas, seriados e muitos outros recursos que possibilitem a aproximação dos temas a serem abordados com o cotidiano dos alunos. Após isso, a problematização já pode surgir dos próprios alunos e o bom é que não precisamos nos apegar a uma única problematização, por exemplo, do tema “liberdade” podemos desenvolver dilemas sobre liberdade individual, liberdade política, liberdade de expressão, liberdade de escolhas e suas consequências, etc. E com isso trazer para a turma, diferentes visões de vários filósofos em momentos históricos distintos. Acredito que essa seria uma alternativa para conciliar história, tema e problema, mostrando aos estudantes que muitas questões colocadas por eles em sala já foram tratadas seriamente por filósofos em algum momento da 63


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história, mas nem por isso elas foram resolvidas. Com isso é possível mostrar que os temas filosóficos são comuns a todos nós (prova disso é que podemos localizá-los em diferentes pessoas e também em diferentes momentos históricos) e que as várias formas de problematização são decorrentes de fatores, como por exemplo, o contexto social e cultural, o momento histórico, as crenças pessoais do indivíduo, etc. Neste sentido, penso na filosofia como uma ferramenta fundamental para despertar o senso crítico nos alunos, uma ferramenta que os auxilia a quebrar esse círculo vicioso de repetição-assimilação-reprodução e proporcione o suporte necessário para o desenvolvimento da crítica e, acima de tudo, da criação. Antes de iniciar a segunda etapa do meu estágio (a docência), uma leitura que me auxiliou muito na preparação das aulas foi, novamente, a de Paulo Freire. Em sua obra Educação como prática de liberdade ele propõe um método para a alfabetização de adultos que se baseia no desenvolvimento crítico e na capacidade de criação, algo diferente do método de repetição mecânica das cartilhas. Em suas palavras: [...] a alfabetização não pode ser feita de cima para baixo, como uma doação ou uma imposição, mas de dentro para fora, pelo próprio analfabeto, apenas com a colaboração do educador. Por isso é que buscávamos um método que fosse também instrumento do educando e não só do educador e que identificasse, como lucidamente observou um jovem sociólogo brasileiro, o conteúdo da aprendizagem com o processo mesmo da aprendizagem (FREIRE, 1967, p.110).

A proposta central desse método é situar o sujeito, no caso o analfabeto, como protagonista do processo de aprendizagem, não mais o tratando como um mero expectador 64


É possível a filosofia

passivo, destinado a apenas receber os conteúdos. Ao ler esses parágrafos, me identifiquei muito com a ideia central e pensei que não só a alfabetização, mas a educação em geral poderia ser pensada por essa perspectiva construtiva. Então comecei a elaborar minhas aulas com inspiração nessa ideia que, aliás, condizia com o que pensava antes, na etapa de observação. A proposta do professor Leonardo foi que nós (eu e o Horklin) trabalhássemos A República de Platão ao longo do último trimestre. Pensamos em uma maneira de conciliar essa ideia de trabalhar junto com os alunos, construindo os conceitos, e inserir as ideias de Platão. A nossa proposta foi a de, antes de trazer qualquer ideia da República, trabalhar os temas presentes na obra junto com os alunos, sob a perspectiva deles e apenas depois fazer a relação com as ideias de Platão. Expondo de maneira bem resumida, dividimos nossas aulas da seguinte maneira: iríamos trabalhar basicamente com três temas, “Democracia e outras formas de governo”, “Justiça” e “Educação”, buscando sempre partir da perspectiva dos alunos sobre cada tema e depois vincular com Platão. Antes de iniciar cada assunto, sem fazer qualquer consideração ou comentários prévios, pedimos que os alunos escrevessem em uma folha de papel o que eles pensavam sobre o tema, por exemplo, em nossa primeira aula, logo que entramos em sala pedimos para eles escreverem o que era democracia e logo em seguida iniciamos um debate partindo dos escritos e comparando com outras concepções de democracia e com outras formas de governo. Para nossa segunda aula, levei as folhas com as respostas para casa e preparei um resumo sobre democracia e formas de governo me baseando em algumas palavras que foram mais citadas pelos alunos e o Horklin preparou uma apresentação sobre o que Platão pensava sobre a democracia, monarquia, aristocracia, etc. para fazermos uma comparação e iniciarmos uma discussão com a turma. Entretanto, como 65


Vinicius Arion Oliveira

mencionei acima, que muitas aulas não saem como o esperado, essa segunda aula, ao menos para mim, não saiu conforme a expectativa, pois os alunos não se sentiram motivados a continuar a discussão e a aula acabou virando uma aula expositiva e não dialogada. Mas avaliando o pós-aula, percebi que a maior parte da culpa disso foi nossa, que devido à falta de experiência pecamos em alguns pontos, por exemplo, os alunos estavam esperando um retorno sobre as questões que eles haviam entregado na aula anterior e já no início da aula ficaram um pouco decepcionados ao pegarem de volta suas respostas sem nenhuma correção ou comentário. Outro ponto foi o que preparamos uma aula inteira pensando apenas na participação dos alunos e quando eles não participaram ficamos um pouco perdidos, não pensamos em um “plano B”. A terceira aula eu preparei sozinho, sobre o tema da Justiça, então ao final de segunda aula pedi para que eles escrevessem o que entendiam por Justiça e me entregassem. Dessa vez corrigi, fiz um comentário e coloquei uma questão para reflexão em cada uma das respostas3. Separei as respostas em cinco grupos diferentes, cada um com uma definição de Justiça (já pensado para fazer a ligação com as cinco definições expostas em A República) e a ideia foi a de escrever essas frases deles na lousa e discuti-las em sala. Para iniciar a aula, preparei uma exposição rápida sobre os significados e a simbologia da Justiça nas mitologias egípcia, grega e romana, com o intuito de fazer uma reconstrução histórica das definições de Justiça e apontar algumas semelhanças com as definições atuais. Em seguida, fui escrevendo as frases deles na lousa e propondo o debate, essa parte foi bem legal, pois ao verem suas frases escritas na lousa eles ficaram empolgados e se sentiram mais confiantes para argumentarem a favor ou contra tais definições (alguns até repensaram suas próprias 3

E realmente, quando entreguei para eles as questões corrigidas e comentadas a recepção foi outra, completamente diferente da aula anterior. 66


É possível a filosofia

definições, pois se identificaram mais com a do colega) e a aula fluiu bem até o final. Para a quarta aula, eu seguiria a discussão relacionando as definições dos alunos com as definições de Platão, porém, não pude comparecer e quem fez isso foi o Horklin, que também pensou em um filme para a quinta aula. O filme se chama “O Doador de Memórias” que retrata uma sociedade ideal do futuro que se assemelha muito aos moldes do que Platão descreveu em A República. Finalmente, nossa penúltima aula foi uma apresentação geral da República, mostrando a concepção de educação para Platão e deixando clara a proposta central do livro que é a construção de um modelo de sociedade ideal. E a última aula foi avaliação. Como avaliação, pensamos em uma maneira de pedir algo mais informal, como uma redação, para fosse possível notar o que eles absorveram das discussões nas aulas. Pedimos a eles para formarem grupos de quatro pessoas e construírem (juntos) uma cidade ideal, especificando como seria o governo, a justiça e a educação. Através do que eles escreveram foi possível comparar com as questões entregues nas primeiras e notar uma mudança em algumas definições. Minha avaliação geral das aulas foi positiva, mas é claro que fiquei com a sensação de que poderia ser melhor, houve muitas falhas e boa parte delas devido à inexperiência, mas com certeza elas contribuíram e contribuirão para melhorar minhas experiências futuras de docência. Por isso, uma coisa que continuo acreditando e que pretendo prosseguir e aperfeiçoar é a ideia de que a filosofia, no ensino médio, deve ser trabalhada de maneira conjunta entre professor e aluno, com base no diálogo aberto, valorizando as opiniões dos alunos e buscando desenvolver o senso crítico e estimular o questionamento. Na perspectiva da não acomodação e repetição de conteúdos, mas de criação conjunta, trazendo para o debate grandes temas e nomes da história da filosofia para 67


Vinicius Arion Oliveira

relacionar com as opiniões cotidianas, mas não como um argumento de autoridade, que vise corrigir ou impor uma verdade absoluta para tal questão e sim como uma perspectiva diferente (ou semelhante) que foi formulada de maneira mais sistemática, mas que nem por isso não pode ser refutada. Enfim, encerro meu ensaio com uma frase de Paulo Freire que é muito significativa para mim, pois representa minha visão particular de filosofia: “Estudar não é um ato de consumir ideias, mas de cria-las e recriá-las” (FREIRE, 1981, p.10).

REFERÊNCIAS

FREIRE, P.. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 5° edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1981. FREIRE, P.. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1967. FREIRE, P.. Pedagogia da Autonomia. 25° edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1996.

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UMA POSSIBILIDADE PARA O ENSINO DE FILOSOFIA ATUAL: O INTERCRUZAMENTO KATHEGELIANO EM DOIS ATOS Lucas Beligni Campi

Ressignificância Desconstrutiva Me disseram que lá era diferente, Como se eu acreditasse que podia ser igual. Que ali não era a realidade, Como se eu ainda acreditasse no real. E tudo foi muito rápido. Quando menos percebi já estava ali na frente. Falava de igualdade, singerismo, Thomas Hobbes e connatus. Não tinha muito segredo, eu já sabia tudo sobre eles. Já os conhecia antes mesmo de encontrá-los... E na sensibilização que nem sempre sensibiliza, Eu ressignificava. E eles desconstruíam. Esqueceram de me avisar que da minha técnica eles conheciam. Que eles também ensinavam e me investigariam... Olhava no relógio Já era tempo de problematizar. E no problema levantado, novos problemas surgiam. Foi então que percebi que não se entra duas vezes na mesma aula. Que quando tentava, já tinha ido. E tudo sobre eles agora já não fazia mais sentido... Eu me ressignificava, Eles me desconstruíam. Eu investigo, Eles me sensibilizam. 69


Thor João Veras

E nessa dança metodológica, quase sem metodologia, eu tentava resistir mas com tantos mediadores, eu já não media.... E na ressignificância desconstrutiva minha certeza evanescia.

1. Base Teórica Em meu último ensaio da licenciatura em filosofia comentei sobre A impossibilidade do ensino de Filosofia no modelo atual lembrando como tal modelo não permitiria o livre pensar, requisito básico para o verdadeiro filosofar: Já de início manifesto minha opinião de como imagino uma boa aula de filosofia: educador e educandos decidiriam juntos os temas a serem estudados; alunos manifestariam suas opiniões e participariam ativamente das aulas; a disposição das cadeiras – isso quando os envolvidos não sentassem diretamente no chão – seria circular; haveria direta relação entre os assuntos tratados e a realidade daqueles alunos e o professor apenas faria o papel de um mediador que iria suscitando questionamentos e lincando os temas com a história da filosofia, citando assim grandes filósofos e suas principais teorias. Ou como ouso apelidar, o intercruzamento Kanthegeliano (CAMPI, 2013).

No entanto, para tal conclusão, tive como base experiências próprias de sala de aula enquanto professor de outras disciplinas e somente agora após vivenciar de fato o curso de filosofia no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) mudei consideravelmente de opinião. E da proposta Intercruzamento Kanthegeliano adicionei o termo dois atos.

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Ensino da filosofia

Primeiramente não será inútil pontuar como tal escola é distinta da realidade comum escolar, contudo ainda assim, é uma escola pública que segue a proposta curricular nacional e acaba sendo um exemplo de como é possível atingir tal excelência estudantil no modelo atual, o que contradiz minha antiga concepção das aulas de filosofia. Ou seja, há um lugar dentro do sistema público educacional em que professores e alunos são convidados de fato para o pensar filosófico. Obviamente que o IFSC também possui uma série de desafios para ainda otimizar o ensino mas mantêm um diferencial significativo que é em relação a autonomia dos estudantes, possível parcela que propiciou atingir tal suficiência filosófica. Aos alunos e alunas não é imposto a permanência ou entrada nas aulas; assim como ficam livres para o uso de dispositivos eletrônicos mesmo durante o discurso do professor e cabe a eles decidir quais técnicas preferem utilizar para seu aprendizado. Por fim, não possuem notas para os avaliar, mas sim conceitos que toleram maiores deslizes argumentativos por parte deles. Isso tudo para clarificar como imagino os passos seguidos por tal instituição para alcançar as aulas que presenciei: aulas de diálogo constante; temas atuais da realidade dos envolvidos; ou em outras palavras, um aprendizado ativo. E a estratégia é semelhante à proposta por Sílvio Gallo (2012): “Se a filosofia é o sentimento de ignorância, é porque nela é fundamental a experiência do problema. Não se produz filosofia sem um problema, o que nos leva a afirmar que o problema é o motor da experiência filosófica do pensamento”. Desse modo, primeiro se ensina a história da filosofia com seus autores e revisa os passos que estes usaram para sair do problema e chegarem a seus conceitos: um primeiro ato ou momento, a parcela hegeliana, em que a filosofia precisa ser contextualizada historicamente, mas o enfoque é para os 71


Thor João Veras

problemas, para motivar o pensar dos ouvintes. Assim como Gallo defende, o motor do pensamento são os problemas e se faz necessário revisá-los para exercitar o pensar. E em um segundo momento, finalmente, abrir para os educandos o livre filosofar, parcela kantiana, para que agora com o pensar fortalecido com as revisões conceituais dos grandes pensadores possam também conceituar. O que sugere o maior desafio, pois apesar de todos nesse segundo ato serem convidados a filosofia, poucos atingirão a maestria – até porque como qualquer ocupação, ao filósofo também é exigido certa vocação. E todo esse processo exige criatividade para que os conceitos também tragam a marca dos educandos, o que nas palavras de Montaigne seria parecido com o processo de produção de mel pelas abelhas: As abelhas libam flores de toda espécie, mas depois fazem o mel que é unicamente seu e não do tomilho ou da manjerona. Da mesma forma os elementos tirados de outrem, ele os terá de transformar e misturar para com eles fazer obra própria, isto é, para forjar sua inteligência (MONTAIGNE, 1987, p.78).

Mas para além da criatividade precisaremos também do envolvimento dos alunos e alunas, de sorte que os problemas precisarão vir da realidade dos mesmos para ser de verdadeiro interesse. Que eles possam se identificar com as questões levantadas e assim perceberem como grandes pensadores já vivenciaram problemas semelhantes, criando assim uma identificação até mesmo com a própria filosofia. E aqui novamente podemos recorrer às belas palavras de Montaigne: É de um grande simplismo ensinar aos meninos “o sentido dos Peixes, do Leão resplendente, ou Capricórnio que se banha nas águas da 72


Ensino da filosofia

Hespéria”, a ciência dos astros e movimentos da oitava esfera antes de lhes abrir os olhos para os próprios sentidos: “que tenho a ver com a Plêiade, e a estrela boieira?”. Anaxímenes escrevia a Pitágoras: “Como posso preocupar-me com o segredo das estrelas, quando tenho sempre presente a meus olhos a morte ou a escravidão?” (MONTAIGNE, 1987, p. 79).

Dessa forma, fica nítida que essa clara separação dos atos não se dá na prática – no primeiro já aparece o segundo e vice-versa – e por isso intercruzamento. Essas metodologias vão se cruzando por todo processo educacional e mesmo que alguma seja priorizada em determinada circunstância, nunca se exclui o manifestar da outra. Em outras palavras, seria louvável que, enquanto o enfoque seja na história da filosofia, os alunos já possam arriscar conceituações, e quando mudar o foco para o livre manifestar, também se possa recorrer ao saber historicista, quando esse se fizer necessário. E aí fica ainda mais claro o papel do professor enquanto mediador, aquele que percebe as urgências do grupo e vai direcionando o processo de aprendizagem. Então, mesmo que nem todos os alunos possam de fato filosofar, ainda assim essa proposta tenta incentivar os poucos que possuem inclinação para tal, o que já contribui consideravelmente quando lembramos que também é papel dos professores de filosofia incentivar futuros filósofos e não dar continuidade ao modelo de aulas convencionais em que se ensina apenas uma pobre história da filosofia e acaba por matar qualquer ímpeto de filosofar. Crítica essa muito recorrente no nível de ensino superior – mas que evidentemente também serve para o ensino de base – bem exemplificada pelos professores Porchat e Murcho, quando mostraram em seus estudos como o estudante que acaba por entrar em um curso de filosofia e recebe o 73


Thor João Veras

modelo de aula mais comumente aplicado não apenas são desestimulados do livre pensar como exauridos de qualquer inclinação filosófica. Murcho se referindo ao aluno: Dele não se espera realmente que filosofe, nem lhe são fornecidos os instrumentos para isso. Dele espera-se apenas que compreenda as ideias dos filósofos do passado; ou que reinterprete os seus escritos [...]. A sua atividade acadêmica consistirá que exclusivamente em relatórios sobre o que os filósofos pensam. Não consistirá em tentativas progressivamente mais sofisticadas para filosofar. Tal pretensão pode até ser vista como ridícula (MURCHO, 2008).

Ou nas palavras de Porchat: Porque o temor que me assalta é que, levados pela nossa segura consciência de que a Filosofia se alimenta continuamente de sua história, tenhamos ido longe demais na prática da orientação historiográfica. Que, no louvável intuito de assegurarmos a nossos estudantes uma sólida base de conhecimentos historiográficos, de os afastarmos de um achismo inconsequente próprio dos que nunca frequentaram de perto o pensamento dos grandes filósofos nem aprenderam a dura disciplina das lógicas internas aos grandes empreendimentos filosóficos, tenhamos perdido de vista a meta que muitos desses estudantes – e de nós, também – tinham – tínhamos – em nossos horizontes: a elaboração de uma reflexão filosófica, a compreensão filosófica de nós mesmos e do mundo (PORCHAT, 2010, p.26).

E é nesse sentido que urge repensarmos um novo modelo semelhante ao dessa instituição, para que a filosofia cumpra talvez seu maior papel na vida dos estudantes que é a 74


Ensino da filosofia

ressignificação de suas existências. Ou em outras palavras, como a filosofia busca os problemas e não as soluções, ela tem a possibilidade de fortalecer o pensar e assim propiciar a cada educando o enfrentamento diário dos próprios problemas e também do seu existir.

2. Parte Prática Para as aulas ministradas na instituição em questão seguimos os temas previstos no cronograma feito pela professora supervisora da escola, contudo, ficou ao nosso critério a escolha da metodologia. No meu caso, acabei ministrando dez aulas, sendo cinco planejadas e cinco espontâneas. No caso das planejadas, foram duas sobre Bioética e três sobre Ética Deontológica. Na verdade como sempre são aulas duplas, em um dia pude discorrer sobre a filosofia de Peter Singer na sua obra Ética Aplicada e na outra semana sobre os conceitos de Kant. Mas ainda retomamos Kant na aula de Ética Teleológica. A metodologia que tentei recorrer foi a descrita nesse trabalho, como, por exemplo, na aula sobre Ética Deontológica passei aos alunos trechos com ações morais do filme Batman Dark Night – tentativa de Sensibilizá-los com algo atual e próximo da realidade da turma em questão – e Problematizando passei a palavra a eles para saberem o que acharam das cenas e se seriam ações boas ou más – aqui já iniciando o processo de aprendizado ativo. Após esse primeiro momento, iniciamos a Investigação, ou primeiro ato, discorrendo sobre a teoria kantiana e seu conceito de Imperativo Categórico. Dessa forma, pudemos perceber que as cenas ditas do bem foram relacionadas com o personagem Batman e as ditas do mal a seu inimigo Coringa. 75


Thor João Veras

No entanto, após compartilharmos da teoria kantiana tivemos a percepção que classificar as ações das personagens não é algo simples. Nesse momento final, os alunos e alunas perceberem que foram precipitados nos seus julgamentos, e começaram, a partir da teoria, a Conceituar, ou segundo ato, e aqui chegamos na oficina de Conceito e na Ressignificação existencial dos alunos. Pois, com muita criatividade os estudantes, motivados pelo mediador, começam a relacionar tal filosofia com a sua vida e percebem como as ações morais possuem uma grande complexidade e que não basta julgarmos algo como positivo para que de fato possamos ignorar os escrúpulos morais e realizar tal ação. Dessa forma, também ficou uma lição de casa para que eles percebam seus atos, e os que observarem, busquem autonomia e consigam julgar seus atos com maior bagagem crítica. Já no caso das aulas ditas espontâneas, que ocorreram sem aviso prévio, foram formas de ocupar os horários abertos criados pela desistência da apresentação de um dos grupos de educandos. Quatro destas foram sobre Thomas Hobbes e uma apenas sobre Rousseau. E nesse caso, ocorreram de maneira clássica, exposição pouco dialogada, pois sequer havia um plano de aula. Além das aulas, tentamos trazer para as avaliações um pouco da proposta descrita nesse trabalho. Destaque para duas delas: uma discursiva individual, mas com a possibilidade de consulta do grupo que pertencia, foi formado grupos mistos com cada integrante oriundo de uma área diferente do seminário que apresentou, e a outra discursiva, individual, sem consulta, que exigia do aluno a análise de um relato de caso segundo as diferentes concepções teóricas sobre a Ética. Não será inútil para finalizar, citar também que, de maneira geral os alunos e as alunas se saíram muito bem nas avaliações e que a participação dos mesmos nas aulas 76


Ensino da filosofia

ocorreram de forma intensa e geral. Não houve sequer um deles que não tenha arriscado conceituações e participações críticas bem situadas durante as aulas.

