Vambora

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NA MOCHILA

Diรกrios de uma carona

Histรณrias de quem aponta o dedรฃo para viajar EMBARQUE

peru por outras rotas

Um roteiro para conhecer o Peru fugindo do รณbvio

USHUAIA FOTOGRAFIAS de um apaixonado por trilhas e montanhas

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Foto da capa: Valle de Andorra, Ushuaia


Prezadxs leitores, Nesta nossa primeira edição queremos nos apresentar a vocês! Muito, prazer! Somos a Vambora, e buscamos trazer a vocês dicas, roteiros, curiosidades e relatos, de quem já percorreu esse mundão, para quem quer conhecer. Vocês devem estar acostumadxs com as diversas revistas de viagem que falam de destinos paradisíacos, mas que geralmente pesam os bolsos. Nossa proposta é mostrar que é possível viajar sem gastar muito. E nada mais justo que na edição de inauguração falarmos de destinos que estão logo ai, na América do Sul. O nosso compromisso com vocês é oferecer as mais variadas opções para que a sua escolha seja a melhor possível. A Vambora deste mês vai fazer vocês adentrarem à Patagônia Argentina, com uma série de fotografias registradas por Marcos Felipe Terra, em sua viagem pelo Ushuaia. Um outro destino, vizinho da Argentina, mas não menos belo, é o Uruguai. É desse cenário que vocês poderão conferir a história peculiar da viagem que o brasileiro Matheus Pereira fez de carona até as terras uruguaias. E falando de caronas, vamos mostrar a vocês que ainda é possível apontar o dedão para as ruas no Brasil. A nossa grande reportagem dessa edição vai trazer relatos sobre a cultura da carona em Florianópolis. Um outro país rico em história, cultura e montanhas é o Peru. Fizemos um roteiro bem completo para você que quer conhecer as terras incas de Huaraz. Separamos curiosidades, dicas e uma programação que vai fazer você conhecer essa cidade sem gastar muito! Para te ajudar a preparar a viagem, conversamos com a ex-VJ da MTV Gaía Passarelli, que viaja para vários cantos do mundo sozinha. Ela também é a autora do livro “Mas você vai sozinha?”, que conta um pouco de suas histórias de viagem. E, ai? Vambora?! Boa leitura, boa viagem e até a próxima edição! Lívia Tokasiki e Luísa Michels - editoras da Vambora

VAMB RA Edição 01 / Dezembro de 2017 Editoras: Lívia Tokasiki e Luísa Michels Projeto gráfico-editorial: Lívia Tokasiki e Luísa Michels Textos: Lívia Tokasiki, Luísa Michels, Marcos Felipe Terra e Matheus Pereira Imagens: Amanda Prenty, Blog Tudo ou Nada, Blog Liquidificador de Ideias, Blog Kelts, Ciro Tokasiki, David Vargas, Elizabett Abbring, Flávio Tin, Gaía Passarelli, Iris Kamenev, J. Mazzotti, Marcos Felipe Terra, Matheus Pereira, Rove Overland, Santur Esse trabalho é experimental, sem fins lucrativos e de caráter puramente acadêmico, desenvolvido pelo(a) acadêmico(a) nome do(a) aluno(a) como exercício de projeto gráfico-editorial para a disciplina de Laboratório de Produção Gráfica do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no semestre 2017-2. Não será distribuído, tampouco comercializado.


INTINERÁRIO despachando Viajando com quem entende Página 5

EMBARque Peru por outras rotas Página 8

Diários de uma carona página 14

na mochila

cartão postal desEMBARque Pelas estradas dos pampas página 28

Ushuaia O FIM DO MUNDO página 22


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Viajando com quem entende: Gaía Passarelli Gaía Passarelli é jornalista e escritora com foco em viagem, São Paulo e música. Seu primeiro livro, uma coletânea de crônicas sobre viajar sozinha, chama “Mas Você Vai Sozinha?”, lançado nacionalmente pela Globo Livros em 2016. Gaía foi também VJ da MTV, entre 2010 e 2013. Também foi colaboradora de alguns dos principais cadernos de Cultura brasileiros, como Ilustrada, Bizz e Rolling Stone Brasil. Conversamos com ela sobre suas experiências viajando pelo mundo.

Foto: Arquivo pessoal

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Vambora: Como é ser mulher e viajar sozinha? Já se sentiu insegura em alguma situação? Gaía Passarelli: Já sim, e tem essa história no meu livro. Já me senti insegura viajando assim como já me senti insegura pegando ônibus pra casa aqui na Avenida Paulista, onde moro. Acredito que quando viajando solo a gente se coloca numa situação de maior vulnerabilidade, e isso requer atenção sempre, mas a real é que a gente pode se sentir insegura em qualquer lugar, então é legal quando a gente aprende a se sentir bem em situações fora do nosso normal. Como é a preparação para suas viagens? Você pesquisa em sites, como faz pra não passar por tanto perrengue? Eu pesquiso e leio muito, é uma coisa que eu adoro fazer e eu sinto que a viagem começa quando eu começo a pensar nela. Também acho que quanto mais informada você está, mais tranquila fica. Eu pesquiso em sites e uso muito guia de viagem. Evito sites tipo TripAdvisor porque acho enviesado, se for pra pegar opinião de alguém prefiro ir em grupos de viagem no Facebook ou escrever diretamente pra alguma conta especialista num destino no Instagram e perguntar diretamente. Ler ficção também é legal!

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Guanacos em Torres Del Paine, a maior atração da Patagônia chilena. Gaía visitou o Chile em abril de 2017, sozinha. Os guanacos são nativos da América do Sul e são parentes das lhamas, também nativas dessa região do planeta.

