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CAÇADOR DE TORNADOS
Caçador de Tornados
Sou um amante da natureza e de suas várias manifestações de beleza. Como fotógrafo, desenvolvi meu olhar e aprendi a planejar com atenção os detalhes que podem me garantir estar no lugar certo e na hora certa para captar uma grande imagem. Dentre esses detalhes de planejamento, a previsão meteorológica é de fundamental importância e, durante meus 20 anos de experiência, estudei sobre os fenômenos climáticos e me apaixonei por eles
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Por Cristiano Xavier
Atualmente, como sócio proprietário da Onelapse Expedições Fotográficas, viajo aos mais diferentes locais do mundo procurando fotografar o que a natureza tem de mais incrível. África, Islândia, Patagônia, Yukon, Atacama, cada lugar tem suas particularidades e conhecer sobre o clima local aumenta, e muito, minhas chances de sucesso. A partir dessa atração pelos fenômenos do clima, eu me vi querendo mais e mais presenciar de perto cenas únicas até que, em meados de 2014, a chance de caçar tornados nos EUA me apareceu quando conheci um meteorologista norteamericano que poderia me colocar frente a frente com esse espetáculo.
O corredor dos tornados, ou Tornado Alley, fica no meio oeste dos EUA e se estende de norte a sul, abrangendo principalmente os estados de Dakota do Norte, Dakota do Sul, Wyoming, Colorado, Nebraska, Kansas, Oklahoma e Texas. Essa abundância de tornados é possível porque nessa região ocorre o encontro de massas de ar frio vindas do Canadá e de ar quente e úmido vindas do Golfo do México, gerando grande instabilidade e consequentemente funcionando como uma maternidade de gigantescas tempestades. Nosso objetivo naquele ano era seguir as tempestades e fotografar o espetáculo das supercélulas, que poderiam ou não gerar tornados.
Desembarquei em Denver, no Colorado, para encontrar a equipe que me acompanharia durante essa jornada de sete dias intensos. Nesse momento um misto de medo, ansiedade e excitação me preenchiam, mas no fundo eu desejava muito aquilo, estava na minha essência e, apesar de não saber exatamente como seria a aventura, eu tinha certeza de que estava prestes a vivenciar uma experiência inesquecível.
Nossa rotina era acordar, não muito cedo, pois não havia necessidade, tomar café e nos reunir para analisar os modelos climáticos e traçar nossa rota em direção às tempestades. Era uma oportunidade riquíssima de aprender como analisar as imagens de radar e de satélite e também saber como as camadas da atmosfera, direção e velocidade dos ventos, temperatura e o relevo influenciam na geração dos tornados. No primeiro dia, de acordo com as previsões, definimos ir rumo a Nebraska. Estava iniciada a caçada.
Nossa saída começava por volta das onze da manhã e, na maioria dos dias, o céu estava limpo e o calor muito intenso, o que são bons sinais para a formação das tempestades, pois a alta temperatura gera o lift necessário para o crescimento vertical das grandes cúmulos-nimbo. Por volta de 15h as
áreas de instabilidade começaram a pipocar no radar, e coube aos experientes meteorologistas decidir qual das tempestades tem maior potencial. A partir daí começamos a segui-la.
Como a rota é imprevisível, não sabíamos exatamente onde estaríamos no final do dia, o que deixava a decisão de onde passar a noite ser tomada na última hora. Isso se tornou um dos pontos mais interessantes da caça aos tornados, pois nos proporcionava a verdadeira vivência e descoberta de pitorescos lugares no interior rural dos EUA. Atravessamos os estados do Colorado, Kansas, Nebraska, Wyoming e
Oklahoma conhecendo a vida no campo, conversando com os personagens típicos, comendo a comida caipira e à noite tomando uma cerveja e jogando sinuca ao som da música country no único bar de uma pequena cidade. Um programa bem diferente do tradicional turismo Miami, Orlando e Nova Iorque.
