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JEITINHO
BRASILEIRO Adaptação ou corrupção?
editorial
projeto GAMBIARRA Diretor Presidente: Eduardo Garcia Presidente Comercial: Eduardo Garcia
brazuca
REDAÇÃO Editor-chefe: Eduardo Garcia Editor-executivo: Eduardo Garcia Repórter: Wir Veio Colunistas: Kátia Melo, Jonas Brother e David Sant’Anna Apoio: Alexandre Teles, Paulo Cesar e Vinicius Crema
ARTE Diretor de Arte: Eduardo Garcia Capa: Eduardo Garcia Fotógrafos: Alexandre Passos e Zé do Google Ilustrador: Eduardo Garcia
IMPRESSÃO Gráfica InPrima
COORDENAÇÃO Coordenadora-Chefe: Denise Roma Coordenadoras do Projeto: Maria Helena Coordenação Geral: SENAC Santo Amaro
PROPAGANDA Diretor: Mario Alfonsi
MARKETING Gerente de marketing: Mario Alfonsi Gerente de Publicação: Mario Alfonsi Estagiários: Maicon Jéquisson, Deni de Vito, e Arnoldi Chuasneguer. Equipe de campo
PLANEJAMENTO E CONTROLE Diretor: Eduardo Alfonsi Gerente: Geraldo Oswaldo Processos: Eduardo Garcia
REALIZAÇÃO Centro Universitário Senac Rua Av. Eng. Eusébio Stevaux, 823 - Santo Amaro São Paulo – SP
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epois de fazer o jornal, um trabalho massante e extremamente técnico, fazer a revista me pareceu um alívio. Me senti muito mais livre para usar meu estilo, inserir elementos de autoria própria, criar. Enfim, foi muito mais gratificante.
A Revista Gambiarra foi criada de uma vontade minha de criar uma revista que fale de cultura e arte nacional sem ser elitista. A concorrência vive nos anos 70, poucas descobriram que não existe só o Machado de Assis na Literatura e a Bossa Nova na música. O projeto gráfico contou com tipografia criada por designer brasileiros (fonte Avant Pro, por exemplo). As ilustrações foram cuidadosamente criadas de uma maneitra que passasse limpeza e imformalidade, seguindo um estilo “nas coxas”, porém de forma sutil, sem parecer que fora feita às pressas. Todas elas escomdem uma metáfora. As cores usadas foram de contrastes fortes, até como forma de atrair o público jovem, que seria o principal leitor da revista Gambiarra. Algumas páginas não ficaram boas com o projeto inicial de 7 colunas e foram feitas usando um layout de 6 ou 8 colunas, porém acredito que isso não mudou a “carona” da revista. A separação de seções foi o que me deu mais dor de cabeça. Imaginei que deveriam chamar mais a atenção, porém escolhi uma marcação sutil porque o índice esté bem explícito e a divisão das matérias está muito bem demarcada. Desse modo, preferi não poluir a página. Enfim, estou muito satisfeito. Até agora é o projeto que mais gostei de fazer Eduardo Garcia Alfonsi Editor Chefe
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editorial
jeitinho brasileiro
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O comportamento brasileiro saiu até no jornal The New York Times. Descubra se a malandragem é boa ou atrapalha a vida.
CINEMA NA REDE
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FLUXUS foi o primeiro festival de filmes para internet, muito antes do YouTube dar as caras.
geração 2000 Entrevista com Ítalo Marconi e Flávio Carneiro investiga se há uma nova geração de escritores.
SOM QUE SALVA Conheça o projeto que ensina música clássica para crianças carentes de váruas regiões do Brasil.
EDITORIAL Conheça o projeto que ensina música clássica para crianças carentes de váruas regiões do Brasil.