3. REFERÊNCIAS CAMPI, Lucas Beligni. A impossibilidade do Ensino de Filosofia no modelo atual, 2013. Não publicado. GALLO, Silvio. Metodologia do Ensino de Filosofia, 1.ed. São Paulo: Papirus, 2012. MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. 4.ed. São Paulo: Nova Cultura, 1987. MURCHO, Desidério. A natureza da filosofia e o seu ensino. Educ. e Filos., Uberlândia, v. 22, n. 44, p. 79-99, jul./dez. 2008. Disponível em <http://criticanarede.com/naturfilosofia.html>. Acesso em 06/03/2015. PORCHAT, Oswaldo. Discurso aos estudantes sobre a pesquisa em filosofia, Fundamento, Ouro Preto, v. 1, n. 1 set./dez. 2010. Disponível em: <http://www.revistafundamento.ufop.br/index.php/fundamento /article/view/13/4>. Acesso em: 06/03/2015.

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ENSINO DA FILOSOFIA: UM EXERCÍCIO ANTROPOFÁGICO Thor João de Sousa Veras

"Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. " Oswald de Andrade (Manifesto antropofágo)

Este ensaio é resultado do anseio de se pensar a possibilidade pedagógica da filosofia no ensino médio e o sentido que a minha vivência numa sala de aula me provocou a pensar com olhos livres as infinitas potencialidades dessa experiência educativa nos trópicos. Reuni nessa bricolagem de reflexões algumas incursões conceituais em busca do sentido do ensino da filosofia oriundos da minha prática como observador e docente no terceiro ano "A" do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Santa Catarina, sob supervisão dos professores Sandro Rosa e Daiane Martins, para a disciplina de estágio obrigatório supervisionado, necessária para a conclusão da licenciatura plena em filosofia. Partindo de uma provocação (tupinambá-)nietzschiana de que toda história da filosofia é prova de "uma má compreensão do corpo", detive-me em um recorte filosófico que não se constitui contra o corpo, a despeito dele ou sem ele, mas com ele. Evidenciando que mesmo em Espinosa, ou 79


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depois Gilles Deleuze, e Nietzsche entre os dois, a questão: o que pode o corpo? ainda não foi verdadeiramente explorada. Para trilhar esse percurso, contei com duas inspirações teóricas, uma na contra-história da filosofia, do filósofo hedonista Michel Onfray e outra na antropofagia cultural brasileira, do filósofo original brasileiro, Oswald de Andrade.

1. Onfray e Oswald: um encontro possível Michel Onfray apareceu há alguns anos na cena intelectual da França como um nietzschiano iconoclasta, defensor de um hedonismo atualizado ao tempo presente. Doutor em Filosofia, hoje, é um dos ensaístas mais populares de seu país apontado como continuador da obra de Foucault e Deleuze. Lecionou por 20 anos em um liceu para secundaristas até criar a “Universidade Popular de Caen” em 2002, após demitir-se do sistema de ensino francês1. Onfray elabora um diagnóstico crítico da situação do ensino da filosofia não somente nos liceos secundaristas mas também na forma em que a filosofia era ensinada nas academias. Segundo o pensador francês, o modelo implementado nas instituições educativas de ensino da Filosofia, não está voltada para o filosofar autônomo no sentido kantiano , mas para a reprodução técnica da História da Filosofia , no sentido hegeliano, uma história construída culturalmente por filósofos do Ocidente e permeada por um idealismo que remonta Platão:

1

Em seu afastamento alegou todos os motivos do seu desgosto pelo ensino tradicional: a burocracia, o adestramento no lugar da educação, a disciplina no lugar da instrução, a formatação intelectual e ideológica de indivíduos destinados a servir ao mercado, o conteúdo pobre, o corpo docente triste, sem pathos, desmobilizado pelo desprezo dos alunos. 80


Ensino da filosofia

Assim como se escrevia a história da filosofia apenas do ponto marxista-leninista no Império Soviético, o idealismo europeu que chegou aos trópicos é outro, a historiografia dominante no ocidente liberal é platônica. As histórias da filosofia empenham-se em mostrar a riqueza das variações sobre esse tema idealista. Esquecem que o problema não está na variação mas no eterno refrão do velho serrote musical do tema (ONFRAY, 1990, p. 13).

Não é à toa que o filosófo da matemática Alfred Whitehead escreve em Process and Reality que a mais segura descrição da tradição européia é a de que ela consiste em uma série de anotações a Platão. Ou seja, como professores recémformados, temos como partida uma história única, canônica, objetiva, como referência para consulta no preparo das aulas ao mesmo tempo que nos utilizamos desse mesmo ponto de partida para reproduzir e debater na sala de aula. De acordo com o filósofo do martelo, Nietzsche, essa educação para a Filosofia não seria outra coisa senão o afastamento da própria Filosofia do filosofar primitivo: um filosofar que acontece a partir de suas forças, por meio dos próprios recursos extraídos e cultivados com a vida, pensada com o intuito de exprimi-la numa linguagem e produtiva e criativa, perturbadora de tudo aquilo que a faz sucumbir, fazendo o homem a renunciar a ela. Em consonância com Nietszche, Onfray acredita que a filosofia deve ocupar-se em encarar o corpo por inteiro. Desta forma, os cinco sentidos são recuperados a serviço dos prazeres e elevados à condição pragmática contra a tradição de abandono do corpo no pensamento ocidental. O que pretende Onfray é ir na contra-corrente e pensar uma contra-história onde o corpo seja privilegiado, por isso, escreveu um compêndio pedagógico e didático ao ensino contemporâneo da filosofia, um antimanual que contesta o ensino enciclopédico e 81


Thor João Veras

uma série de seis livros da contra-história da filosofia, de Leucipo até Lyotard. Procedimento similar foi operado pelo escritor e agitador cultural Oswald de Andrade em sua tese para a cadeira de filosofia da USP em 1950 chamada "A crise da filosofia messiânica" onde lança a hipótese de um dualismo na história da filosofia, entre uma cultura messiânica, (transcencente, classista e patriarcal) e uma cultura antropófaga (imanente, sem-classes, matriarcal): Tendi e tendo cada vez mais para uma filosofia que chamo de filosofia da devoração. A vida é devoração pura e só há uma conduta a seguir: o estoicismo. É verdade que outro conceito da existência divide a humanidade. É o conceito messiânico e salvacionista. Os que se enfileiram debaixo dessa bandeira são os que acreditam que há qualquer coisa a salvar dentro deste mundo ou fora dele. O primeiro pensamento é que presidiu a vida das sociedades primitivas tão superiores às sociedades civilizadas. Estas servem-se do messianismo para criar as servidões do corpo e do espírito e as ilusões de toda espécie (ANDRADE, 1970, p.56 ).

Tal projeto fora interrompido pela morte do autor, mas deixou uma vasta influência para outros que pretendem reatualizar e celebrar o conceito de devoração no cenário cultural e acadêmico, a sua importância hoje é expressa na frase contudente de Augusto de Campos: "a antropofagia expressa nas obras de Oswald de Andrade e outros é “a única filosofia original brasileira e, sob alguns aspectos, o mais radical dos movimentos artísticos que produzimos”. Este movimento constituiu-se em uma tendência que se manifestou em vários campos da cultura nacional. Nas artes plásticas com Hélio Oiticica; Glauber Rocha no cinema novo; 82


Ensino da filosofia

Augusto Boal, no Teatro do Oprimido, a música, que tornou mais conhecida, esta tendência contou entre outros, com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Torquato Neto, Capinam, Gal Costa, Nara Leão, maestro Rogério Duprat. Oswald via na visão de mundo antropofágica dos índios brasileiros uma máquina de guerra que se deparava com o projeto ocidental de uma história da filosofia que separou do corpo e da alma, privilegiando esta em função da outra. O filósofo da devoração afirmava que os trópicos apresentou ao europeu, homem filosoficamente vestido, a verdade filosófica do "homem nu", entenda-se, a possibilidade de uma relação nua do homem com a verdade. Uma das declinações desta verdade já se lia na frase lapidar do Manifesto Antropofágo de 1929: "o espírito se recusa a conceber o espírito sem o corpo". A antropofagia, considerada como um ato natural e instintivo de devorar o outro, adentra na minha reflexão como uma noção teórica experimental que pensa a prática filósofica como uma atitude do corpo que devora o outro e o mundo, que processa e transforma o processado, criando novos sentidos, outras possibilidades de reinventar e transformar o mundo, o outro e a si mesmo: (…) pensar o pensamento como algo que, se passa pela cabeça, não nasce nem fica lá; ao contrário, investe e exprime o corpo da cabeça aos pés, e se exterioriza como afeto incorporante: predação metafísica, canibalismo epistêmico, antropofagia política, pulsão de transformação do e no outro. (VIVEIROS DE CASTRO, 2012, p.263)

2. Estágio Docência Em conjunto com o professor supervisor, Sandro Rosa, elaborei um plano de ensino que traçava um crítica à tradição 83


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dualista no pensamento ocidental. Elas eram dirigidas essencialmente a duas correntes: uma socrático-platônica, que busca a verdade antropocêntrica no mundo das ideias, em detrimento das experiências sensíveis, e a outra via cartesiana, que rearticula o dualismo clássico na esfera do individualismo. Nas sextas-feiras pela manhã, no primeiro horário, às 7h30, aconteciam meus encontros com a turma do terceiro ano "A". As aulas consistiam num convite aberto à experimentação de se pensar o corpo como objeto de análise e discussão filósofica e seus desdobramentos práticos na vida de cada aluno. Para essa aventura, Epicuro, Nietzsche, Bataille e Foucault fizeram parte do cardápio dos nossos encontros, suas teorias serviram de ingredientes para debates e discussões em vista da construção filosófica de uma estética de si, ou algo parecido com isso. Desse modo as aulas colocaram em questão como cada pensador elaborou um pensamento crítico sobre o corpo e o seu domínio, através dos desejos, afetos, potências, experiências interiores ou uso dos prazeres e cuidado de si. As aulas seguiam um programa aberto à resposta que cada aula nos dava em retorno da temática do "corpo", os alunos eram o termômetro filosófico para que caminho a experiência conduzia. Diversos poemas, contos, vídeos de longa e curta metragem, programa de televisão foram utilizados para afetar o aluno em algum sentido para propor e criar questões e problemas para serem postos em debate na sala e na vida. O que se aproxima do método utilizado nas aulas foi uma adaptação própria dos passos para o aprender de Paulo Freire, em a Pedagogia do Oprimido, e da pedagogia rizomática do conceito de Sílvio Gallo, com as etapas de sensibilização, problematização, investigação e conceituação. A avaliação seguiu um caminho contrário à verificação por meio de provas múltipla-escolha sobre o assunto. Além dos 84


Ensino da filosofia

debates recorrentes e nas diversas intervenções dos alunos à medida que eram afetados pelo tema, provocados pelos problemas, e instigados pelas investigações, sugeri que eles produzissem um ensaio filosófico sobre uma obra de arte, retirando ali o que tinha de filosófico sobre o tema proposto, um exercício de "inestética": [...] uma relação da filosofia com a arte, que, colocando que a arte é, por si mesma, produtora de verdades, não pretende de maneira alguma torná-la, para a filosofia, um objeto seu. Contra a especulação estética, a inestética descreve os efeitos estritamente intrafilosóficos produzidos pela existência independente de algumas obras de arte (BADIOU, 2012, p.1).

Nos ensaios se encontrava, na forma de escrita de si, a reflexão filósofica dos afetos e a relação das perspectivas deles sobre temas tão recorrentes na vida dos estudantes, como a felicidade, o amor, sexualidades, entre outros. Todos conseguiram traduzir numa escrita oblíqua e não sistemática a relação que a filosofia e certos conceitos possam ser reapropriados no cotidiano deles, em diversas situações, em distintas reflexões com a cultura e as experiências que transpassam suas vivências. O resultado desse trabalho apareceu como uma atividade de encerramento no auditório do colégio, fizemos da última aula um evento artístico, uma "mostra" com a temática de "Corpo: erotismo, sexualidade e gênero." Os alunos produziram poemas, músicas, curtas audiovisuais, clipes de música e críticas culturais. Todos demonstrarem estar em sintonia com as novas descobertas de si e do mundo através da aventura do corpo tão explorada nos nossos encontros. E uma posição mais crítica frente às patologias e preconceitos que a liberdade do corpo enfrenta frente a sociedade. Uma nova forma de se relacionar com o

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mundo e consigo de uma maneira autonôma e não reprodutora de formatos pré-dispostos.

3.

Ensino da Filosofia

Desde meu primeiro encontro com os colegas e supervisores da prática docente deste ano uma pergunta foi posta como desafio e linha condutora da reflexão durante nossa imersão na escola: é possível ensinar filosofia no ensino médio? Se sim, como? Tive boas reflexões e conversas sobre essa problemática no decorrer deste intenso ano. Primeiramente, há de se levar em conta o fato importante de que tive as condições propícias para um ensinar e uma experimentação plena, tive recursos técnicos quando precisei, auxílio de dois professores que me ensinaram muito sobre a prática docente, tive uma turma com uma disposição digna para as atividades e provocações que surgiram, e um colégio com uma comunidade muito integrada e com aparatos pedagógicos disponíveis. Além da experiência oportuna de já ter sido aluno na mesma instituição. De fato, esse não é o retrato da maioria dos alunos de filosofia dos 50 cursos de graduação em licenciatura que a cada ano saem da universidade, por relatos de colegas próximos e de professores que trabalham com a temática da filosofia da educação, as situações são bem adversas, escolas não equipadas, corpos docentes e técnicos não preparados, violência escolar, desinteresse generalizado, entre outros bloqueios de uma convivência e respeito mútuo do ambiente escolar. Portanto, é importante frisar que o laboratório do estagiário forasteiro só se desenvolveu e despertou em mim possibilidades ativas e criativas do ensino, por ter a consciência de que os ambientes de ensino de filosofia no ensino médio no Brasil afora não são ideais para um filosofar enriquecedor da 86


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experiência do aluno. Disso segue-se, respondendo a pergunta inicial, que o ensino da filosofia para estudantes secundaristas é possível e desafiador ao mesmo tempo, mas de modo muito distinto da forma em que se é ensinada a filosofia no ensino superior. Em grande medida, porque acaba-se por ensinar como "se foi ensinado” (CERLETTI, 2009, p.56). Indubitavelmente, a sala de aula te desafia a se reconfigurar completamente no momento em que você se depara com a multiplicidade em jogo e com os limites do ensino acadêmico. Por exemplo, de acordo com o professor Desidério Murcho, uma das primeiras coisas que o professor de filosofia recém-formado descobre com espanto é que o que estudou e aprendeu na faculdade é praticamente irrelevante na sua prática letiva (MURCHO, 2002, p.9). A transposição exata do formato das aulas em que fui ensinado catedraticamente pela maioria dos professores do departamento seria um desastre pedagógico para a realidade de alunos de Ensino Médio. Não pelo fato de que meu aprendizado foi realizado de uma forma errada, creio que para a vivência da pesquisa a universidade dá as ferramentas para a compreensão do conteúdo, seus procedimentos, e sua leitura exegética monográfica, para uma análise erudita do estudante. No entanto, no ensino médio, não estamos formando especificamente pesquisadores. Tampouco estamos lidando somente com a formação de bons e dóceis cidadãos, como o Ministério da Educação sugere em suas recomendações programáticas. A sala de aula, esta pluralidade de seres humanos com trajetórias e histórias, tem que estar aberta às vivências dos alunos e a sua potencialidade criativa de dar sentido nos textos e conceitos à sua vida, não como uma formação moral e cívica, ou mesmo na forma exegética acadêmica, que transforma o texto em um enfadonho fim em si mesmo. É um fenômeno semelhante ao que o sociólogo Pierre Bourdieu relatou sobre o ensino francês da metade do século: 87


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há de um lado aqueles que sustentam que para compreender a literatura ou a filosofia, é suficiente ler os textos. No texto "A coruja na gaiola", o professor de filosofia política Alessandro Pinzani diagnostica a situação da filosofia encontrada em boa parte dos departamentos em que ele passou. Nesse texto ele constata que a filosofia acadêmica praticada nos departamentos de filosofia está imersa numa lógica onde apenas se repete o pensamento de um filósofo de um comentador fechado sobre si mesmo sem que seja possível a abertura a experiência de pensar um problema que afeta a sua vida filosoficamente, isso é a partir da experiência do e com o próprio filosofar. Acontece que o ensino da filosofia herdeiro dessa cultura acadêmica é reproduzido como uma transmissão de conteúdos cujo objetivo é fazer que o aluno acumule o máximo de informações possíveis através de modelos filosóficos, formulados para serem aplicados na resolução de questões. Nas palavras do professor Pinzani, uma espécie de "ensino voltado para o entendimento desses textos clássicos e para a sua reprodução monográfica através do processo de interpretação e arguição conceitual nos artigos produzidos na sua trajetória universitária, isso de acordo com as determinações metodológicas e ideológicas de cada professor"(PINZANI, 2014).2 2

"Quem tentar opor-se a esta lógica; quem achar que a assim chamada comunidade científica não passa de uma manifestação de poder, aliás: do Poder; um lugar de normalização e estrangulamento de todo saber heterodoxo; um instrumento de controle e defesa de privilégios – quem tentar, então, subtrair-se à lei do “publish or perish”, do “publica ou morre” (lembrem-se: Sócrates não escrevia e não quis escrever, achando isto impróprio para um verdadeiro filósofo; foi Platão que tentou normalizar e canonizar o ensino do mestre ao pô-lo por escrito); quem achar que pensar não é simplesmente comentar o que outros pensaram, quem quiser levar a filosofia para as ruas da cidade, talvez já não corra, hoje, o risco de ser executado ou aprisionado, mas corre o risco de outra morte: a morte acadêmica"(PINZANI, 2008, p.3). 88


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A verdade é que há vários diagnósticos na literatura da filosofia da educação brasileira que nos chamam atenção para uma crítica minuciosa da razão acadêmica, quero me deter neste ensaio em alguns aspectos que interagem na formação de professores de filosofia na nossa realidade dos trópicos, por exemplo, a noção de educação bancária de Paulo Freire que se reflete na formação de uma consciência culturalmente dependente em nossa formação cultural; a delinquência acadêmica em função de uma pedagogia burocratizada, analisada por Maurício Tragtenberg; uma filosofia ornamental, segundo o filósofo Roberto Gomes; uma filosofia de papagaio, segundo o filósofo Oswald de Andrade. Esta última crítica, de Oswald, sobre a condição de subalternidade colonial na academia é muito discutida na esfera pública desde 1970, por exemplo, em seu livro "Departamento francês de ultramar" sobre a formação da "cultura filosófica uspiana", Paulo Arantes fala de um "complexo colonial" cujas raízes remontariam a esse momento de formação da disciplina filosófica brasileira. Segundo o pensador uspiano: A filosofia brasileira é o conjunto de publicações brasileiras sobre um assunto tradicionalmente classificado de filosófico pelos bibliotecários. Isso é a filosofia feita no Brasil, e ela não é distinta das demais por ser “brasileira”. Dito isso, nem tudo está dito. A filosofia brasileira não é brasileira, ela é importada (ARANTES, 1987, p. 351).