O que a motivou escrever o livro “Mas você vai sozinha?” A vontade de compartilhar as histórias de viagem que eu já tinha. Minhas amigas meio tinham cansado de escutar e eu sempre tenho anedota e historinha pra contar. Uma resposta mais séria é que em 2016 rolou aquele caso das meninas argentinas que foram assassinadas no Equador e a gente estava ouvindo muito essa

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conversa de “mas elas estavam sozinhas, né?” E daí que elas não estavam “sozinhas” se estavam em dupla, né? Fiquei pensando muito no tanto que estar sem um homem do lado faz a gente se ver sozinha, o que é um absurdo. E eu nunca tinha pensado direito nas minhas próprias motivações pra viajar solo. O livro foi um pouco de exercício nesse sentido e eu fiquei bastante impressionada com a repercussão que teve e com o tanto que outras mulheres acharam inspirador. E fiquei com saudade de viajar sozinha de novo também! Você tem dicas para quem quer viajar sozinho e não sabe por onde começar? Compra meu livro, hahahaha. Não, sério, acho que tem que pensar se tá a fim dessa experiência mesmo. Porque é libertador e tal, mas tem gente que acha chato e tudo bem. Não gosto de existir uma obrigação de viajar sozinha sabe? É tão ruim quanto não poder viajar sozinha porque, sei lá, tem namoradxque não deixa. Viagem também é lazer e investimento e você tem que estar fazendo o que você está a fim de fazer com quem você está a fim de estar, isso que é o mais importante. Além do mais, tem momentos chatos mesmo, momentos em que a gente fica saudosa e tristinha. Faz parte. Mas vale experimentar, não?

Foto: Gaía Passarelli

“Mas Você Vai Sozinha?” é uma pergunta qualquer mulher, viajante ou não, já escutou. A possibilidade de descobrir o mundo sozinha ou acompanhada é o mote do primeiro livro da escritora. Lançado em 2016 e escrito no formato de crônicas, é recheado com dicas para mulheres viajantes. “Mas Você Vai Sozinha?” leva os leitores a cidades como São Francisco, Kanyakumari, Medellín e Paranapiacaba em relatos sinceros e bem-humorados. É um livro pra dar vontade de fazer a mala e ir viajar.


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PERU POR OUTRAS ROTAS Por Lívia Tokasiki

huaraz, ancash, peru

espanhol

9° 31’ 51” S, 77° 31’ 41” W

1 real = 1 sol

Das ruínas de Machu Picchu e da gastronomia da capital Lima muita gente já ouviu falar. Mas existe uma cidade no oeste do Peru com diversas atrações para quem quer fugir do circuito tradicional de turismo. Capital do Departamento de Ancash, Huaraz está situada na porção mais alta dos Andes peruanos, cercada pela Cordilheira Branca e pela Cordilheira Negra. A cidade fica ao 8

lado do Parque Nacional de Huascarán, que possui mais de 50 picos cobertos por neve, com destaque para o Huascarán montanha mais alta do país -, com 6.768 metros. Para àqueles que curtem trilhas, escaladas e montanhismo é uma opção muito rica em atividades e paisagens de tirar o fôlego. E o melhor: tudo isso sendo possível sem gastar muito. COMO CHEGAR Há voos diários que fazem esse percurso pela companhia aérea LC Peru e as passagens saem em torno de 200 dólares vAMBORA ] n{ O1 ] DEZEMBRO 2O17


Laguna 69: uma lagoa à 4.600 m de altitude

ida e volta. Mas, uma opção interessante e econômica é fazer o trajeto de ônibus. A vantagem está em não precisar comprar a passagem com a mesma antecedência que a viagem de avião. Os preços não são tão altos, variam entre 20 e 50 soles, dependendo do tipo de assento que escolher. É sugerível comprar as passagens até dois dias antes da viagem, já que, assim, haverá mais opções de horários. Uma dica boa é viajar durante o dia - as passagens costumam ser mais baratas - e escolher uma poltrona no andar de cima do ônibus - a vista vale as horas do percurso. O trajeto dura entre oito e nove horas. A demora não é uma desvantagem quando se falando do destino dessa viagem, pois esse é um momento para já ir aclimatando com a altitude de 3.100 metros. No trajeto é preciso se atentar aos nomes das paradas. Não existe uma rodoviária em Huaraz, então cada companhia tem seu próprio terminal. A maioria fica na rua Cajamarca, extensão da Avenida Simón Bolívar. Existe, também, a opção de alugar um carro de Lima. No entanto, a estrada apresenta muitas curvas e neblina. Requer experiência. Além disso, em Huaraz o carro não é essencial. Os comércios, hostels e casas de câmbio se concentram num mesmo bairro e, no que diz respeito aos passeios, as trilhas precisam de um acompanhamento de um guia, por isso, as próprias empresas de turismo já disponibilizam um transporte incluso no pacote.

o que fazer As lagoas azul turquesa, os picos nevados e uma vila que ainda respira a cultura tradicional peruana tornam a experiência de ir a Huaraz uma viagem singular. O Parque Nacional DEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA

Foto: Iris Kamenev

de Huascarán tem o título de Patrimônio da Humanidade, dado pela UNESCO. Pela região, existem atividades para todos os gostos: passeios de bote, andinismo, parapente, ciclismo de montanha, camping, visita a sítios arqueológicos, observação de aves, flora e fauna. E não é à toa que a cidade foi considerada pelo National Geografic um dos melhores pontos de partida para atividades de trekking, já que há cerca de 25 circuitos de trekking, além de 102 destinos de escalada em rocha. O município de Huaraz foi fundado pelos espanhóis em 1574, mas foi quase completamente destruído por um terremoto em 1970. Há apenas uma rua onde as construções coloniais foram preservadas, a Jose Ollaya. Por conta desse incidente, a cidade em si não é uma atração. Apesar disso, a cidade atende bem o visitante devido a sua infraestrutura turística, que conta com uma ampla gama de hotéis, hostels, restaurantes, casas de câmbio e agências de turismo que estão concentradas na avenida principal, a Luzuriaga, e em seus arredores.

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Parque Huascarán No site do parque existe um aviso dizendo que é obrigatório a presença de um guia especializado para realizar qualquer turismo de aventura. É possível encontrar uma lista de empresas autorizadas no próprio site. Custo: 10 soles a diária por pessoa. Ou 65 soles para 21 dias.

PRIMEIROS DIAS: PASSEIOS LEVES

LAGUNA PARON Uma outra alternativa para conhecer as belas paisagens da região sem se preocupar com a variação de altitude é a visita até a Laguna Paron, à 4.200 metros de altitude. Sua água de cor turquesa intensa e a grandiosa montanha Artesonraju ao fundo é uma visão de tirar o fôlego. É comum ouvir de moradores da região que a montanha foi inspiração para o logo da Paramount, devido ao seu cume pontudo. Existe uma caminhada de 30 minutos até um mirante, onde é possível ver a lagoa de cima, mas, se preferir, é possível ir de van. Para chegar até a Laguna Paron o trajeto demora cerca de 3 horas, passando por trechos de asfalto e por outros em terra com pedras. O caminho tem muitas curvas, porém leva o viajante até bem perto da lagoa, fato que é raridade no Parque Nacional Huascarán, onde a maioria das atrações tem acesso somente via trekking ou escalada.