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música
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aria Joana da Costa, de 15 anos, subiu ao palco da Sala São Paulo - uma das melhores para concertos de música clássica no mundo - com as mãos suadas. Era 9 de novembro de 2008 e ele mal conseguia segurar seu eufônio - um instrumento de sopro pouco conhecido, semelhante a uma tuba. Maria traduz seu som como “o mais aveludado e belo da orquestra”. Sozinho, ele tocou o “5º movimento de estudos folclóricos”, de Ralph Vaughan Williams. No final do solo, a sala foi tomada por emocionados aplausos. E Maria chorou, exausta. “Foi a experiência mais marcante da minha vida”, diz. Agora Maria faz testes para ingressar na Banda Sinfônica do Estado. Ele é uma das promessas do programa Guri Santa Marcelina, que, em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, oferece formação musical a 7 mil alunos em 21 polos espalhados pela capital paulista, em geral nos Centros Educacionais Unificados (CEUs). Para dar aulas a esses meninos e meninas, foram contratados 190 professores. É o maior programa desse gênero nas metrópoles brasileiras.
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QUE SALVA O Projeto Guri é uma iniciativa pública na periferia que ensina música clássica à crianças carentes. por KÁTIA MELO 6
Para ter uma ideia, o respeitado Instituto Baccarelli, que surgiu há 13 anos com a mesma finalidade de levar a música instrumental às crianças carentes, hoje tem cerca de 500 alunos na comunidade de Heliópolis, em São Paulo. No próximo ano, o Guri Santa Marcelina deverá atingir mais 39 polos (28 escolas estaduais e dez CEUs, escolas municipais). Isso significa que serão 27 mil alunos com aulas gratuitas de música em 2010. O número é grande, mas o potencial de transformação dessa experiência na vida das crianças e dos adolescentes parece ainda maior. O projeto de São Paulo é uma parceria entre o governo do Estado e as Irmãs Marcelinas (entidade religiosa que já participava da administração do governo José Serra na área de saúde). Ela existe desde dezembro de 2007. Agora, deverá servir como modelo para implementação das aulas obrigatórias de música nas redes municipal e estadual. Em 18 de agosto de 2008, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.769, que obriga as escolas a oferecer aulas de música no ensino fundamental e médio. As escolas têm três anos para se adaptar. O ensino musical em escolas públicas, porém, não é barato. Para o programa Guri Santa Marcelina, a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo destinou R$ 15 milhões anuais pelo período de quatro anos. Parece muito dinheiro para um país carente investir em algo que aparentemente não é essencial. Mas o resultado é animador. “Só me vejo fazendo isso”, diz Maria. Tímido, ele olha para o chão ao falar. Conta que nas horas em que está em seu quarto senta-se na cama e escuta a música do maestro e compositor americano James Curnow. Em sua escrivaninha, ao lado da cama, estão partituras do inglês Philips Sparke. Maria afirma que os amigos dizem que “ele é doido”. Ele começou a tocar eufônio aos 13 anos e até hoje seu pai custa a acreditar que o menino leva a música clássica a sério. “Minha família não me dá muito crédito”, diz. Órfão de mãe, ele vive com o pai e a madrasta. Meninos como ele trocam o campinho de futebol de terra batida por um quarto fechado, invadido apenas por acordes. Para esses músicos mirins, o gol é marcado quando uma peça de Chopin, de Beethoven ou de Schubert são bem executadas.
ricano Glen David Andrews e sua banda de Nova Orleans. Não há exagero em dizer que a música transformou a vida dessa garota e de sua família. “Eu era uma peste. Quebrava os copos de casa quando tinha raiva. Também achava que estudar era chato.” Hoje, apaixonada pela música, Fran diz que se tornou aluna exemplar. “Estudar exige dedicação. Mas eu vou me formar em música”, afirma.
