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A todos vocês que fazem da razão uma religião, que dividem os sentimentos em pequenas porções de sobrevivência e pensam que estão seguindo o caminho que escolheram, a todos vocês que dizem que conhecer o futuro influencia as escolhas do presente, que esquecer o passado liberta, quero contar como continua a minha história. Quero mostrar que o destino, desprezando qualquer ilusão, arrasta nossas vidas na direção que ele mesmo estabeleceu. E o máximo que nós, almas rebeldes, ansiosas para escapar de sua teia, podemos fazer é tentar mudar seu curso. O dia em que todos finalmente entenderão que a estrada já está traçada e não há nada a fazer além de segui-la está chegando, irremediavelmente. Mas, para mim, esse momento ainda não chegou. Sou uma alma rebelde. Talvez seja por isso que estou deitada, com sensações confusas, num duro piso de madeira com um corpo imóvel caído a meu lado. Um carrossel de imagens e pensamentos gira em minha cabeça. Abro os olhos com dificuldade. A luz queima como se fosse de fogo. E cria uma névoa confusa de formas coloridas que, pouco a pouco, vão ficando mais nítidas. Começo a me lembrar. Estou na papelaria do centro da cidade. Vim até aqui para falar com o homem-anjo. Encontrei a porta aberta e entrei. Ele estava em pé, perto do balcão, e me olhava com intensidade, como se esperasse por mim. Todas as prateleiras ao redor estavam vazias e a atmosfera era estranha, meio decadente. Perguntei se estavam fechando. Ele respondeu que precisava mudar para outro bairro. Por quê? 9