Edição 87

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ANO XV • AGOSTO 2011

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11º CONGRESSO DO

ENSINO PRIVADO GAÚCHO Educação e neurociências: um novo olhar




EXPEDIENTE

Educação em Revista é o órgão oficial de divulgação do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul - SINEPE/RS, com circulação bimestral

EDITORIAL De professores a cientistas educadores da mente De 20 a 22 de julho, os educadores gaúchos tiveram oportunidade ímpar de repensar a educação e suas práticas pedagógicas, a partir de um novo olhar oferecido pelas neurociências. O 11º Congresso do Ensino Privado Gaúcho foi um marco na trajetória da educação do Rio Grande do Sul por ter mostrado aos educadores e à sociedade as possibilidades de unir as neurociências à educação para melhorar a qualidade do ensino. As propostas apresentadas pelos especialistas não desconstituem os conhecimentos já existentes sobre educação, apenas propõem uma revisitação ao que já se sabe sobre as duas ciências, para que haja uma intersecção entre elas. E a partir desse novo olhar, quem sabe, transformar professores em cientistas educadores da mente, como desafiou a conferencista Tracey Espinosa. Nestas 60 páginas da Educação em Revista, os participantes do evento terão nova oportunidade de mergulhar nos temas tratados pelos especialistas, relembrando conteúdos e fazendo novas conexões entre os conhecimentos adquiridos e sua prática pedagógica. E quem não pôde estar presente terá como conhecer as propostas inovadoras apresentadas por especialistas da área da educação e da medicina que passaram pelo auditório do Centro de Eventos da PUCRS, em Porto Alegre. Para preservar a essência do conteúdo, apresentamos as principais falas dos palestrantes na íntegra, por meio da transcrição das conferências. Esse formato de texto, pouco usado pela Educação em Revista, aproxima o leitor das ideias principais dos conferencistas de forma fidedigna e permite relembrar os momentos marcantes desse grande evento. Outra novidade desta edição é a nova seção ‘Educação e Neurociências’. A cada edição traremos entrevistas com congressistas do evento, contando com a interação dos leitores, que poderão enviar perguntas aos especialistas. Inauguramos o espaço com uma conversa com o psicólogo Leo Fraiman. Esperamos que esta edição seja um importante instrumento para reflexões sobre as práticas pedagógicas, e que possa contribuir para rever antigos métodos e criar novas possibilidades. Porque é somente por meio do estudo e da produção de novos conhecimentos que conseguiremos fazer com que a instituição de ensino acompanhe as transformações da sociedade e que seja sempre espaço para a produção de conhecimento significativo aos alunos. Também desejamos que as falas dos especialistas possam inspirar os professores na sua rotina, garantindo o ‘brilho no olho’ todos os dias! Ótima leitura a todos!

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MISSÃO

Representar e congregar as instituições do ensino privado na promoção de sua qualificação permanente, diferenciação e sustentabilidade.

Ser referência como instituição no cenário educacional brasileiro, reconhecida pela eficiência na representação sindical e proposição de novos significados ao setor.

Editora da Educação em Revista

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VISÃO

Carine Fernandes

Redação Cartas, comentários, sugestões, matérias; educacaoemrevista@sinepe-rs.org.br

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Educação em Revista não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressam apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da revista. Por motivos de espaço e clareza, as cartas e artigos poderão ser resumidos

VALORES

Compromisso com o Associado - Ética e Transparência - Competência - Cultura da Inovação - Responsabilidade Socioambiental.


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LEO FRAIMAN:

Formação do projeto de vida dos educandos

BENNE CATANANTE:

O que aprender com as gerações YeZ

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TRACEY ESPINOSA:

A ciência da mente, cérebro e a educação

DANIELA BARROS:

As relações entre a memória, aprendizagem e o comportamento

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ANDRÉ PALMINI:

Neurociências e as relações professor-aluno

GABRIEL PERISSÉ:

Valores e competências para o educador

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EXPOEDUCAÇÃO

Feira apresenta as novidades no setor educacional

EDUCAÇÃO E NEUROCIÊNCIAS

Congressistas entrevistam o professor Leo Fraiman

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Congresso do Ensino Privado Gaúcho propõe novo olhar para a educação

A

contribuição das neurociências para a educação foi o tema central do 11º Congresso do Ensino Privado Gaúcho, realizado de 20 a 22 de julho no Centro de Eventos da PUCRS, em Porto Alegre. Por meio de uma parceria com a Sociedade Brasileira de Neurociências e Educação (SBNED), o SINEPE/RS inovou ao discutir um tema ainda recente no cenário educacional brasileiro, que é a atuação das neurociências para a promoção da qualidade do ensino. “Quisemos trazer, de uma maneira mais sistemática, porém não definitiva, uma abordagem envolvendo a educação e as neurociências, com o intuito de contribuir para uma maior e melhor compreensão dos processos de ensino e aprendizagem. Além de uma melhoria constante na dimensão da metodologia, das relações interpessoais, dos conteúdos e da didática, os novos estudos dão conta de que as descobertas das neurociências deverão fazer parte dos pressupostos teóricos e práticos dos educadores. Sem eles, provavelmente, sua ação não obterá os resultados que todos esperamos”, destaca o coordenador do evento, Oswaldo Dalpiaz. A abertura oficial do Congresso contou com a apresentação artística da Associação Salesiana de Ginástica – sede Dom Bosco de Porto Alegre. Em cores e movimentos, as artistas representaram a união entre dois diferentes grupos, simbolizando as áreas da educação e das neurociências. Em seu discurso, o presidente do SINEPE/RS, Osvino Toillier, afirmou que as descobertas científicas no campo das neurociências podem contribuir para o desenvolvimento da educação na sociedade contemporânea. “Não é só a questão da tecnologia. Estamos diante de uma criança com uma cultura diferente.

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Precisamos compreender o cenário em que o professor já não é o único provedor do acesso à informação”, ressaltou. A secretária adjunta de Educação do Estado, Maria Eulália Nascimento, presente no evento, disse que o Congresso integra uma ação formativa necessária para compreender as transformações que permeiam a educação. “Nós, professores, nunca vamos acabar, e por isso precisamos sempre renovar o nosso olhar sobre as ciências, que podem nos ajudar a responder aos desafios apresentados pela sociedade destes novos tempos.” Outra fala importante na abertura foi a do prefeito de Porto Alegre, José Fortunati. Ele chamou a atenção para a relevância do tema desta edição e também para a dimensão do evento, que reuniu mais de 2.500 educadores. Nos três dias de programação, o evento contou com 12 conferências que contemplaram desde temas mais abrangentes, como a relação escola e família e o papel do educador, a assuntos específicos das neurociências. A programação foi aberta na noite do dia 20/07, com o psiquiatra Diogo Lara,


que proferiu conferência sobre como o temperamento afeta o aprendizado. No dia 21/07, os participantes assistiram a apresentações do psicoterapeuta especialista em Psicologia Educacional, Leo Fraiman, sobre a formação do projeto de vida dos educandos a partir do contexto escolar, e da psicóloga e consultora organizacional Benne Catanante, sobre as gerações Y e Z. À tarde, o evento foi aberto com conferência da especialista em Gestão de Pessoas e em Medicina do Comportamento Lucy Duró Matos Andrade Silva, sobre o conhecimento: olhar epistemológico voltado à sociedade contemporânea. Na sequência, ocorreu a conferência internacional proferida pela PhD em Educação, Tracey Espinosa, sobre a ciência da mente, cérebro e educação no mundo e seus recentes achados. À noite, o evento contou com palestra aberta aos pais e educadores proferida pelo psicanalista José Carlos Calich, com o tema “Pais-filhos-escola: conflito de situações ou possibilidade de crescimento?”. No dia 22/07 a programação foi aberta com a conferência conjunta da Doutora em Educação, Fernanda Antoniolo Hammes de Carvalho, sobre neurociências e educação: implicações para o ensino, e da Doutora em Ciências Biológicas Daniela Marti Barros, sobre a memória, aprendizagem e comportamento. Na segunda parte da manhã, houve conferência da Doutora em Psicobiologia Ester Palacios, sobre o desenvolvimento cognitivo na infância e juventude, e do neuropediatra Rudimar Riesgo, sobre os transtornos globais do desenvolvimento e a educação. À tarde, a programação foi aberta pelo neurologista André Palmini, que proferiu palestra

sobre neurociências e as relações professor e aluno. O evento foi fechado com a conferência do doutor em Filosofia da Educação, Gabriel Perissé sobre as emoções, competências e valores para o educador. Os participantes também puderam conferir a 11ª Expoeducação, feira de produtos e serviços do setor educacional, e a mostra de trabalhos científicos sobre educação e neurociências.