“Fazer música sensibiliza, proporciona raciocínio lógico, concentração, disciplina e memória”. Paulo Zuben, músico e gerente do projeto A mãe de Fran, Sandra de Souza Silva, de 48 anos, empregada doméstica, relata como a música interferiu na rotina familiar. Antes temia que suas crianças passassem o dia na rua, mas hoje sai sossegada para trabalhar às 4 da manhã. “Sei onde encontrá-las”, diz. A escola de música tornou-se um segundo lar para Fran e seus dois irmãos, Marlon, de 13 anos, que toca trompete, e Júnior, de 15, que toca eufônio. “Eles não faltam um dia na aula e isso me tranquiliza. O Cantinho do Céu é muito perigoso. As crianças vendem drogas aqui na frente de casa”, diz. O Cantinho do Céu é um dos bairros mais violentos da periferia paulistana. Fica no distrito do Grajaú, no extremo sul da capital. No caminho para a escola, Fran, seus irmãos e outras crianças do programa veem crianças levando e trazendo drogas - os chamados “aviõezinhos” dos traficantes. As ruas do bairro são esburacadas, há esgoto a céu aberto, faltam segurança e, principalmente, esperança. Quando conseguem emprestados instrumentos da escola, festa em casa. Na escadaria de azulejo da sala de Fran, em minutos forma-se uma pequena banda. Na casa dos Silvas, ouve-se música clássica.
Outro destaque do projeto Guri é Fransuelen da Silva, de 11 anos. Se a previsão for confirmada, em alguns anos Fransuelen estará bem empregada em uma das principais orquestras do país. Fran, como é conhecida, toca clarinete e, em agosto deste ano, teve a chance de participar do 7º Festival Bourbon Street, em São Paulo, ao lado do trombonista ame-
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Jeitinho Brasileiro Um modo de contornar os problemas ou corrupção? Destrinchamos a malandragem brasileira e mostramos algumas características do povo que gosta de tirar vantagem de tudo. por JONAS BROTHER 8
foto: Alexandre Passos
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rasileiro usa jeitinho para driblar a crise. Até mesmo o sisudo New York Times afirma que o “jogo de cintura” nacional é uma arma infalível. O jeitinho brasileiro deu certo na visão dos sisudos norteamericanos do New York Times. Isso mesmo: para Simon Romero, articulista do jornal norte-americano, a já gasta expressão revela resultados muito além dos malabarismos para entrar de graça em um show ou mesmo nos jogos de cintura para ser atendido fora dos horários do expediente. Graças a este jeitinho, muitas vezes criticado, o povo consegue absorver os impactos das sucessivas mudanças econômicas que o atinge no dia-a-dia
e driblar a crise e a inflação. São as transações bancárias utilizando prazos limites, a prorrogação do pagamento de uma dívida, com a ferramenta do cheque pré-datado e a famosa pindura de conta na mercearia da esquina. No artigo de Romero, o jeitinho brasileiro citado como uma artimanha inteligente para solucionar problemas de ordem legal, burocrática ou financeira. O autor cita também em seu artigo a tese do antropólogo brasileiro Roberto da Matta, que pesquisa o tema na Universidade de Notre Dame, na França. O artigo publicado pelo New York Times no dia 06/abr/99 faz várias referências ao “jay too” brasileiro. Confira alguns trechos. Um outro fator que justifica porque as companhias tenham sobrevivido com a dura economia tem a ver com o que é conhecido em português como o jeito (pronuncia-se jay too), um termo que descreve a habilidade dos brasileiros em descobrir soluções inteligentes para emaranhados legais, burocráticas e financeiras (...) Tido virtualmente como uma característica nacional no Brasil, um país com uma grande e intrincada burocracia, o jeito, ou seu diminutivo jeitinho, começou a ser agora empregado em inúmeras empresas como seu único meio de sobreviver. (...) O jeito é uma forma de conceder mais espaço para a negociação, diz Roberto da Matta, um antropólogo da Universidade de Notre Dame que é considerado uma autoridade no assunto. É uma ponte entre dois mundos, um em que caminhos antigos e senso comum se mantém firme e outro em que novas ferramentas da sociedade não é justa ou racional. (...)
