Memorial

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Universidade Federal do Paranรก Curso de Design Grรกfico Curitiba, 2015



conceito

A

ideia principal que define as demais diretrizes para o projeto é de entender o livro como um objeto que representa o próprio imaginário, tanto do autor, dos editores e do leitor. Como este “não-lugar” é transitório e varia conforme a imaginação e experiência pessoal de cada indivíduo que interage com o livro, optamos por dar ênfase neste ambiente onde os seres tomam forma. assim, o livro como um objeto-local onde os seres podem tomar forma conforme a interpretação livre de cada pessoa sobre o texto de Borges não impõe ao leitor uma interpretação direta dos seres, mas do que o texto sugere que poderiam ser.

D

esse modo, o leitor possui maior liberdade interpretativa e criativa em defato imaginar os seres que o autor descrevia em linhas, mas que vinha de sua própria mente e de tantos outros autores que ele buscou referências. Visto que foi um leitor assíduo de enciclopédias e textos antigos, Borges ao escrever o livro dos seres compila todo um universo imaginário que é muito maior que qualquer autor sozinho jamais podeira conceber. Por fim, com esta ideia de obra puramente insinuada, tanto o autor, o livro, os editores e o leitor constroem o objeto-livro de modo colaborativo e assim cada leitura será uma diferente interpretação e cada livro seria uma obra diferente.


sobre Jorge Luis Borges

B

orges pesquisa nas mais antigas fontes para tentar resgatar suas origens e diversas descrições. Organizados em verbetes breves, Borges usa as palavras de suas próprias fontes para, por vezes, descrevê-los. Assim, apresenta essas criaturas fantásticas através de C. S. Lewis, Franz Kafka, Edgar Allan Poe, resgata escritos de Shakespeare, Homero, Virgílio, conta-nos histórias de Confúcio e Plínio. O livro, então, não é apenas uma lista com descrições simples desses seres imaginários, mas uma reunião de grandes autores e histórias unidos por essas criaturas. Com freqüência, ele mergulha na etimologia para explicar animais exóticos como o cabisbaixo búfalo negro com cabeça de porco “catóblepa” (o que olha para baixo) e o da serpente de duas cabeças “anfibesna” (que vai em duas direções), ou mais familiares, como as valquírias (aquelas que escolhem os mortos) ou as fadas (do latim fatum, destino), entidades que intervêm nos assuntos dos homens.

A

erudição não está a serviço da sisudez de um tratado acadêmico; ao contrário, contribui para o tom lúdico e bem humorado do livro. O próprio Borges diz no seu prólogo que gostaria que “os curiosos o frequentassem como quem brinca com as formas cambiantes reveladas por um caleidoscópio”. E nessa brincadeira, ele faz uma homenagem à imaginação infinita dos homens, capaz de criar os seres mais curiosos e absurdos como sereias, unicórnios, centauros, hidras e dragões - e eventualmente acreditar neles -, animais que, como disse o crítico Alexandre Eulálio, “Borges acaricia passando preguiçosamente a mão complacente do dono”.


público-alvo

O

s leitores da Cosac Naify possuem um perfil bastante restrito: são geralmente artistas, arquitetos, designers, professores e estudantes de áreas criativas e literatura e pessoas que incentivam a literatura infantil. Assim, este público possui algumas características bastante marcantes, como o goto e apreço pela leitura, pelo conteúdo de qualidade, pelo livro como objeto de consumo e experiência, bem como uma maior exigência na qualidade e acabamento do projeto editorial, tanto em em qualidade dos materiais e acabamento quanto do projeto gráfico e conceitual do livro. Portanto, estas caraterísticas todas foram levadas em consideração durante todo o projeto do livro com muita atenção e dedicação: desde escolha do grid, fontes, materiais e acabamento, bem como a editora Cosac Naify o faz.


a cosac naify

D

entre o vasto catálogo da editora, algumas obras foram selecionadas como referência para elaboração deste projeto, seguindo o padrão gráfico e editorial da Cosac Naify. As principais obras que influenciaram o projeto foram o Decameron (2013), e Teoria do Design Gráfico (2015) como referência visual e os livros Pensar com Tipos (2006) e Grid: Construção e desconstrução (2007) como livros de referência teórica para o projeto editorial. Também levamos em consideração a análise e o artigo de mestrado do professor Marc Bogo: “A Coleção Particular da Cosac Naify: explorações sensíveis do gosto do livro” (2014), onde ele aponta quatro fundamentos da editora, baseado na análise semiótica de uma coleção de obras: materialidade do objeto livro; sincretismo de linguagens semióticas, relações metadiscursivas; interdiscursivas e intersemióticas; desenvolvimento do gosto pelo objeto livro. Assim, buscamos explorar e aplicar neste editorial o padrão Cosac Naify.