Toillier: “O professor já não é o único provedor do acesso à informação”

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DIOGO LARA

Como o temperamento afeta o aprendizado

O

temperamento é um conceito muito antigo, base da medicina durante 1.500 anos. Antigamente, era concebido de maneira integrada na nossa saúde; hoje, mais em relação à nossa natureza emocional, psicológica. Mas para a mente – que pode ser entendida a partir do conceito de temperamento –, o cérebro não está isolado do corpo. Nossa natureza é relativamente estável: uma criança inibida tende a ser um adulto inibido, uma criança extrovertida também tende a ser um adulto extrovertido, e 60% do temperamento têm base genética. O temperamento é o meio de campo, integra tanto a parte afetiva do nosso humor como a parte cognitiva do nosso comportamento e das nossas relações. Ou seja, os valores que vão sendo criados na nossa biografia, no nosso crescimento e desenvolvimento, têm uma grande influência no temperamento. A mente pode ser entendida como um sistema: tem uma energia que a ativa e, em oposição a ela, uma força de inibição. É um yin-yang. Essas energias são independentes. O que ocorre é uma interação básica entre um freio e um acelerador e, a partir dela, situações resultantes. Uma situação de alta ativação com baixa inibição tem como resultado uma expansão. Do contrário, uma situação de retração. Há também situações de ambivalência,

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que resultam num estado misto, de turbulência, oscilação. Ou um estado instável, quando há desinibição e desativação. Um exemplo da física seria uma pluma no ar: não tem uma força intrínseca de energia, mas também não tem muita coisa que a iniba, então fica flutuando, volátil. Um tanque, por exemplo. Se entrar muita água e sair pouca, vai transbordar; do contrário, vai ficar lá embaixo, esvaziar. A situação de alta entrada e alta saída gera turbulência, certo? É importante entender que o mesmo nível médio pode ser uma situação de média entrada e saída, ou, se muito intensa, uma situação de turbulência. Para regular esse sistema tem que ter uma boia, que monitora e promove os ajustes, para fazer com que os líquidos fiquem num nível mais adequado. Temos dois olhares sobre esse tanque: o que observa a água saindo pela torneira e pelo ralo, como a boia está funcionando e qual a sensibilidade desse tanque a uma batida; e o que vê simplesmente o resultado final da síntese dessa relação: o nível do fluido e o quanto ele está com movimento. A gente vai traduzir isso também para o temperamento. O que nos ativa é a vontade, o desejo e também a raiva. Vontade é a nossa energia principal do dia a dia. A inibição é


nosso freio, o medo, a cautela. Nossa sensibilidade envolve eventos, situações de pressão, diversidade com as pessoas ou trauma. O controle, que é a parte do lóbulo frontal, tem a ver com atenção, foco e responsabilidade, é a adequação do nosso comportamento frente a situações. E por fim, o coping, a capacidade de encarar e resolver os problemas da nossa vida. Essas são as partes principais do sistema. A ativação tem duas características principais: vontade e positividade. Vontade é a tal da energia positiva, o quanto a pessoa é otimista, tem prazer, alegria, autoestima alta. O oposto é uma pessoa desmotivada, pessimista, triste, com baixa energia. Como agrupamos essas características? A partir de milhares de testes na área da psicometria, uma técnica estatística refinada nos proporciona entender quais características se agrupam. Foco, concentração e atenção se agrupam com dever e responsabilidade. Não é à toa que crianças com déficit de atenção também têm déficit de dever e de responsabilidade. A sensibilidade pode ser dividida em interpessoal – ser sensível à mágoa, à crítica, a situações com pessoas, à rejeição – e em eventos – traumas, tensão, pessoas que sucumbem mais facilmente a perdas, estresse. Por fim, o coping, que a gente pode dividir em duas características principais: encarar os problemas e resolvê-los. São duas coisas diferentes, mas muito agrupadas. Quem tende a encarar, tende a resolver, quem tende a evitar também não é muito bom em resolver. Identificar o problema, enxergá-lo, assumi-lo, aprender a resolvê-lo e

Características emocionais têm relação com a escolaridade aprender com o processo: quanto mais eu consigo fazer isso, mais eu evoluo. Falei das partes, agora vou falar das resultantes, como se fosse o líquido daquele tanque. Uma situação de baixa ativação e alta inibição cria combinações que a gente pode chamar de temperamentos internalizados depressivos, pessoas que têm tendência à melancolia, não veem graça na vida, não gostam de mudanças; são ansiosas, preocupadas, inseguras e têm pouca energia. Os temperamentos instáveis são o ciclotímico, de um humor imprevisível, com altos e baixos, reações desproporcionais; o disfórico, uma mistura emocional complicada: irritado, ansioso, tenso; e o volátil, a “pluma”: dispersivo, inquieto, desorganizado, precipitado. E, por fim, os temperamentos estáveis: o obsessivo, exigente, dedicado, perfeccionista, detalhista e rígido; o eutílico, equilibrado e previsível, que só muda de humor com motivo claro, tem boa energia e boa disposição; e o hipertílico, aquele que está sempre de bom humor, é confiante, se diverte facilmente, adora novidades, faz o que tem que fazer até conquistar, não se cansa e tem tendência à liderança. Esses três são, em geral, muito adaptativos na sociedade. E há os temperamentos externalizados: o irritável, que é sincero, determinado e direto, mas apresenta explosividade e desconfiança; o desinibido, que é parecido com o volátil, é inquieto, ativo, espontâneo e distraído, deixa as coisas para última hora e quando se irrita é fogo de palha; e o eufórico, que alguns de vocês conhecem, do fundão da sala de aula: o expansivo, rápido, falante e intenso, tem muitas ideias, imediatista, explosivo, se arrisca demais, exagera no que dá prazer, não gosta de rotina e de regras – ou seja, não gosta de aceitar o que o professor diz para fazer. De maneira geral, a gente pode avaliar boa parte dos alunos em relação ao lugar onde sentam: mais à frente são os estáveis, os inibidos e internalizados, para o meio mais os estáveis e os externalizados, mais insubmissos.

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Excessos ou deficiências geram alguma disfunção, em particular vontade baixa, raiva alta, coping baixo e sensibilidade alta. São essas coisas que tiram a pessoa do centro e vão formando a partir das suas combinações uma tendência de ter um ou outro transtorno. Então, do lado esquerdo, o TDHA, déficit de atenção; do lado direito, uma série de transtornos de humor, de comportamento. As características emocionais têm relação com a escolaridade. Quanto mais vontade, maior tendência de uma escolaridade alta. Quanto maior a escolaridade, maior a tendência de alta vontade. Ou seja, a vontade tem um grande efeito em relação à escolaridade. A raiva tem um efeito importante e não tão pronunciado, mas que desfavorece, tende a diminuir a escolaridade. A inibição é mais ou menos neutra. A sensibilidade também desfavorece a escolaridade: quanto mais sensível, menos escolaridade e mais repetência. O coping favorece muito a escolaridade, e a mesma coisa se dá para o controle: quanto mais dever, responsabilidade e atenção, maior a escolaridade. Não estamos medindo inteligência, só características do nosso sistema emocional básico. Hoje está muito na moda falar de déficit de atenção e hiperatividade, mas a vontade baixa também é muito comum em temperamentos mais inibidos. A falta de energia e a pouca gasolina causam um efeito bombástico. Ou seja, preciso, antes de mais nada, do motor, e não necessariamente da atenção. Os temperamentos depressivo e ciclotímico, com problemas na energia básica, são os que mais têm a ver com a redução da escolaridade.

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Podemos relacionar o temperamento a atividades didáticas: atividades mais passivas e positivas favorecem o conteúdo, e as mais participativas e interativas trabalham mais as habilidades. Temperamentos estáveis se adaptam a esses dois modelos. A atividade de participação tende a ser uma maneira de o externalizado participar, mas é particularmente desafiadora para o internalizado, porque ele vai ter que se expor, agir. Se a gente colocar um perfil eufórico num ambiente de muita aula expositiva, ele fica desadaptado, tem sua autoestima afetada e fica irritado e rebelde. Muitas vezes esse aluno vai descontar na Educação Física, onde ele é o bom, onde tem interatividade e competitividade mais importante. Eu consigo, como professor, distribuir essas atividades ativa e passiva de uma maneira mais ou menos homogênea, levando em consideração a força da turma. Se há tendência por um lado ou por outro, eu posso tentar jogar de acordo. Isso, é claro, é um raciocínio bem geral. A mensagem principal é que não podemos achar que os alunos são todos iguais. Embora todo mundo saiba disso, às vezes a gente esquece. Então, a ativação de que eu falei, que é a vontade e o desejo, que tem a ver com a gratificação imediata e gratificação tardia. A vontade é mais ou menos um planalto, estável ao longo do tempo, tem um norte, o ideal, e está interessada no processo. O desejo é uma busca mais pelo prazer, pelo resultado. O desejo é voltado à gratificação em si, é um pico. Existe no desejo a tendência ao exagero, e há o efeito rebote – culpa, arrependimento, exaustão. A vontade também tende a gerar cansaço, mas gera resistência, capacidade de energia. A vontade tem tendência a ser mais desprendida, compartilhar benefícios; quando não conquisto, fico triste. O desejo, ao contrário, é individual; quando não é satisfeito, a principal reação é frustração, raiva. A gente usa vontade e desejo como sinônimos, mas são diferentes, uma é processo e o outro é fim. A gente pode dizer que a vontade se prolifera dentro da realidade, enquanto o desejo tende a florescer na fantasia. A sensibilidade é o nosso calcanhar de Aquiles. Os traumas podem ser trabalhados a partir da fala, com um amigo, com terapia – isso ajuda a aceitar e facilita o convívio com o fato,