Conheça o “Jeitinho” Brasileiro Nos quatro cantos do Brasil, a presença do jeitinho brasileiro é constante. Apesar das diferenças de dialetos encontradas do norte ao sul do País, o termo é único e possui o mesmo significado em todas as regiões. De Fortaleza a Porto Alegre, passando pelo centro do País, o jeitinho é visto como um elemento de
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brasilidade. Para os mais jovens, ele está aí desde que nascemos, sempre existiu. Para os estudiosos ele está intimimamente ligado com as raízes do povo, sejam elas portuguesa, africana ou de outros povos. Para descobrir como surgiu o termo, a pesquisadora Lívia Barbosa procurou em jornais e revistas publicadas a partir de 1930, na literatura de um modo geral e nos dicionários, onde a palavra jeitinho foi descrita, com todo o seu contexto particular. A referencia escrita mais antiga que Lívia encontrou foi na obra de Lysias Rodrigues, intitulada Roteiro de Tocantins, de 1943: “” ... esfomeados pois nosso café fora muito cedo, tratamos de ir dar um jeitinho nos quitutes da igreja.” Nos jornais, as duas referências mais antigas são de 1969, ambas do diário de Goiânia O Popular.A primeira diz: “...tudo presenciado numa figura de gestos nativos e numa atmosfera bem brasileira de se dar um jeitinho, de se quebrar um galho”. A segunda, em 16 de novembro: “Daria, sim, um jeitinho, pois que era sua intenção comprar bicicleta para todos. Bem Brasileiro - Até então, as expressões encontradas pela pesquisadora ainda não apresentavam o adjetivo “brasileiro”. O chavão completo apareceu apenas mais tarde, em 1974: “O adorável jeitinho bem brasileiro que nenhum povo do mundo teve a felicidade de enquadrar nos seus costumes. Na década de 60, foram encontradas sete referências do termo. Na de 70, apenas cinco e na de 80, 33. A maioria das referências foram encontradas a partir dos anos 80.
A explicação mais provável que a pesquisadora encontrou para o aparecimento mais constante do termo nos veículos de comunicado de massa foi a mudança de estilo que o jornalismo sofreu a partir da década de 70. Na ocasião, formas mais populares e coloquiais ocuparam o lugar do estilo pomposo e formal, que predominava na época. “Jeito” envolve emocionalmente o interlocutor - Qual o brasileiro pode afirmar com convicção que nunca utilizou o jeitinho para sair de problemas do dia-a-dia? Apesar de comum entre nós, para ser bem-sucedido, o pedido de jeito tem que ser conduzida de maneira eficaz. Tenho pressa, o trem atrasou, dois professores marcaram prova na mesma semana, a fila estava muito grande, não tinha o livro na biblioteca, minha mãe ficou doente e preciso deste papel para hoje, são algumas justificativas bastante comuns e consideradas legítimas por todos. Além disso, elas são pessoais e isolam quem as utiliza das outras pessoas. A estratégia é sempre envolver emocionalmente no “seu problema” a pessoa de quem se depende naquele momento. Para isso, a saída mais comum é apelar para os bons sentimentos, a boa vontade, a compreensão do interlocutor para a situação. Sobre esse assunto, o articulista Fernando Oliveira defendeu a idéia de que o Brasil precisava ser governado por uma pessoa que soubesse recusar convites e negar até presentes. Na realidade, ele queria transmitir a total impossibilidade de se utilizar regras impessoais e universais no quadro social brasileiro.