Ora, se a própria filosofia teve seus primeiros suspiros em terras brasileiras como catequese das missões jesuíticas enviada pela corte portuguesa, e seu ensino, travestido de humanismo artificial, visava uma educação formalista, retórica, baseada na erudição livresca (CARTOLANO, 1985, p.20) creio que essa análise de Paulo Arantes, apesar de exagerada, é muito condizente com a realidade brasileira. 89


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O filósofo francês Jacques Ranciére, em seu livro, O Mestre Ignorante, identifica como causadora dessa reprodução acrítica, uma racionalidade explicadora, defensora de uma lógica em que aquele que explica é detentor dos conhecimentos filosóficos necessários para transmitir um vasto conteúdo e expor sua erudição a aqueles que não o possuem. O professor seria um mediador do livro do filósofo e do aluno. Cabe aos alunos compreenderem esse repasse. A lógica da explicação, comenta Ranciére, como uma política de ensino, silencia no aprendiz seu pensamento pulsante, sua experiência de pensamento, para dar voz aquilo que compreendeu pela explicação do professor. Gilles Deleuze situa essa forma de lógica da explicação na filosofia, um aspecto, de uma filosofia maior, uma filosofia que, quando presa, é refém de imagens dogmáticas do pensamento e está no nível de uma filosofia voltada para a manutenção do poder de suas constantes, universalidade dos conceitos, uso correto da razão, e transmissão de saberes eurocêntricos. No entanto, esse modo de filosofar, não permite a produção da diferença, seja nos pensamentos, nos problemas e soluções. O que sugiro pensarmos para o ensino da filosofia é um deslocamento das práticas formais e disciplinares de ensino da filosofia para um movimento que privilegie a valorização da dimensão estético-expressiva nas práticas pedagógicas, da passividade à ação. É a aposta de um aprendizado ativo, para além da recognição, em um ensino em que seja oportunizado múltiplas experiências de pensamento, que implique um aprendizado criativo e não meramente reprodutivo, em que o estudante não fique condenado a simplesmente assimilar conteúdos, a decorar ideias e sistemas. Se a Filosofia consiste na experiência com o conceito, é importante que o jovem estudante tenha a oportunidade de fazer ele mesmo a experiência do pensamento e não apenas 90


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reproduzir, assim como seria importante que, numa aula de química, por exemplo, o estudante fizesse, ele próprio, a experiência no laboratório, não apenas tomando ciência do resultado no livro didático. Ao propor uma "educação menor nos trópicos" estou atento à necessidade de sairmos deste processo de arremedo, de imitação e de posturas, por vezes exageradamente conciliadoras para com as ideias. Para tal é preciso reabilitar a antropofagia oswaldiana nos dias de hoje, inclusive na educação, para pensar um ensino de resistência contra o que Sílvio Gallo chama dessa educação maior hegemônica da Filosofia da Representação, para que possamos valorizar e encontrar o inusitado, potencializar as multiplicidades e conceber a riqueza da diferença.

4. Educação nos trópicos: pedagogia da devoração Metodologicamente, como proposta de ação, no plano da sala de aula, a filosofia podia muito se inspirar no procedimento do artista plástico Hélio Oiticica, que ao fabricar seu parangolé, suas instalações e performance, levava em conta tudo ao seu redor, valorizando radicalmente nossas experiências, subjetividades, histórias, trajetórias e individualidades. Tudo que está no mundo pode ser meu material, dizia Oiticica, "participador" é o nome que ele designa para aquele que ao interagir a obra de arte decorre também a transformar a obra, passando a fazer assim, parte da autoria. Ou nos termos de Guy Debord, sair da condição de espectador numa sociedade regida pelo fenômeno do espetáculo e tomar a frente ativa no processo pedagógico. A proposta de um ensino antropofágico da filosofia é aposta de uma pedagogia voltada para o acontecimento, um ensino rizomático, onde o aluno não deveria aprender imitando 91


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o outro, neste caso o professor de filosofia, mas inventando nossa própria maneira de nos relacionamos com os signos do pensamento. Vejamos aqui o eco de Nietzsche, a filosofia não lida com verdades, como objetividades, a filosofia deve, sim, estar preocupada com a multiplicidade, com as distintas perspectivas, com os “múltiplos olhos” que podem nos possibilitar um conhecimento mais completo e mais complexo. Na filosofia da educação brasileira, o educador Valdo Barcelos nos mostra que o nosso raro exemplo de exercício antropofágico é o pensador e educador Paulo Freire, sobretudo na sua pedagogia do oprimido e da indignação, que se propõe refletir sobre o processo de colonialismo que se submetem amplos setores da intelectualidade nacional (BARCELOS, 2012, p. 78). De acordo com Freire, as relações de ensinoaprendizagem devem estar permanentemente abertas às questões emergentes da sociedade, dialogando com elas, sem, contudo, abrir mão de suas origens, sua cultura, suas experiências, enfim, seus saberes e fazeres para pensar uma educação que rejeite a condição de opressão do colonizador e, ao mesmo tempo, busque romper com a cultura da subalternidade que o aprisiona. O ensino antropofágico se constitui na linha da pedagogia do conceito reapropriado de Gilles Deleuze pelo pensador brasileiro Sílvio Gallo. Esse modo de aula traz à tona a necessidade de um ensino focado na aprendizagem em que “o foco esteja no processo singular de pensamento de cada um. E para isto não há método” (GALLO, 2007, p. 73). A compreensão moderna da educação tende a centrar na ideia do método e na utopia que se pode mediante o controle do que se ensina, controlar o que alguém aprender, fruto de uma sociedade pedagogizada, com um viés somente explicativo. Pelo contrário, é uma tentativa de abertura do processo do

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ensinar que convida o estudante a aprender, praticando, experimentando o pensamento da natureza filosófica. Nesse sentido, o ensino se constitui de um convite para o pensar. “Cada estudante precisa fazer ele próprio o movimento, ele próprio precisa experimentar o pensamento, entrar no campo problemático e experimentar o pensar por conceitos” (GALLO, 2007, p.75). Um deslocamento possível para essa prática seria pensar uma metodologia antropofágica, ativa e criativa, muito influenciado pelas travessias realizadas por intelectuais que pensam o ensino da filosofia, como Daniel Lins, Tomaz Tadeu, Walter Kohan, Jorge Larossa, entres outros, mas diretamente extraio e configuro um método aberto com a apropriação ressignificante do método de Silvio Gallo e de Paulo Freire, em busca de um processo educativo aberto, ativo e pluriversal.

5. Metodologia Antropofágica (4 etapas/dentadas) (1) Aperitivação Só pensamos quando somos instigados a isso por problemas. Pensar é uma necessidade vital motivada por problemas, portanto os problemas propostos devem ser vividos pelo aluno como problemas seus, que o mobilizam para fazer o movimento de pensamento. Nesta etapa (dentada) é muito produtivo o recurso a filmes, músicas, contos, poemas, programas de televisão. Sobretudo, exibição de filmes com a temática a ser abordada, discutindo em seguida de modo a mostrar a relação daquele tema com a vida dos estudantes. O professor assume uma função de afetar os alunos com a filosofia, na filosofia, para a filosofia. Os professores podem tomar para si a função não de explicação, mas de afetação: deliberadamente escolher elementos e formas de afetar os 93


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alunos para a filosofia, através da filosofia. “Os afectos atravessam o corpo como flechas, são armas de guerra”(DELEUZE,1992, p. 18).

(2) Deglutição/Devoração Aqui nesta etapa, a devoração transforma o tema em problema. Coloca-se em prática o sentido incentivando os alunos a produzirem questões a partir do tema abordado. Quanto mais intensa e múltipla for essa devoração, mais elementos a classe e cada estudante terão para fazer sua própria experiência de pensamento. Os professores de filosofia uruguaios nessa mesma esteira trabalham o ensino filosófico como uma atividade ativa, e já incorporaram no currículo de seu ensino secundário, em torno de problemas filosóficos, e não somente pela história da filosofia. Em torno desses problemas, é possível trabalhar com temas filosóficos, como eu trabalhei a filosofia do corpo, e com uma história da filosofia com seus filósofos e diferentes conceitos, mas isso é tomado como um modo instrumental que permita a compreensão daqueles problemas e, mais do que isso, matéria básica para a criação de conceitos novos para a compreensão subjetiva de cada estudante.

(3) Digestão Trata-se de investigar o problema, aqui se faz uso da história da filosofia, ou no meu caso, a contra-história da filosofia, recorrendo a filosofias que em sua época e em seu contexto pensaram sobre o tema que está sendo abordado. Isso seria um instrumento para os alunos, não um fim em si, para decorar conteúdos. As obras desses filósofos poderiam ser 94


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estudadas para que os estudantes despertassem em si mesmos não o talento para a sua compreensão, mas os germes de sua própria independência teórica, de sua disposição para resistir à cultura da moda ou a cultura oficial e de sua ligação íntima consigo mesmo. Assim, os estudantes poderiam apropriar-se significativamente da obra estudada, tomando-a pelo que possui de viva e de atual, para vivê-la, lançando-se de sua potencialidade de pensar e ser livre, conforme seus próprios instintos, a sua força e capacidade de utilizar a sua própria linguagem para expressá-los e, consequentemente, expressar a própria vida (PAGNI, 2004, p. 226).

(4) Transformação (Sobremesa/Cafézinho) É o momento inventivo e criativo do processo de aprendizagem, onde o estudante recria os conceitos estudados, refazendo eles mesmos o movimento de pensamento que o levou à criação. 6. Conclusão Essas reflexões partiram de muitas dúvidas que perpassaram durante toda minha graduação, que muito sinteticamente pude compartilhar neste texto. Contudo, penso que tais apontamentos ainda prematuros para alguém que inicia a vida acadêmica podem deixar como utopia de um ensino mais democrático e participativo à ser construído nesta trajetória que a Filosofia enfrenta com o seu retorno em peso aos currículos das escolas secundaristas brasil adentro. Como nos lembra Cerletti, não se trata, aqui, de em seguida convidar o estudante a “fazer como” o filósofo, mas sim, de procurar despertá-lo para a possibilidade desse fazer filosófico e lançar um convite para “fazer com” (CERLETTI, 2009, p.41). Ensinar 95


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filosofia de modo ativo, mais do que transmitir a sabedoria, dar o garfo e a faca para que experimentem os problemas criados como mobilizadores e impulsionadores do pensamento. Desse modo, um ensino no plano de imanência, no sentido deleuziano, "antropofágico", contribui para pensar a educação como um espaço de aprendizagem e ressignificação da cultura, que possibilita a convivência com o corpo; que aprofunda a relação do ser no mundo, a reversibilidade dos sentidos e a estesia como campo da experiência sensível e da imputação de sentidos; que convoca a beleza de múltiplas leituras do vivido e que alarga a compreensão de si e do outro. 7. REFERÊNCIAS ANDRADE, Carlos Drummond. Corpo. Rio de Janeiro, Ed. Record. 10ª ed. 1987. ANDRADE, Oswald de. Obras Completas: Do Pau-Brasil à Antropofagia e às Utopias. Manifestos, teses de concursos e ensaios. Rio de Janeiro, Civilização Brasileita, 1970. AMARAL, Tarsila. Abaporu. Pintura óleo sobre tela. Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires (MALBA), Argentina, 1928. ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1989. ARANTES, Paulo. Um departamento francês de ultramar. Ática, São Paulo. 1987. AVER, Gisleine. Das ruas à academia: Por onde anda o filósofo? Dissertação de mestrado, CED/UFSC, 2013. BADIOU, Alain. Pequeno Manual de Inestética. Autêntica, Belo Horizonte, 2012 BARCELOS, Valdo. Uma educação nos trópicos. Petrópolis, ed. Vozes. 2011.

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O “ENSINAR A FILOSOFAR” E O FILOSOFAR SOBRE SEXUALIDADE: UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA A FILOSOFIA ENQUANTO PROCESSO DE CRIAÇÃO CONCEITUAL DE GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI E O CORPO LASCIVO EM MERLEAU-PONTY Diego Luiz Warmling

1. Introdução Logo cedo no curso de licenciatura em filosofia são lançados alguns desafios bastante peculiares no que tange o ensino desta área do conhecimento. A começar por dinâmicas em disciplinas como Organização Escolar, Seminário de Ensino em Filosofia, Metodologia de Ensino de Filosofia1, etc., é durante os Estágios Supervisionados que estes desafios apresentam seu aspecto mais concreto: “é possível ensinar filosofia no ensino médio? Se possível, como isto pode acontecer?”. Diante de provocações como estas, ao licenciando fica por si só evidente como é difícil responder tais perguntas de maneira direta e objetiva2. Assim como os grandes dilemas

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Na intenção de adquirirmos logo cedo um primeiro contato com os desafios da carreira de professor, já nestas disciplinas os professores nos propunham trabalhar com aulas ensaiadas onde, virtualmente, simularíamos as dinâmicas encontradas de uma sala de aula. 2 Observação minha: questões deste nível muitas vezes não passam de puras abstrações e, por isto, exigem sempre um certo grau de parcialidade à quem escolhe respondê-las. Sem, contudo, deixar de me contextualizar, utilizarei desta brecha de subjetividade para mesclar o que venho observando em meu Estágio 101


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inerentes à disciplina, fazer filosofia dentro de sala de aula se constitui, também, num grande problema ao pensamento critico; quiçá um dos maiores! Desta maneira, partindo do que Gilles Deleuze e Félix Guattari dizem sobre a filosofia em O que é a Filosofia?3, num primeiro movimento de articulação deste ensaio, responderei estas questões dizendo que o filosofar é, antes de uma narrativa causal histórica, um processo ativo de construção e desconstrução conceitual. Seguindo este ínterim, tal qual sugere o próprio título, na tentativa de pensar como a temática da sexualidade pode ser/estar inserida dentro de uma aula de filosofia, além de tentar responder questões como as anteriores, a partir do que articula Maurice Merleau-Ponty, proporei-me a responder um último problema: “é possível trabalhar a sexualidade no ensino de filosofia?”. Partindo, portanto, do que podemos entender como um diálogo entre Merleau-Ponty, Deleuze e Guattari, num segundo momento direi, por fim, que a sexualidade se constitui como um tema bastante prolífero a ser trabalhado em aula pois, enquanto movimento de expressão singular compreendido na nossa própria existência, pressupõe uma série de temas paralelos que não só desembocam num processo identificação existencial, como pressupõem uma série de debates com os mais variados campos do conhecimento. 2. Primeira parte: como é possível fazer filosofia no ensino médio De fato, ainda não sabemos se é possível “ensinar filosofia”, muito menos como isto deve acontecer. Não há, como dizem, uma “receita pedagógica” que funcione de Supervisionado com o que proponho e penso sobre o fazer filosofia no ensino médio. 3 DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que e a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. 102


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maneira 100% satisfatória! Neste sentido, acredito que, antes de um “ensinar filosofia”, se possa pensar num “ensinar a filosofar”; num “incitar ao pensamento crítico”; num “fazer filosofia”. Seguindo os passos de Gilles Deleuze e Félix Guattari no livro O que é a Filosofia?, penso no “fazer filosofia” como um processo ativo e constante de criação e recriação conceitual. Para que possamos entender melhor esta inversão, vejamos, então, um pouco mais sobre este “casamento” tão vindouro ao século XX. Enquanto um dos grandes encontros filosóficos do século, num pequeno espaço de tempo a frutífera relação entre Deleuze e Guattari produziu grandes obras como “O AntiÉdipo”(1972) e “O que é a Filosofia?” (1991). Frutos de uma longa, rica e controversa colaboração, os resultados desta união estão principalmente voltados para a valorização das experiências inconstantes daquilo que é vivido individualmente pelos sentidos. Ao primar pela diversidade das singularidades que se constroem no momento presente (no momento da ação), a aliança entre estes dois pensadores surge, portanto, na intenção de axiomatizar uma espécie de engessamento na atividade reflexiva de até então. De acordo com os mesmos, até o momento, todas as possibilidades de abordagem filosófica responderiam não ao modo próprio do fazer filosófico, mas sim a uma relação de linearidade imagética subordinada ao antes e depois dos conceitos produzidos na história (ao longo de uma narrativa causal histórica do pensamento filosófico). Sendo assim, ao evidenciar um conflito entre o modo como concebemos o fazer filosófico e a maneira como ele efetivamente se realiza, para pensarmos o filosofar tal como desejamos (“ensinar a filosofar”), é de vital importância que tenhamos em mente qual é a especificidade da filosofia. Por isto, quando ficamos frente

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a frente com questões tais como as anteriores4, estas perguntas parecem ser satisfatoriamente respondidas à medida que empregamos a filosofia não como uma simples narrativa histórica dos conceitos, mas, como defendem Deleuze & Guatarri, enquanto de um processo ativo de criação conceitual. Desta forma, se em O que é a filosofia? entendermos que não existem conceitos simples e isolados, que todo conceito tem sempre um componente e que este sempre nos remete a uma multiplicidade de outros conceitos, quando preanunciamos uma alternativa ao filosofar, a filosofia propriamente dita fica, pois, implícita num horizonte sui generis peculiar acerca do entendimento sobre o que seria o ato criativo de um filósofo. Guiados por Deleuze & Guattari, criar conceitos é, então, o objetivo da filosofia: O filósofo é amigo do conceito, ele é conceito em potência. Quer dizer que a filosofia não é uma simples arte de formar, de inventar ou de fabricar conceitos, pois os conceitos não são necessariamente formas, achados ou produtos. A filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos. […] Criar conceitos sempre novos, é o objeto da filosofia. É porque o conceito deve ser criado que ele remete ao filósofo como àquele que o tem em potência, ou que tem sua potência e sua competência. [...] Para falar a verdade, as ciências, as artes, as filosofias são igualmente criadoras, mesmo se compete apenas à filosofia criar conceitos no sentido estrito. Os conceitos não nos esperam inteiramente quietos, como corpos celestes. Não há céu para os conceitos. Eles devem ser inventados, fabricados ou, antes, criados (DELEUZE; GUATTARI, 1992. p. 13). 4

A saber: é possível fazer filosofia no ensino médio? Se possível, como isto pode acontecer? 104


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Jamais tratado de forma específica por estes dois pensadores, antes visto a partir de um destacamento conceitual distintivo da filosofia em relação à arte e a ciência, o horizonte ao qual me refiro (o “ensinar a filosofar”) pode, portanto, ser definido como um processo ininterrupto galgado na criação conceitual, dada pela relevância que é facultada à singularidade dos acontecimentos e à busca dos detalhes que se constroem no instante mesmo da ação – no instante mesmo da aula de filosofia. Retomando parte de minhas experiências enquanto professor-estagiário de filosofia no Instituto Federal de Santa Catarina, acredito assim que, conforme o educador se torna consciente das possibilidades que tem para trabalhar a disciplina dentro do espaço escolar, o “ensinar a filosofar”5 traz para dentro de sala de aula o movimento crítico que à filosofia é tão importante: partindo antes muito mais do que os alunos tem a dizer do que do professor propriamente dito, uma aula de filosofia deve ser um espaço de construção, desconstrução e reconstrução dos conceitos produzidos ao longo da história. Antes mesmo de qualquer exegese filosófica apreendida numa linearidade histórica e genealógica, acredito que o “ensinar a filosofar” deve, portanto, ser entendido como um instigar os alunos ao pensamento crítico e dialético. Sendo assim, cabe a mim, enquanto professor, provocar dentro de sala de aula certo estranhamento que, antes de qualquer coisa, viabiliza o debate e discussão entre os estudantes. Explico-me: levando em conta que muitos dos alunos podem não estar interessados no que a filosofia tem a ensinar enquanto narrativa histórica, ao professor de filosofia é acima de tudo imbuída a tarefa de incitar a exposição e o diálogo entre as mais 5

Aqui vale lembrar que este termo “ensinar a filosofar” é aqui entendido implicitamente a partir de Deleuze & Guattari. 105


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diferentes opiniões e pontos de vista. O professor de filosofia deve ser instigador do pensamento crítico e do ato de filosofar.