Não podemos achar que os alunos são todos iguais


é uma capacidade de deixar para trás aquela situação. Outro componente da sensibilidade, na parte interpessoal, é o que muitos de nós temos: a premissa a dar excesso de valor à opinião alheia. Se eu presto muito a atenção no que os outros pensam de mim, fico muito vulnerável. Então um dos caminhos é exercer o processo de autoestima, é eu me autoavaliar, me autodefinir. Em relação a eventos, é a premissa de querer ser dez, quando nove é melhor. Se eu tenho que tirar dez para gostar de mim, qualquer perda no dez significa fracasso. Se minha meta é dez, eu vou estudar dez horas para uma prova para a qual eu poderia ter estudado cinco para tirar nove. Vou gastar mais tempo, ficar nervoso e tirar dez será um alívio, não um contentamento. Sensibilidade é um amortecedor. E o mantra para reduzir sensibilidade é “eu aceito minha humanidade, que é complexa, com virtudes e com defeitos”. Então, tem que ter um coping, uma capacidade de se envolver em maneiras de fazer isso, cada vez mais adaptativas, porque aí eu fico em contato comigo mesmo em coerência com o mundo externo. Mas, afinal, por que o contato com as emoções e os sentimentos nossos e dos outros é tão importante? Porque a cognição depende da emoção, depende de estarmos bem, as relações e os vínculos com as pessoas (sociedade, grupos, casais) dependem de estarmos bem e, finalmente, porque somos mamíferos.

Dicas do especialista: – A mente pode ser entendida a partir do conceito de temperamento; é o meio de campo entre o cérebro e o corpo, integra a parte afetiva, do nosso humor, e a parte cognitiva, do nosso comportamento e das nossas relações; – Características emocionais têm relação com a escolaridade. Vontade, raiva, inibição, sensibilidade e controle vão determinar a escolaridade baixa ou alta; – Atividades mais passivas e positivas favorecem o conteúdo, e as mais participativas e interativas trabalham mais as habilidades; como professor, tenho que distribuí-las de forma mais ou menos homogênea, levando em consideração a força da turma; – A premissa do excesso de valor à opinião alheia é comum: um dos caminhos é exercer o processo de autoestima, se autoavaliar, se autodefinir.

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LEO FRAIMAN

A formação do projeto de vida dos educandos a partir do contexto escolar: responsabilidade compartilhada entre família e escola

O

que eu quero conversar com vocês não é só sobre como ajudar o aluno a construir um projeto de vida, mas como está o nosso projeto de vida. Porque eu só ensino a partir daquilo que eu pratico, não tem como ensinar brilho no olho se não tiver o brilho no meu olho. Eu acredito que educação não é o lugar onde nós temos o direito à mediocridade. Da mesma forma que um professor motivador de redação convida muitos alunos para estudar a Língua Portuguesa e, talvez, possam ser advogados, jornalistas ou comunicadores, um mau professor de Matemática afasta muitos alunos da Engenharia, da Geologia, da Geofísica. Então, no mínimo, a influência pelo seu brilho no olho, pelo seu ensino encantador, inovador, já atrai muitos alunos para aquela área de conhecimento. E nós não temos o direito de fazer mais ou menos. São filhos de pessoas que confiam em nós, são pessoas que vêm para a escola para querer aprender e não tem o direito a serem medianos. Muitos de nós, na época em que prestamos vestibular, convivemos com um mundo que girava em torno de ordem, de busca de um emprego fixo, de uma estratégia de vida clara, planejada. Uma vida que era estável, tinha idade para casar, ter filhos, se aposentar. Hoje, por outro lado, você vê jovens com 33 que são vice-presidentes de empresas, e pessoas de 60 que estavam aposentadas são contratadas por empresas que não

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acham profissionais. Crescem as carreiras de designer de games, de animação, faltam geólogos e meteorólogos. Tem muita coisa nova, como essas carreiras, e temos que aprender com os alunos e não temer os alunos. Tem gente que pensa: “Mas estou perdendo meu poder centralizador!”. Não é você, a Globo também está, os jornais também estão. Hoje o poder está na interação, na malha que se tece com o interlocutor. Segundo o chileno especializado em neurociência Humberto Maturana, para cada neurônio motor aferente, cada neurônio motor que é ativado em nós, criamos 10 mil conexões cerebrais. Ou seja, nós estamos muito mais conectados conosco mesmo do que com o mundo, somos todos teorias personificadas, criamos uma realidade e vemos na realidade um mundo, por isso atitude é tão importante. Aí o aluno vai olhar para o mercado de trabalho pelo prisma dele. E nosso grande trabalho é focar nesta construção do significado, de que a vida é um lugar bom, de que o mundo precisa dele, de que o mercado de trabalho está em plena transformação e, outra, que a vida dele é uma página a ser construída. Como diria Mario Quintana, “adolescente, olha! A vida é nova e anda nua, vestida apenas com teu desejo”. Se construímos esse significado, estamos construindo a base para a formação do espírito empreendedor. Este é um dado científico que eu encontrei e é fato: um


terço das famílias brasileiras educa de maneira participativa. Grande parte dos pais educa, também por não saber, de maneira permissiva, negligente, ou autoritária, formando crianças mimadas, tiranas ou mal-educadas. Então, significa o quê? Existe uma área no cérebro que já é naturalmente de amadurecimento mais tardio, para os homens, amadurece entre 35 e 40, e para as mulheres entre 30 e 35. Então, não é que todo adolescente seja imaturo, ele foi pouco estimulado. Uns com 15, 16 anos já são supermaduros porque tiveram pais participativos, estiveram numa escola mais rígida, que promoveu protagonismo. Teve o trabalho voluntário, teve valores, teve uma exigência. Esse menino que teve tal estímulo chega aos 15, 16 anos com vontade de construir um projeto de vida. Agora o menino que foi superprotegido, mimado, negligente, apanhou, ou foi abandonado, cresce com a sensação de que a vida lhe deve algo. Ou com a sensação de que não tem direito a nada. E essa criança, que é 70% dos nossos alunos, não tem motivação. Nós temos que trabalhar ensinando os pais e nos ensinando a criar, num primeiro ponto, uma aula motivadora, encantadora, bacana. A gente precisa rever como se dá aula, como se trabalha carisma. Em vez de um professor que ensina, precisamos de um professor que medeia relações. Um jovem hoje, em São Paulo, na USP, vai prestar Medicina, são 49 por vaga, em Publicidade e Propaganda são 44 por vaga, e achamos muito. Vejam o que acontece um pouco depois: formados por profissão, 82 mil administradores. Será que haverá emprego para 82 mil administradores? Será que terá emprego para 87 mil advogados formados todo o ano? Aí pergunto, é mais fácil um adolescente entrar em uma área muito concorrida com o brilho no olho ou em uma em que faltam profissionais, mas ele não se identifica? Qual terá mais sustentabilidade? Precisamos estimular as pessoas a terem brilho no olho, que é um grande fator de empregabilidade. Então cada vez que o pai vier numa reunião e falar assim: “Mas precisa dar tanta lição de casa, precisa ser tão rigoroso?”, respondam: “Sim! Sabe por quê? Porque amo seu filho, amo a vida e aqui temos

compromisso de formar gente como gente de verdade, gente que trabalha sério. Porque o dia em que seu filho fizer uma cirurgia, cada detalhe de um ponto feito acertadamente vai fazer a importância. E conto com seu apoio porque tenho certeza de que você também se importa com o futuro de seu filho”. Às vezes você pensa que isso está claro para o pai, mas não está. Três pontos são fundamentais para construir um projeto de vida. O primeiro é o autoconhecimento, que é a base de tudo; se eu não sei quem eu sou, minhas preferências, personalidade, meus valores, interesses, meus pontos fracos, minhas competências, eu não tenho como construir um projeto de vida. E o aluno precisa ano a ano rever isso para se conhecer, e isso ocorre dentro da escola, não tem outro lugar. O segundo módulo que nós trabalhamos são as escolhas profissionais. O menino desde cedo deve ser capaz de nomear as profissões, de perceber as relações entre elas. Um produto, um laser sem fio, quem faz? É um designer, é um publicitário, é um engenheiro, é um psicólogo, é um sociólogo? Ele tem que aprender isso ano a ano na escola de maneira crescente em complexidade. E o terceiro módulo que a gente trabalha é empregabilidade, empreendedorismo. Uma pesquisa mostra quais são os três fatores de sucesso de um profissional: otimismo, ação e o significado. O otimismo mais a significação é o que gera a atitude. Eu não vou ter uma atitude empreendedora se eu não enxergar significado. Se eu não notar importância, se eu não crescer em um mundo onde eu sou

a motivação do educador está NELE, não está no aluno 13


estimulado a ser otimista e ver perspectivas e possibilidades para além das dificuldades, fica difícil. Qual vai ser minha atitude, qual vai ser a minha solução, qual vai ser a minha ação? Se eu não enxergar isso, não tem motivo para a motivação. Existe um tipo de célula chamada célula CD4 e células NK, e uma área hoje que já é estudada por vários países do mundo chamada de psiconeuroemunologia. Por meio dela já se sabe que pessoas felizes, otimistas, têm um número maior dessas células NK e CD4, que são responsáveis por nada menos que nossa imunidade. E o que nos faz felizes? O que nos faz felizes é a doação. Pense nos momentos mais felizes de sua vida. Nos momentos em que você ensinou seu aluno a fazer um traço, ou no momento em que você deu uma aula encantadora... Os momentos mais felizes da vida são os momentos em que a gente doa, porque felicidade e amor são as duas únicas coisas em que quanto mais a gente dá, mais a gente tem. Para eu poder dar amor eu tenho que me transformar em amor, para dar qualidade eu tenho que ter qualidade, para eu dar honra eu tenho que ter orgulho de mim. E eu entendo que é esse o