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Características Universais Uma das características mais curiosas em relação ao jeitinho é seu caráter universal. Todas as pessoas do País conhecem, praticam ou fazem uso das expressões jeitinho brasileiro ou dar um jeitinho. A grosso modo, o jeitinho pode ser visto como uma forma “especialö de resolver algum problema ou situação difícil ou proibida. Visualizado de maneira linear, o jeitinho está entre o favor e a corrupção. O que determina a passagem de uma categoria para outra é mais o contexto em que a situação ocorre e o tipo de relação existente entre as pessoas envolvidas do que, propriamente, uma natureza peculiar de cada uma. O personagem que é considerado o usuário típico desse termo, para a pesquisadora Lívia Barbosa, é o malandro. Aliás, não é a toa que um dos sin”nimos mais comuns de jeitinho é malandragem. Ao examinar a literatura nacional pode-se encontrar Macunaíma, Pedro Malasartes, Saci Pereré e Leonardo (de Memórias de sargento de Milícias). Todos são personagens extremamente individualizados, tanto pela forma física, como pelo seu procedimento, maneira de vestir, andar e comportar e pela maneira de como vivem: pregando peças nos outros e se safando de situações em que tinham tudo para se darem mal.
Além do malandro, um outro personagem que personifica o jeitinho é o carioca, segundo a pesquisadora. Principalmente quando está em situação oposta ao paulista. Enquanto o primeiro é bem-humorado, simpático, boa-vida, piadista e preguiçoso, além de gostar de mulher, de samba, de futebol e praia, o segundo apresenta valores opostos. Se por um lado o jeitinho mostra capacidade intelectual desenvolvida, criatividade e flexibilidade, por outro há a aproximação com a desonestidade, falta de caráter e malícia. Aguinaldo Neri, professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCampinas), especializado em psicologia do trabalho, acredita que o jeitinho brasileiro seja usado com o objetivo de atingir os resultados finais. “Podemos classificar o `jeitinho brasileiro’ em pré-ativo e reativo. O primeiro é respeitado, faz nascer novas soluções para problemas antigos, é saudável e positivo. O segundo é utilizado para o não pagamento de multas, justificativa de erros e fuga de responsabilidade, compara. Para ele, o jeitinho é fruto da velocidade com que foi implantada a indústria no País. “No Brasil, por causa da competitividade, o operário teve que passar por cima de algumas etapas e, para isso, começou a utilizar o jeitinho, acredita o professor.
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cinema
cinema na rede
O Festival de Cinema para Internet - vulgo Fluxus - foi pioneiro em produzir filmes para internet, muito antes de se falar em You Tube.
Os brasileiros têm destaque na mostra competitiva, com onze títulos no páreo. O videoartista Carlosmagno Rodrigues exibe o seu curta Andrômeda – A Menina Que Fumava Sabão. O diretor, que já participou de seis edições da Fluxus, acredita no potencial do evento:
por DAVID SANT’ANNA
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er e exibir filmes de múltiplas formas. Esta é a proposta do Fluxus 2010. Investindo no potencial da rede para exibição de material audiovisual, foi criado, em 2000, o Festival Internacional de Cinema na Internet. Após 10 anos, o que antes era promissor tornou-se realidade. O festival hoje tem dez vezes mais participantes do que seu primeiro ano (em 2010 foram 1200 inscritos). Chegando a sua 7ª edição, o festival conta com mais de 40 vídeos experimentais de curta duração (até 20 minutos) provenientes de 14 países, sendo 14 filmes de animação, 15 de ficção, além de três documentários e sete obras experimentais. O
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material foi selecionado entre as mais de 1.200 inscrições vindas de 62 países. Entre os destaques desta edição, estão a animação Nuvens,Mãos, do premiado diretor italiano Simone Massi; a ficção alemã O pacote, de Marco Gadge e o francês A terra sob meus pés, com direção de Sophie Sherman, título esse que contribui para a experimentação estética que já se tornou uma das marcas do festival pioneiro.