Os dados fornecidos pelo radar e atualizados a curto prazo são muito precisos e, aliados ao mapa rodoviário, nos direcionam ao encontro das tempestades. Se necessário, traçam também nossa rota de fuga. Além desses dados, temos a observação in loco dos fenômenos. Quando paramos
o carro e descemos, procuramos observar a direção e a temperatura do vento. Vento quente sendo sugado em direção à supercélula denomina-se inflow e é um indício de que a tempestade está crescendo e acumulando energia, um ótimo sinal para geração de tornados. Já o vento frio soprando a partir da supercélula, outflow, significa que a grande torre de nuvens está perdendo energia e se desfazendo em chuva. Essa tempestade não gera mais tornados e é prontamente abandonada enquanto seguimos na caçada por outra. Quando acertamos na escolha, nos deparamos com a incrível visão da parte frontal da supercélula, um disco de nuvens que dispara relâmpagos incessantemente e se contorce em espiral lembrando cenas do filme Armagedom. Nesse momento, a adrenalina já está a mil e nossos olhos atentos a qualquer funil que toque o solo, sempre sob orientação da nossa equipe. Quando é hora de sair, a ordem é entrar no carro imediatamente e nos afastar até um ponto alguns quilômetros à frente, onde paramos novamente para mais cinco a dez minutos de fotos, seguindo nesse ritmo enquanto a “nave mãe” avançava em nossa direção.
Lá pelo quinto dia, estávamos em Cheyenne, no Wyoming, quando nosso meteorologista decidiu ir rumo sul. As chances eram boas e durante o caminho fomos refinando nossa rota
Quando é hora de sair, a ordem é entrar no carro imediatamente e nos afastar até um ponto alguns quilômetros à frente
em direção a uma grande supercélula próximo à cidadezinha de Simla, já no estado do Colorado. Atravessamos a cidade e numa estrada de terra paramos na entrada de uma fazenda. Descemos do carro e, olhando pra cima, o céu fervia nervosamente. Rapidamente armei uma câmera no tripé programada para registrar um timelapse e com outra câmera em mãos presenciei o grande funil se formar e descer até tocar o solo a uns dois quilômetros de nós. Durou um minuto e se desfez. Nesse momento a ordem foi entrar no carro e sair dali rápido. Voltando pela mesma estrada, cruzamos a mesma cidadezinha novamente, só que já não se via ninguém nas ruas e o som das sirenes de alerta de tornados ecoavam aos quatro cantos. Nos afastamos mais uns cinco quilômetros e outro tornado dez vezes maior que o primeiro já estava em solo, girando atrás da cidade. Paramos o carro para mais alguns minutos de fotos e seguimos novamente, nos aproximando cada vez mais da ação. Entramos no raio da supercélula, o dia virou quase noite e a lataria do carro já sofria com o granizo. Do alto de uma colina avistamos o monstro girando sobre a plantação de trigo. Dessa vez não seria possível parar o carro, pois chovia forte e nos vimos numa situação da qual nunca me esquecerei: nós na estrada
Rapidamente armei uma câmera no tripé programada para registrar um timelapse e com outra câmera em mãos presenciei o grande funil se formar e descer até tocar o solo a uns dois quilômetros de nós
enlameada e o tornado na plantação à nossa direita, lado a lado, por quase cinco minutos, que pra mim duraram horas. O carro balançava passando pelos buracos enquanto eu tentava estabilizar a câmera na única fresta da janela aberta por onde era possível registrar as imagens. Mais alguns momentos de coração batendo a mil por hora e o tornado se volta pra esquerda, estabiliza a um quilômetro e meio de nós e se desfaz bem na nossa frente. A chuva foi amansando, saímos da nuvem espessa, o que era quase noite já voltou a ser dia. Paramos, descemos, olhamos pra trás e nos deparamos com o céu mais negro que meus olhos já viram. Ali finalizava um dia memorável e, graças à experiência da equipe em nos colocar nos lugares seguros, pude registrar estas cenas fantásticas que mesclam a fúria e a beleza da natureza.