Uma vida significativa é medida pelo número de vidas que a gente ilumina

caminho que temos que ensinar para os alunos quando falamos de profissão. Profissão é algo que eu professo, que eu confesso, que eu prometo. Quando falo que vou ser um psicólogo, eu vou ser um guardião de verdade, de dignidade, de autenticidade, de reconhecimento sobre si, sobre a vida. Que causa o teu aluno vai abraçar? Não é o nome da carreira, isso não interessa, o nome da carreira vem depois do legado, do que eu quero deixar, do que eu quero contribuir, do que eu quero oferecer. Porque se esse aluno estiver feliz ele adoece menos, ele procura menos drogas. Não existe outro melhor meio de prevenir drogas e o alcoolismo do que a felicidade, do que promover amizade, promover a significação. E esses alunos precisam de inspiração, não de piração, precisam de adultos que digam sim para a vida, e digam: “Você pode, você é bonito, você consegue. Ainda não deu, mas você chega lá, você tem, sim, capacidade”. Isso pode ser visto como mais uma demanda da escola, ou pode ser visto com uma base de tudo que temos que fazer. Este é meu lembrete: feliz, a gente vive melhor! E vou finalizar com um pedido. Que cada um de nós se concentre nesse brilho e nesse orgulho de uma profissão em que todo dia a gente possa se reinventar. De que todo dia a gente possa receber um abraço, um sorriso de um aluno. Que todo ano a gente possa rever tudo e reaprender. Que todo dia possamos chegar em casa e dizer: “Hoje eu fiz a diferença para aquele ali”. Que todos os dias eu possa ter orgulho da pessoa que eu

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sou, porque não deixei de acreditar na vida. Que outra profissão nos permite tanto orgulho e tanta paz de espírito, apesar de tanta diversidade? E é por isso que a motivação do educador está nele, não está no aluno, porque esse às vezes vai entender o que você fala daqui a dez ou vinte anos, nós trabalhamos pelo legado. E é por isso que eu peço que cada um de nós dê 100% de si. Não somente pelos alunos, mas para que possamos chegar em casa com orgulho da pessoa que escolhemos ser, desta causa chamada vida. Enquanto nos incomodarmos com crianças sendo mortas pelo crack, com crianças se matando no álcool, com doenças sexualmente transmissíveis, enquanto a gente se doer com o bullying, com a violência, com o descaso, é porque estamos saudáveis. Se olhar para isso e doer é porque você sabe que pode ser melhor, você sabe que o mundo está doente, você sabe que hoje está desestruturado. E tomara que te doa muito cada notícia dessas, porque cada vez que dói é porque o teu coração de alguma forma foi partido. Mas um coração partido pode ser também um coração engrandecido, de recursos, de realidade, de verdade, de vontade de fazer a diferença. Porque se eu trabalhar bem por um aluno meu, talvez um dia ele possa te operar em um hospital. Se você educar bem um aluno seu, talvez um dia ele vire um Secretário de Segurança e ajude a ter um mundo mais seguro para um neto meu. Se você educar bem seu aluno talvez um dia ele vire um jornalista que faça um ministro do mal sair de cena. E assim cada um de nós trabalha por um mundo melhor. Cada um de nós trabalha por uma mesma causa, que se chama vida. E assim a gente faz como Deus, a gente faz algo que é divino, que é iluminar a vida do outro. Para mim uma vida significativa é medida pelo número de vidas que a gente ilumina, e a pergunta que eu deixo é: quantas vidas você pode iluminar? Quantas vidas você escolhe iluminar no seu dia a dia, quantas vidas você decidiu tocar no seu trabalho? Está aí o convite. Conto com vocês!

Dicas do especialista: - É preciso aprender com os alunos e não temê-los. - Hoje o poder centralizador está sendo substituído pela interação; - Os adolescentes mais maduros são aqueles que têm pais participativos, uma escola mais rígida que promove o protagonismo; - Em vez de um professor que ensina, é preciso um professor que medeia relações; - Três pontos são fundamentais para o aluno construir um projeto de vida: o autoconhecimento, saber suas preferências, personalidade, valores...; conhecer as profissões desde cedo e perceber as relações entre elas; e trabalhar a empregabilidade e o empreendedorismo; - Os momentos mais felizes da vida são os momentos de doação, porque felicidade e amor são as duas únicas coisas em que quanto mais se dá, mais se tem.

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BENNE CATANANTE

Gerações Y e Z:

O que ensinam e o que esperam aprender com as demais gerações

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enho pesquisando há mais de 15 anos sobre essas novas gerações que estão entrando no mercado de trabalho. Eu sempre trabalhei com adultos e no contexto organizacional, e foi esse ambiente que me levou a ser convidada a lecionar em alguns cursos de pós-graduação, o que novamente me fez tomar contato com os adultos. Adultos buscando representar realmente o seu talento, por meio da formação acadêmica. Acredito que a maioria das pessoas que fazem uma pós-graduação, hoje, busca um sentido de vida, para representar os seus talentos por uma formação acadêmica. Acontece que esses adultos cada vez que entram nos cursos de pós-graduação vão demonstrando que seus interesses também são variados e obrigam seus professores a se atualizarem. Traduzindo em miúdos, geração X são os quarentões, geração baby boomer são os cinquentões, a geração sênior são aqueles que já estão na casa dos setenta, a geração Y está perto da casa dos trinta, e a geração Z está aí com menos de dez anos de idade. Essas crianças são tipicamente nascidas no contexto onde o mundo é completamente diferente das

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gerações anteriores, o contexto é totalmente digital. E se a gente olhar realmente o que diferencia uma geração da outra, vamos só identificar contexto. As pessoas vão demonstrando atitudes que são típicas da sua personalidade e da sua faixa etária, e não necessariamente típicas de um tipo de geração. O contexto no qual as pessoas chamadas geração baby boomers viviam quando eram crianças é completamente diferente do contexto no qual as crianças quando eram crianças da geração Y foram educadas. Então, se há alguma coisa que podemos identificar para diferenciar uma geração da outra é o contexto de mundo, o universo no qual essas pessoas quando eram crianças foram educadas. Outro dia uma pessoa da geração X chegou para mim e disse assim: “Eu já percebi que eu sou geração X, mas eu não entendi direito com que idade que eu vou virar baby boomer”. Ninguém vira baby boomer, mas pode acontecer. No trabalho que realizo com lideranças e equipes, comecei a identificar uma classificação que não tem nada a ver com a idade e com a geração na qual aquela pessoa foi criada. Tem


a ver com preconceito. E uma das pessoas, um dos líderes, numa dessas palestras, foi quem me deu essa luz. Ele disse: “Olha, aqui nós não temos baby boomers, ou Y, ou X, nós temos uma porção de baby-tumbas!”. São pessoas que têm preconceito em relação à outra geração, não conhecem nem a si próprios e já começam a criticar modelos que não são os seus modelos, as suas verdades. Então, os baby tumbas são aqueles que olham as outras gerações e a si próprios de uma maneira equivocada, de uma maneira enviesada. Por exemplo, o baby boomer quando era jovem saía da casa dos pais com 16 anos e procurava sua própria independência, ralando mesmo. E agora ele olha para os jovens de 20 e pouco anos, morando com os pais, ainda adolescentes, e pensa: que folgados! Todos eles falam simplesmente por preconceito e desconhecendo o contexto no qual a geração Y foi criada, e que é resultado justamente das provocações que o baby boomers colocou na sociedade, dizendo “por que não fazer diferente? Por que não ser hoje uma pessoa ainda jovem, apesar de ter bastante idade? Por que não usar esse tipo de vestimenta?”. Os baby boomers trouxeram essa contribuição ao mundo, mudaram os costumes, a moda, revolucionaram por meio de questionamentos que vieram para ficar. A geração Y nasce num contexto em que, quando eram crianças, levaram um bom tempo para descobrir que o forno micro-ondas não existe desde que a humanidade existe, e a gente precisa estar muito atento que esse é o contexto no qual essa geração foi criada. Uma geração de tecnologia, onde as novidades já são incorporadas. E vamos falar da geração X, que são os quarentões, aí mais ou menos nessa fase. Essa geração foi chamada de X não por acaso. E é interessante porque ela foi chamada de ‘X sanduíche’. Mas, não é X tudo. É uma geração que cresceu num contexto tão diferente do resto das outras gerações,