“O fato do festival de cinema ser pela internet atualiza os padrões artísticos, dando um passo a frente no que se refere a novas tecnologias, institucionalizando a recente produção cultural e artística”, diz o diretor, que complementa: “Além de contextualizar o que há de mais inovador, a curadoria do festival aproxima diversos diretores e trabalhos de diferentes países.” Segundo uma das curadoras, Daniella Azzi, o grande número de inscrições é reflexo das inovações tecnológicas ocorridas nesses 10 anos de existência do festival, que em sua primeira edição recebeu 198 inscrições: “Hoje o processo de ver filmes na internet está consolidado. Com o avanço do Google, You Tube e com a evolução das mídias disponíveis, ficou mais fá-
cil resolver a relutância inicial de alguns diretores, que tinham receio de expor seu trabalho na web”, diz a curadora: “Em dez anos, o cenário virtual mudou radicalmente, e para melhor. Antigamente era necessário baixar um programa para poder ver os filmes do festival, hoje, só precisa dar play e assistir.” Os curtas selecionados foram avaliados sobre os critérios de experimentação, originalidade e inventividade, em títulos de 3 a 20 minutos. O público poderá escolher entre os filmes o seu favorito por votação no site do festival ou no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, que exibirá não só os 40 filmes da competição, mas também uma retrospectiva com 14 obras que participaram de outras edições, de artistas como Seoungho Cho e Cao Guimarães. De acordo com Gracie Santos,
espectadora do festival, é fácil compreender o pioneirismo do Fluxus: “O festival nasceu em um campo fértil, consolidou-se e cresceu na velocidade da rede. Ousado, teve suas primeiras edições quando ainda não havia You Tube, Orkut, Blog, etc. Não era comum assistir a obras de vídeo na internet. Afinal, os equipamentos estavam longe de ter a qualidade atual. Por essas e outras não é exagero dizer que o Fluxus fez a cabeça de muita gente. E se tornou espaço importante de exibição de uma produção quase sempre sem tela.” Gracie, que já foi jurada da mostra, guarda boas lembranças: “Inesquecível a saborosa discussão (on-line) entre os jurados do Fluxus. O júri se reúne normalmente em chats, pois os integrantes estão em cidades, estados e países que estão distantes do Brasil.”
Interatividade cinematográfica A participação do MISSP no festival é uma das novidades dessa edição. O espaço Galeria Fluxus, situado no museu, conta com 12 telas de exibição simultânea, permitindo o público transitar entre as telas e escolher entre os filmes que mais lhe agradam. Como a exposição acaba junto com o festival, dia 20 de junho, o espectador tem a possibilidade de ver e rever os filmes várias vezes, tanto no site como no museu, até definir o seu preferido. “O fato do museu estar integrado ao Fluxus 2010 promove a junção de visões estéticas na mesma galeria, além de sociabilizar as produções artísticas”, diz o diretor Carlomagno, que enfatiza: “Assim você ocupa efetivamente os espaços, promovendo o diálogo entre as novas formas de arte, permitindo aos diretores serem também espectadores, assim como estimula o público a realizar seus próprios trabalhos.” Ao dividir o conteúdo, antes só virtual, com Museu da Imagem e do Som, o Fluxus 2010 pretende estimular ainda mais as diferentes formas de se ver filmes.
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literatura
GERAÇÃO
2000 A literatura nacional caminha para uma evolução? Há um novo movimento literário? Flávio Carneiro e Ítalo Moriconi tentam respoender. por WIR VEIO
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stá na moda discutir, tanto na academia quanto nos jornais - sem contar os inúmeros sites e blogs espalhados Brasil afora - a existência da chamada geração 00 de escritores brasileiros. Se ela existe ou não, se a nomenclatura ou o rótulo é contundente, só o tempo vai dizer. Mas é fato que há um grupo de jovens autores publicando seus livros, movimentando o marasmo da crítica e, principalmente, dando muito o que falar - e falando muito também. Flávio Carneiro, que lança em março pela Rocco No país do presente: ficção brasileira no início do século 21, reunião de 60 resenhas de obras de autores novos e também de consagrados, de início já deixou bem clara a sua postura sobre a tal geração 00: - Não acho que se deva definir ‘’geração 2000’’, é apenas mais um rótulo, não ajuda em nada a entender o que se passa na ficção atual. Organizador de Os cem melhores contos brasileiros do século (Objetiva), Italo Moriconi discorda um pouco de Flávio e até arrisca algumas características da nova safra de escritores: - É uma geração mais linkada a uma literatura surgida a partir do suporte da internet. Às vezes, nem existe referências literárias, a inspiração pode estar vindo do próprio umbigo do escritor, como no caso dos blogueiros. Mas num ponto eles concordam: não há mais espaço para uma nova Clarice Lispector ou um novo Guimarães Rosa. Essa cobrança por um novo cânone, que normalmente parte dos próprios críticos, é por eles condenada. Não há mais uma cultura intelectual exclusivamente literária, terreno fértil para o surgimento de gênios. Para Flávio, quem reclama a falta de uma ficção original brasileira nos últimos anos deveria rever seus conceitos de inovação. Afinal, o que não falta são bons escritores por aí.