Foto: J. Mazzotti

A cidade de Huaraz fica à 3.100 metros acima do nível do mar. Por isso, é muito importante que o viajante se acostume com a diferença de altitude. Para os brasileiros, que geralmente não estão acostumados com uma altura maior que 900 metros, é essencial que seja feita uma aclimatação. Ela é necessária para que o corpo não sinta as consequências da elevação de altitude e do ar rarefeito, que afetam a quantidade de oxigênio absorvida pelo organismo. Os sintomas variam entre respiração curta, dores de cabeça, náusea, vômito, tontura, LAGUNAS LLANGANUCO insônia e perda de apetite. Dentre as 300 lagoas que existem espalhadas pelo Parque Nacio nal de Huascarán, as Lagunas Llanganuco - Chinancocha e OrconRUÍNAS CHAVIN DE HUANTAR coha - são formadas pelo derretimento de glaciares. As montanhas Para iniciar sua viagem pelas terras Huascarán e Huandoy ao fundo da lagoa cor azul-esverdeada tornam huarenses sugerimos passeios que a viagem de três horas até lá valer a pena. É possível contratar um não exijam grandes dificuldades. As tour independente até lá, que, geralmente, leva um dia inteiro. Esta Ruínas de Chavin de Huantar são uma opção inclui uma visita ao povoado de Carhuaz - onde há a conhecida ótima opção, que reúne uma cami- Plaza de Armas -, à Yungay - cidade que foi destruída por um terrenhada histórica sobre o que restou do moto em 1970 e hoje são apenas ruínas - e Caraz, onde há vendas de centro do império pré-inca de Chavin. doces artesanais preparados por moradores da região. O trajeto passa O que chama sua atenção é a arqui- por estrada asfaltada e de terra e chega a uma altitude de até 3.800 m. tetura dos edifícios: construído como É um tour bastante tranquilo e que vale a pena. uma espécie de labirinto, conhecido como galerias. Nelas, existe uma teia de túneis, de diferentes níveis e tamacabeças clavas nhos. O sítio arqueológico ocupa 15 hectares e foi declarado Patrimônio Existiam dezenas das chamadas Mundial pela Unesco em 1985. Para “cabeças clavas”, incrustadas nas chegar até lá é possível contratar uma paredes das Ruínas, mas apenas excursão em uma agência de turismo em Huaraz - variam em torno de 30 uma resistiu ao tempo, permanesoles - ou ir com transporte público cendo na sua posição inicial. pagando 12 soles o trecho. 10

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Foto: Rove Overland Laguna paron, a duas horas de Huaraz

ACLIMATAÇÃO FEITA: DIFICULDADE AUMENTADA! LAGUNA 69 Um outro passeio que passa pelas Lagunas Llanganuco é a caminhada até a Laguna 69. No entanto, essa atividade não inclui as visitas aos povoados das redondezas, isso, por um motivo: só o trekking até a lagoa pode levar um dia inteiro. A trilha tem, ao todo (ida e volta), 14 km. Até aí, os amantes de montanhismo

Em Huantar existe um monólito de mais de três metros de altura que costumava ser o objeto de maior culto do povo Chavín, o Deus Lanzon.

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Foto: David Vargas

El Lanzon

podem achar pouca coisa. Mas o que realmente pesa é a elevação de altitude, que sai de 3.900 m à 4.600 m. Por isso que é imprescindível a quem vá a Huaraz fazer uma aclimatação antes de partir para os passeios mais exaustivos. Apesar da dificuldade, a vista da lagoa é recompensante. O azul intenso de suas águas e o belíssimo nevado Chacraju ao fundo faz toda a energia gasta na caminhada voltar. Algumas agências oferecem um picnic lá em cima, onde se permanece por aproximadamente 1 hora. Os preços das excursões variam entre 30 e 65 soles, dependendo da qualidade do serviço e se inclui guia ou não. Por se tratar de um tour com um grau maior de dificuldade, neste caso, não vale a pena economizar, uma vez que qualquer atraso pode fazer com que não dê tempo de alcançar a lagoa.

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Foto: Elizabett Abbring A geleira Pastoruri está derretendo a cada ano. A água do degelo formou um lago, aos pés do Nevado Pastoruri

Pertinho de Huaraz está o imenso Glaciar Pastoruri, que compete com a Laguna 69 como o destino mais procurado da região. Antes, um pico com neve abundante desde sua base, no entanto, hoje, ele está regredindo devido ao aquecimento global. Apesar disso, sua grandeza surpreende. Localizado no Parque Nacional Huascarán, a uma distância de aproximadamente 70km do centro de Huaráz, a trilha até o glaciar está à 5.340 m sobre o nível do mar. Os tours completos levam em torno de 7h e variam entre 30 e 40 soles. Da base até o glacial há uma caminhada de pouco mais de 3km, contando ida e volta. A caminhada seria fácil se fosse ao nível do mar, mas, a 5 mil metros de altitude, a dificuldade aumenta. Os mais aclimatados podem superar bem a altitude, mas é comum pessoas passarem mal ou até mesmo não conseguirem chegar até o glacial. Se sentir muito cansaço ou dor de cabeça, considere a possibilidade de alugar um cavalo para chegar ao glacial por 7,50 soles o trecho. No mesmo passeio é possível visitar um pequeno lago de onde sai água com gás de forma natural e também ver as enormes Puya Raimondi, plantas que nascem unicamente na região e chegam a ter 17 metros de altura. 12

Foto: Amanda Prenty

glaciar PASTORURI

As Puya Raimondi também são conhecidas por Titanca. Podem chegar a doze metros de altura e são a maior espécie da família das Bromeliáceas

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Foto: Ciro Tokasiki

Foto: Ciro Tokasiki As paradas a beira das estradas huarenses também rendem várias fotos aos visitantes

Menina huarense com trajes e cores usadas no Peru

QUANDO IR

COMO É O CLIMA

Julho é o mês mais movimentado por lá, já que é considerado o ápice do verão andino, que vai de Abril a Setembro. Porém, nessa época tudo é mais caro, alguns valores chegam a triplicar. Por esse motivo, para evitar preços abusivos, aconselhamos que evite a época de chuvas, que vai de Outubro a Março.