O que nós temos para aprender com as gerações Y e Z? Principalmente, interagir

em que os pais começaram a se divorciar em massa e eles tiveram que se virar. As escolas começaram a colocar alguns aspectos que antes não existiam com tanta formalidade, como a competição associando esportes com a nota, o boletim escolar, e que o mundo só se lembra do primeiro lugar. Ouviram tanto sobre isso que depois quando ficaram adultos o que eles quiseram sempre? Conquistar o primeiro lugar! E, por azar deles, mal começaram a sua carreira e tiveram que ser obrigados a trabalhar em equipe. Então, se você quer torturar uma geração X talentosa, põe o cara para trabalhar em equipe. Dentro dele tem algo em conflito que não se resolve porque ele aprendeu que o mundo só lembra do primeiro lugar. O que nós temos para aprender com as gerações Y e Z? Principalmente interagir. Eu não vou falar para professores, porque vocês, mais do que eu, sabem qual a sua missão, vou falar para os pais. Não peça para seus filhos desligarem o

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computador porque você chegou, ou para desligar a TV. Fica com eles, assista ao que estão vendo, joga com eles, interaja. Checa por que eles jogam esse tipo de jogo, por que eles assistem a esse tipo de programa, o que tem ali de divertido, de interessante. E aí sim, quanto mais você interagir, quanto mais você conseguir enxergar o que tem ali de divertido para aquela pessoa, mais você vai fidelizar uma relação e mais vai conseguir inspirá-lo para que ele faça alguma coisa além daquilo. Quando nós estamos falando dessas gerações, dessas classificações, temos sempre que nos remeter para aquela idade. Não adianta eu, hoje, com minha idade, querer comparar o meu nível de consciência, minha visão de mundo com a visão de mundo da geração Z. Seria covardia. Agora, olha para essa geração, o nível de informação, a consciência de mundo, a visão que eles têm, e volta para quando você tinha essa mesma idade, o que você conhecia a respeito do mundo? Qual a consciência que você tinha das coisas e dos propósitos? Quais eram os seus valores naquela época? Esses valores são referências para você hoje continuar interagindo com essas outras gerações. Isso é que conta. Qual é o propósito que você tem hoje com a sua idade adulta e que você não tinha quando você era criança, mas que você pode trocar experiência? Nós somos de uma geração em que primeiro estuda, depois brinca. E eles querem brincar aprendendo, porque eles aprendem muito brincando. Nós estamos preparados para isso? Nós brincamos realmente com o conhecimento? Eu vejo às vezes na internet algumas correntes aí, e uma delas, saudosista, de baby boomers, dizendo assim: “Ah, naquele tempo, a gente descia ladeira num carrinho de rolimã, ninguém usava capacete, nem joelheira e todo mundo era feliz”. Eu digo: ótimo! E hoje, o que você faz na internet

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que significa a mesma ousadia? Porque não adianta você querer fazer o menino desligar a internet, a TV, para ele ir lá correr ladeira abaixo num carrinho de rolimã. Não é por aí. É quanto você hoje navega, pesquisa conteúdos, conteúdos que valem a pena, para você filtrar, e poder conversar daquilo que eles conversam naturalmente. Quantos de nós estamos preparados para continuar mostrando a nossa ousadia, nossa capacidade de mudar paradigmas, com toda essa tecnologia que está à disposição? Se há uma coisa que a geração Y aprendeu com as outras gerações anteriores, que foram abertas para isso, foi se relacionar com a autoridade. Quando as gerações baby boomers anteriores eram crianças, chamavam os professores de senhor, a geração X passou a chamar de ‘tio’. Então, veja, a diferença que é para uma criança, quando ela chega depois em um ambiente de trabalho, olhar para uma autoridade que desde pequenininho

A geração y aprendeu a se relacionar com a autoridade


para ela tinha uma proximidade de ‘tio’. E a geração Z chama pelo nome! Você é você, você não é uma autoridade que tem que ter um título. Você é você. E ela vai crescer sendo quem? Ela mesma. Então, essas gerações estão preparadas muito mais do que as gerações anteriores a serem elas mesmas. Se você quer matar uma criança de uma geração Z pergunta para ela o que ela vai ser quando crescer. Não faça isso, porque ela já é! Ninguém vai ser quando crescer. Ela já é. Quanto mais ela tiver consciência de quem ela é, mais ela estará capacitada para fazer alguma coisa com aquilo que ela já é. Quantos de nós já estamos preparados a ensinar as crianças a reconhecerem nelas mesmas quem elas são? Deixem por conta delas, dos baby boomers talentosos, dos X talentosos, dos Y talentosos, que reconhecem o seu valor no mundo, que querem fazer uma diferença e que vão criar, sim, escolas, e talvez universidades para as novas profissões. Geração Y, X, baby boomers, sênior... Preparem-se, temos ainda muitos anos de vida produtiva e saudável. O que é que nós estamos fazendo para nos atualizarmos, para oferecer às novas gerações? Quantos de nós estamos ainda no preconceito de achar que uma outra geração não teve a grande oportunidade que nós tivemos? Se eles não têm oportunidade, o que nós estamos fazendo para oferecer esse olhar, essa visão de mundo, que é a nossa visão? Tragam para a sua visão de mundo, sua consciência, qual é o atributo da sua geração, quais os atributos das demais gerações. Compartilhem, conversem com as outras pessoas, façam grupos para identificarem quais seus valores que são enraizados desde a infância. Quais seus propósitos de vida, hoje, que você não tinha quando tinha aquela outra idade porque você não tinha consciência de mundo? E quais são os propósitos que essas gerações têm de consciência de mundo e de profissões que a gente nem faz ideia? Antigamente, as crianças dependiam da formação escolar, os jovens dependiam da formação profissional e isso tudo era diretamente ligado a estudar numa universidade. Hoje, honestamente, quem precisa de quem? São as universidades que precisam desesperadamente dos jovens, porque os jovens quando olham mesmo para aquilo que as universidades têm para oferecer não se sentem completamente plenos. E todos nós aqui da nossa plateia podemos ainda começar uma nova carreira, oferecer isso para essas gerações. Seja quem você é, e faça aquilo que você sabe que pode fazer, mesmo que a formação escolar ainda não te ofereça.

Dicas da especialista: - O que diferencia uma geração e outra é o universo no qual essas pessoas quando eram crianças foram educadas; - Não peça para seu filho desligar o computador porque você chegou. Fique com ele, jogue com ele, interaja; - Quanto maior a interação com as gerações mais novas, mais você fideliza uma relação e consegue inspirá-lo para que façam alguma coisa além daquilo; - A geração Z quer brincar aprendendo, porque aprendem muito brincando. E quer chamar pelo nome, não identifica nas pessoas mais velhas uma autoridade que tem que ter um título; - Traga para a sua visão de mundo qual é o atributo da sua geração e quais os atributos das demais gerações; - Converse com as outras pessoas, faça grupos para identificarem quais seus valores que são enraizados desde a infância.

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LUCY DURÓ

Conhecimento:

Olhar epistemológico voltado à sociedade contemporânea

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tema da minha palestra é “Conhecimento: olhar epistemológico voltado à sociedade contemporânea”. Para contextualizar a sociedade contemporânea vou citar Alvin Toffler, um analista de tendências. Segundo esse pesquisador, a humanidade atravessou três momentos marcantes em todo o seu percurso histórico. O primeiro momento teve como característica principal a agricultura. Os homens trabalhavam sobre a terra utilizando instrumentos rudimentares. O segundo momento começou em meados do século XVIII com a Revolução Industrial, tendo como marco principal a invenção da máquina a vapor e, posteriormente, o descobrimento da eletricidade. O terceiro momento importante da humanidade teve início na segunda metade do século XX. É o momento atual: a era do conhecimento, das inovações tecnológicas. Em princípio, a tecnologia acompanha o homem desde a sua origem, ela existe para aperfeiçoar as habilidades humanas. Na medida em que o homem modifica a natureza, ele desenvolve recursos para facilitar a sua vida e ao fazer uso desses recursos se transforma. Hoje, a partir do uso da tecnologia, conseguimos

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falar, em tempo real, com, praticamente, qualquer parte do mundo. O conhecimento passou a ser mais democrático. Para ter acesso a um artigo científico basta percorrer os bancos de dados da internet. Enfim, o homem apresentou um enorme avanço tecnológico nos últimos 50 anos. Entretanto, com todo esse avanço, eu pergunto: como está a sociedade contemporânea em relação aos valores humanos? A sociedade está vivendo em total contradição. Percebemos o planeta sendo violado, degradado, sofrendo com catástrofes climáticas. Animais sendo extintos em decorrência do desequilíbrio ambiental. Assistimos ainda, em pleno século XXI, à miséria assolando o mundo, além de crianças morrendo de fome diariamente e outras tantas sendo submetidas, de forma perversa, a trabalhos duros e desumanos. Apesar disso, o mercado não deixa de produzir futilidades como um esmalte com tampa de ouro cravejada de brilhantes, no valor de, aproximadamente, R$ 229.000,00. Até quando nós vamos permitir que isso aconteça? Como mudar essa realidade?