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Nelson de Oliveira, ao utilizar a denominação geração 90, provocou muita polêmica. Mal acabaram essas discussões, surge outro rótulo, a geração 00. O conceito de geração literária ainda é válido? Flávio Carneiro - O conceito de geração é bastante enganoso. Dá a entender que se trata de um grupo, quando, na verdade, esse grupo não existe, o que existe são escritores que começaram a publicar numa mesma época, e isso não quer dizer muita coisa. Sobretudo hoje, quando a diversidade é a principal marca da ficção, com os escritores seguindo caminhos bem diferentes uns dos outros. O conceito de geração é resíduo de um tempo em que ainda se acreditava em grupos e em projetos coletivos. Italo Moriconi - Uma geração literária, artística ou intelectual não se define apenas por idade ou pela coincidência cronológica. Uma geração no sentido forte do termo é um grupo ou diversos grupos que possuem algum tipo de identidade estética ou ideológica, mesmo que essa identidade seja pluralista, como ocorre hoje em dia. O que faz um escritor pertencer à geração 90? E à 00? FC - Ter começado a publicar em algum momento dos anos 90, mais nada, porque o resto é só diversidade. Não acho que se deva definir ‘’geração 2000’’, é apenas mais um rótulo, não ajuda em nada a entender o que se passa na ficção atual. O que há são bons e maus autores que começaram a publicar de 2000 pra cá.
IM - Acho difícil estabelecer uma diferença entre as gerações 90 e 00. Elas próprias é que nos deveriam fornecer essa diferenciação. Tenho uma certa tendência a ver tanto os escritores jovens dos 90 quanto os escritores novos dos anos 00 como parte de um mesmo momento na história recente da cultura brasileira. Arriscaria uma diferenciação no sentido de que vejo a chamada geração 00 mais linkada a uma literatura surgida a partir do suporte da internet, dos blogs. O escritor gaúcho André Takeda diz que, para a literatura ir além, é preciso mais sites, mais editoras, mais novos escritores. Concordam? FC - Não. Temos editoras e escritores em número suficiente no Brasil. Precisamos de mais leitores, livrarias, bibliotecas públicas, programas de incentivo à leitura. IM - Diria que a quantidade é um fator muito importante, mas acredito que a literatura vai para a frente fundamentalmente através do impacto causado pelos autores mais talentosos, pelo fator qualidade. Cabe à critica e ao público ir peneirando ao longo dos anos quem são os autores realmente bons dentro de uma geração.
formada por autores que levam ao pé da letra a frase: minha vida daria um romance. Dá romance, tudo bem, mas romance ruim. São autores que não dominam o ofício, que têm um mínimo de técnica e um máximo de presunção. Já me disseram que os blogs devem ser valorizados, porque apontam para um traço da cultura contemporânea etc. Concordo, se a questão for tratada do ponto-de-vista da sociologia, dos estudos culturais ou algo assim. Mas o fato de ser uma manifestação legítima de certo momento de determinada cultura não é o bastante para garantir a qualidade do que é feito. IM - Blog é literatura em potencial. Acredito firmemente que o atual estágio da civilização tecnológica, marcado pelo computador e pela comunicação virtual, é infinitamente mais favorável à leitura e à escrita que o estágio anterior, televisual. Literatura é uma arte que exige que a pessoa tenha aprendido a tirar prazer da disciplina mental e corporal.