Devido à elevada altitude, as temperaturas costumam ser amenas. Leve roupas de frio que possam ser tiradas caso o sol esquente muito em certas partes do dia. Opte por roupas leves caso vá fazer esportes e não se esqueça de sapatos confortáveis e impermeáveis.


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DIÁRIOS DE UMA CARONA

Foto: Paulo Velho

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Por Lívia Tokasiki e Luísa Michels

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lorianópolis, fim de tarde. Quando o relógio marca 17h, os carros começam a subir a rua João Pio Duarte, no bairro Córrego Grande, em direção ao Leste da Ilha. As filas aparecem e, por vezes, os cruzamentos ficam trancados. Em frente ao Restaurante Dona Benta é possível encontrar pessoas que tentam quebrar a lógica do “meu carro próprio”. São os caroneiros. E numa terça-feira de outubro, nós, Lívia e Luísa, levantamos o dedão pela primeira vez juntas para viver, em um dia, a experiência de quem usa as caronas como meio para se locomover pela Ilha. Importante para esta história é esclarecer que somos duas mulheres brancas, cisgêneras, de 19 anos, estudantes universitárias. Antes de seguir com o relato precisamos fazer uma pausa para explicar porque os nomes das pessoas envolvidas nessa vivência não estão completos. Em uma carona, a conversa é rápida, superficial, e apesar de contar-se diversas histórias, o caroneiro não conhece realmente o motorista, e vice-versa. O tempo é relativamente curto e por isso é mais realista chamar apenas pelo primeiro nome. Seguindo a mesma lógica, ao invés de mencionarmos as suas idades, relacionamos os motoristas com o modelo do carro que dirigem, já que isso também faz parte da característica da pessoa. 14

De volta à experiência. No restaurante, já assumindo a postura de um caroneiro, um homem alto, com longos dreads, esperava por mais uma de suas caronas diárias, dessa vez para voltar para casa. Seu nome é Fábio e nos juntamos a ele para começar nossa vivência. Só conseguimos abaixar nossos dedos quando um Volkswagen Up parou, após dez minutos de tentativas. E no meio do mar de carros, uma coincidência: Fábio conhecia o motorista, Carlos Eduardo, de uma outra vez que lhe cedeu o banco direito. Carlos estava voltando para sua casa, no bairro Rio Tavares, depois de uma tarde resolvendo assuntos de trabalho. Ficamos animadas ao ouvir seu destino, porque sabíamos que esse trajeto passaria pelo Porto da Lagoa, o nosso ponto final, sendo uma viagem direta e rápida. Entre conversas sobre histórias da vida, universidade e assuntos banais, chegamos à Lagoa no início do anoitecer. O Fábio, companheiro do início da reportagem, não só era conhecido do motorista, como da Lívia. Foi ele quem sugevAMBORA ] n{ O1 ] DEZEMBRO 2O17


riu que fizéssemos a divulgação de um formulário, através do Semana UFSC, para nos ajudar a compreender o perfil de quem participa da cultura da carona. Essa dica que foi essencial para conseguirmos atingir mais pessoas e tornar a pesquisa mais representativa.

Pelo mundo afora Rodrigo Cavalcanti, estudante de Engenharia Mecânica na Universidade Federal de Santa Catarina, a UFSC, passou dois anos na França estudando através de um programa de intercâmbio. Chegamos nele por meio do seu relato no formulário. Natural de São Paulo, Rodrigo tinha medo de levantar o dedão e encarar uma viagem em carros desconhecidos. Porém, foi em terras francesas que ele perdeu o medo das caronas. Depois das primeiras, nunca mais parou. Para sua grande estreia como forasteiro em bancos alheios, Rodrigo se preparou utilizando o blog Hitchwiki, que disponibiliza dicas para quem quer se aventurar nesse mundo. O site recomendava viajar de pouco em pouco, então, fez uma placa com o nome da cidade mais próxima, e se posicionou. Estava muito envergonhado, era algo fora de sua realidade. O objetivo era sair da zona de conforto e conhecer lugares gastando pouco. ”Mas aí, eu percebi que existe coisa mais importante que gastar pouco. Conhecer outras pessoas é muito legal”, avalia ele. DEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA

O dedão esticado é o “símbolo” de quem pede carona

“Eu percebi que existe coisa mais importante que gastar pouco. Conhecer outras pessoas é muito legal”

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Rodrigo viveu muitas experiências e tem muitas histórias para contar. “Tu consegue conversar com todo tipo de gente. Desde um comerciante, que me deu um potinho de geléia, até um cara que trabalhava na União Européia.” Utilizando essa técnica, o estudante de Engenharia Mecânica conseguiu melhorar seu francês e perder a timidez. No entanto, para ele, o mais importante foi ter desenvolvido o seu lado humano. Ele diz que gostou do jeito como as pessoas veem e tratam os caroneiros. Mesmo não parando, elas reparam e conversam, ou fazem algum sinal. Conta que quando foi ignorado sentiu-se humilhado e levou esse ensinamento para a vida, uma vez que também passava reto quando alguém tentava vender ou pedir algo. “Tu pode olhar pra mim e dizer que não confia, eu entenderia. Mas ignorar um outro ser humano, isso eu achei o fim da picada.” Essa cultura voltou com Rodrigo quando retornou ao Brasil. Ele e um amigo já viajaram até Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, com a ajuda de uma mulher que conheceram em um posto de gasolina em Palhoça, que pertence à região continental da Grande Florianópolis. Ficaram duas horas no mesmo local até que alguém aceitasse levá-los. Na Ilha, conhecia apenas os pontos entre a Lagoa e a UFSC, que para ele já estava ótimo. Junto com uma amiga, reservaram um domingo para irem à Praia Mole. Era a primeira vez que sua amiga experimentava uma carona, e, segundo Rodrigo, ela adorou.