O O sistema educacional não tem mais que reproduzir, mas transformar a realidade Podemos começar com a interrogação. Eu costumo dizer para os meus alunos: “Andem com um ponto de interrogação na mão o tempo todo porque ele oferece suporte para mudanças”. A pergunta é fundamental porque ela nos leva na direção da busca de soluções. O meu objetivo, ao trazer a tona essa contradição, é incomodar. O filósofo começa a refletir a partir do espanto. A ciência começa a trabalhar a partir da pergunta. Falar de Ciência é falar de conhecimento. A sociedade encontra na ciência apoio para conhecer a realidade e assim poder transformá-la. Por isso, é importante estarmos atentos ao conhecimento produzido pela Ciência. Para isso, utilizamos um ramo da filosofia que estuda o conhecimento científico: a Epistemologia. Praticamente em toda a trajetória do homem a base de conhecimento foi o senso comum. Foi só a partir de um determinado momento que a Ciência começou a se estruturar. Houve dois pensadores importantes que contribuíram muito com formação do pensamento científico: Aristóteles e Descartes. Um dos princípios formulados por Aristóteles dizia que um elemento não poderia contradizer o outro. No entanto, quanto do que percebemos hoje, na sociedade contemporânea, é contraditório a esse princípio. Uma teoria que aponta que algo não pode ser bom e ruim ao mesmo tempo nos faz pensar de maneira polarizada. Assim, de acordo com um dos pressupostos de Aristóteles, para aceitar um fato teríamos de negar o outro, formando uma visão maniqueísta, entre o certo e o errado ou entre o verdadeiro e o falso. A vida é bem mais complexa. Já René Descartes dizia que a natureza funcionava de forma mecânica. Ele acreditava que para compreender o todo era preciso dividi-lo em partes e estudar cada parte isoladamente. Porém, sabendo que a água apaga o fogo, quando dividimos a molécula da água ficamos surpresos ao descobrir que o hidrogênio é autocombustível e o oxigênio conserva a combustão. Então, não há como dividir o todo em partes para tentar entendê-lo, porque se assim o fizermos perderíamos as propriedades do todo.

A ciência está toda fragmentada, dividida em áreas, e a epistemologia nos faz entender a necessidade da interdisciplinaridade porque a realidade não é só Biologia, Matemática ou Geografia, a realidade é o todo. A ciência deveria ter como objetivo principal promover a sociedade de forma integral. Quando focamos muito numa direção em detrimento de outras, comprometemos o nosso desenvolvimento. Precisamos entender que a lógica é apenas a ponta do iceberg. Existem valores, relações, cultura, singularidade. São processos, é tudo integrado. É uma composição de múltiplas determinações. Os instrumentos que fazem parte de uma orquestra não a representam isoladamente. Para ser uma orquestra é preciso que exista uma composição de todos os instrumentos juntos. Na medida em que vamos avançando os fenômenos vão ficando mais complexos. A educação é a estrutura para a formação humana. O indivíduo se constitui na relação com a sua cultura em um processo mediado. E quem faz parte dessa mediação? São as instituições sociais: família, escola, religião, etc. Ao nascer, a criança recebe dos pais o apoio, a orientação, os valores para a formação e o desenvolvimento do seu potencial. Em um primeiro momento, papai ou mamãe falou, está falado. Não tem discussão! Até certa idade, os pais são considerados os donos do saber. Posteriormente, essa criança vai à escola e o

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Temos que começar a valorizar as diferenças

professor passa a assumir um papel da maior relevância. A criança está fazendo um exercício. Se alguém disser que está errado o que a professora ensinou, ela vai dizer: “A professora falou que é assim!”. E acabou! Agora, para essa criança, é a professora que tem o saber. Logo, percebam o impacto que nós temos na vida de uma criança ou de um jovem! Vejam que responsabilidade! Também não podemos esquecer que a nossa fala tem de estar articulada ao nosso comportamento. O pai diz: “Filho, não minta”. Em seguida, toca o telefone. É um amigo. Em vez de atender, ele diz: “Diga que eu não estou”. A criança não sabe se acredita na fala “não minta” ou se segue o exemplo do pai. Certamente, é o exemplo que ficará e não a fala. Não há como dizer que o pai e a mãe cuidam de uma parte e a escola cuida de outra. A criança está se constituindo nas relações humanas em todos os momentos. Somos responsáveis por ela, inclusive enquanto sociedade! A educação tradicional foi sistematizada nos séculos XVII e XVIII pela igreja Católica e tinha como objetivo reproduzir o conhecimento. Hoje sabemos que apenas reprodução do conhecimento não traz os resultados esperados. Temos de ter cuidado com a ideologia, com os valores transmitidos no processo de escolarização. A fundamentação do meu trabalho é a perspectiva históricocultural com base em Vygotsky. Segundo ele, o desenvolvimento das funções psíquicas superiores acontece com base nas relações, na cultura, e nós, professores, somos parte disso. Precisamos motivar os nossos alunos a irem ao encontro do conhecimento. Motivação é motivo para a ação. Para a criança aprender ela precisa de sentido e significado. O sistema educacional não tem mais que reproduzir, mas transformar a realidade. É preciso trabalhar com valores para transformar.

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Valores estéticos. Quem determina o bonito e o feio? Quando levamos nossos filhos para assistir ao ET ou ao Shreck, em pouco tempo o monstro dá lugar uma criatura coberta de ternura e tudo se transforma. Valores éticos! Com todo o potencial do cérebro humano, como eu posso dizer que numa escola existem bons alunos e maus alunos? Que algumas crianças e jovens são inteligentes e outras não o são? A criança chega em casa e diz: “Pai, tirei 10 em Educação Física”, e ele pergunta: “E em Matemática?”, como se a Matemática fosse mais importante que a Educação Física. Todas as áreas do conhecimento são fundamentais. Valores políticos! A sociedade pautada nos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade continua excluindo por intermédio também da instituição escolar. Como? A professora Maria Aparecida Affonso Moysés, Médica Pediatra, Professora do Departamento de Pediatria da Unicamp, apresentou no Congresso de Psicologia Escolar algo que me preocupou muito. No ano 2000 foram vendidas 70 mil caixas de metilfenidato. (Ritalina, Concerta). Em 2010, apenas dez anos depois, esse número alcançou a casa dos 2 milhões de caixas vendidas. Cuidado! Nós podemos estar condenando as nossas crianças. Eu sei que este é um assunto muito polêmico, entretanto eu não me sentiria cidadã se não tocasse nessa questão. Certamente ainda não contamos com uma metodologia capaz de trabalhar com as diferenças. Eu ainda não conheci uma escola de canto que conseguisse aprimorar a minha voz com a mesma qualidade da voz da Barbra Streisand. O que sei é que existem muitas “Barbras Streisand” nas escolas esperando para serem exploradas. Da mesma forma, artistas, músicos, esportistas, dançarinos. A arte, a música e o movimento desenvolvem a sensibilidade. Todos nós temos potencial, todos sem exceção. Estamos na escola, então por que não promover, a cooperação, em vez da competição? Temos de preparar os jovens para uma sociedade


competitiva sim, mas não podemos absolutamente colocar isso como tema principal. É com a diversidade de instrumentos que criamos uma orquestra. Pensem em quantos Cirque du Soleil poderíamos compor com os talentos que temos aqui? Quantos artistas estão espalhados pelas ruas porque não encontram oportunidade? Eles precisam de nós, e nós, enquanto sociedade, precisamos deles. Assisti a apresentação de um jovem chamado John Lennon da Silva que me fez acreditar que devo continuar insistindo na valorização da diversidade humana, pela escola e pela sociedade. Ele é um dançarino talentosíssimo que conseguiu, em uma apresentação brilhante, encantar e emocionar os jurados e pessoas do mundo inteiro com a sua versão pop da “Morte do Cisne”. Apenas senti muito pelo fato de ser sido em uma competição promovida por programa de televisão. Solidariedade, tolerância, respeito às diferenças para transformar. O psicólogo social da USP Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou um mês como gari, varrendo ruas da universidade. Em sua tese de Mestrado, conseguiu comprovar a existência da invisibilidade pública. Ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada. A divisão social do trabalho, em que se enxerga somente a função e não a pessoa. Ser ignorado é uma das piores sensações que existem na vida. “Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador, faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe.” Parte da entrevista concedida à Delphino, Diário de São Paulo. Então, para construirmos uma sociedade mais justa e mais íntegra, precisamos trabalhar com valores, respeito às diferenças e, principalmente, ética. Deixo com vocês esse pensamento maravilhoso de Fernando Pessoa: “Penso que estamos cegos, cegos que veem. Cegos que vendo não veem. Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.

Dicas da especialista: – Um dos instrumentos que dão mais suporte a mudanças é a interrogação: “andem com um ponto de interrogação na mão o tempo todo”; – Família, escola e religião fazem a mediação da constituição do indivíduo, transmitem valores para a sua formação e para o desenvolvimento do seu potencial; – Temos que ter cuidado com os valores transmitidos. Não é possível pregar uma coisa e fazer outra. A cabeça da criança não sabe se acredita na palavra ou segue o exemplo; – Todas as áreas do conhecimento são importantes e fundamentais; todos têm potencial, sem exceção; temos que aprender a valorizar as diferenças; – Os professores precisam motivar para transformar, projetar, criar, ousar, inovar, empreender para transformar.

