1. Segunda-feira
Esta é a história de um menino chamado Grimble, que tinha cerca de dez anos. Você pode achar bobo dizer que alguém tem “cerca de” dez anos, mas Grimble tinha pais um tanto esquisitos, que eram muito distraídos e raramente faziam tudo certinho. Por exemplo, ele não comemorava o aniversário numa data certa, como as outras crianças: de vez em quando seu pai e sua mãe compravam um bolo, punham umas velas em cima e diziam “Parabéns, Grimble. Hoje você está fazendo uns sete anos”, ou “Ontem você fez uns oito e meio, mas a confeitaria estava fechada”. É claro que existiam desvantagens em ter pais assim – como se chamar Grimble, o que fazia todo mundo perguntar “Qual é seu nome verdadeiro?”, e ele tinha que responder “Meu nome verdadeiro é Grimble”. 9
O pai de Grimble era alguma coisa que tinha a ver com viajar, e sua mãe era uma dona de casa que gostava de estar com o marido sempre que possível. Grimble ia à escola. Em geral, quando saía de casa de manhã, seus pais ainda estavam dormindo, e tinha um bilhete no pé da escada dizendo ANEXOS DEZ CENTAVOS PARA SEU CAFÉ DA MANHÃ. Como uma moeda de dez centavos não
é muito nutritiva, ele costumava ir a uma lanchonete e comprar um copo de refrigerante, alguns suspiros e uma fatia de bacon frito. E na escola, ele almoçava – essa era a parte organizada de sua vida. Torta de carne com batata ou salsicha com purê nas segundas, terças, quartas e quintas; e, às sextas-feiras, filezinhos de peixe empanados. De sobremesa, bolusse de chocolate, que é uma mistura de bolo e mousse de chocolate sem muito gosto, a não ser de creme inglês, que o cozinheiro da escola punha em tudo. Uma segunda-feira, Grimble voltou da escola, abriu a porta e gritou: – Cheguei. Ninguém respondeu. Então ele saiu procurando mensagens pela casa, porque seus pais sempre dei10
xavam mensagens. Era uma coisa em que eram realmente bons. Numa mesa da sala de estar havia um globo. E espetado no globo havia dois alfinetes, cada um prendendo um triângulo de papel. Um deles estava espetado na Inglaterra e dizia GRIMBLE , o outro estava espetado no Peru e dizia NÓS. Ele foi até a cozinha e encontrou outro bilhete: O CHÁ ESTÁ NA GELADEIRA , OS SANDUÍCHES NO FORNO . DIVIRTA-SE .
No quarto havia um recado dizendo VOCÊ VAI FAZER SUA LIÇÃO DE CASA , NÃO VAI? P . S .: NÃO SE ESQUEÇA DE REZAR ANTES DE DORMIR .
No banheiro, mais uma mensagem: DENTES. Ele andou pela casa pensando que eles tinham sido realmente muito legais, e então foi até a porta dos fundos e viu um bilhete: LEITEIRO, NÃO VAMOS PRECISAR DE LEITE POR CINCO DIAS .
Ele mudou o bilhete para não vamos precisar de MUITO
leite por cinco dias, sentou-se na cozinha e co-
meçou a pensar nas coisas. Cinco dias é um tempo muito longo para qualquer um e especialmente longo para um menino de dez anos que nunca tem certeza se não está perdendo o aniversário. Há semanas que não 11
fazia aniversário. Ele pegou um pedaço de papel e fez as contas de cinco dias a 24 horas por dia e chegou a mais de cem horas, na verdade cento e tantas horas. Decidiu comer um sanduíche. Abriu a porta do forno, viu que estava entupido de sanduíches e pegou um de carne enlatada e geleia de damasco. Estava meio duro, como eles ficam quando foram feitos há muito tempo, então acendeu o fogo para esquentá-los e resolveu escrever um poema sobre a sua situação. Eis o que escreveu: MINHA SITUAÇÃO
por Grimble
Quando seus pais vão ao Peru E deixam chá aos montes Saber o que fazer é difícil pra chuchu E eu gostaria de me lembrar de uma palavra útil que terminasse em ontes. Fim
Não era um poema muito bom, e Grimble nem tinha levado muito tempo para escrevê-lo, então abriu a porta da geladeira e encontrou garrafas e mais garrafas 12
de chá. Serviu uma xícara e deu um gole. O gosto não era muito bom, e o chá não estava muito quente, então ele levou sua bola para o quintal e bateu pênaltis com o pé esquerdo. Para falar a verdade, Grimble não acertava a bola com o pé direito, mas poucas pessoas sabiam disso, então, quando tinha amigos que queria impressionar, ele costumava dizer “Venha me ver bater pênaltis com o pé esquerdo”. Funcionava muito bem. Depois de marcar 107 gols, voltou para pegar um sanduíche quentinho. Ele abriu a porta do forno e deparou-se com uma cena muito triste. Os sanduíches tinham sido embrulhados em guardanapos de papel, e o forno tinha queimado o papel, e toda a manteiga tinha escorrido para o fundo, e os recheios de pastas, manteiga de amendoim, mel, coalhada de limão, queijo e picles estavam fritando na manteiga. Ele pegou uma colher de chá, provou um pouco da mistura e resolveu que preferia cereal, mas enquanto provava seus olhos deram com outro bilhete grudado na porta do forno, só um pouco marrom pelo calor dos sanduíches torrados. EM CASO DE EMERGÊNCIA, PROCURE
dizia o bilhete, e
a seguir havia uma lista de cinco nomes e endereços, todos muito próximos da casa de Grimble. Ele se sen13
tiu muito melhor, fez mais dois gols e saiu para a casa do primeiro nome da lista. SR . WILFRED MOSQUITO , RUA DE TRÁS , N O 29 (TOQUE DUAS VEZES) .