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Foto: Santur

Florianópolis é uma cidade com uma vida norturna bastante agitada, principalmente nos bairros mais turísticos

Se quem sai de Floripa e vai para a Europa incorpora o espírito de caroneiro, aqui, estrangeiros continuam praticando essa atividade para se deslocar pela Ilha. É das curvas da rua Osni Ortiga tangendo a Lagoa da Conceição que conhecemos o espanhol Álvaro Martínez, um galego de 24 anos que, se calado não faríamos esforço para acreditar que é manezinho. O intercambista cursa Oceanografia na UFSC, é morador do centrinho da Lagoa e caroneiro em Floripa há aproximadamente 2 meses. “A carona me ajudou a melhorar o português, a confiar em outras pessoas no Brasil, a socializar”, avalia Álvaro, mas diz que nem sempre foi assim. No começo, o seu escasso português misturado com a vergonha o impediu de se aventurar na ideia. Nem por isso deixou de se arriscar. “Se você tiene medo, no puede pegar uma onda”, metaforiza Álvaro, num portunhol bem característico. Foi com esse pensamento em mente que o espanhol seguiu para sua primeira experiência. Em um pedaço de papelão, Álvaro escreveu “UFSC”, em um verso, e “Lagoa”, no outro, acreditando que, assim, seria mais fácil dos motoristas compreenderem seus destinos. Na época, não tinha noção de quais eram os principais pontos de carona, então pensou em ficar próximo a uma lombada, já que sabia que os carros teriam que diminuir a velocidade e a chance de alguém parar seria maior. “Em pouco tempo um carro parou e eu falei para ele: UFSC! E ele me deixou na outra universidade, imagina?! Tive que caminhar muito, muito, muito”, relembra Álvaro, achando graça de uma história que um dia foi frustrante e o deixou perdido às portas da Universidade do Estado de Santa Catarina, a UDESC.

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Segurança no banco do outro

Foto: Blog Kelts

A imagem que os estrangeiros têm do Brasil é complexa, principalmente quanto a questão da segurança. Por isso é curioso pensar que, mesmo assim, a carona faz parte de suas rotinas. É o caso do Álvaro, que, hoje, levanta sua plaquinha pelo menos duas vezes ao dia para trafegar pela Ilha. Hábito que adquiriu com o tempo. No início, tinha receio de se arriscar. Ele conta que antes de vir ao Brasil, sua irmã, que morava no Rio de Janeiro, lhe descrevia a loucura que era a cidade. Isso deixou uma imagem negativa sobre o país, que não durou muito após suas primeiras vivências como caroneiro. Em uma das experiências de Lívia, outra intercambista, a portuguesa Ana, lhe contou que é muito comum, entre os estudantes que vem de fora, o hábito da carona. No entanto, para a surpresa de Lívia, Ana pediu sua companhia no caminho até o hostel onde estava hospedada. Já era noite. “Disso eu não tenho medo, mas será que você poderia andar comigo até minha casa?”, pediu Ana, ainda receosa de caminhar só nas noites brasileiras. Em nosso desafio de se colocar no lugar dos caroneiros, chegamos no Porto da Lagoa quando o céu começava a escurecer. Talvez, por sermos mulheres, se tivéssemos chegado mais tarde, nossa experiência poderia ser outra. O horário,

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“A carona me ajudou a melhorar o português, a confiar em outras pessoas no Brasil, a socializar” gênero, entre outras variáveis, são uma linha tênue que separa uma viagem segura de uma experiência desconfortável. A insegurança também foi uma questão abordada em nossa enquete online. Embora não exista uma pesquisa que aponte a predominância da mulher na cultura da carona em Florianópolis, constatamos, através da nossa vivência e do levantamento online, que esse fato corresponde à realidade. Além de se sobressaírem como caroneiras, são elas que mais relatam algum tipo de insegurança em suas viagens. Normalmente, atrelada a assédios - morais e sexuais. Nessa pesquisa online, disponibilizamos uma seção para depoimentos, e foi por lá que conhecemos Kainara Ferreira. Ela cursa Pedagogia na UFSC e está terminando sua graduação. Esse tipo de deslocamento é sua principal forma de andar por Floripa - durante os quatro anos da faculdade, Kainara basicamente só usou este meio para ir e voltar da Universidade. Ainda que essa cultura em seu

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dia-a-dia seja forte, ela diz que, enquanto mulher, a insegurança existe. Para isso, Kainara desenvolveu algumas estratégias: ela não sobe em carro com mais de dois homens e não diz seu destino final, mas pergunta o do motorista. A estudante comenta que os veículos são um espaço privado, e quando eles são disponibilizados para caronas, se transformam em um ambiente compartilhado. Esta situação implica assumir alguns riscos. “Como diz o Larousse, a experiência perpassa por você aceitar o risco. Não o risco de você se colocar numa questão de vulnerabilidade física, mas o risco de você entrar num espaço desconhecido com uma pessoa desconhecida”, reflete Kainara. Quando perguntamos sobre o que a prática lhe acrescenta, ela respondeu, com sorrisos largos, que não estaria onde está se não fosse a oportunidade de desenvolver sua oralidade, tato e sensi-

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bilidade, além de ter conhecido muitas pessoas e escutado tantas histórias. ”Acho que só não arrumei emprego nas caronas”, brinca ela. A Kainara vive nos bancos alheios, ao contrário de Cláudia, que vê pelo lado de quem as oferece. Foi a Cláudia, do Ford Fiesta cinza, quem nos deu as primeiras esperanças de chegar na UFSC a tempo para nossa aula de quarta-feira. Entramos em seu carro e, no rádio, tocava um sertanejo bem alto - Luísa, que estava no banco de trás, quase não conseguia ouvir o que ela e Lívia conversavam na frente. Ela conta que costumava usar das técnicas de caroneira para ir aos barzinhos do bairro Santa Mônica, e, numa dessas vezes, o motorista relatou ter sido assaltado por dois homens a quem estava oferecendo carona. Mesmo com receio depois de ouvir essa história, Cláudia continua abrindo as portas de seu carro, principalmente para caroneiras. Nesse ponto - do porquê é mais fácil conseguir carona sendo mulher - ela e Kainara concordam que são elas que inspiram mais confiança em quem está dirigindo.

fatos imprevisíveis Perguntamos a Cláudia qual era seu destino, a e ela nos disse que estava a caminho do LIC, o Lagoa Iate Club, mas que poderia nos deixar próximo ao pé do morro da Lagoa, um ponto estratégico para seguir sentido centro. Em se falando desses pontos, nosso formulário também serviu como um levantamento sobre eles, entretanto, por questões de segurança para quem pega e oferece carona, fizemos um pacto de não divulgá-los. De qualquer maneira, há pontos visíveis e conhecidos por quem trafega pela região, até mesmo por quem não faz parte deste universo, sendo o pé do morro e o restaurante Dona Benta dois notáveis exemplos. Fomos até o pé do morro da Lagoa para tentar avançar rumo à UFSC. Um, dois, três carros passaram, todos indo em direção à UDESC. Os três estudantes que também pediam carona ao nosso lado estavam com os ventos ao seu favor, já a caminho de seus respectivos destinos. Só conseguimos embarcar no quarto carro que parou. Como a sorte é para quem tem, e não para quem quer, não foi dessa vez que conseguimos ir diretamente para a UFSC. O Hyundai HB20 preto era dirigido pelo Eduardo Bruno. Ele estava voltando da praia, ainda de pés descalços e ia até o Colégio Autonomia, no bairro Itacorubi, buscar sua filha.