3. Segunda Parte: é possível trabalhar a sexualidade no ensino de filosofia? Se, como disse, ao professor de filosofia é dado o trabalho de “ensinar o filosofar” e se meu objetivo principal é traçar um panorama para a possibilidade de se trabalhar a sexualidade dentro do ambiente escolar, fica fácil imaginar como isto pode acontecer durante uma aula. Enquanto conceito que, num só tempo, implica vários outros conceitos, a sexualidade traz em si a força que os alunos precisam para refletir e repensar a sua própria existência. A partir de Maurice Merleau-Ponty, façamos então algumas digressões conceituais.

4. Sexualidade e existência em Merleau-Ponty Desde muito jovem o homem já possui condições de sentir ou deixar de sentir sensações agradáveis e desagradáveis junto ao corpo. Desde a mais tenra idade, o contato com pessoas próximas (pais, amigos, parentes, vizinhos, etc.), as carícias, os afagos, as palmadas, os prazeres e os desprezares (tanto físicos quanto afetivos) que a criança experiencia diariamente fazem parte da natureza e do desenvolvimento das mais variadas funções que estarão, desde cedo, em processo ininterrupto de formação. Possuindo um sentido, as atitudes que uma criança tende a reproduzir não são necessariamente causadas por alguém ou algum acontecimento específico, são, antes, fruto de

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toda uma estrutura6 onde ela (a criança) está mergulhada. Sabendo que muitas das nuances dispostas em seu contexto são passíveis de ser apreendidas e que, de certo modo, acabam sendo utilizadas no cotidiano, a percepção de um ambiente agradável entre os pais, o respeito mútuo e a cordialidade que estes empregam entre si, podem, por exemplo, ser aprendidos e expressos como exemplos vivos de respeito para consigo mesmo e para com o outro7. Antes mesmo de toda elaboração lógica e discursiva que a fala pressupõe, vendo o mundo sob o olhar do outro, a criança compreende o sentido humano dos corpos e dos objetos de uso juntamente com o valor significativo que sua estrutura lhe dispõe; adquirindo então certo estilo e certo comportamento que ajudará não apenas a se movimentar, a se expressar e perceber o mundo ao seu redor. Através das trocas de experiências com os outros, no homem vão se construindo desde cedo esquemas comportamentais, perceptivos e expressivos que se entrelaçam, enriquecem e se transformam de acordo com os arranjamentos relacionais que o mundo dispõe. Assim, não só pelo ambiente afetivo, mas também junto às influências dos meios culturais, políticos, educativo, escolares, etc., é que o homem vê em si o amadurecimento 6

Partindo de Merleau-Ponty, para este artigo compreenderemos por “estrutura” um organismo cuja unidade exprime sempre uma determinada conduta diante de um mundo próprio à espécie e que, direta ou indiretamente, determina a ação de um sujeito onde cada um de seus movimentos no mundo não podem ser compreendidos separadamente, pois cada um destes elementos estão subsumidos na unidade do seu próprio comportamento. De modo bastante geral, esta noção de estrutura compreende um organismo que se forma de maneira espontânea antes mesmo que o homem se dê conta sua individuação enquanto sujeito. 7 Aqui vale salientar que isto não ocorre de maneira necessária. Não são raros os casos onde, mesmo inserida num contexto totalmente desfavorável, a criança (pessoa) não deixa de interagir com os colegas de maneira extremamente respeitosa e cordial. 107


Diego Luiz Warmling

gradual/constituinte para a base do erotismo e de toda a capacidade de viver intimamente a sexualidade com o outro. Por conseguinte, ao vislumbrar o tema da sexualidade como uma perspectiva de controvérsias filosóficas dentro do ambiente escolar (sala de aula), vejo-me, portanto, enredado por algumas acepções da envolvente obra de Maurice Merleau-Ponty. Penso, portanto, que se fazem necessários alguns apontamentos acerca dos projetos deste autor. Para Maurice Merleau-Ponty, nossa relação com o mundo está incluída na relação do corpo consigo mesmo. No entanto, este (corpo) só é compreendido a partir da relação que estabelece com outros corpos. Neste sentido, é preciso passar considerar uma atmosfera que, para além de uma experiência para mim, evidencie nossa relação com o mundo sem apresentar-se como independente da infraestrutura existencial humana: nossa atmosfera sexual e afetiva. É preciso considerar a afetividade e a sexualidade como partes constituintes do nosso trato com o mundo. Se queremos evidenciar a gênese do ser, é, portanto, preciso considerá-las como parte de nossa experiência que só tem sentido e realidade para nós. Com efeito, para Merleau-Ponty, “nossa meta constante é pôr em evidência a função primordial pela qual fazemos existir para nós, pela qual assumimos o espaço, o objeto ou o instrumento e descrever o corpo enquanto lugar desta apropriação” (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 213). Devemos procurar ver como os objetos se põem para nós pelo desejo ou pelo amor, e só então compreenderemos como as coisas podem em geral ser ou existir. Entre o automatismo (empirismo) e a pura representação (intelectualismo)8, as coisas

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Trata-se de considerar a sexualidade tanto como um mosaico de sensações que não se compreendem e só se explicam por um esquematismo corporal, quanto de dizer que, atravessadas por um intelecto, simples representações podem deslocar nossos estímulos e constituir valores que a principio não 108


O “ensinar a filosofar”

são, portanto, apreendidas na mesma medida que o horizonte dos nossos desejos e emoções nos permite. Seguindo neste ínterim, as analises feitas por MerleauPonty em “O corpo como ser sexuado” logo mostram experiências outras que as “normais”. É revelando às teorias clássicas seus próprios limites que a sexualidade introduz modos de ser diferentes da “normalidade”. Sendo assim, somos levados a admitir uma zona vital onde se compõem as possibilidades sexuais em cada pessoa: imanente à vida sexual, é preciso pois que se considere, na própria existência, uma EROS ou LIBIDO capazes de animar um mundo original, dar significação sexual aos estímulos exteriores e esboçar o uso que cada sujeito fará de seu corpo. É preciso, portanto, considerar uma “função primordial” onde o corpo não é mais um objeto qualquer, mas uma estrutura subtendida a um esquema sexual bastante particular. A percepção erótica se faz no mundo, não numa consciência laborativa. O sujeito possui em si uma compreensão que “não é da ordem do entendimento”, mas que, enquanto o desejo, busca cegamente outro corpo. Para Merleau-Ponty, a vida sexual não é somente o genital ou o instintivo, é, antes, o poder que o sujeito tem de aderir e fixarse em múltiplos ambientes e experiências – de adquirir estruturas de conduta. Enquanto significação privilegiada que atravessa o movimento espontâneo da nossa existência, a sexualidade é, então, vista como um dos modos pelos quais, espontaneamente, o sujeito erige sua própria história e toma posse do meio. A questão da sexualidade assume, então, um lugar diferenciado a partir de Merleau-Ponty: uma intencionalidade ambígua que se dilui na própria existência humana e que, num só tempo, evidencia a maneira geral pela qual o ser ontológico tem relação aparente com nossos prazeres e dores naturais (MERLEAUPONTY, 2011). 109


Diego Luiz Warmling

se relaciona com as coisas. Para o filósofo, não se estabelece entre corpo, existência e sexualidade uma relação hierárquica, tudo está pressuposto mutuamente. Sendo assim, sem necessariamente ser objeto de uma consciência deliberativa, a sexualidade não é nem transcendência da vida humana, nem imagem de suas representações inconscientes. Constantemente presente como uma atmosfera ambígua, da região onde habita (corpo), é coextensiva à vida. Assim como as outras modalidades do ser-no-mundo (dentre elas podemos citar as esferas politica, artística, religiosa, etc.), a sexualidade interage com a forma geral da existência humana e, numa espécie de dialogo entre o que o EU se projeta enquanto sujeito e o que ELE entende do outro enquanto objeto, constrói o que podemos entender como nossa história pessoal (historicidade). Desta forma, a sexualidade deve ser entendida como um movimento expressivo e singular na relação entre meu corpo próprio e o mundo. Contrario a qualquer determinismo cientifico, para Merleau-Ponty o homem é uma função viva que, enquanto totalidade, é também uma ideia histórica (conceito). Sendo assim, é impossível separar o sexual do não-sexual, pois a sexualidade não é nem fechada em si mesma, nem mais que ela mesma; ela é nosso ser por inteiro. Indicando, pois, uma independência em relação aos fatores fisiológicos, nossa vida sexual não seria necessariamente uma decisão racionalizada, antes um gesto repleto de significação existencial onde, na relação com os outros corpos, o modo de ser no mundo se revela para sua própria existência. É a sexualidade quem faz com que o homem tenha uma história; uma maneira especifica de ser.

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O “ensinar a filosofar”

5. Considerações finais: Se retomarmos algumas das asserções expostas até o momento, na medida em que atinge a formação do sujeito como um todo, logo percebemos que trabalhar temas como a sexualidade dentro de sala de aula é, em verdade, muito prolífero. Conforme o educador toma consciência do amálgama de possibilidades para se trabalhar o “filosofar” dentro de sala de aula, quando este dispõe seus alunos de maneira que se abram para repensar as atitudes em relação àqueles que no cotidiano são coparticipantes da própria existência, tal tema (sexualidade) adquire uma importância muito grande, pois, enquanto conceito a ser debatido, implica uma multiplicidade de tantos outras contingências – afetividade, carinho, desejo, prazer, percepção, corpo, bem querer, comunicação, valores morais, ética, saúde, pluralidades culturais, etc., são bons exemplos disto. Deste modo, dado que a filosofia é um processo ativo de construção e desconstrução conceitual, no que tange a sexualidade, os alunos não só se veem aprioristicamente embebidos de questionamentos que podem desembocar num processo de identificação existencial, como são levados a reconhecer que tal temática precisa ser discutida e dialogada em comum acordo com as mais heterogêneas disciplinas do conhecimento9. Assim como os debates sobre uso de drogas, direitos civis e outros tantos temas transversais que aos poucos estão sendo reintroduzidos dentro do ambiente escolar, a questão da sexualidade impõe-se como 9

A partir de recortes de manuais como o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) ou o CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), de documentários disponíveis na internet e até mesmo da própria filosofia de Merleau-Ponty, estas foram algumas reflexões que tentei trabalhar durante minha aula. 111


Diego Luiz Warmling

um tema bastante importante a ser discutido dentro de um plano de ensino de filosofia. Retomando parte de minha experiências enquanto “professor-estagiário”, a meu ver, ao contrário de tantas outras disciplinas, uma aula de filosofia não busca trabalhar com conceitos cristalinos e imediatos; sempre visando o debate entre as mais diferentes opiniões e pontos de vista, trabalha a todo instante com a possibilidade de se repensar a sociedade como um todo. Sendo assim, enquanto frutos de uma formação repressora onde ainda perduram ideias bastante conservadoras relacionadas ao sexo, questionamentos tais como: “o que vocês entendem por relações afetivas?”, “existe, de fato, o que podemos entender por uma sexualidade normal? Se existe, o que pode ser definido como tal?”, são dotados de tão ampla relevância que professores e alunos são levados a admitir que a sala de aula é, de fato, uma possibilidade viva para se discutir um tema que, de tão visceral, acaba metamorfoseando não só um indivíduo, mas toda uma sociedade. Partindo de minhas experiências em sala de aula durante os Estágios Supervisionados de Ensino de Filosofia, concluo enfim dizendo que a questão da sexualidade põe-se como um projeto em aberto e muito vindouro para dentro do ambiente escolar. Não só no que diz respeito ao ensino de disciplinas como História, Biologia, Química, etc., mas principalmente no que tange o “fazer filosofia”, não é um conceito fechado em si mesmo, põe-se, antes, como um leque aberto de possibilidades para o pensamento crítico e para o filosofar propriamente dito.

6. REFERÊNCIAS CARMO, Paulo Sergio do. Merleau-Ponty: uma introdução. São Paulo (SP): EDUC, 2002. 112


O “ensinar a filosofar”

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. O que e a filosofia ? Rio de Janeiro: Editora 34,1992. FERRAZ, Marcus Sacrini Ayres. O transcendental e o existente em Merleau-Ponty. São Paulo (SP): Associação Editorial Humanitas, 2006. FIGUEIRÓ, Mary Neide Damico (org.). Educação sexual: múltiplos temas, compromisso comum. Paraná: UEL – Londrina, 2009. Em <http://www.cepac.org.br/blog/wpcontent/uploads/2011/07/Ed ucacao_Sexual_Multiplos_Temas.pdf > Acesso em 08/05/2013. GALLINA, Simone. O Ensino de filosofia e a criação de conceitos. Caderno Cedes, Campinas, vol. 24, nº 64, p. 359371, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v24n64/22836.pdf>. Acesso em 11/05/2013. GALLO, Silvio. A Filosofia e seu ensino: conceito e transversalidade. Revista Ethica. Rio de Janeiro, v.13, n.1, p.17-35, 2006. Disponível em: http://www.revistaethica.com.br/v13n1Artigo1.pdf. GILES, Thomas Ransom. Crítica fenomenológica da psicologia experimental em Merleau-Ponty. Petrópolis: Vozes, 1979. KHOURI, M. M. E. Rizoma e Educação: Contribuições de Deleuze e Guattari. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA SOCIAL: FRONTEIRAS E CONFLITOS, XV., 2009. Alagoas. Anais. Maceió: ABRAPSO, 2009. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo (SP): Martins Fontes, 1994. SOARES, Jurandir Goulart; BARBOSA, Salvador Leandro. O que é Filosofia? Da criação conceitual ao aprender. Rio Grande do Sul: UFSM – Santa Maria. Em <http://coral.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/016e1.pdf > Acesso em 12/05/2013. 113



OS DESAFIOS DO ENSINO DE FILOSOFIA PARA O ENSINO MÉDIO Michelle Ramunno Monteiro Como futuros professores de Filosofia, nada mais pertinente do que tomarmos conhecimento de como são ministradas aulas desta disciplina para alunos do ensino médio, observando a postura pedagógica e métodos de ensino dos professores já atuantes, conhecendo também os desafios da atividade de docência. Tendo em perspectiva que a atividade pedagógicofilosófica não se trata somente de transmitir informações ou conceitos, mas também de incitar a reflexão acerca das questões universais que a Filosofia aponta, desenvolvendo a análise crítica dos alunos, mostrou-se que uma estratégia pedagógica adequada à natureza do saber filosófico é pautar o plano de ensino de filosofia em três aspectos: problematizar, conceituar e argumentar. Sob este prisma, é premente que a aula de Filosofia não esteja voltada somente à transmissão de conceitos, mas um convite à atividade reflexiva e ao diálogo, no entanto, sem que negligenciemos as teorias filosóficas que já foram formuladas, mas dando também importância ao desenvolvimento da capacidade de elaboração do pensamento crítico e do processo argumentativo do aluno. Essa abertura à problematização não implica que abandonemos o estudo da história da Filosofia, mas que partamos, a partir do que já foi pensado, rumo a novas possibilidades de abordar determinadas questões, adaptadas a nossos problemas contemporâneos, com a intenção de despertar nos alunos a percepção de que os problemas filosóficos permeiam também sua realidade, para que assim logremos atingir a sensibilização e o consequente interesse 115


Michelle Ramunno Monteiro

para os temas trabalhados em sala de aula, a meu ver, o maior desafio que encontramos como educadores, posto que para o que não se tem interesse, a aprendizagem é muito mais árdua. Os temas filosóficos parecem despertar maior interesse quando a aula é aberta ao diálogo, e, portanto, quando os alunos são ouvidos e podem ouvir-se, como o método socrático propõe – que se dê luz à verdade que já está em cada um, e que se obtenha, a partir do diálogo, algum conceito, ou até mesmo alguma quebra de um conceito. O saber filosófico nunca é estático, é sempre passível de evolução, pois como dizia Heráclito, não se pode entrar duas vezes em um mesmo rio. Talvez não se possa discutir um mesmo problema filosófico repetidas vezes sem que se tenha alguma nova visão sobre ele. De outra forma, não seria um problema filosófico, mas um dogma. E assim também, a cada classe, em sua singularidade ímpar, e em cada aula, como professores, devemos adaptar-nos constantemente para que os métodos sejam os mais adequados possíveis para alcançarmos nossos objetivos pedagógicos, tendo sempre como objetivo último que o amor pelo conhecimento, a origem do significado do termo Filosofia, possa encontrar espaço para desenvolver-se em jovens e inquietas mentes. O primeiro obstáculo, apontado frequentemente nos textos acerca do ensino de Filosofia para o ensino médio, é a falta de interesse dos alunos pela Filosofia, já que esta nem é ainda disciplina de vestibular (somente em raras exceções), e geralmente a motivação maior para os estudos seriam os benefícios práticos que advirão destes, e não uma legítima impulsão para o conhecimento, como seria desejável. Mas será que de fato os alunos do ensino médio não têm interesses filosóficos?

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Os desafios do ensino

A filósofa e pedagoga Lídia Maria Rodrigo, na obra “Filosofia em sala de aula” – teoria e prática para o ensino médio, apontou, a este respeito, que: O desinteresse pelas aulas de filosofia deriva, em boa parte, da falta de compreensão dos conteúdos ou do fato de que, muitas vezes, o estudante não consegue encontrar significação nesses conhecimentos. O professor pode ter certa cota de responsabilidade nisso, se os procedimentos de ensino que adota contribuem para alimentar o desinteresse e a indiferença (RODRIGO, 2014, p. 37).

Sabemos que grande parte das obras filosóficas, com seus termos rebuscados e eruditos, figura para a maioria dos jovens alunos do ensino médio como uma leitura pesarosa e pouco atraente. Temos apostilas para o ensino de Filosofia para o ensino médio que pode servir-nos como guia cronológico e oferecer aos alunos breves resumos de quase tudo em termos de história da filosofia ocidental, porém, assim ensinada, a Filosofia em nada difere das demais disciplinas, e somente focar-se na transmissão de conceitos seria um tanto quanto anti-filosófico. No entanto, com a natural dispersão dos alunos quando eles não têm que se ater a conteúdos e avaliações, e com a disputa desumana pela atenção dos mesmos com seus celulares com mil atrativos, faz-se necessário pensar em formas de oferecer conteúdos, oferecer a possibilidade de reflexão filosófica em sala se aula, e entreter os alunos, sensibilizandoos para as questões que estarão em pauta. No intuito de fazer com que, como ponto de partida, os próprios alunos reconheçam que possuem intrinsecamente interesses filosóficos, para, a partir de tais interesses, planejar os conteúdos, elaborei um questionário, e o distribuí aos alunos de uma primeira série do ensino médio, sala na qual exerci meu 117


Michelle Ramunno Monteiro

estágio de ensino. Como se pode observar no quadro abaixo, o questionário procurou investigar perfis e áreas de interesse dos alunos, para um posterior estudo sobre as melhores formas de abordagem de temas filosóficos com aproximação aos temas de interesse apontados em tal pesquisa.

