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tratamento
by editorialmic
senta a assistência farmacêutica em Sabóia, tal como em todas as freguesias do concelho de Odemira incluindo as desta vila, foi sempre assegurada por ajudantes técnicos de farmácia, homens e mulheres que, não tendo passado pelos bancos da Universidade, adquiriram os conhecimentos necessários para produzir e dispensar os medicamentos e prestar outros cuidados de saúde, com os ensinamentos dos boticários mais antigos com quem se iniciaram na profissão e os aperfeiçoaram com a prática do dia a dia na farmácia e no contacto com médicos, enfermeiros e com os próprios doentes. Na verdade, foram aqueles ajudantes técnicos de farmácia que asseguraram o acesso ao medicamento às populações das aldeias e das pequenas vilas de todo o país até ao final da década de sessenta.
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A Farmácia de Sabóia, desde o primeiro dia do seu funcionamento, em 1932, até meados da década de noventa esteve sempre localizada no nº 13 da Rua 5 de Outubro, numa casa térrea com uma porta e duas janelas entre as quais havia duas argolas onde se prendiam cavalos e burros onde se transportavam os utentes da botica.
Nas décadas de sessenta e setenta a farmácia era constituída por uma sala de atendimento ao público, por um laboratório que comunicava com a residência do proprietário e por uma pequena casa de banho.
A sala de atendimento ao público dispunha de dois grandes armários com portas de vidro, de um armário pequeno, de um balcão e de uma secretária, todos em madeira de castanho. Nos armários grandes dispunham-se as “especialidades farmacêuticas”, os medicamentos de produção industrial que chegavam duas vezes por semana à estação ferroviária em grandes cestos de vime. Estes medicamentos, que eram raros até ao início da década de cinquenta, foram progressivamente substituindo na prescrição médica os que eram produzidos “segundo a arte” no laboratório da farmácia, designados por manipulados. Nas prateleiras do armário pequeno estavam arrumadas as Farmacopeias, os Formulários e outros livros que orientavam a produção dos manipulados, a realização de análises químico-biológicas ou que apoiavam intervenções em saúde. Aqui residiam também os registos do receituário dispensado e dos psicotrópicos, assim como outra escrita da farmácia.
O balcão no centro da farmácia tinha um tampo de mármore sobre o qual se encontrava uma antiga e decorativa balança de precisão e era o local da dispensa de medicamentos e atendimento aos doentes. Nas suas prateleiras, visíveis através das portas de vidro, dispunham-se os raros produtos de higiene ou de cosmética de produção industrial. Nesta sala havia ainda um pequeno espaço para espera e para a tertúlia, com quatro cadeiras, um cadeirão de braços e uma mezinha baixa sempre com o jornal “o Século” ou o “Diário de Notícias”, que chegavam diariamente no comboio Rápido de Lisboa.
O laboratório estava equipado com quatro armários grandes e algumas prateleiras encostados às paredes enquanto no centro do compartimento estava um grande balcão com tampo de mármore. Num dos cantos da sala estava um alambique para produzir os destilados e uma autoclave para esterilizar utensílios e material de penso.
Nos armários arrumavam-se centenas de frascos de vidro castanho de diferentes dimensões contendo os princípios ativos necessários à produção dos medicamentos manipulados. Nas prateleiras exteriores eram arrumados boiões com pomadas e unguentos e grandes latas contendo plantas medicinais colhidas nos campos da aldeia.
Nas gavetas do balcão eram guardadas as espátulas, os tamises, os almofarizes, as provetas, os funis e outros instrumentos necessários à manipulação, assim como pequenas caixas, de cartão e de plástico, e fras-
cos com as rolhas correspondentes, que iriam acomodar os medicamentos produzidos depois de colados os respetivos rótulos.
Sobre o tampo de mármore do balcão, onde estava uma balança de precisão e duas balanças de Roberval, eram preparados todos os manipulados para medicina humana e veterinária: as fórmulas secas, como as hóstias, os papéis e as pílulas, bem como os xaropes, as soluções, as pomadas, os óvulos e os supositórios. Eram aqui também fabricados perfumes a partir de concentrados de essências que depois eram vendidos avulso às senhoras da terra em frasquinhos de quinze ou de vinte e cinco tostões. Nas vésperas dos dias de festa da aldeia, o Sr. Cabrita afadigava-se a encher frasquinhos de perfume, frascos maiores com creolina, álcool ou água oxigenada, e pequenos envelopes de papel contendo 30 gramas de pó de talco, de pós “pós pés”, o ácido bórico para reduzir o chulé, e de “pós pós tomates”, o ácido benzoico para conservar a calda de tomate. Havia ainda as fórmulas secretas, como os “pós pós porcos” para prevenir a peste suína, os “xaropes para o catarral” e “soluções para higiene capilar” para eliminar piolhos. Era sobre o tampo deste balcão que o Sr. Cabrita também fazia análises químicas para rastrear algumas doenças, como o teste de Fehling para a diabetes ou análises ao sangue num hemómetro importado da Alemanha. Dispunha também de uma boa coleção de pesa-sais e pesa-espíritos que, para além do seu uso na determinação da densidade das soluções dos manipulados, dava uma boa ajuda aos produtores de medronho para ajuste do seu teor alcoólico.
Era também no Laboratório, por ser mais recolhido e haver maior privacidade, que o Sr. Cabrita prestava alguns cuidados de enfermagem aprendidos no Hospital Militar. Aqui eram feitos curativos a ferimentos, que depois de “limpos” e desinfetados com água oxigenada, eram “secos” com aplicações de pomada de óxido de zinco e cosidos com sedas de cavalo ou agrafados com os tradicionais “gatos”. Também aqui eram feitas zaragatoas para rastreio da difteria que eram enviadas para o Instituto Câmara Pestana, administrados injetáveis, lancetados “bechocos” (furúnculos) e até arrancados dentes. Assim, a Farmácia Popular de Sabóia desempenhava as funções da assistência farmacêutica que, na época, eram a razão da existência da Farmácia Rural: a produção de medicamentos manipulados para medicina humana e veterinária; a dispensa das “especialidades farmacêuticas”; o aconselhamento sobre o uso de qualquer medicamento e sobre medidas de higiene e prevenção da doença; a assistência em situações de emergência, em colaboração com o médico ou com o enfermeiro ou na sua ausência.
A Farmácia Popular era também em Sabóia, como a generalidade das farmácias rurais, um centro de tertúlia, uma praça pública, onde se lia o jornal e se discutiam os acontecimentos da terra, do país e do mundo. A porta da farmácia estava quase sempre aberta, mesmo à noite e ao domingo. Numa época, hoje difícil de imaginar, sem televisão nem internet, a farmácia era um dos centros da vida da aldeia.
Este é o testemunho de uma farmácia do mundo rural de meados do século passado que aqui deixamos na expectativa de ter cumprido para com o povo de Sabóia o seu dever na prestação da assistência farmacêutica. •