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Foto: Flávio Tin

Conseguimos ver a importância da bagagem do caroneiro para uma conversa fluida em uma carona


O trânsito da Grande Florianópolis durante os horários de pico é um problema que ainda não há solução, o que faz com que muitas pessoas optem pela carona como maneira mais fácil de locomoção

O trajeto foi curto. Mesmo assim, t A Lívia, que faz sapateado na Garagem da Dança, sabia que muitos estudantes do Autonomia dançavam lá. Ela comentou isso com Eduardo, que nos contou que sua filha já fez sapateado na mesma academia, e que, até hoje, ela tira os sapatos do armário para dançar quando dá vontade. Num clima leve que o poder de identificação gera, descemos do carro e nos despedimos de Eduardo. Depois de esperarmos uns quinze minutos, na Avenida Vera Linhares de Andrade, sob o sol forte do meio-dia, nossa terceira e derradeira carona chegou. Era Vanderson. Um alagoano que dirigia um Peugeot 206 prata. Em nossa curta conversa, no trajeto que terminaria no Centro de Ciências da Saúde da Universidade, descobrimos que ele faz Mestrado em Ciência da Computação e que sente muita falta de morar perto da praia. Atualmente, Vanderson mora no bairro da Trindade, mesmo bairro em que está sediado o campus principal, que se localiza no centro da ilha, onde não há praia à vista. Ao todo, demoramos 45 minutos e conhecemos três motoristas diferentes para ir do Porto da Lagoa até à UFSC. Ao passo que na tarde anterior, fizemos o caminho inverso em apenas um carro, demorando cerca de meia hora. A nossa vivência nos mostrou como a prática é imprevisível, mas que, DEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA

ainda assim, é uma alternativa ao transporte coletivo - este, que chega a levar 56 minutos para percorrer o mesmo trajeto.

Uma vida de caronas Foi num momento de correria, entre as aulas do jornalismo e a dança, que Lívia não viu outra alternativa senão levantar sua plaquinha em frente ao Dona Benta, para tentar chegar a tempo para sua aula de sapateado. Quem parou para salvá-la de uma bronca foi Júlio, em seu Ford EcoSport. Ele disse a Lívia que não é de seu agrado oferecer carona para uma única mulher, no entanto, viu que ela estava há um tempo na angústia da espera e resolveu abrir uma exceção. Comentou, também, que não é sempre que abre suas por-

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No volante, o compositor de “Como Vai Você” estava a caminho de seu show, e o deixou entrar

tas para desconhecidos, depende do seu humor e da disposição de se conectar com uma nova pessoa. E dessa viagem, que tinha tudo para não acontecer, surgiu o Júlio. Uma estratégia que Lívia usa para ter uma conversa fluida em suas idas e vindas é perguntar sobre histórias de caronas. E foi partindo de um bate-papo despretensioso que Júlio aceitou compartilhar suas várias aventuras que já se acumulam em sua bagagem, de uma época que era ele quem acenava o dedão para as ruas. Seus relatos vão desde viajar com um astro da Jovem Guarda até deslocamentos em transportes improváveis. 20

Ele conta que não tinha muita condição financeira e nem paciência para usar o transporte coletivo de sua cidade, e por essa razão começou a levantar o dedão para ir a escola. Júlio, com a companhia de seus amigos, foi criando técnicas, como sorrir para o motorista e sempre pedir licença para entrar num carro. “A gente tinha a cara de pau de descobrir onde é que a pessoa morava e esperava ela sair da garagem”, relembra, ele, da época de garoto. Mais tarde, apontava o dedão para viajar pelo Brasil, e assim chegou a visitar a Bahia, o Rio de Janeiro, o Rio Grande do Sul, e Santa Catarina. Júlio diz que foi assim que conheceu e se encantou por Florianópolis, onde mora há mais de 30 anos. Ele brinca que as bruxas da Ilha o fisgaram e por isso não conseguiu mais sair daqui. Quando jovem costumava dizer que, se tivesse um carro, jamais diria não a um caroneiro. Hoje em dia, há algumas circunstâncias que o fazem reconsiderar esse pensamento. Ele defende que “na carona você tem que estar ali para isso, porque ninguém é obrigado a dar”. Júlio se prepara para abrir as portas de seu carro, pois vAMBORA ] n{ O1 ] DEZEMBRO 2O17


Foto: Blog Liquidificador de Ideias

acredita que tem que ser uma experiência boa tanto para ele quanto para o viajante. Se não estivesse em um bom dia, seria provável que Lívia não o conhecesse, e essa narrativa nem mesmo existisse. Essa disposição que Júlio defende vem do aprendizado de suas experiências na juventude. “A nossa geração é pós Woodstock, pós hippie. A carona era uma rebeldia”, relembra o ânimo que havia em praticar essa atividade nos anos 70. E foi nessa época que ele vivenciou uma das situações que mais gosta de narrar: a viagem com o cantor Antônio Marcos. À beira de uma estrada em Ponta Grossa, Paraná, um Dodge Dart, de duas portas, parou em sua frente. No volante, o compositor de “Como Vai Você” estava a caminho de seu show, e o deixou entrar. “Falei umas duas músicas que sabia dele e aí a carona começou”. O artista namorava a cantora Vanusa, símbolo de musa na época, e foram conversando sobre ela durante o percurso. Essa viagem rendeu muitas recordações e Júlio se orgulha em dizer que até almoçaram juntos. “Ele pediu

uma caneca de chopp, isso me lembro bem!”. Ele acredita que quem se aventura tem sempre uma história para contar. “É só não ter medo de falar”. E recordações, para ele, é o que não faltam. Suas caronas não se restringiram simplesmente a carros. Já viajou em ônibus de linha como caroneiro - na época que os bolsos estavam vazios - e, surpreendentemente, de avião. Júlio explica que, em Curitiba, aeronaves da Força Aérea Brasileira saiam toda segunda-feira de manhã para seus respectivos destinos, e que, quando sobrava espaço, era possível arranjar um assento. Diz que ia bem cedo para conseguir um lugar e, assim, já coleciona três viagens. Depois de tantas histórias inusitadas, caronas de avião, ônibus e com um artista famoso, Júlio brinca que só falta andar na cauda de um cometa. “Tem uma música que eu gostava que era ‘pegar carona numa cauda de cometa’”, cantarola em ritmo de nostalgia. “Eu achava essa música um encanto, que um dia eu ia fazer isso.”