QUESTIONÁRIO PROPOSTO AOS FILOSOFIA DO ENSINO MÉDIO

ALUNOS

DE

NOME: IDADE: SÉRIE: 1. QUAIS AS DISCIPLINAS QUE MAIS LHE INTERESSAM? 2. QUAIS AS DISCIPLINAS QUE MENOS LHE INTERESSAM? 3. VOCÊ JÁ SABE QUE PROFISSÃO QUER SEGUIR? SE SIM, QUAL? 4. TEM O HÁBITO DE LER? 5. QUAL A SUA MAIOR DIFICULDADE QUANDO LÊ UM TEXTO? ENTRE OS TEMAS ABAIXO, ASSINALE OS QUE MAIS LHE INTERESSAM, AS QUESTÕES QUE MAIS DESPERTAM SUA CURIOSIDADE, OU PREOCUPACÃO, OU TEMAS QUE VOCÊ COSTUMA PENSAR A RESPEITO COM CERTA FREQUÊNCIA:

( )O que é o amor? ( )Qual o sentido da vida? ( ) O que é a felicidade? ( )Religião ( )Sucesso 118

( )Existe destino? ( ) O por quê da desigualdade no mundo. ( )Leis da natureza. ( )Deus


Os desafios do ensino

( ) Liberdade ( )Arte ( )Beleza ( ) Paixão ( ) Direitos humanos ( )Pena de morte ( )Prisão ( ) Crime ( )Violência ( )Direitos dos animais ( )Desejo ( ) Família ( )Maneira correta de agir. ( )Poder ( ) Auto-controle ( ) Solução para problemas no mundo.

( )A natureza humana é boa ou má? ( ) Existe “natureza humana”? ( )Morte. ( )Conhecimento. ( )A questão do sofrimento humano. ( ) Prazeres ( ) Vícios ( ) Preocupações acerca de seu próprio futuro. ( ) Ambições materiais ( ) Fama ( ) Sexo oposto ( )Igualdade entre homens e mulheres. ( )Preconceito ( ) Outro (s) – Qual (is)?

OS FILOSÓFOS, AO LONGO DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE, REFLETIRAM SOBRE MUITOS DOS TEMAS ACIMA. ESCREVA ABAIXO 5 DENTRE ESTES TEMAS /ASSUNTOS QUE VOCÊ GOSTARIA DE ESTUDAR FILOSOFICAMENTE (OU ESCOLHA SEUS PRÓPRIOS TEMAS, DEVEM SER PELO MENOS 5!).

Este questionário foi respondido por 24 alunos, sendo eles 11 meninos e 13 meninas, da primeira série do ensino 119


Michelle Ramunno Monteiro

médio, no Colégio de Aplicação. Entre os meninos, os principais temas de interesse foram: morte, seguida da questão do sentido da vida, vícios, prazeres, Deus, religião, poder, se existe destino e liberdade; já entre as meninas, embora o primeiro lugar em tema de interesse também seja a morte, o segundo tema mais citado foi autocontrole, seguido da questão quanto ao sentido da vida, direito dos animais, preconceito e igualdade de gêneros. Numa visão geral, portanto, na somatória dos temas de interesse escolhidos pelos alunos, o principal tema de interesse foi a questão da morte, escolhido por 18 alunos dentre os 24, seguida da questão do sentido da vida, escolhida por 17 alunos. A relevância deste tipo de pesquisa é o quanto pode auxiliar em uma abordagem filosófica destas questões, que já despertam um prévio interesse nos alunos, e a possibilidade de utilizar tais temas como guias para o trabalho com conteúdos filosóficos. Por exemplo, para aprofundarmos o tema da morte, podemos estudar em sala de aula a obra platônica Apologia de Sócrates. Além de na referida obra haver um belo questionamento de Sócrates em relação à morte, tal aula possibilitaria, além do debate do tema que se apresenta como principal, dar aos alunos o conhecimento de quem foi Sócrates, quem foi Platão, o contexto filosófico de então, bem como o julgamento e condenação do filósofo que dividiu a filosofia em antes e depois dele. Tudo isso a partir de um tema de estudos que os próprios alunos escolheram. Podemos também, ainda acerca da temática da morte e do sentido da vida, trabalharmos a filosofia platônica, o Mito de Er, e a teoria da imortalidade da alma, para contrapô-la com outras teorias. O tema do autocontrole, por exemplo, também abre espaço de estudo e debate acerca da mediania aristotélica, do imperativo categórico kantiano, ou tantas outras filosofias que ocuparamse que questões éticas. 120


Os desafios do ensino

Enfim, desta forma o ensino seria pautado em um interesse prévio dos alunos nas temáticas abordadas, e a partir de preocupações reais, a partir de temas filosóficos contemporâneos e universais, iniciaríamos nossa viagem rumo à história da Filosofia.

O interesse pela reflexão filosófica, assim como por qualquer outro assunto, só poderá ser despertado se os conteúdos se revelarem significativos para o sujeito da aprendizagem, quer dizer, além de serem objetivamente significativos, eles devem sê-lo também subjetivamente, inscrevendo-se num horizonte pessoal de experiências, conhecimentos e valores. Essa significação subjetiva ganha corpo quando o sujeito consegue relacionar um novo conhecimento com aqueles que já fazem parte de sua estrutura cognitiva, ou seja, quando o ato de conhecimento tem condições de configurarse, em alguma medida, como um ato de reconhecimento. [...] A História da Filosofia ganha novo sentido quando, em lugar de apresentar-se como uma crônica do passado, passa a ser solicitada por interrogações postas no presente. A referência aos autores não constitui mera erudição ou um conhecimento pelo conhecimento, mas um recurso precioso e indispensável para pensar as questões da contemporaneidade (RODRIGO, 2014, p.38,51).

Tendo em vista a aparente insuficiência do ensino de Filosofia centralizado somente no eixo histórico, o filósofo e pedagogo Sílvio Gallo nos indica no texto “Chegou a hora da Filosofia”, da Revista Educação, a tendência atual para os 121


Michelle Ramunno Monteiro

outros eixos possíveis: o temático, onde há escolha do estudo de temas de natureza filosófica, como liberdade, morte, etc., sendo estes temas universais, portanto, mais fáceis de chegarem próximos à realidade do aluno, e, portanto, despertar-lhe o interesse que o instigue a atividade do pensamento crítico, e o eixo problemático, que estrutura suas aulas na organização dos conteúdos em torno dos problemas tratados pela Filosofia, porém com o apoio dos textos filosóficos, e abordagem histórica para discussão dos temas propostos - a partir de um tema, o professor convida os alunos a refletirem acerca de uma questão filosófica, abre a discussão a respeito, mas não se limita somente ao debate, mas usa-o como gancho para apresentar textos que já versaram sobre a questão que está sendo aprofundada, ou mesmo sobre filósofos que já dedicaram-se aos problemas filosóficos apresentados aos alunos. Conhecer a história da filosofia é substancial ao exercício do filosofar, mas atividade reflexiva é o filosofar em si. Na prática de ensino, não devem ser tomadas como caminhos opostos, mas como parte de um mesmo caminho. A organização do conhecimento é fundamental para que o aluno organize o próprio pensamento, e possa ter parâmetros de comparação, essa também atividade interpretativa, de reflexão e discernimento, e, portanto, do pensamento. Na comparação existe crítica, portanto comparar também é pensar acerca de algo. E qualquer comparação só pode ser feita tendo conhecimento de mais de um lado de uma questão, de um fato, de uma idéia. Logo, não pode ser abolido o ensino históricofilosófico, mas a tendência atual é que o ensino seja históricofilosófico-reflexivo, sendo o diálogo crítico com a tradição também é uma forma de filosofar. Outro aspecto interessante demonstrado pelo questionário respondido pelos alunos é que, independente da idade ou experiência de vida, é próprio da natureza humana 122


Os desafios do ensino

questionar-se acerca de temas fundamentais – e o interesse pela temática da morte é na verdade a própria inquietação e curiosidade acerca do sentido da vida, pois são temas cuja significação sempre estará entrelaçada. Jovens são seres que contam poucos anos vivenciais, sendo o estado de juventude passageiro, porém a condição humana é o atributo essencial de que participam – o que pretendo ressaltar com tal afirmação é que não me parece correto subestimar suas inclinações, julgando-as pueris e sem profundidade, só porque possuem pouca idade, mas reconhecer a mesma humanidade à procura de respostas que há em todos nós. Com o ensino de Filosofia, é certo que não devemos pretender fornecer respostas, ou espalhar verdades, mas aproximá-los do pensamento de outros que, ainda que distantes por séculos e séculos, e milhas e milhas, tinham as mesmas inquietações, voltavam-se para os mesmos problemas, pois a natureza pungente das questões filosóficas é a universalidade. E desse diálogo entre o passado e o presente, que surja a verdade de cada indivíduo, e que seu pensamento possa ser alimentado pela sabedoria reconhecida naqueles que nos antecederam, e na sabedoria do espírito, o que usualmente chamamos consciência. REFERÊNCIAS GALLO, Sílvio. Chegou a hora da Filosofia. Revista Educação. Ed. 116. Disponível em <http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=12008>. Acesso em 30 jun. 2014. SOUZA, S. M. R. A filosofia no Ensino Médio: uma releitura a partir dos PCNs. In: CORNELLI, G.; DANELON, M.; GALLO, S. (org.). Ensino de filosofia: teoria e prática. Ijuí: Unijuí, 2004. HORN, Geraldo Balduino. Ensinar filosofia: pressupostos teóricos e metodológicos. Ijuí: Unijuí, 2009. 123


Michelle Ramunno Monteiro

RODRIGO, Lídia Maria. Filosofia em sala de aula – teoria e prática para o ensino médio. Campinas, SP: Autores Associados, 2014.

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SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO Guilherme Damin Bortoli

Introdução

É estranho que em nosso tempo a filosofia não seja, até para gente inteligente, mais do que um nome vão e fantástico, sem utilidade nem valor, na teoria como na prática. Creio que isso se deve aos raciocínios capciosos e embrulhados com que lhe atopetaram o caminho. Faz-se muito mal em a pintar como inacessível aos jovens, e em lhe emprestar uma fisionomia severa, carrancuda e temível. Quem lhe pôs tal máscara falsa, lívida, hedionda? Pois não há nada mais alegre, mais vivo e diria quase mais divertido (MONTAGNE, Ensaios, p.86).

Para pensar a atividade do professor de filosofia no ensino médio será analisado em um primeiro momento o entorno no qual a educação esta envolvida: aluno, escola e sociedade. A partir desta análise serão expostas algumas ideias a respeito da prática docente, tendo como referência prática o Estágio de docência realizado no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) no ano de 2014.

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Guilherme Damin Bortoli

1. Aspectos referentes ao entorno Primeiramente temos que ter em conta que um aluno nunca é "tabula rasa"1. Eles trazem para a sala a realidade em que vivem, seus anseios, suas crenças, experiências e valores. Há de se ter em conta também que, em geral, os alunos de ensino médio têm idade entre 15 e 18 anos, e, por isso, estão em uma fase de descobertas, inclusive de si mesmos. É um período em que procuram pôr afirmação nos seus meios sociais e seguramente isto aparece nas salas de aula. Cabe ao professor lidar com esta situação e procurar estabelecer um ambiente propício para o desenvolvimento da aula em que todos possam sentir-se livres para expressar-se e expor opiniões e anseios. Penso que a filosofia tem uma peculiaridade quanto ao "movimento" necessário para sua prática. Entendo que o essencial para o exercício da filosofia é um movimento em direção a si mesmo na medida em que em última instância estamos tratando de pensar a respeito de nossas convicções. Na adolescência em geral, parece que os jovens preferem o "movimento" oposto a este referido, em direção ao mundo que parece lhes agradar mais. O IFSC especificamente, por ser uma instituição de ensino de excelência, seleciona seus alunos através de um concorrido exame de seleção. Os reflexos desta seleção, obviamente, podem ser percebidos em sala de aula. Em geral, os alunos demonstram-se interessados para o aprendizado e são muito bem articulados para expor suas convicções, alguns já com muita bagagem literária e filosófica. Esta especificidade do Instituto é muito positiva para o exercício da filosofia uma 1

CERLETTI, Alejandro A. Ensinar Filosofia: da pergunta filosófica à proposta metodológica. In: KOHAN, Walter (org). Filosofia: Caminhos para seu ensino. RJ. Lamparina, 2008.

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Sobre o ensino de filosofia

vez que, além dos alunos trazerem boas contribuições para o debate também fazerem bons questionamentos o que acaba por instituir um processo colaborativo entre alunos e professor em sala de aula. Com relação à escola, é preciso observar que está sob o regimento de autoridades educativas que estabelecem as diretrizes para o ensino, bem como os programas curriculares das disciplinas que devem ser respeitadas pelo professor. Entendo, entretanto, que tais conteúdos determinados não são por si só, nem garantia, nem impedimento para que haja o ensino de Filosofia dado que qualquer conteúdo prescrito vai ter de ser atualizado filosoficamente pelo professor2. Quanto ao processo educativo como um todo, entendo que a escola e a educação em geral, estão vivendo uma crise. A escola tem a postura de uma instituição que parece já não se adequar as demandas dos alunos. Paula Sibilia (2012) faz uma análise muito significativa desta crise e chama a atenção para o fato de que a escola, no passado, fora pensada para atingir certos objetivos que atualmente já não são os mesmos: Os fatores que levaram a essa situação (de crise) são inúmeros e extremamente complexos, mas uma via para compreender os motivos desse mal-estar seria pensar a instituição escolar como uma tecnologia – quer dizer, como um dispositivo, como uma ferramenta ou um intricado artefato destinado a produzir algo. E, portanto, é uma tecnologia de época: um aparelho historicamente configurado. A partir dessa perspectiva, não custa verificar que tal maquinaria parece estar se tornando gradativamente incompatível com os corpos e 2

CERLETTI, Alejandro A. Ensinar Filosofia: da pergunta filosófica à proposta metodológica. In: KOHAN, Walter (org). Filosofia: Caminhos para seu ensino. RJ. Lamparina, 2008. 127


Guilherme Damin Bortoli

as subjetividades das crianças de hoje. A escola seria, então, uma máquina antiquada; e, por isso, seus componentes e seu funcionamento são cada vez mais conflitantes com nossos jovens (SIBILIA, 2012, p. 197).

Esta incompatibilidade descrita por Sibilia pôde ser percebida no decorrer das aulas de filosofia no IFSC especialmente quando o professor, num momento mais expositivo da aula, procura apresentar a argumentação de determinado filósofo. Parece que os alunos não dispõem de paciência para acompanhar o argumento e acabam dispersando a atenção facilmente. Observou-se que o IFSC tem a educação claramente direcionada para o ensino técnico. Neste sentido as disciplinas da área das humanas parecem receber menor atenção dos alunos em comparação das ciências naturais. Entendo que, de maneira geral, isto ocorre porque a atividade teórica tem sua importância encoberta pelas ciências práticas uma vez que os resultados desta demonstram-se mais evidentes e imediatos. Entretanto há de se exaltar a imanência da atividade teórica, uma vez que a forma com que se pensa o que se faz afeta diretamente a forma com que se faz. Nesse sentido, faz-se necessário situar a filosofia e esclarecer a sua importância. Epicuro, filósofo grego do período helenístico, entende que a filosofia é algo essencial para todos os homens e, neste sentido sua utilidade estaria em ajudar os homens a terem uma vida feliz. A filosofia é compreendida como a terapia que procura cuidar da saúde da alma e seu propósito é que os indivíduos, de maneira racional, possam se libertar do sofrimento, o que lhes permitirá atingir o verdadeiro prazer, identificado com a felicidade. Que nenhum jovem adie o estudo da filosofia, e que nenhum velho se canse dela; pois nunca é 128


Sobre o ensino de filosofia

demasiado cedo nem demasiado tarde para cuidar do bem-estar da alma. O homem que diz que o tempo para este estudo ainda não chegou ou já passou é como o homem que diz que é demasiado cedo ou demasiado tarde para a felicidade. Logo, tanto o jovem como o velho devem estudar filosofia, o primeiro para que à medida que envelhece possa mesmo assim manter a felicidade da juventude nas suas memórias agradáveis do passado, o último para que apesar de ser velho possa ao mesmo tempo ser jovem em virtude da sua intrepidez perante o futuro. Temos, portanto, de estudar o meio de assegurar a felicidade, visto que se a tivermos, temos tudo, mas se não a tivermos, fazemos tudo para a obter (EPICURO, Carta a Meneceu).

Para Epicuro a filosofia se justifica porque, em última instância, pensa a respeito da postura que se escolhe tomar diante da realidade e, esta por sua vez é determinante para que possamos ter uma vida feliz. Penso que a filosofia é de suma importância no processo educativo à medida que este deve ser compreendido como formação humana, que vai além da mera capacitação técnica da mão de obra. Isto também esta determinado de alguma forma pela LDB no seu artigo 35, quando cita que o ensino médio deva ter como finalidade, dentre outras, “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”.

2. A dicotomia filosofia entre o filosofar Para ajudar a compreender melhor o exercício da filosofia do ensino médio é preciso expor a dicotomia que 129


Guilherme Damin Bortoli

muitos autores tem feito em relação à didática de ensino da filosofia ou como História da Filosofia, com ênfase na tradição filosófica ou como ensino do filosofar, com ênfase no que se chama a “atitude filosófica”. O ensino como História da Filosofia remete a um ensino sistemático e organizado com o intuito de possibilitar ao estudante o conhecimento das diversas correntes filosóficas ao longo da história. Este ensino pode ser feito em ordem cronológica ou não. O objetivo central parece ser de instrumentalizar o estudante para um possível pensar filosófico Entretanto esta proposta de ensino não me parece apropriada porque ao voltarmos para estudar a história da filosofia veremos que já houveram diversos conhecimentos diferentes e até teorias contraditórias concebidas como filosofia. Devemos então buscar algo em comum nos conhecimentos apresentados pelos filósofos que poderíamos chamar de "Filosofia". Esta característica comum é na verdade uma atitude, uma atividade e não propriamente o conteúdo. É neste sentido que a Filosofia se distingue das outras disciplinas estudadas no ensino médio e que inclusive faz com que não exista um método propriamente dito que poderia ser utilizado sempre da mesma forma. Não se trata de um conhecimento enciclopédico, que armazena conteúdo. Ainda assim a História da Filosofia tem fundamental importância, à medida que é a partir do seu vasto conteúdo que estamos instrumentalizados para as abordagens em sala de aula. Penso que a filosofia é antes uma pergunta do que uma resposta, que se caracteriza mais pela busca do que pela posse. Utilizarei aqui uma analogia com relação à Utopia que poderia ser aproximada à Verdade procurada pela filosofia e que enfatiza o caminho traçado para atingir o objetivo: A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por 130


Sobre o ensino de filosofia

mais que eu caminhe, jamais o alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar (GALEANO, 2001, p. 230).3

O exercício da filosofia é como a busca pela Utopia, ela nos proporciona o caminhar, o movimento. Mas então como definir o que é a Filosofia? Percebese certo incômodo em defini-la, mas podemos identificar este incômodo como um sentimento que oportuniza o filosofar uma vez que se movimenta em busca de um conceito. A Filosofia é, em última instância, dar oportunidade ao pensamento4. Chauí no artigo para a Folha intitulado Perfil do professor improdutivo, ao procurar uma definição para filosofia afirmou: uma tarefa absurda e pouco produtiva, para não dizer inglória e vã, tentar uma definição de Filosofia. Não porque a filosofia seja essa coisa imprecisa, flutuante, tal que tudo é Filosofia e nada é Filosofia, mas porque definir Filosofia é dar a ela, de antemão, conteúdos. Se eu der, de antemão, conteúdos para a Filosofia, eu terei retirado, (...) a própria possibilidade de fazer Filosofia (CHAUÍ, 1988, A3).