A Rua de Trás ficava logo virando a esquina de sua casa, então ele correu até lá e, na porta da frente, encontrou um bilhete que dizia BEM-VINDO , GRIMBLE . A CHAVE ESTÁ NA GARRAFA DE LEITE . Ele abriu a porta, en-
trou e achou outro bilhete: A COMIDA ESTÁ NA COZINHA . A COZINHA FICA ATRÁS DA PORTA ESCRITO COZINHA ,
e na
cozinha tinha um pedaço grande de papel que dizia: SIRVA-SE .
A cozinha dos Mosquito era grande e bem-iluminada, e tinha uma fruteira com cocos, bananas e limões-sicilianos – limões-sicilianos são como os normais, só que amarelos. Na estante havia uma garrafa de rum, e a geladeira estava cheia de carne, toda ela crua. Grimble provou um gole do rum e não gostou muito. Era forte. Então comeu uma banana e tentou bater um pênalti de pé esquerdo chutando um coco contra a porta da cozinha, mas com isso tirou uma lasca grande de tinta, e ele pensou “sou um convidado e nem na minha própria casa devo tirar lascas de tinta 14
das portas”; então, grudou a pintura de volta, usando a gosma de dentro da casca de banana como cola, e saiu para explorar a casa. Pelo que podia ver, na casa dos Mosquito viviam um homem, uma mulher e uma criança com muitas roupas (ou talvez três crianças com não muitas roupas cada uma), e também seis gatos. Dos seis gatos ele tinha certeza, porque os encontrou numa cesta, embaixo da escada. Eles tinham uma tigela de leite e outra de
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carne que cheirava um pouco a peixe. Na sala havia muitas fotos de pessoas, e todas elas eram negras. Havia também um mapa da Jamaica. Grimble, que não gostava de tirar conclusões precipitadas, mas que em termos de detetive era tão bom quanto Sherlock H., deduziu que os Mosquito eram jamaicanos. Ficou ainda mais seguro disso quando encontrou um jornal chamado Daily Gleaner, impresso em Kingston, na Jamaica. Ao pegar o jornal, notou uma mensagem na primeira página dizendo-lhe que abrisse na página sete para ver a receita da semana: torta de coco. Ele foi até a página sete. “Torta de coco”, escreveu a boa senhora que tinha elaborado a receita, “até uma criança de oito anos faz.” Como Grimble tinha mais que oito anos, concluiu que poderia fazer uma torta de coco muito facilmente, assim, levou o Daily Gleaner até a cozinha, apoiou o jornal no coco e começou a ler as instruções. “Faça a massa como de hábito”, começava a receita. Grimble achou que era uma orientação extremamente idiota e ficou contente em ver que a autora também devia ter percebido isso, porque continuava: “com duzentos gramas de farinha, cem gramas de 16
arte_Grimble.pdf
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02/06/10
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Não é todo menino que volta da escola para uma casa vazia de gente e cheia de bilhetinhos dos pais, por exemplo um escrito em caneta verde num biscoito, dizendo “Não coma esse biscoito porque comer tinta verde não faz bem para você”. Mas Grimble se vira. Ele consegue até garantir um jantar de Natal, apesar de seus pais meio birutas terem esquecido que era Natal… Grimble é um menino muito divertido – e este livro também!!
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