tipografia

A

fonte Escolhida foi a Andanda HT Pro, desenhada pela foundry argentina Huerta Tipográfica. A família foi escolhida por ser uma fonte serifada humanista, com uma boa variedade de pesos e legibilidade adequadas a grandes manchas de texto. Porém o que definiu a escolha foi por assim como Jorge Luis Borges, é de origem argentina e assim fazemos uma relação mais próxima com o autor fazendo referência ao seu país de origem. Também buscamos a referência da cultura argentina do filetado porteño para a ilustração da capa, que possui adornos baseados numa pesquisa iconográfica da técnica típica daquele país.

grid e composição

O

grid foi fundamentado na diagramação de Villard, uma composição clássica que remete aos livros e manuscritos medievais e antigos, portanto bastante adequada ao projeto que tem como discurso fazer menção à estas obras e enciclopédias clássicas. Foram feitos alguns ajustes no posicionamento das margens internas para adequar ao tipo de acabamento e costura sem prejudicar a leitura, e todo o conteúdo foi composto e diagramado dentro dos limites estabelecidos pelo diagrama de Villard. Também aqui foi utilizada a referência editorial do livro Decameron, onde a numeração e títulos das novelas são dispostos nas margens externas das páginas, na horizontal. Esta ação foi tomada pois o corpo do texto possui uma capitular bastante pesada na composição (bem como em manuscritos medievais e no próprio Decameron), que poderia competir com o texto na página e causar confusão visual. Assim, conseguimos manter ambas as caraterísticas de modo harmônico.


formato

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formato do livro bem com a costura e encadernação foram pensados para o melhor aproveitamento do papel caso o livro venha a ser produzido a escala industrial. Neste caso, consideramos o tamanho base o offset (660 × 960mm). Fechado, a capa do livro possui 230x160mm e aberto, contando com as orelhas possui 635x165mm. Já o miolo possui as medidas de 180x140mm. Esta diferença de tamanhos é intencional para que o leitor ao manusear o livro com o livro aberto completamente possa visualizar parte da ilustração na segunda e terceira capas do livro, que é uma representação do mundo fantástico ou universo imaginário de Borges. Assim, o contraste das cores e formas da ilustração das capas com o texto e o papel mais sóbrios do miolo fazem o leitor imergir ainda mais no conteúdo e semiologicamente poder fazer a relação de significados conteúdo textual x visual x imaginação.


ilustrações

A

s ilustrações possuem duas funções distintas no projeto, são elas: Da capa e orelhas, imergir o leitor no universo imaginário, criando o ambiente onde os seres imaginários nascem. Possuem um caráter mais figurativo e é composta por uma paisagem com diversos elementos vegetais, formas e texturas. Esta ilustração foi feita em colaboração de ambos os editores, onde foram feitos rascunhos à mão e posteriormente digitalizados e composta no computador, onde foram inseridas as texturas e separadas as camadas, já que o processo de impressão para esta ilustração é a serigrafia reticulada, para que com apenas três cores (azul, amarelo e rosa) possam surgir diferentes combinações conforme as retículas e camadas se misturam.

J

á dos seres, foram feitos com técnica mista de impressão digital (das texturas e fotografias) e monotipia sobre acrílico. Este processo foi escolhido para que se pudesse haver uma relação das texturas utilizadas na capa e orelhas também nos seres, e a composição em monotipia de modo que as principais características dos seres fossem apenas insinuadas ao leitor, e que sua imaginação deveria completar o processo. Ao inserir o leitor nesse processo, aumentamos a relação e estreitamos o laço entre o usuário e objeto.


conclusão

E

ste livro possui todas as características que marcam as obras da Cosac Naify: materialidade do objeto livro; sincretismo de linguagens semióticas, relações metadiscursivas; interdiscursivas e intersemióticas; desenvolvimento do gosto pelo objeto livro, cuidado e zelo com acabamento, projeto gráfico único, ilustrações feitas exclusivamente para este livro, diálogo com o leitor através da semiótica, mas principalmente o que faz este livro ser um objeto é o modo como foi projetado. Desde a seleção dos seres a serem ilustrados até o tipo de papel escolhido possuem uma justificativa condizente com as diretrizes do projeto. Acreditamos que tivemos o mesmo zelo e dedicação com este projeto quanto os editores, designers e ilustradores da Cosac Naify possuem em seus projetos, ao colocarmos acima de tudo o apreço e gosto pelo objeto livro, conseguimos através dele e por meio do design transmitir sensações e experiências aos leitores, que retribuem numa troca mútua de diálogos em prol da literatura e do bom design.

Eduardo Zmeivski Flávia Chornobai Curitiba,2015




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