3. Conciliação entre a filosofia e o filosofar Entendo que o que faz com que seja Filosofia é a atitude filosófica, e por isto é interessante procurar desperta-la nos alunos. Entretanto, como já foi dito, isto não exclui a importância da tradição filosófica na sala de aula. Eis aqui o

3

BIRRI,Fernando apud GALEANO, Eduardo. Las Palabras Andantes. Catalogos S.R.L., Buenos Aires, 2001. 4 CERLETTI, Alejandro. O Ensino de Filosofia como problema filosófico. 2009. 131


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grande desafio, como conciliar o ensino da filosofia, como atitude filosófica e o conteúdo da tradição filosófica? Acredito que o uso da tradição filosófica no contexto do ensino médio deve, antes de mais nada, ser feito através de uma abordagem temática. O conteúdo da tradição pode servir tanto de embasamento teórico para uma discussão, quanto para despertar o interesse dos alunos. A história da filosofia deve ser vista como história não da tradição em seu sentido doutrinário, ou como história dos grandes sistemas, mas sim como contendo a contribuição dos grandes filósofos ao introduzirem questões que até hoje nos motivam a pensar, e como indicando os vários modos como essas questões foram tratadas. Deve ser vista também não como linear ou contínua, mas como incluindo o intenso debate entre os vários filósofos e as várias correntes de pensamento, as críticas, rupturas, controvérsias, polêmicas que já se encontram no inicio mesmo da filosofia como a crítica de Parmênides aos mobilistas, de Platão aos sofistas e de Aristóteles aos platônicos. A tradição filosófica é uma história de grandes polêmicas, mais do que da formação progressista de um saber ou da constituição de uma doutrina. (…) A consideração da historia da filosofia não nos revela o progresso de um saber, nem a expansão de um conhecimento. Não é linear, nem cumulativa, mas antes, os problemas são recorrentes, incessantemente retomados (MARCONDES, 2008, p. 60).

É importante perceber a importância da recapitulação da tradição filosófica, mas não no sentido da formação de um aluno erudito, capaz de "armazenar" as teorias concebidas no decorrer da história. O que penso ser mais relevante na tradição filosófica são os questionamentos feitos pelos filósofos, que 132


Sobre o ensino de filosofia

continuam a proporcionar discussões. A tradição não precisa ser abordada como um fim em si mesmo, mas antes como meio para proporcionar o filosofar a partir do despertar da “atitude filosófica”. Despertar este que não se mostra tarefa fácil. É certo que a “atitude filosófica” é intrínseca ao ser humano, uma vez que surge do sentimento de espanto, de confrontar-se com o desconhecido. O mundo nos espanta, por esta razão filosofamos. Entretanto a rotina do dia-a-dia acaba por nos “adormecer”. Por esta razão fala-se no despertar da “atitude filosófica”. Porém não é somente a partir do esforço do professor que se dá o despertar. Em última instância depende do sujeito adormecido querer despertar. Cerletti descreve este processo da seguinte forma: Ensinar é conduzir a antessala de desafios que, em última instância, são pessoais. O que cabe ao professor é estimular e levar adiante este desafio. Filosofar, então, é atrever-se a pensar por si mesmo, e fazê-lo requer uma decisão. Há que se atrever a pensar, porque isto supõe uma maneira nova de se relacionar com o mundo e com os conhecimentos, e não meramente reproduzi-los. E isto implica incerteza. Pensar supõe que há algo novo que se põe em jogo. É uma atitude produtora e criadora, não é meramente uma reprodução ou repetição do que há. O que habitualmente se costuma "ensinar" é o produto do pensamento de outros, o que chamamos conhecimentos. Mas o pensamento é intransmissível porque é um ato que depende, em última instancia, de cada um (querer transmiti-lo seria como pretender ensinar alguém a ser um inventor). Transmitir ideia já elaboradas não significa, obviamente, ensinar a pensar, já que os conhecimentos são, em última instância, só informação. Informação de maior ou menor qualidade ou importância, mas 133


Guilherme Damin Bortoli

apenas informação, e a filosofia, certamente, requer algo mais (CERLETTI, 2006, p.30).

De fato, percebe-se na sala de aula diferentes atitudes nos alunos, enquanto alguns estão dispostos para a investigação filosófica e demonstram-se interessados e participativos, outros parecem estar mais acomodados. O professor de filosofia que pretende despertar a “atitude filosófica” nos estudantes precisa colocá-los em um estado de incômodo com o contínuo nãosaber e torná-los dispostos a investigação.

4. Sócrates, o professor de filosofia por excelência Sócrates nos é apresentado por Platão como o filósofo por excelência porque reconhecia seu não-saber. Ora, que tipo de professor é Sócrates? Como ele ensina a filosofia? Qual a sua formação? Obviamente o modo como os homens eram formados nos tempos de Sócrates era bem diferente do que conhecemos no século XXI. Não havia toda a sistemática de cursos e disciplinas que temos nos dias de hoje. Seguem algumas curiosidades a respeito da formação de Sócrates. Apesar de pertencer à família de recursos modestos, Sócrates pôde, desde a juventude, receber uma educação esmerada, digna de jovens atenienses de ricas e aristocráticas famílias. Manteve desde cedo relações com as mais notáveis inteligências de sua época e também com o círculo de Péricles, que passou a governar Atenas quando Sócrates contava vinte anos de idade. Mas teve contato principalmente com os sofistas, que nesta época atuavam em Atenas. Frequentou desde a mocidade o liceu, local em que os jovens atenienses realizavam o cultivo físico e intelectual. Frequentou também a escola de música de Cosmos para se 134


Sobre o ensino de filosofia

aperfeiçoar no bailado e, ao mesmo tempo, na cítara (NAVARRO 1996, p.13).

Como é possível notar, a formação de Sócrates vai muito além do que hoje conhecemos por Universidade, o que lhe possibilitou aprofundar-se nas questões em que se detinha. Esta atitude deve ser tomada como referência para o professor de filosofia. É fundamental que a preparação vá além dos muros das Universidades. É indispensável que o professor possua permanentemente a “atitude filosófica” que lhe estimule o movimento incessante em busca do conhecimento. O “professor” Sócrates esperava levar seus interlocutores à “ascese do pensamento” através da maiêutica. Processo este descrito no diálogo Teeteto de Platão com uma analogia a “arte do parir”, é dizer, de trazer ideias à luz, esclarecê-las. Esse processo do “parto” das ideias é conduzido por Sócrates através da técnica da dialética. Num primeiro momento procura levar o interlocutor a aporia com o objetivo de que ele abandone o que ele pensa saber, suas certezas. Cumprindo este primeiro objetivo, Sócrates inicia o “parto” fazendo com que seu interlocutor exponha suas ideias, contrapondo argumentos, fazendo perguntas, com o objetivo de trazer à luz ideias mais claras. Da atividade de Sócrates podemos tirar algumas lições. A primeira delas é que o interlocutor (no caso da prática docente, os alunos) é o ator do seu próprio conhecimento. Para aprender, ele precisa tornar as ideias suas (assimilá-las), ser ativo na relação ensino-aprendizagem. É dizer, sem iniciativa do interlocutor não haverá aprendizado. Segundo, o método da dialética pode ser uma boa ferramenta para a prática docente. Ao expor suas ideias e ouvir outras diferentes, o estudante estará mais interessado em esclarecer e aprimorar as suas a partir dos argumentos apresentados do debate. 135


Guilherme Damin Bortoli

Há ainda o método da educação por imagens do qual Sócrates faz uso. A partir de uma narrativa descritiva de um fato hipotético, o interlocutor constrói uma imagem mental que posteriormente será interpretada. Penso que o aluno retém esta imagem mental com mais facilidade e isto lhe ajudará a construir e memorizar o argumento construído a partir da interpretação da imagem – Quem não se recorda da alegoria da caverna apresentada por Platão? Na prática pude constatar que os exemplos debatidos em sala de aula, no caso específico das abordagens de ética normativa, ajudaram muito os estudantes a compreender as teorias.

5. O ensino de filosofia Em uma breve recapitulação dos temas tratados neste ensaio, acredito que o primeiro passo para uma boa prática docente no ensino médio é compreender o aluno e o entorno ao qual o ele esta submetido, família, escola, sociedade. Discutiu-se a respeito da dicotomia existente entre o ensino da filosofia como História e como busca (filosofar), entretanto procurou-se a aproximação das duas posturas e conclui-se que estas não se excluem, mas se complementam. Apresentou-se algumas características da formação de Sócrates e também sua forma de compreender e praticar a filosofia. Entende-se que os métodos apresentados dos quais se utiliza, dialética e educação através de imagens, são possibilidades para o ensino de filosofia no ensino médio, entretanto nem estes nem quaisquer outros devem ser utilizados como “O método”. Certamente não há maneira privilegiada ou um método eficaz de ensinar, porque esta maneira dependerá do professor-filósofo que se seja e das condições em que se dê

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Sobre o ensino de filosofia

esse ensino5. Neste sentido, pretender dispor de uma “fórmula mágica” para a atividade docente em filosofia é ilusório porque cada circunstância apresentará suas particularidades. A “didática” da filosofia é uma construção (uma base conceitual teórica e prática) que deveria ter a vitalidade de se atualizar todos os dias6. Entretanto, podemos pressupor uma estrutura básica para uma boa aula de filosofia, na qual se estabelece uma situação problema cujas soluções devem ser encontradas filosoficamente. Em relação à prática, devem-se levar em consideração alguns aspectos preliminares. É condição indispensável para a prática docente a disposição e preparação (domínio do conteúdo a ser estudado) do professor. Somente assim poderá manter seus alunos interessados no conteúdo. Devemos também pensar que “a sala de aula é um âmbito em que é possível formular perguntas filosóficas com a radicalidade que elas implicam”7. É através destas perguntas que se deseja despertar nos alunos a atitude filosófica, para, a partir de então, fazer filosofia. Com relação aos alunos, descreveu-se que o interesse dos alunos é outro, estão diante da descoberta da sua liberdade, dos seus sentimentos. A disciplina de filosofia lhes esta sendo imposta como uma obrigação. Como, então, motivar o aluno e fazê-lo interessado pela filosofia? É certo que temas polêmicos e temas relacionados com as inquietações da adolescência facilitam. Entretanto, independentemente do tema, deve haver alguma sensibilização a fim de que o aluno compreenda o problema a ser trabalhado. 5

CERLETTI, Alejandro A. Ensinar Filosofia: da pergunta filosófica à proposta metodológica. In: KOHAN, Walter (org). Filosofia: Caminhos para seu ensino. RJ. Lamparina, 2008. 6 Ibid 7 Ibid. 137


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Assim, a sensibilização deve ser uma forma de convidar os alunos para, juntamente com o professor, procurar por respostas. O objetivo aqui é o despertar a “atitude filosófica”, é convidar os alunos para movimentarem-se, serem ativos nesta busca. A ausência desta atitude implicará uma resposta que não lhes faz sentido. Para as aulas de ética normativa durante o estágio docente, utilizou-se de dilemas éticos práticos para sensibilizar os alunos (um caso de canibalismo). A medida que os alunos encontravam dificuldades para julgar tais dilemas interessaramse em procurar justificativas para as suas escolhas. Além do interesse pela investigação, observou-se também que as teorias apresentadas foram compreendidas em grande medida através dos exemplos apresentados. Sempre que retomávamos o tema em outras ocasiões, os exemplos foram citados pelos alunos para relembrar os argumentos das teorias apresentadas. Passando pelo primeiro passo da sensibilização e, por consequência do despertar a “atitude filosófica” nos alunos, cabe ao professor habilmente conduzir a discussão e trazer para ela, sempre para somar ao debate, os conceitos da tradição filosófica. Penso ser importante contrapor ideias através da exposição de teorias e também das críticas dirigidas a ela; isto leva os alunos a compreender a essência do problema em questão além de oferecer-lhes mais recursos para que construam as suas respostas. É preciso tomar cuidado com a exposição de argumentações muito extensas que levam os alunos a entediarem-se e, por consequência dispersarem-se. A variação do método utilizado pelo professor no decorrer da sua aula ajuda a quebrar a “monotonia”, por isso, utilizar-se de esquemas teóricos, exemplos, imagens, além de auxiliarem na compreensão do assunto, mantém a aula agradável. Em função da natureza polêmica de alguns temas filosóficos, o debate acaba sendo parte das aulas. Ele deve ser uma construção com diferentes argumentos e não um ringue de 138


Sobre o ensino de filosofia

ideias. Por isto é fundamental que impere a tolerância. Acredito ser importante que o professor (estando ciente de que não é responsabilidade sua) tente preparar seus alunos para irem além da sua subjetividade; é dizer, que sejam capazes de ouvir e aceitar a posição do outro mesmo que seja contrária a sua. Immanuel Kant identificou o pensar de forma consciente como uma síntese do pensar por si mesmo com o pensar do ponto de vista do outro8. Por fim, tendo em vista o que esperamos para uma aula de filosofia, é preciso estar alerta para a direção à qual não queremos ir. Não queremos que a aula de filosofia seja um “achismo” geral, na qual qualquer discussão e qualquer opinião tenham status de pensamento filosófico. Neste mesmo sentido, não queremos que as discussões sejam superficiais, ficando presas a opiniões e senso comum. É necessário que o pensamento supere o senso comum e que os argumentos sejam construídos com racionalidade. Tampouco queremos ser filósofos críticos negativos, criticar destrutivamente qualquer argumento sem propor uma reordenação.

6. REFERÊNCIAS CERLETTI, Alejandro A. Ensinar Filosofia: da pergunta filosófica à proposta metodológica. In: KOHAN, Walter (org). Filosofia: Caminhos para seu ensino. RJ. Lamparina, 2008. __________________. O Ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2009. Chaui, M. Perfil do professor improdutivo. Folha de São Paulo, 24 de fevereiro, 1988. 8

KANT, Immanuel, 1724-1804. Critica da razão pura. 4. ed. Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. 139


Guilherme Damin Bortoli

EPICURO. Carta a Meneceu. Tradução de Desidério Murcho. Disponível em <http://criticanarede.com/meneceu.html>. Acesso em 06/03/2015. GALEANO, Eduardo. Las Palabras Andantes. Catalogos S.R.L., Buenos Aires, 2001. KANT, Immanuel, 1724-1804. Critica da razão pura. 4. ed. Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. KOHAN, W. O. Sócrates, A Educação e a Filosofia. De herói a Anti-Herói. In: Ensino de Filosofia: teoria e prática, 113-126. Ijuí: Unijuí, 2004. NAVARRO, Eduardo de Almeida. Sócrates, Vida e Pensamentos. São Paulo: Ed. Martin Claret, 1996. SIBILIA, Paula. A Escola no Mundo Hiper-conectado: Redes em vez de Muros?. Matrizes, São Paulo (USP), vol 5, no 2 (2012); p 195 - 211. MARCONDES, Danilo. É Possivel ensinar a filosofia? E, se possível, como?. In: KOHAN,Walter (org). Filosofia: Caminhos para seu ensino. RJ: Lamparina, 2008. PLATÃO, Teeteto. In: Diálogos de Platão. Tradução do grego por Carlos Alberto Nunes. 3a. ed., Belém: Universidade Federal do Pará, 2001.

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FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO: SIM, UMA EXPERIÊNCIA POSSÍVEL Aldo Félix Barreto

1. Introdução Realizei meu estágio de docência em filosofia para o ensino médio, acompanhando as aulas de filosofia do Professor Elieser Spereta, no IFSC - Instituto Federal de Santa Catarina por um período de dois semestres. No primeiro deles minha experiência foi com uma turma de 3º ano do curso Técnico Concomitante em Edificações. No segundo, estagiei em uma turma mista de 2º ano com alunos do curso Técnico Concomitante em Meio Ambiente e do curso Técnico Concomitante em Química. No acordo feito entre a Universidade Federal e o IFSC, estabeleceu-se que os estagiários da UFSC participariam das aulas em duplas. Durante todo o período de estágio formei dupla com o colega Guilherme Bortoli, e o trabalho em dupla mostrou-se bastante produtivo. A experiência de estágio proporciona ao graduando de licenciatura, a possibilidade de participar das interações vivenciadas, normalmente, apenas por professores e alunos nas salas de aula durante o processo de ensino/aprendizagem. Tive a oportunidade de observar atentamente o andamento das aulas e estabelecer relações com os referenciais teóricos estudados durante o curso de graduação. Pude ministrar alguns conteúdos, preparar questões de provas sobre os temas por mim ministrados e também corrigir provas. Preparar-se para ensinar filosofia no ensino médio requer em um primeiro momento, indagar-se a respeito da 141


Aldo Félix Barreto

natureza da filosofia em si e de sua especificidade. Também é pensar sobre um ensino dirigido a estudantes jovens, na maior parte com uma faixa etária entre 14 e 18 anos e perguntar-se: Por que ensinar filosofia? O que ensinar? E como ensinar? (Souza, 2004). Requer refletir a respeito do papel do professor de filosofia em meio ao processo educativo, bem como sobre a repercussão de sua atitude filosófica junto aos alunos. Foi interessante verificar durante o meu período de estágio, como estas questões ressurgiam e reavivavam-se diante do desafio de cada aula a ser ministrada. 2. Reflexões sobre a experiência de estágio no IFSC As turmas de 2º e 3º anos do IFSC assistem duas aulas faixa de filosofia por semana, o que corresponde a 100 minutos de aula a cada encontro. Já no primeiro semestre de estágio, o professor Elieser nos deu liberdade para ministrar alguns temas. Confesso que senti o peso da responsabilidade e só dei aulas, mesmo, no segundo semestre. Ministrei duas lições, uma sobre a ética kantiana e outra sobre a ciência política em Maquiavel. Para cada lição pude contar com o tempo integral das duas aulas faixa. Poder ministrar duas aulas por semana, é um privilégio se considerarmos que os PCNs - Programas Curriculares Nacionais e OCN/Filosofia - Orientações Curriculares Nacionais não prevêem a obrigação de duas aulas semanais de filosofia para o ensino médio. Em muitos casos, dependendo da escola, o professor de filosofia contará com apenas 50 minutos por semana para desenvolver as atividades em sala de aula com cada turma. A luta para conquistar uma obrigatoriedade de abrangência nacional, de pelo menos duas aulas de filosofia por semana para o ensino médio, está na pauta de luta dos movimentos que buscam um ensino de filosofia de melhor 142


Compreensão prévia e filosofia

qualidade para esta etapa do ensino médio. Outra conquista almejada por estes movimentos, é a atuação exclusiva de docentes com graduação de nível superior em filosofia nas ministrações desta disciplina. É comum ver-se em várias escolas, privadas ou mesmo nas do estado, professores de outras disciplinas, como história ou sociologia, ministrando aulas de filosofia. No entanto, alcançar os principais itens da referida pauta de lutas, dependerá das respostas a um desafio maior: o de estabelecer uma identidade da matéria filosofia como disciplina pertinente ao currículo de ensino médio. Enquanto esta identidade não estiver bem fixada, a disciplina de filosofia continuará a constar no imaginário popular, e mesmo entre os demais profissionais da educação, como disciplina de caráter secundário, relacionada à erudição, fé e moral. O professor Elieser é doutorado em filosofia pela Unicamp, universidade respeitada do estado de São Paulo. Segundo ele, “despertar e manter o interesse dos alunos é fundamental, pois, se perdermos este vínculo de interesse pela matéria, os estudantes tendem a encarar a filosofia como coisa antiga, confusa, chata…”. Segundo ele, as aulas expositivas com abordagens temáticas tem surtido mais efeito neste sentido, que as que consistem em abordagens históricas. Eu já havia preparado minha aula sobre ética kantiana quando assisti à aula do Guilherme (colega de estágio) sobre o utilitarismo de Bentham. Que aula! Ele conversou com a turma todo o tempo, apresentando os princípios teóricos e ilustrando com casos verídicos. Sua aula foi um sucesso em vários aspectos, mas a forma como prendeu a atenção de todos foi marcante, a ponto de me fazer rever o programa de exposição da minha aula que estava prevista para a semana seguinte. Optei por uma aula mais dialogal, então, começando cada etapa com apresentação de casos que consistiam em 143


Aldo Félix Barreto

dilemas éticos, alguns propostos pelo próprio Kant. Coloquei o livro “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” de Kant, à disposição dos alunos para que passassem de mão em mão e folheassem, tendo um contato concreto com a obra impressa do autor. Só após a apresentação de cada caso, prosseguíamos para a problematização com os estudantes analisando aquele caso. Estando os estudantes, de maneira geral, envolvidos no processo, prosseguia a aula com as soluções teóricas desenvolvidas por Kant e estas eram novamente dispostas no diálogo com a turma para a análise de todos. O pensamento kantiano foi contextualizado com seu tempo, as bases para as formulações do imperativo categórico foram analisadas junto com a turma, exemplos do seu funcionamento foram apresentados e discutidos e objeções à ética kantiana apontadas por outros teóricos foram contempladas. Foi interessante notar que mesmo sem contato anterior com as objeções apresentadas por especialistas, alguns alunos se anteciparam apresentando suas próprias objeções o que me dava oportunidade para apresentar as objeções daqueles. Para que o professor de filosofia possa cumprir com seu papel nas relações ensino/aprendizagem da disciplina, precisará ter desenvolvido em si próprio, sólida cultura filosófica, entendendo o aprendizado do filosofar, como processo e não como produto, ou seja, algo que se constrói pela leitura dos textos filosóficos, pelo debate e pela reflexão. Para tanto requer-se que o professor tenha desenvolvidas, as habilidades didático-pedagógicas necessárias e uma postura interdisciplinar para mediar o desenvolvimento da competência de contextualização sociocultural em seus alunos. O texto dos PCNs/filosofia prevê que a construção, por parte do professor, de sua identidade como docente de filosofia, dependerá de como ele responde à pergunta: “O que é filosofia?”. No texto lemos: 144


Compreensão prévia e filosofia

Em suma, a resposta que cada professor de filosofia do Ensino Médio dá à pergunta...“que é filosofia?” decorre, naturalmente, da opção por um modo determinado de filosofar que ele considera justificado. Aliás, é fundamental para esta proposta que ele tenha feito sua escolha categorial e axiológica, a partir da qual lê e entende o mundo, pensa e ensina. Caso contrário, além de esvaziar sua credibilidade como professor de Filosofia, faltar-lhe-á um padrão, um fundamento, a partir do qual possa encetar qualquer esboço de crítica (BRASIL, 2000, p. 48. l).