Quem se aventura tem sempre uma história para contar


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O fim do mundo textos e fotos por Marcos felipe terra

Lembro-me de uma matéria que assisti ainda quando criança sobre o Ushuaia, a última cidade do hemisfério sul, situado na Argentina. Um lugar onde as montanhas se encontravam com o mar, e dali pra frente nada mais existia, exceto mar e gelo. Essa ideia de um dia conhecer o fim do mundo ficou tanto tempo na minha cabeça que em um certo dia, vagando pelas montanhas da Patagonia através do google maps, eu decidi: Eu vou! E fui. Era verão, fui acompanhado de uma amiga, uma barraca e um desejo imensurável de explorar as montanhas da região. As condições eram favoráveis, tínhamos em torno de 19 horas de luz por dia, temperaturas entre -4ºC e 14ºC nas montanhas, e pouca neve nas trilhas. Começamos nossa jornada “haciendo dedo”, termo em espanhol para pedir carona. As pessoas lá são extremamente amigáveis e prestativas, e sempre que nos viam pedindo carona paravam o carro. Nas trilhas navegamos com auxílio de GPS e mapa, uma vez que fomos para alguns lugares que nem as pessoas da própria região os conheciam. Na maioria dos lugares não havia sequer um sinal de civilização, e raras foram as ocasiões que encontramos com outras pessoas nas trilhas. Posteriormente seguimos viagem para o norte da Patagonia, mas as lembranças do Ushuaia certamente foram as mais marcantes de toda a viagem, e possívelmente de toda a minha vida. A camêra utilizada foi uma Nikon D5200 com uma lente do kit 18-55mm f/3.5-5.6 e uma grande angular 10-20mm f/3.5. 22

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Paso Margot

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Após subir mil metros verticais e escalar um paredão imenso de gelo, esse é o visual que se tem do semi-cume ao lado da Laguna Margot, logo atrás da cidade. As dimensões são tão absurdas que de certa forma nos remete a insignificância e efemeridade da vida diante da vastidão da natureza. Esses vales foram esculpidos pelo degelo das montanhas ao longo de milhões de anos.

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Árvores secas

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Logo no primeiro dia de viagem pegamos uma carona pra saída da cidade e em 20 minutos caminhando já estávamos nesse vale imenso, com montanhas nevadas acima de mil metros de altitude e florestas que se estendiam até o horizonte, sem nenhum sinal de civilização. O silêncio do ambiente era inacreditável, apenas o barulho de um rio correndo distante e dos pássaros cantando.

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Laguna Esmeralda

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Depois de acampar duas noites consecutivas na montanha, com temperaturas abaixo de zero graus e uma nevasca intensa em pleno verão, decemos e pegamos carona de volta à Ushuaia. Entretanto, ao ver uma placa sinalizando o início da trilha para a Laguna Esmeralda, gritei para o motorista que nos deu carona: “É aqui mesmo que nós vamos ficar!”. Tínhamos pouca comida, mas não podíamos perder a chance de conhecer e acampar em um dos picos mais icônicos da região. Durante a noite um castor começou a nadar/pular no lago ao lado da nossa barraca. Nós acordamos com o barulho e pelo tamanho da silhueta dele imaginamos que fosse um jacaré (mesmo sabendo que não existem jacarés na patagonia). Enfim, passamos a noite acordados pra ter certeza que não morreríamos atacados por um possível jacaré dos Andes.

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Laguna Celeste

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Tentei coletar informações sobre a Laguna Celeste quando cheguei em Ushuaia, e para a minha surpresa ninguém a conhecia. Pensei em desistir? Jamais! Nada que um Google Maps não resolva. Coletei algumas informações na internet, montei uma rota, e parti rumo ao desconhecido. A trilha era mais difícil do que eu imaginava, com algumas partes expostas e com gelo. Quando avistamos a laguna com aquele azul celeste na base de um glaciar imenso foi basicamente uma anestesia no cérebro. Nossa única reação foi gritar, gritar muito, sem ninguém pra nos ouvir. Armamos a barraca à beira do lago e fomos explorar as cavernas de gelo próximas ao lago. No fim da tarde começou a nevar muito, deixando a paisagem com aquele tom monocromático de nostalgia. A sensação que eu tinha era de que eu estava em um sonho, o melhor deles. vAMBORA ] n{ O1 ] DEZEMBRO 2O17


Via Láctea

Como a noite tem menos de 5 horas de escuridão no verão patagônico, são raras as oportunidades em que é possível observar o céu noturno. Felizmente durante uma das noites acampando nas montanhas o tempo abriu e foi possível observar a Via Láctea e outras duas galáxias vizinhas, a pequena e a grande Nuvem de Magalhães. Apesar das temperaturas negativas durante a noite, observar o céu noturno patagônico é uma experiência única, pois a poluição luminosa na região é basicamente inexistente.