Temos de preparar os jovens para uma sociedade competitiva sim, mas não podemos absolutamente colocar isso como tema principal 23


TRACEY ESPINOSA

A ciência da mente, cérebro e educação no mundo e seus recentes achados

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amos olhar campos distintos hoje, novos territórios: a educação e a neurociência cognitiva fixada nos cérebros humanos e na psicologia educacional, porque misturando esses dois campos vamos ter uma melhor visão do que precisamos em sala de aula. A ideia é olhar a intersecção desses campos. Qual a diferença entre o cérebro e a mente? No território da neurociência, a gente vê uma coisa concreta, sólida, um órgão; e quando falamos da mente, falamos de algo intangível. Mas eles são complementares e ambos usados na educação. Qual o foco principal do professor? Os alunos. E o do neurocientista? Os neurônios, as células. O psiquiatra vai olhar o comportamento. São territórios distintos e meu desafio é fazer com que eles se unam. Para isso, temos que fazer um novo profissional. Eu gostaria de desafiar vocês. Quando saírem daqui, hoje, vão dizer: “Eu não sou um professor, sou um cientista educador de mentes”. É uma visão diferente. Se você quer ser um professor, você tem que integrar a neurociência e a psicologia à sua aula, você tem que fazer uma ponte entre a neurociência e educação. Eu quero que vocês se convençam de que a educação da mente é a nova maneira de aprendizagem. Vou compartilhar meus objetivos e minhas visões. Vocês não precisam acreditar.

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Mas quero que vocês pensem. A educação baseada no cérebro é nova e poucos países no mundo têm sociedades que chegaram nesse conceito. Existem novas práticas de como deveríamos ensinar, baseadas em novas informações. A primeira regra da educação é a mesma da medicina: não faça dano. Existem informações vendidas aos professores sem provas. A segunda regra: meu objetivo como professor é criar bons pensadores, pessoas que consigam levantar suas próprias questões. Estamos falando de educação, não apenas de neurociência, mas como o cérebro aprende. Não existe uma coisa como do tipo “faça isso, isso funciona para todo mundo”. Não existe uniformidade nas salas de aula. Meu desafio é que vocês possam atravessar fronteiras e aprender sobre o cérebro usando a sala de aula. Para fazer isso, precisamos mudar a nossa mentalidade, precisamos ter outras ferramentas. Temos uma gama muito ampla de alunos, alguns com deficiências sérias de aprendizagem e outros muito bons. Precisamos saber como diferenciar a aula baseados nos potenciais de cada um. A educação não conseguiu resolver esses problemas, então nós precisamos buscar informação dos neurocientistas e dos psicólogos para melhorar. Nós sabemos muito a respeito de como o cérebro aprende,


mas muito pouco sobre como ensinar. E vocês não podem acreditar em tudo que escutam, porque a informação é boa na proporção de 80%. Vamos ver quais são as nossas crenças e os neuromitos, quais são as boas informações e as más. O que essas informações nos levam a fazer? Há categorias de informação e eu gostaria que vocês memorizassem. Coisas que estão bem estabelecidas; por exemplo, a plasticidade: o cérebro é altamente plástico e maleável, se adapta todos os dias. Uma especulação inteligente, como dizer que meninos e meninas não aprendem da mesma forma porque existem diferenças no seu cérebro. É uma especulação inteligente que parece óbvia, mas não é verdade. E informações que são apenas mitos, das quais temos que nos livrar. Os cérebros humanos são tão diferentes como os rostos humanos? Temos dois olhos, um nariz, duas orelhas... Mas alguém tem a mesma cara? A metáfora é muito boa: a gente tem a mesma estrutura básica no cérebro, mas não existem dois cérebros iguais. Irmãos gêmeos não têm mesmo cérebro. Baseado no que dizemos isso? Nas suas experiências, que são distintas. O que isso tem a ver com o ensino? Há um conceito muito poderoso de diferenciação. Os objetivos não mudam, mas a forma como eu ensino, a metodologia e a avaliação sim. Os cérebros não estão igualmente preparados para todas as tarefas. Há crianças com melhores vantagens que outras; crianças com genes maravilhosos dos seus pais e bastante estimulação em casa, e outras não. Você tem que fazer uma pesquisa para saber quais as que aprendem de uma forma e ter flexibilidade de modificar o ensino das outras. Então você vai ensinar de formas diferentes para atingir pessoas diferentes. A informação passada influencia como aprendemos a nova informação. Falso ou verdadeiro? É 150% verdadeiro. Quanto mais você sabe mais você pode saber. Por quê? Porque há muitos pontos de referência. Isso é chave! Informação passada facilita a nova aprendizagem. Então o que vamos fazer como professores? Usar as próprias experiências. Se o aluno já sabe adicionar e quero ensinar a subtrair, vou usar a informação passada que ele tem para ensiná-lo. O conhecimento já adquirido colabora com experiências autênticas de aprendizagem, tiradas da vida real do aluno.

Verdadeiro ou falso: tomar decisão com cabeça fria ou sem emoção ajuda você a pensar melhor. Mesmo que vocês pensem que é verdade, isso é impossível fazer: julgar a informação de forma apenas racional. Todas as coisas têm um nível emocional. Isso tem impacto no ensino? Sabemos que estamos criando ambientes a todo o momento, dada a forma como escolhermos interagir com os alunos. Quando eles entram e dizem “o professor me odeia”, nós já criamos um ambiente onde ele fez um julgamento no nível emocional de alto estresse. Apenas quando estivermos criando ambientes apropriados, ou liberdade intelectual, deixando um espaço para o aluno errar, ele não vai ter medo de aprender. Se ele achar que será humilhado pelos seus pares, seus professores, terá uma aprendizagem bloqueada. Lembrem-se de quando vocês eram alunos. Quando viam o professor completamente nervoso, perdido, preocupado com o que ia fazer, vocês pensavam: “Isso vai ser chato”, e começavam a olhar o professor, e ele olhava para os alunos e via que eles estavam chateados, e ficava menos entusiasmado ainda. Agora, quando alguém entra numa aula em que o professor ama o que

Sabemos muito a respeito de como o cérebro aprende, mas pouco sobre como ensinar 25


está fazendo, é absolutamente contagioso. Você não gosta de matemática, mas esse cara adora o que está fazendo, então posso me conectar a isso. Se ele gosta tanto, deve ser bom. Períodos críticos de aprendizagem existem? Isto é uma pergunta capciosa. Para coisas físicas, por exemplo, aprender a andar? Para as habilidades acadêmicas? Aqui estão as respostas: não e não. Se você não aprender matemática quando tem 13, pode aprender quando tiver 30. Se você não aprendeu português quando era bebê, vai aprender com 47? Sim. Não existem períodos críticos. Existem coisas mais importantes que isso, como a ordem como essas habilidades foram aprendidas. Se alguém não puder aprender a escrever uma língua estrangeira antes que entenda e possa ler a sua língua, a ordem do aprendizado é muito mais importante. A ideia é dizer que há períodos sensíveis, quando o cérebro está mais adaptado a fazer certas coisas em certos estágios na vida. Mas não significa que existe uma porta fechada depois disso. O sono é importante para a aprendizagem. Isso está certo, mas quais as razões? A primeira: se você não dorme, fica cansado, e isso significa que você não consegue prestar atenção, não consegue focar; a segunda: pesquisas do Robert Stiker, de 2006, mostram que existe uma combinação dos neurotransmissores presentes apenas naquele estágio de sono “REM”, quando a sinapse é consolidada em longo prazo, ou seja, nós precisamos dormir para ter uma memória de longo prazo. Verdadeiro ou falso: o estresse tem impacto na aprendizagem? O estresse é altamente importante para a aprendizagem, mas ele tem que ser categorizado de um jeito diferente: tem um estresse bom, que o aluno está prestando a

Somos professores, não podemos ver só o resultado, temos que ver o processo 26

atenção, focado e tem o seu objetivo, e o estresse negativo, ruim para o aprendizado. Se um aluno pensa que o professor o odeia e o professor o manda ao quadro para dar as respostas, ele ficará traumatizado. Esse nível de estresse fere, impede o aprendizado. Isso não é apenas psicológico, é fisiológico. Isso faz com que os neurotransmissores não funcionem. As partes do cérebro funcionam isoladas. Verdadeiro ou falso? Completamente falso. Você tem um cérebro com hemisférios direito e esquerdo, mas é um cérebro só. Coloquem a mão esquerda no nariz e mão direita na orelha esquerda. Quando eu disser 3, mudem. Por que é tão difícil fazer? Porque no mesmo momento você está dizendo para o hemisfério direito mandar uma mensagem para o esquerdo e vice-versa. Temos que aceitar que o cérebro é complicado, aprender é complicado, a linguagem é complicada. Sabemos que existem mecanismos distintos para soletrar, para a gramática, para escrever, para falar... Então, temos que diagnosticar melhor. Não podemos dizer: “Ah, ele tem problema de matemática”; devemos dizer: “Ele tem problema na sequência numérica, com símbolos”. Temos que ser capazes de ser mais específicos. Desta forma poderemos curar problemas de forma mais eficiente. O cérebro muda com a experiência, constantemente, todo o tempo. Isso é verdade. Vocês vão para casa hoje com o cérebro diferente daquele com que vocês acordaram de manhã, porque fizeram novas conexões. Quantos de vocês ensinaram uma criança a ler? Você tenta por semanas ou meses... Um belo dia ela lê. É mágica! Acontece naquele momento. A ideia principal é