Observando as aulas do professor Elieser, pude perceber que ele é um profissional competente, que tem bom conhecimento a respeito de diversas áreas da filosofia e domina com excelência os temas à que se propõe ministrar. Sua postura afetiva e dialogal, tem lhe garantido o respeito de todas as turmas. Ele sonda as opiniões dos estudantes com atenção. Após cada participação do aluno, ele apresenta a mesma ideia do aluno usando outras palavras e confirma com este se era aquilo mesmo que o aluno queria dizer. A aula segue sempre nesse ritmo que convida à reflexão e à participação. Certa vez, Elieser confidenciou comigo, de que se preocupava com a postura extremamente “conservadora” (capitalista) dos alunos do IFSC. Percebi em meio a suas aulas sobre bem estar social, na sua expressão, traços de uma cultura política interessada nas questões sociais, bastante discretos, mas, sólidos. Imagino que eu precise conhecer um pouco mais da filosofia como um todo, até que possa definir com certeza, a quais correntes da filosofia deva me vincular. Mas por enquanto, já percebo em mim, um considerável gosto pelos textos dos diálogos platônicos, pela ética de Levinas, pela 145


Aldo Félix Barreto

proposta educacional de Paulo Freire, pela estética hegeliana… Filosofar, eu defino como um jeito de interpretar a realidade, que pode partir até de uma intuição, mas que precisa passar ileso pelo crivo rigoroso da razão. É salutar, portanto, que o professor esteja criticamente comprometido com a corrente filosófica com a qual melhor se identifica, mas, consciente de que o seu papel está mais para um facilitador que propõe os conteúdos a partir da realidade dos estudantes, agindo como mediador dos processos dialogais, de investigação e de construção de conceitos. A figura do professor que deseja realizar qualquer espécie de doutrinação, não faz jus a uma atitude verdadeiramente filosófica. Não basta, portanto, que a disciplina de filosofia conste como integrante obrigatória dos currículos de ensino médio e que cada professor de Filosofia tenha formação acadêmica filosófica, para imaginarmos que durante uma aula desta disciplina, o estudante esteja tendo a oportunidade de vivenciar uma experiência de pensar filosoficamente. Para “provocar” intencionalmente em sala de aula tal experiência, se exigirá uma articulação acertada de elementos pedagógicos imprescindíveis: enfoque, conteúdo e metodologia de ensino, apropriados. Pensar no enfoque, conteúdo e metodologia a ser aplicada em uma aula de filosofia, remete-nos novamente à figura do professor e suas intenções em classe. É do professor a responsabilidade de condução da aula. Portanto, ele tem que poder identificar de forma geral, o contexto em que estão inseridos os estudantes da classe a que se dirige, e estar preparado para a reflexão filosófica à qual pretende conduzilos. Não se pode chamar de aula de filosofia propriamente dita, uma ministração que despreze de todo a tradição filosófica, sua especificidade de pensamento por conceitos, seus principais

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Compreensão prévia e filosofia

autores e correntes, bem como sua configuração na história. Para Horn: Só podemos aprender a pensar, pensando, mas, para nós, pensar implica retomar aquilo que é resultante do que já foi pensado. Esta é a justificativa e a significação mais profunda do diálogo com os pensadores que nos antecederam no tempo e com aqueles que convivem conosco num mesmo espaço social, na contemporaneidade (Horn, 2009).

Contudo, se queremos oferecer ao estudante oportunidades de refletir, criticar e resignificar seu mundo por um viés filosófico, esta aula precisa despertar o seu interesse de participação na reflexão, o que exigirá do professor equilíbrio o bastante, para ao tentar fugir de um conteudismo de história da Filosofia, não acabar por incentivar um pensar descompromissado, descontextualizado que resulte em um discurso vazio. A participação dialogal dos alunos das duas turmas observadas se deu de forma natural. Eles não apresentam maiores problemas de expressão, fazendo perguntas e observações pertinentes aos temas propostos. Foi possível ver um ou outro, vez por outra, entretido com alguma atividade não relacionada à aula, seja esta uma conversa paralela, em tom baixo, ou fazendo uso de aparelho celular para acesso breve a redes sociais. Nada intolerável ou preocupante. De maneira geral, as turmas surpreenderam positivamente, considerando sua média de idade e o comportamento bem menos receptivo de alguns de seus pares em outros contextos escolares, principalmente no que diz respeito às atividades que exigem capacidades de abstração, de leitura, e de escrita. Devemos considerar que para ingressar no IFSC, os estudantes passam por um teste de seleção, o que facilita a 147


Aldo Félix Barreto

formação de turmas com nível de aproveitamento acima da média nacional. Todavia, parece claro, que grande parte dos resultados positivos alcançados nestas aulas de filosofia, tem sido construída na interação amigável entre o professor e a turma. Certa vez, Elieser comentou comigo e com Guilherme, que a escolha feita por alguns profissionais de fazer-se representar na figura de “professor carrasco”, não surte um bom resultado. Para Alejandro Cerletti: “Quem ensina Filosofia deve ter-se perguntado, com a radicalidade que implica uma pergunta filosófica autêntica, por que e para que vai ensinar filosofia a esse grupo ao qual vai dirigir-se” (CERLETTI, 2009, p.78). É certo que determinada metodologia de ensino de filosofia poderá estar mais próxima de se adequar ao processo de ensinar o filosofar, no entanto, a viabilização deste processo só se faz através da mediação consciente de um professor capaz de empreendê-lo. “Devido a isso, aqueles que ensinam filosofia nunca poderiam ser simples técnicos que apenas aplicam receitas ideadas por especialistas.” (Cerletti, p.78). O professor tem de estar atento para não permitir que algum apego seu ao planejamento prévio, impeça-o de ater-se ao verdadeiro questionar filosófico por parte do aluno. O planejamento de uma aula de filosofia, devido à própria natureza da Filosofia, deve prever abertura para o questionamento crítico e o pensar autônomo deve sempre ser incentivado. Porque ensinar filosofia? Eu quero ensinar filosofia pela mesma razão apontada por uma máxima relacionada à educação: ‘educação para a emancipação’ . Ousar pensar por si, já é um ato emancipador, deve ser incentivado e aprimorado.

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Compreensão prévia e filosofia

Sílvio Gallo aposta numa metodologia que respeita a especificidade conceitual da Filosofia, propondo a disciplina de filosofia como oficina de conceitos, aberta ao inusitado e à criação: (...) numa aula de filosofia assim concebida, importa mais o processo criativo, a experimentação, fazer o movimento de pensamento do que o ponto de chegada, a solução do problema, a veracidade do conceito criado. Importa que cada estudante possa passar pela experiência de pensar filosoficamente, de lidar com conceitos criados na história, apropriar-se deles, compreendê-los, recriá-los e, quem sabe até mesmo criar conceitos próprios (GALLO, 2007, p.26).

Minha segunda aula foi sobre ciência política, a partir da obra “O Príncipe” de Maquiavel. Comecei perguntando se havia questões sobre Maquiavel na prova do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) aplicada na semana anterior e os alunos confirmaram que sim. Então perguntei sobre o que eles já sabiam sobre Maquiavel e fui anotando as respostas no quadro branco. Como na aula de Kant, disponibilizei o livro “O príncipe” para apreciação dos alunos. Expliquei que durante o nosso estudo naquele dia, muitas das nossas opiniões sobre Maquiavel poderiam mudar. Entendo que posicionar o conteúdo a partir da realidade dos alunos, seja começar a partir daquilo que eles já conhecem ou da forma como eles reagem a uma notícia atual ou a uma obra de arte, ou mesmo ao pensamento expresso num fragmento de texto filosófico. A reação de cada aluno nestes momentos revela algum valor seu, que ele já conhece, que o

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permite se posicionar a respeito do objeto de contemplação, aprovando, desaprovando... A partir da introdução, cada etapa da aula foi iniciada com a leitura de um fragmento da obra O Príncipe com excessão do último fragmento, extraído da obra “Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio” também de Maquiavel. Cada fragmento revelava um aspecto diferente do pensamento maquiaveliano. Um aluno lia o fragmento em voz alta e os demais acompanhavam a leitura por meio de cópias xerox. O pensamento contido no fragmento era, então, problematizado e a partir da problematização, mais dados a respeito da vida, da obra e do posicionamento ético-político de Maquiavel eram acrescentados. Como última etapa, pedi que formassem equipes de três ou quatro integrantes para responder por escrito a três perguntas relacionadas ao tema. Quando acompanhava o trabalho nas equipes, pra minha surpresa, um aluno chamado Giovanni perguntou se Maquiavel não estaria ironizando ao escrever O Príncipe. Parabenizei-o, revelando que Rousseau pensava como ele, mas aproveitei para apresentar concepções mais atuais que divergiam desta posição. Uma aluna de outra equipe me disse que se interessou pelo tema e que iria ler O Príncipe. Para o caso de alguém imaginar ser utópico propor uma aula de ensino médio que possibilite ao estudante criar seus próprios conceitos, Gallo explica que tal tarefa não é impossível e baseia-se nas ideias de Deleuze e Guattari para sugerir que quando o aluno se utiliza de um conceito trazido da história da filosofia para interpretar seu mundo, ele já recria o conceito, pois tal conceito se transforma quando extraído de seu contexto original para o contexto atual mediante a apreensão feita pelo aluno.

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Compreensão prévia e filosofia

3. Conclusão Sim, filosofia no ensino médio é uma experiência possível, contudo, dependerá do professor encarar os desafios que se farão presentes de uma forma ou de outra a cada dia e a cada aula. Às vezes o desafio poderá estar na dificuldade que a própria temática escolhida possa representar, outras no desinteresse generalizado de uma turma ou de um grupo isolado em uma turma. Há que se considerar também, dificuldades impostas pelas próprias condições de trabalho oferecidas por algumas instituições de ensino, sejam péssimas instalações, horário reduzido para as aulas, ou falta de material didático. A desvalorização da disciplina de filosofia por alguns colegas, professores de outras disciplinas, pode representar em si, um sutil desafio à boa aceitação desta disciplina no âmbito restrito de uma escola. Certamente, o ensino de filosofia no contexto geral da educação de ensino médio brasileira apresenta condições bem mais áridas que as oferecidas no IFSC para prática do filosofar a partir de experiências em sala de aula. No entanto, um professor dinâmico e bem preparado será capaz de responder bem a muitos dos desafios com os quais venha a se deparar. A respeito da pauta de lutas observada por movimentos país afora no que tange à filosofia de ensino médio, sabemos que a trajetória desta disciplina no ensino médio, teve suas maiores conquistas muito recentemente a partir de 2008 com a nova LDB. As melhoras desde então, tem sido gradualmente mais visíveis, e neste aspecto, o papel das universidades, propondo a reflexão sobre o tema e formando os novos professores tem sido preponderante.

4. REFERÊNCIAS 151


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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Ciências Humanas e suas tecnologias. Brasília, DF, 2000. CERLETTI, Alejandro. Em direção a uma didática filosófica. In: _____. O ensino de filosofia como problema filosófico. Tradução de Ingrid Müller Xavier. Belo horizonte: Autêntica, 2009. Coleção Ensino de Filosofia. GALLO, Sílvio. Artigo: A filosofia e seu ensino: conceito e transversalidade. In: SILVEIRA, Renê J.T; GOTO, Roberto (org). Filosofia no ensino médio: Temas, problemas e propostas. Loyola, 2007. HORN, Geraldo Balduino. Ensinar Filosofia. RS: Ed. Unijuí, 2009. SOUZA, Sônia Maria de. Artigo: A FILOSOFIA NO ENSNO MÉDIO: uma (re)leitura a partir dos PCNs. In: ENSINO DE FILOSOFIA: Teoria e Prática; org. Gallo; Danellon; Cornelli. Ijuí: ed. UNIJUÍ, 2004.

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COMPREENSÃO PRÉVIA E FILOSOFIA NO ENSINO Flávio Ricardo da Silva

1. A filosofia é possível no Ensino Médio? De saída, a minha resposta para essa questão é sim. A filosofia é possível não só no ensino médio, mas é sempre possível enquanto existirem seres humanos. A filosofia é um possível do humano, na medida em que este é um ser que compreende. E ser um ser que compreende significa que, uma vez existindo no mundo, o homem já está sempre caminhando em alguma compreensão. Existir no mundo significa sempre já ter sido atingido pelo mundo1. Existir, portanto, não significa meramente ser, como uma coisa fechada em si mesma – que não compreende, que não esta aberta –, mas existir já sempre em contato com o mundo e, assim, compreensivamente. Poderíamos dizer isso de outra forma. Existir significa ser consciente – por isso as coisas, diferentemente dos humanos, não existem, apenas são. Este ser consciente nunca é um “em si”, fechado, mas ser consciente é ser consciente de algo, é já estar direcionado para o mundo. Eu não existo “primeiro” como um “eu mesmo” que “depois” entra em contato com o 1

Mundo aqui não é um conjunto de coisas, mas uma totalidade (aberta) de significação a partir da qual as coisas me aparecem. Uma cadeira, por exemplo, não me aparece como um objeto dos sentidos ao qual, posteriormente, eu atribuo o nome de cadeira. Uma cadeira me aparece dentro de uma totalidade de significados, sem a qual o ‘ser cadeira’ não se mostraria como tal. Em termos simples, a cadeira não é um mero dado dos sentidos, ela não me aparece como cadeira sem que já haja uma compreensão – implícita ou explícita – do mundo. 153


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mundo. Não, eu já existo sempre em contato com o mundo e é neste contato – que sempre já se deu – que ocorre a compreensão (de forma mais ou menos explícita/clara). Essa compreensão é a “matéria prima” da filosofia. É sobre esta compreensão originária que os filósofos constroem seus sistemas. Uma filosofia age sobre esta compreensão. Às vezes tenta refutá-la (céticos, por exemplo), até escarnecê-la (cínicos), fechá-la (quando se torna a filosofia, o sistema). Mas sempre, a nosso ver, pode enriquecê-la, expandi-la. Agir sobre a compreensão significa, então, ter uma postura ativa sobre esta compreensão. Ou seja, não apenas ser atingido passivamente pela compreensão, mas pensar esta compreensão ativamente. Fazer com que esta compreensão – na medida do possível – se mostre mais claramente, mais explicitamente. Em outras palavras, tornar esta compreensão mais consciente e assim conceder, ou restituir, ao homem o poder de escolher2. O que queremos mostrar com estas ideias é que a filosofia é sempre possível na vida do homem. Na medida em que ela (filosofia) se ampara na experiência humana no mundo. Uma experiência compreensiva – o homem sempre já se move 2

Quando algo me é oculto eu nada posso decidir a respeito, apesar de poder ser influenciado por isso. Por exemplo, uma concepção baseada na metafísica platônica pode, por meio da cultura na qual vivo, exercer grande influência sobre minhas concepções a respeito do que considero verdadeiro, sem que eu possa criticar tal concepção (mesmo que eu a efetue no meu comportamento, na minha forma de pensar). Posto que ela não me aparece explicitamente e permanece, portanto, como um pressuposto impensado sobre o qual eu não decido. Ou seja, um voltar-se ativo sobre um aspecto impensado de uma compreensão prévia que já influencia a minha vida, abre para mim a possibilidade de exercer certa liberdade sobre este impensado que anteriormente, por se manter impensado e oculto (mas ainda tendo consequências na minha vida cotidiana), me determinava sem que eu pudesse exercer alguma liberdade de escolha sobre isto. 154


Compreensão prévia e filosofia

em uma compreensão de mundo – e potencialmente discursiva; passível, em alguma medida, de se explicitar em discurso. Essa compreensão sempre já ocorrida, na medida em que o homem é consciente no mundo, já é uma espécie de filosofia elementar, ou potencial. Porém, o filosofar propriamente dito, ocorre quando o homem se volta sobre a compreensão na qual está enredado e tenta explicitá-la ativamente. Esse explicitar, esse trazer a luz, é o ato filosófico que nos interessa aqui. O filosofar, assim compreendido, possibilita tanto a crítica de uma compreensão prévia (ou pelo menos de alguns aspectos desta), quanto uma ampliação de horizonte. Tornar a compreensão mais rica e abrangente.