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PELAS estradas dos pampas texto e fotos Por MATHEUS PEREIRA

O meu mochilão até o Uruguai começou no sonho, meses antes. Aos poucos, quando vi que poderia tornar ele uma realidade, comecei a planejar, com um singular sorriso no rosto que me acompanhava enquanto eu imaginava como ele viria a acontecer. Parti de Criciúma, cidade onde moram meus pais, na madrugada do dia 24 de julho de 2015, e rumei, de ônibus, até a cidade gaúcha de Osório, onde a BR-101 se divide nela mesma, seguindo o litoral, e a famosa Freeway, que ruma a Porto Alegre. Eu queria conhecer o litoral gaúcho, então escolhi seguir pela rota menos inteligente - tem muito menos movimento. De Osório, peguei novo ônibus até a cidade de Palmares do Sul, que vem na sequência, e comecei a pedir carona na beira da estrada. Depois de meia hora, parou uma camionete. Quem dirigia era um plantador de soja ali na região que estava indo visitar sua fazenda – me deixou na posterior localidade de Bacopari, não sem antes me avisar que ali seria difícil eu conseguir alguma carona, visto

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que as cidades são distantes e as pessoas, em sua maioria, vão apenas até suas fazendas. Dito e feito: após quatro horas aguardando num ponto de ônibus sem nenhum sucesso, embarquei em mais um ônibus rumo à cidade de Mostardas, furioso pelo acontecido. Por lá, acampei – gratuitamente, é claro – num camping desativado à beira da BR-101, pegando no sono pelas 20h30. De madrugada, caiu uma tempestade, que inundou minha barraca. Quando eu dormi ainda estava com o tempo seco e eu não coloquei a capa de chuva, isso tornou inutilizáveis todas as folhas com informações e guias que imprimi. Teria que ir na raça. E fui. Tomei novo ônibus até cidade de Tavares, onde visitei o farol Capão da Marca, à beira da Lagoa dos Patos, que estava incluído nos meus desejos de viagem. Aliás, o dia em Tavares foi maravilhoso – uma legítima cidade pequena, onde todos sabiam que eu era de fora, por não me conhecerem, e me perguntavam de onde eu era mesmo sem mochila nas costas - havia deixado elas num hotel. À noite, peguei um ônibus até São José do Norte e, de lá, uma balsa até Rio Grande, onde fiquei nos próximos dias. No dia 30 de julho, voltei à estrada. Fui pegar carona na região da Quinta, no sul da cidade de Rio Grande, onde um caminhoneiro uruguaio, Rubén, entre seus cigarros, bolados com tabaco, e a imensidão reta da BR-101, me levou até a cidade do Chuí, onde cheguei no entardecer. Já estava escurecendo e eu não poderia procurar por locais para acampar, então passei a noite no hostel mais barato. No dia seguinte, caminhei pela cidade e depois até a aduana, onde ganhei o visto de turista para entrar no Uruguai e adentrei na minha primeira fronteira da vida. vAMBORA ] n{ O1 ] DEZEMBRO 2O17


Fotografia tirada por Matheus dentro do caminhão de Rubén, uruguaio que o levou até a cidade gaúcha do Chuí.

Emocionado, fui pedir carona aos carros que paravam por lá, e com menos de dez minutos consegui: coincidentemente com um casal de Florianópolis. Thiago e Kely iriam a Punta del Diablo, meu próximo destino, mas antes fariam uma parada no Farol de Santa Teresa, que eu, feliz da vida, incluí de última hora no roteiro da viagem. Foi só descer do carro que começou a cair uma tempestade me recepcionando em solo uruguaio, e, já de capa de chuva, conheci um pouco mais da história do país dos pampas. Mais tarde, o casal me deixou no centro de Punta del Diablo, um paraíso dos hippies e dos surfistas, e certamente o lugar mais mágico de toda a viagem. Depois que o sol apareceu e eu já havia comprado mantimentos para passar o dia, os habitantes começaram a aparecer nas ruas e me cumprimentar com simpatia única. Naquele dia, ainda, fiz amizade com um cachorro uruguaio que começou a me seguir pela cidade, e, quando montei minha barraca numa tenda à beira-mar, ele deitou do lado de fora. Qual não foi meu susto quando, no início da madrugada, vi um clarão: era a lua laranja, que ocorreu no dia 31, e eu não sabia. Foi extremamente reconfortante e encantador aquilo tudo. No dia seguinte, arrumei minhas coisas e fui andando até a rodovia, cerca de meia hora, para a carona mais louca da minha vida. Poucos minutos foram necessários até um carro que vinha em alta velocidade de repente parar e me dar carona. Cheio de bugigangas e com o outro caroneiro viranDEZEMBRO 2O17 ] n{ O1 ] vAMBORA

Entre seus cigarros, bolados com tabaco, e a imensidão reta da BR-1O1, me levou até a cidade do Chuí 29


do uma garrafa de uísque, não me surpreendi quando me disseram que eram membros de um cartel de contrabando de Montevideu – que comprava coisas sem imposto no Chuí. Depois de fazer um trajeto de três horas em 1h50, os dois, agora amigos meus, me deixaram na cidade de San Carlos e me deram um abraço e desejaram boa viagem. Em San Carlos, andei até o centro para comer e usar a internet para falar com meu couchsurfer, em Maldonado. Foi talvez a cidade mais “uruguaia” que vi por lá. É uma atmosfera indescritível, totalmente diferente da que estamos acostumados a ver. Peguei um ônibus já a noite e cheguei em Maldonado, na casa de Gonxalo, que me recebeu de braços abertos e com uma pizza. Nos dias seguintes, acabei ficando por Maldonado – conheci a cidade muito bem – e na famosa cidade ao lado, Punta del Este, ambas com mais aspecto de cidade maior que

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as que estive anteriormente, ainda que faça eu me sentir em casa respirar um pouco da rotina e realidade local. No dia 4 de agosto, arrumei minhas coisas e voltei à estrada. Consegui uma carona com um casal que deixava um mercado na saída de Maldonado e fui até San Carlos, cidade onde eles moravam e pela qual já havia passado. Por lá, depois de muito tentar em vão, não consegui uma carona e acabei pegando um ônibus até o Chuí. Cheguei no Chuí pelas 20 horas, e o próximo ônibus para Porto Alegre sairia somente no dia seguinte, às 5 da manhã. Estendi meu colchonete do lado de fora da rodoviária e dormi por ali mesmo, com uma gata que apareceu para me fazer companhia e um pacote gigantesco de salgadinhos. Na manhã seguinte, peguei o ônibus até Porto Alegre e de lá rumei para casa. Foi minha primeira viagem e foi do jeito que deveria ser, com inúmeros perrengues e situações que puseram a prova todas minhas inseguranças e angústias. Mas foi uma excelente estreia, um verdadeiro mochilão que me transbordou de alegria e orgulho de mim mesmo quando voltei. Já pretendo retornar ao Uruguai em breve, e à estrada eu já acho que estou devendo tempo demais. É uma experiência única, que todos deveriam tentar: viajar de carona para um local desconhecido é uma aventura maravilhosa.

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Matheus em frente ao famoso monumento de “Los Dedos”, na cidade de Punta del Este

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PrOxima parada SUDESTE ASIÁTICO


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