Blog é literatura? FC - Literatura é, até porque o conceito de literatura é bastante amplo e sob seu teto generoso podemos abrigar várias formas de escrita. Agora, se é boa literatura ou não já é outra história. Clarah Averbuck, a meu ver, representa certa vertente atual,
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Em geral, os críticos universitários resistem a estudar o momento literário em andamento. Por quê? FC - Falar do presente é sempre delicado. Fomos educados segundo os pressupostos da história tradicional, que privilegia o distanciamento na análise do fato. O crítico não precisa julgar nada, embora às vezes possa até fazê-lo, mas sem ter necessariamente esta obrigação. O que ele deve fazer, sempre, é pensar sobre o seu objeto: o texto literário. E por que não pensar sobre o objeto que acaba de ser produzido? Por que esperar que ele se estabilize, se transforme em cânone? Alguns críticos, me parece, têm medo de errar, de, por exemplo, elogiar determinado livro e daqui a alguns anos a academia chegar a um veredito: esse livro é ruim. Isso iria depor contra o tal crítico que elogiou a obra. Mas também aí há um equívoco: o crítico não tem que dar satisfação a ninguém a não ser a seus leitores, que merecem ler análises pertinenentes. IM - Na verdade, em um bom número de universidades brasileiras, tanto em Letras como
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um pouco em Comunicação, existem muitos professores que levam a literatura atual para a sala de aula. Para a universidade, a literatura e a arte não podem ser apenas um espaço de novidade e atualidade. Cabe à imprensa cultural e ao movimento artístico extra-universitário agitar e mobilizar em torno da produção nova.
autor dentro do texto ficcional. Os textos mais interessantes nessa linha são aqueles em que a figura do autor aparece, mas de maneira mentirosa, ou seja, é um confessional fingido.
Com o boom dessa geração, pode-se dizer que foi criada uma nova maneira de fazer literatura?
FC - Não há mais uma nova Clarice ou um novo Rosa porque já não cabe, hoje, uma escrita tão personalizada quanto a deles. Clarice e Guimarães são os últimos remanescentes das vanguardas do século 20. Criaram, cada qual à sua maneira, obras de forte experimentação de linguagem, às vezes chocando ou pelo menos incomodando seus contemporâneos. Hoje já não há espaço para isso. O que é muito bom. O que vejo hoje é algo que costumo chamar de transgressão silenciosa. Quem reclama da falta de uma nova Clarice ou um novo Guimarães Rosa deve rever seus conceitos de originalidade, de inovação.
FC - Não, acho que seria exagero. IM - Não sei se está sendo criada uma nova forma de literatura pelas novas gerações. Sei que a internet oferece um tremendo potencial de experimentação, mas a verdade é que vemos muitos autores jovens buscando expressar-se de forma bem tradicional, seja através de um estilo confessional pós-adolescente (na literatura blogueira), seja através de relatos realistas de tipo jornalístico sobre a vida nas periferias pobres (o chamado retorno do real). A meu ver, a característica mais forte da literatura mais recente é colocar a figura autobiográfica do
Muitos questionam a falta de uma nova Clarice ou um novo Guimarães Rosa, como se não houvesse nada de inovador.
IM - Não temos mais uma cultura intelectual exclusivamente literária, por isso os novos escritores não estão nem aí para se transformarem em gênios literários, pelo simples fato de que nenhum tem com a própria atividade aquela relação quase sagrada com a escrita que a geração modernista tinha. Guimarães Rosa, antes de saber que era gênio, quis efetivamente ser um gênio. Alem disso, só dá pra ser gênio em literatura quem tem seu sustento garantido e hoje os nossos escritores precisam trabalhar para sobreviver.
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