2. Como é possível a filosofia no Ensino Médio? A partir do exposto acima queremos fazer perceber que o aluno sempre já se move em certa compreensão do mundo. O estudante não vem à sala de aula como uma tábula rasa, ele já compreende. E este é o elo a partir do qual ele pode ser levado à filosofia, no sentido ativo de que falávamos anteriormente. É na compreensão já efetuada pelo aluno na sua vida cotidiana, que o professor deve “alcançá-lo” durante a aula. Isso significa que é preciso um esforço, da parte do professor, por captar a compreensão prévia dos alunos em relação ao tema que será abordado. Por sua vez, isso se traduz numa postura de abertura em relação ao diálogo com a turma. O aluno deve ter a oportunidade de manifestar sua compreensão tanto antes, quanto durante a exposição do professor. E o professor a partir do que nota no conteúdo dos comentários e perguntas deve ir ajustando seu discurso, o ritmo da exposição, o vocabulário usado. Os alunos fornecem ao professor a “matéria prima” com a qual ele os ajudará a 155


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compreender o tema ou autor estudado. Essa matéria prima advém da própria vivência deles, do seu existir no mundo. Aqui temos um duplo movimento: por um lado, o tema ou autor abordado deve ser “levado” até a compreensão prévia do aluno, e por outro a compreensão prévia do aluno é trazida até o tema ou a perspectiva do autor. Por exemplo: em uma aula sobre felicidade o docente se utiliza de um vídeo sobre o assunto. Após assistirem o vídeo o professor faz perguntas aos alunos, perguntas que visam fazer com que eles exponham sua visão prévia do que é a felicidade. O professor, então, usa as ideias que os alunos expõem para ir introduzindo o conteúdo programado para a aula. As opiniões dos alunos dão ensejo para que o professor traga a eles opiniões e conceitos filosóficos. Deste modo, a discussão vai tomando contornos mais claros. Abrindo aos alunos a possibilidade de dialogar com a tradição filosófica. Assim, a tradição filosófica pode ajudá-los a tornar mais clara e mais rica a compreensão que eles têm da e na própria vida. A aula nunca deve ser tão abstrata e deslocada do cotidiano dos alunos a ponto de que não possam vivenciar a problematização filosófica em sua própria existência, sob pena de fazê-los perder o interesse. A filosofia, os problemas e temas de que ela tratou e trata, são problemas e temas da existência humana. Assim entendida, a tradição filosófica não pode ser encarada como um fim em si mesmo. Mas como algo que deve se relacionar com o aluno por intermédio do professor. A tradição deve falar ao aluno para que este possa se apropriar dela. O professor é o mediador que faz com que a tradição fale ao aluno. Possibilitando que ele (o aluno) consiga fazer uso de ideias e conceitos filosóficos na compreensão de sua existência, de sua situação no mundo. Nessa apropriação, nesse “falar” da tradição, o aluno pode sair do “assim se diz” de uma compreensão adquirida passivamente e assumir um pensamento mais ativo e crítico. 156


Compreensão prévia e filosofia

Na prática, essa mediação feita pelo professor significa certa simplificação dos conceitos filosóficos trabalhados. Mas um simplificar que permita ao jovem ver a filosofia na sua vida, e não uma simplificação que entregue a ele respostas simplórias e estéreis. A simplificação, aqui, abre a possibilidade de apropriação, por parte do estudante, dos conceitos filosóficos e enseja a continuidade da reflexão (com o que ela tende a se tornar mais complexa). É isso que nos interessa. O filosofar enquanto ato, o pensamento ativo. Não está em mira a tradição como doutrina, como coisa acabada, mas a tradição como fornecedora de instrumentos conceituais capazes de fomentar a continuidade do pensamento. O filosofar crítico, e não doutrinário. Um filosofar como tarefa do pensamento humano. E, portanto, nunca acabado, nunca totalizado. Com a lembrança da importância da tradição queremos fazer ver que, se por um lado é muito importante ouvir o aluno, abrir espaço em aula para que ele se manifeste e, mais importante, que o conteúdo dessas manifestações seja utilizado pelo professor como matéria prima para que ele ajude o aluno a construir seu entendimento a respeito do assunto abordado; por outro lado, a aula não pode se resumir a um diálogo entre aluno e professor, ou entre alunos, deve haver a “intromissão” de conceitos filosóficos mais claros para que não se perca o rumo. A tradição filosófica faz parte da construção que o professor visa ajudar o aluno a engendrar com a matéria prima que ele (aluno) já traz consigo. São dois aspectos, portanto: por um lado o que o aluno traz, por outro o que a tradição tem a oferecer em relação a isso que ele traz. E mesmo isso que os alunos trazem é carregado de tradição. Os alunos existem no mundo. Esse mundo é povoado, também, por conceitos filosóficos. Na medida em que já sempre foram atingidos pelo mundo, os alunos já foram 157


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atingidos pela tradição filosófica. Na aula é possível fazê-los perceber essa situação. Fazê-los ver os limites e potenciais da visão de mundo que já adquiriram no decorrer de suas vidas. Nesse sentido, a aula de filosofia não é apenas um momento de aprendizado de filosofia enquanto disciplina da grade curricular, mas também um momento de autoconhecimento e autocrítica; autoconhecimento entendido não como um conhecimento de um sujeito fechado em si mesmo, mas como conhecimento de si na relação com o outro3. O conteúdo exposto na aula, se trabalhado adequadamente (segundo a ideia de levar em conta a compreensão prévia do aluno), não vai se resumir a uma apresentação abstrata destituída de interesse vital, mas algo que toca a vida cotidiana do aluno. A filosofia, diferentemente de outras disciplinas mais técnicas que são ministradas na escola, tem essa capacidade de manter viva a perspectiva humana sobre a vida. Esse é o elemento que pode tocar o jovem no seu mundo cotidiano. A filosofia abre o jovem para a possibilidade de ressignificação – feita, dentro do possível, ativa e criticamente – e enriquecimento da própria experiência no mundo.

3. Trabalho em sala Empregamos vídeos em algumas aulas ministradas utilizando uma metodologia que segue as principais ideias discutidas neste ensaio. Passamos o vídeo para os alunos e, logo após o fim deste, reentramos em cena fazendo questões sobre a compreensão que eles tinham acerca do que foi abordado pelo vídeo. Por exemplo, um dos vídeos falava sobre Epicuro e a felicidade, após os alunos o terem assistido, 3

Outro entendido como mundo. Incluindo muitos aspectos, como a própria tradição filosófica, por exemplo. 158


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perguntamos o que era felicidade para eles. A partir do que responderam podemos ir introduzindo o assunto que desejávamos abordar. Dentro daquilo que os alunos expuseram estavam algumas ideias que tinham captado em aulas anteriores sobre Aristóteles e Sartre. Com as intervenções dos alunos pudemos dar um contorno mais claro à posição de Epicuro em relação às posições destes outros filósofos que eles emulavam (com ou sem consciência). Utilizando o que eles diziam pudemos fazer a aula mais interessante e acessível. Ainda que tivéssemos que passar por alto em vários aspectos mais específicos do pensamento de cada autor e nos focar mais no problema da felicidade – que é mais concreto para o aluno do que o estudo muito profundo do pensamento de um autor específico. Posteriormente, ministramos uma aula sobre Sócrates na qual utilizamos o gancho da aula anterior sobre Epicuro. Logo após terem assistido a outro vídeo (desta vez sobre Sócrates) interpelamos os alunos e estes começaram a fazer comparações entre Sócrates e Epicuro. Alguns se posicionando ao lado deste ou daquele autor. Naquilo que diziam pudemos notar tanto em que pé andava as suas compreensões de Epicuro, quanto as que formavam a respeito de Sócrates. Assim, pudemos esclarecer um pouco mais o pensamento de ambos os filósofos ao mesmo tempo em que fazíamos esse pensamento ressoar na vida pessoal de cada aluno. Por exemplo, utilizamos Epicuro, e sua hierarquia de desejos, para fomentar uma crítica à nossa era consumista. Da mesma forma, Sócrates foi utilizado por nós para iluminar a importância do pensamento crítico para o bom funcionamento da democracia e como é importante que um cidadão possa defender suas ideias perante outros cidadãos e aceitar a própria ignorância quando esta lhe é revelada no contato com outros.

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Na esteira dessa aula sobre Sócrates cabe um aviso que, a partir de nossa vivência no decorrer desta aula, julgamos importante. Trata-se de que o professor não sobrecarregue suas aulas com uma grande profusão de conceitos. Na aula que ministramos sobre Sócrates percebemos uma diminuição da participação da turma quando o número de conceitos expostos se tornava muito elevado, tornando o panorama geral do assunto abordado em algo muito complexo. Os alunos tendem a se sentir inibidos frente a tal situação, não conseguindo encontrar o “fio de Ariadne” que lhes permitiria fazer colocações a respeito do que está sendo exposto. Uma multiplicação exagerada de informações dá a aula aquele ar “abstrato” que tende a afastá-los da discussão. Neste ponto também entra o “tato” do professor, a capacidade de perceber a situação dos alunos frente ao assunto e de mudar o andamento da aula em função dessa percepção. Aqui cabem recursos a exemplos, perguntas dirigidas a turma que estimulem e dêem uma indicação do que o professor está pondo em questão com o que está expondo. Muitas vezes percebemos que ao fazer uma pergunta à turma botamos luz sobre o que o professor espera que os alunos estejam compreendendo e qual é o “caminho” da aula, para onde, ou para o que, as explicações se dirigem e qual é a relação disso com a vida dos alunos.

4. Considerações finais No dia-a-dia da prática docente – neste curto espaço em que a empreendemos – mostrou-se de fato difícil, em muitas situações, captar a compreensão que a turma estava tendo do assunto abordado. Participamos da elaboração de uma avaliação e percebemos que alguns alunos compreenderam nossas exposições de uma forma um tanto diferente do que esperávamos. E aqui se mostrou outra ferramenta de diálogo 160


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entre aluno e professor, a própria avaliação. Nesta a oportunidade de perceber o que foi apreendido e de onde foi apreendido se revela ao docente. O professor pode captar o modo como este ou aquele aluno o compreende. Ele pode ver de onde estes alunos enxergam o assunto abordado, i. e., qual era a compreensão prévia (ou pelo menos algum aspecto desta) a partir da qual os alunos estavam interpretando o que estava sendo trabalhado em sala. Captando um pouco essa compreensão prévia, é possível trabalhar o assunto de forma diferente, para tentar melhorar sua absorção por parte do aluno. Isso mostra que a avaliação tem valor não só ao fim da exposição de um assunto e antes de se adentrar outro, mas também durante esta exposição. Para que seja possível a mudança de rumo na forma como o assunto é abordado, ainda enquanto este está sendo abordado.

5. REFERÊNCIAS

MENDEZ, J.M.A. Avaliar para conhecer, examinar para excluir. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002. LUIJPEN, W. Introdução à fenomenologia existencial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973.

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A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DOS TEXTOS CLÁSSICOS NAS AULAS DE FILOSOFIA DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES ACERCA DA DOCÊNCIA EM FILOSOFIA Yuri Galvão Oberlaender de Almeida “A água é bebida com mais gosto quando da própria fonte”- Ovídio Quando ainda estava no ensino médio, lembro-me de algumas palavras proféticas de meu pai. Na, meados de meus dezessete anos, entregava-me a convivência com os amigos e a prática intensa de esporte. Meu pai, médico de formação e profissão, lera amplamente, desde astrologia até filosofia, o que lhe dá certa cultura geral. Certo dia disse-me, em tom de conselho: “meu filho, leia os clássicos, os grandes pensadores, como Platão. Eles “farão sua cabeça”. Imagino que ele, pautado na percepção de que me aplicava avidamente ao esporte e à convivência, teve a sensibilidade de notar minha falta de interesse ao estudo, à educação intelectual. Hoje compreendo quão proféticas essas palavras. Ao estudar Platão percebo quão imbuídas elas estão de certa ideia de educação1. O gosto de meu pai pela leitura foi decisivo para que tivesse meu primeiro contato com a filosofia. Ao escrever esse ensaio de docência, vejo em suas palavras o divisor de águas para um indivíduo. Mas não só isso, vejo também uma semente pela qual se pode formar um professor 1

De modo resumido essa ideia consiste na ginástica, para educar o corpo, e na música, para educar o espírito. Cf. Plato, Republic (book II, 376e) in Complete Works/ Plato; Indianapolis, Indiana, Hackett Publishing Company, 1997. 163


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de filosofia. Este ensaio é expressão de experiências docentes e reflexões acerca da docência em filosofia. A filosofia entre nós retornou, em caráter de disciplina obrigatória do ensino médio, em 2008. A justificativa para sua volta é sua importância para que os cidadãos brasileiros possam de fato exercer sua cidadania2. Mas de que maneira exatamente a filosofia prepara os jovens para o exercício da cidadania? Seria ela uma espécie de merchandising formadora de cabeças para o status quo? Ou seria ela uma nobre e fiel serviçal de nossa divina (ou melhor, laica) democracia? Já adianto que o objetivo desse ensaio não é responder a essas perguntas, ou melhor, é respondê-las da maneira mais séria, radical e direta que aquele que ora vos escreve é capaz, nesse momento. Procurarei deixar claro que, ao enfrentar essas perguntas a sério, descobre-se o problema que há no fundo delas, e então uma investigação mais essencial e preliminar mostra seu porte, fazendo dessas perguntas meras questiúnculas secundárias. A filosofia já esteve em nossas escolas (antes de nossa ditadura militar), inclusive bem acompanhada pelo ensino de latim, grego e francês, testemunha disso é a professora Marilena Chauí, que foi aluna de colégio público naquela época3. No entanto, desde a ditadura militar a filosofia esteve

2

CEPPAS, Filipe, Anotações sobre o ensino da filosofia no Brasil, In: Filosofia: ensino médio / Coordenação, Gabriele Cornelli, Marcelo Carvalho e Márcio Danelon. Coleção explorando o ensino; v. 14. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2010. 3

CARVALHO, Marcelo; SANTOS, Marli. O Ensino da Filosofia no Brasil: três gerações. In: Filosofia: ensino médio / Coordenação, Gabriele Cornelli, Marcelo Carvalho e Márcio Danelon. Coleção explorando o 164


A importância do estudo

afastada de nossas escolas, estando restrita às universidades e faculdades. Em consequência, a filosofia desenvolveu-se principalmente como pesquisa acadêmica, ou formação para bacharelado, como hoje é chamado. A preocupação pela didática, ou mesmo investigação de seu ensino para aqueles que nela não veem ou não compreendem (“ainda que ainda”, pois um dia podem compreender) a importância da filosofia, naturalmente passou despercebida, ou foi propositalmente negligenciada. O curso histórico da filosofia (junto ao palpite deste que ora vos escreve) entre nós parece indicar uma valorização maior à pesquisa acadêmica, em detrimento de uma filosofia voltada às escolas, ou seja, ao público que não escolheu como curso superior a filosofia. Podemos chamá-los de leigos, insensíveis ao encanto da filosofia, ou seja lá o que for. Fique claro que o “diagnóstico” acima tratado pretende generalizar o “status” da filosofia entre nós desde a ditadura militar (e sua expulsão das escolas) e a revisão da LDB feita em 20084. Observa-se que os novos professores de ensino médio, formados em nossas universidades, estão inteirando-se do ensino da filosofia para os que não escolheram (ao menos ainda) a filosofia como seu estudo principal. Estão enfrentando esse desafio em momento recente à reimplantação da filosofia nas escolas. É natural, portanto, que o “déficit” de formação adequada para esse tipo de ensino (uma vez que o foco, ao ensino; v. 14. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2010. 4 BRASIL. [Lei Darcy Ribeiro (1996)]. LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional [recurso eletrônico] : Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. (Série legislação; n. 130). 10. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014.

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longo dos anos, tenha sido a pesquisa acadêmica) seja sentido, tanto entre os estagiários de filosofia para o ensino médio, quanto nos professores que os preparam. Outro fato r é o crescente e recente, número de material didático de filosofia, sendo produzido entre nós. Através dessas considerações quero destacar o momento crítico em que o ensino de filosofia a nível escolar vive e o quão decisivo é essa formação para o futuro desse ensino. Portanto, o estagiário de hoje vive o desafio de encontrar maneiras para ensinar a filosofia. Onde buscar as fontes para o ensino de filosofia no ensino médio? Como fará cumprir a própria justificativa pela qual a filosofia foi reintroduzida em nossas escolas (a saber, contribuir para o exercício da cidadania)? Em verdade, esse estagiário de filosofia tem até mesmo o direito de questionar e buscar refutar a possibilidade de fazer filosofia no ensino médio, ou a justificativa pela qual foi reintroduzida. No entanto esse ensaio não quer enveredar por essa via. Vamos ao ponto, portanto: uma palavra tem sido usada sem maiores cerimônias até o momento. É usada também em nossa LDB. Foi até dado a responsabilidade por desenvolver o exercício da cidadania. Que palavra é essa? Aqui chegamos ao ponto que anunciei mais acima, e começamos a tocar no problema de fundo, ou seja, naquilo que está pressuposto na reintrodução da filosofia em nosso ensino. Vejam bem: está-se pressupondo o conhecimento do que é a própria filosofia. A pergunta que já está respondida, mas não explicitamente, é decisiva para determinar o alcance da filosofia, sua importância e a maneira mais propícia de seu ensino. O que é filosofia? Ao clímax da pergunta segue-se a escuridão do abismo. Mas, como diz Confúcio: “não reclame da escuridão,

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acenda uma vela”, ou seja, frente à imensa escuridão do desconhecido, faça o que está ao seu alcance. Bem sabemos que a filosofia é tradição milenar (iniciou a mais de 2500 anos atrás), e que ao longo desses milênios de história ela foi praticada, ensinada e definida de muitas maneiras diferentes. Essas definições contradizem-se, englobam-se, entrepassam-se, tornando a resposta a essa pergunta algo nada fácil. Ainda mais quando não se tem em mente uma mera elaboração “palavresca”, que têm por motivação a entrega de um trabalho acadêmico em determinado prazo. A dura realidade da prática docente de filosofia no ensino médio é o campo em que a resposta a essa pergunta será colocada em xeque e a todo o momento testada. Talvez, pela dificuldade das situações, é possível arriscar-se a dizer que nesse campo a filosofia será testada a nível existencial, na vida prática do aspirante a professor. Até onde se está disposto a ir para ser professor de filosofia? Em todo caso, o ponto que estou destacando é a importância vital dessa pergunta (ou seja, o que é filosofia?) para aquele que se propõe a ensinar filosofia no ensino médio. Talvez mais importante ainda do que ao professor da academia, que recebe alunos já interessados em filosofia, portanto, algo dela entendem (ao menos espera-se que assim seja). Como esse estagiário poderá enfrentar essa pergunta? Certamente, se seu objetivo for somente passar em concurso público, ou coisa que o valha, o estudo que lhe será proposto serão documentos como parâmetros curriculares e orientações curriculares, bem como livros de professores atuais que, como ele, enfrentam os mesmos problemas e fazem a mesma pergunta. Estará aí a verdadeira fonte da qual se pode descobrir (ou redescobrir) a essência da filosofia? Acredito que a forma mais segura de formar-se frente a essa busca (a saber, a busca pela essência da filosofia) está no estudo da cultura greco-romana antiga. Além de serem 167


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imprescindíveis para a compreensão da identidade ocidental de nosso tempo, são também as testemunhas mais palpáveis da gênese, ou do projeto inicial da filosofia. Portanto, o que é proposto é um retorno à tradição filosófica. Nessa herança de nossos antepassados encontra-se o conteúdo e a metodologia do que podem vir a ser as aulas de filosofia no ensino médio. O conteúdo sendo os clássicos, como Platão e Aristóteles, por exemplo, e o método sendo o exercício de leitura e de interpretação dessas obras. A vela que ora acende-se frente à escuridão lançada pela pergunta é bem pequena e talvez a luz que lança mal valha o esforço de escrever esse breve ensaio. No entanto, defende-se que esse simples retorno aos clássicos, à medida que vir se desenvolvendo, pode ser uma direção segura e vigorosa para encontrar-se um caminho para o ensino de filosofia. Assim esse que vos escreve vem procurando fazer, desde que seu pai despertou-lhe de seu sono e disse: vá ler os clássicos!

Referências PLATO, Republic (book II, 376e). In: Complete Works/Plato; Indianapolis, Indiana, Hackett Publishing Company, 1997. CEPPAS, Filipe, Anotações sobre o ensino da filosofia no Brasil, In: Filosofia: ensino médio / Coordenação, Gabriele Cornelli, Marcelo Carvalho e Márcio Danelon. Coleção explorando o ensino; v. 14. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2010.

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A importância do estudo

CARVALHO, Marcelo; SANTOS, Marli. O Ensino da Filosofia no Brasil: três gerações. In: Filosofia: ensino médio / Coordenação, Gabriele Cornelli, Marcelo Carvalho e Márcio Danelon. Coleção explorando o ensino; v. 14. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2010. BRASIL. [Lei Darcy Ribeiro (1996)]. LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional [recurso eletrônico] : Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. (Série legislação; n. 130). 10. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014.

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Promoção Grupo de Pesquisa Filosofia, Arte e Educação UFSC

Parceiro Editorial Centro Universitário Municipal de São José USJ


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