a seguinte: o cérebro muda constantemente com a experiência, mas basicamente está no nível neurológico, que acontece antes de você ver uma mudança no comportamento. Você pode sentir que não está chegando lá, você não vê a prova, não vê a leitura, mas se assegure que pouco a pouco você vai fazer a conexão naquela criança. É preciso ter paciência. Às vezes, o resultado demora. Somos professores, a gente não pode ver somente o resultado, temos que ver o processo. Atenção e memória, eu espero que isso fique nas suas mentes para sempre. Quando nós pensamos nas atividades que fazemos em aula devemos pensar em coisas que estimulem e mantenham a atenção, porque isso é bom para a aprendizagem ao longo do tempo. A última questão tem a ver com algo que talvez não seja tão representado no Brasil: o tempo de atenção. Sabemos que a atenção humana em geral pode focalizar de 10 a 20 minutos. Se você está altamente motivado, pode escutar a mesma coisa por horas. No entanto, a maior parte das crianças em nossas salas de aula não está tão motivada por nossos tópicos. O que temos que fazer? Jogar com três coisas sobre as quais temos controle: mudar a pessoa, o lugar ou a atividade. Outro ponto é relacionado com a atenção. Há primariedade e coisas recentes. Vocês se lembram da primeira coisa que eu disse e vocês talvez se lembrem da última que vou dizer. Mas o que está no meio está borrado. Ao menos que vocês estejam altamente motivados, interessados e tenham feito anotações. A memória é frágil. Fazemos notas para nos ajudar a lembrar. A única forma como nós podemos desenvolver nosso país é por meio da educação. E a educação só vai melhorar se for nutrida de outras ciências, como neurociências e psicologia. Espero que isso seja uma inspiração, para elevar nossas práticas profissionais e melhorar.

Dicas da especialista: Se você quer ser professor, é preciso integrar a neurociência e a psicologia à sua aula, fazer uma ponte entre a neurociência e educação; – O objetivo do professor é criar bons pensadores, pessoas que consigam levantar suas próprias questões; – Precisamos saber como diferenciar a aula baseados nos potenciais de cada um; – É preciso fazer uma pesquisa para saber de que forma os alunos aprendem e, a partir dela, ter flexibilidade de modificar o ensino dos outros; – Se a informação passada influencia como aprendemos a nova informação, vamos usar experiências tiradas da vida real dos alunos para ensinar; – Ame o que está fazendo, porque isso é absolutamente contagioso para o aluno e cria um ambiente convidativo ao aprendizado.

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JOSÉ CALICH

Pais-filhos-escola:

conflito de situações ou possibilidade de crescimento?

O

comportamento social humano é baseado em complexos referenciais e culturais que se organizam como modelos. Organizamos nossa vida em cima de algumas coisas que não percebemos que existem, mas que dão uma espécie de moldura para tudo aquilo que somos e fazemos. Além de termos em nosso mundo interno orientações para nossa vida, nossa carga genética, vivemos imersos num ambiente cultural que traz uma memória que é fora de nosso corpo. Essa memória vai sendo moldada em cada momento. Minha proposta é entendermos o que exatamente houve no mundo nos últimos anos, e o que isso representa em termos de família, de escola, de pais e filhos. O mundo se alterou muito, então nós vamos refletir um pouquinho sobre o que mudou. Vamos pensar na linha do tempo. Na Idade Média já começaram as mudanças, como o fim da Idade Média, o fim do feudalismo, o fim da época do obscurantismo permitiu que o homem entrasse num renascimento, no Iluminismo. Isso permitiu que se lançasse luz onde não havia e principalmente

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que o homem pudesse pensar fora dos sistemas estabelecidos de pensamento. Toda a produção da humanidade, tanto intelectual quanto a produção agrícola, mudou a partir do momento em que se começou a perceber que o ser humano podia pensar, refletir e se organizar, podia ter método. Se antes eu não podia me ver como indivíduo, eu só podia repetir as coisas que eu já conhecia, esta possibilidade de ter autonomia, de ter alguma espécie de pensamento dedutivo me permitiu construir todo um pensamento científico que resultou em todo o progresso que nós temos hoje em dia, que é literalmente exponencial. Algumas evoluções, como a evolução da tecnologia, são coisas que nós temos que pensar com muito cuidado. Nós temos uma hipertecnologia, é um estado hipertecnológico. E por que isso é um problema? Eu quero pegar um exemplo bem específico, da genética. Nós chegamos num ponto em que podemos modificar a genética. E isso representa que somos capazes de criar novos seres vivos. Ainda não fizemos, mas é só uma questão de tempo. Estamos brincando de Deus, a


gente cria vida, acaba vida, decidimos para onde vai. E isso significa que estamos cada vez mais exigentes com um tipo de situação pessoal que envolve não sofrer, por exemplo. No século XXI, a palavrinha sofrer é banida. Não se quer sofrer de dor do crescimento, de dor do luto, das dores das separações, do que se passa na vida. Então esse é um assunto que para a psicanálise é fundamental, como também para escola e para as famílias, porque altera radicalmente a maneira de enfrentarmos a vida. Nós queremos criar um ser humano que não passe por dores, ainda que a gente saiba que sem ter dores não crescemos, não nos desenvolvemos. Então, a tecnologia, que tem toda esta coisa encantadora da velocidade, simplicidade, conforto, traz junto uma outra coisa que ainda se insere em uma cultura maior. Uma das coisas fundamentais da história do século XX foi a mudança do papel da mulher. As mulheres estão presentes por sorte, por justiça, em todas as áreas do conhecimento, em todas as áreas do trabalho. Isso é bom? Claro que é bom, só que isso trouxe também problemas, porque foi usado de uma forma perversa como sempre. As mulheres entraram no mercado de trabalho muito antes dos movimentos feministas entrarem porque a Revolução Industrial começou a buscálas em casa para ter mão de obra mais barata. E durante as guerras, como não havia homens disponíveis, as mulheres foram entrando nas fábricas e ganhando menos que os homens. Isto se estabeleceu como paradigma e, até hoje, lamentavelmente, a mulher ganha menos que os homens e

O lema ‘rápido, fácil, barato e sem dor’ é a marca registrada da nossa cultura do século XXI

puxa os salários para baixo. Isso tem influências depois na relação escola-família, crianças. Por exemplo, o que antes era uma atribuição da mãe, fundamentalmente, que era cuidar dos filhos pequenos, graças a essa postura da nossa mentalidade deixou de ser. E os filhos pequenos são criados por muita gente, menos pelas mães, e isto é um problema. Consequências imediatas disso tudo: o hiper-racionalismo, que é uma característica do nosso momento. A gente poderia dizer que ser muito racional é bom, mas só é bom se o ser humano não precisasse do resto. Se nós fossemos máquinas seria ótimo, como nós não somos o hiper-racionalismo é um problema, porque abafa a outra parte do ser humano que é a parte mais humana do ser humano. Outra característica é o imediatismo. É o nosso lema ‘rápido, fácil, barato e sem dor’, é a marca registrada da nossa cultura do século XXI. Então esse passou a ser o paradigma, tudo a gente quer assim, tratamentos médicos rápidos, fáceis, baratos e sem dor. Nos EUA, por

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exemplo, em 2000, o Prozac foi mais usado que o Tylenol, e o Viagra está em quarto lugar. Outro problema, as estruturas familiares que se constituíram no século XXI, a mudança de tudo que se tinha como ideia do que era uma família. Agora nós temos famílias de tudo quanto é jeito, famílias com três mães, dois pais, seis irmãos, dois irmãos moram numa casa, outros dois em outra e as crianças têm de se adaptar a tudo, tudo é normal, tudo é bom. Não, pessoal, lamentavelmente nem tudo é bom!Talvez a gente não tenha instrumentos para provar o que não é bom e o que é. Muitas dessas coisas não têm como estudar neste pouco espaço de tempo, então o que a gente sabe é que mudou, mudou, complicou. Dentro desse nosso paradigma temos também o encurtamento do período de latência, a fase entre a infância e adolescência, em que psicologicamente as crianças se reorganizam internamente para poder organizar aquilo que foram, as primeiras vivências da vida sexual, da vida agressiva para poder entrar na adolescência. Na nossa civilização, no século XXI, esse período encurtou, as crianças saem da infância e já vão para adolescência. O primeiro beijo, que antes era com 13, 14, 15 anos, passou a ser aos 12, aos 11, já estamos por volta de 9, 10, e por aí vamos. Então, a latência encurtou e vieram os problemas de inserção e expulsão da adolescência. Por causa dessas mudanças, os mecanismos de regulação da agressão, das figuras de autoridade também mudaram. Aquilo que era autoritário antes, agora deixou de ser. Antigamente o professor era a autoridade, mais antigamente

O sistema educacional foi desenhado para um paradigma de um outro momento da História 30

o professor era intocável, tinha que ser chamado de senhor, tinha palmatória, quando não havia coisas piores. Hoje em dia, os alunos têm várias formas de contestar a autoridade dos professores. Primeiro porque conhecem, têm informações às vezes tanto quanto os professores. Então, as figuras de autoridade mudaram. Hoje, as políticas de educação tentam propor o que se fazia no passado. O sistema tinha um princípio: se você vai bem na escola e entra na universidade e vai bem na universidade, você obtém um bom emprego. Todo mundo ouviu essa frase algum dia. Hoje em dia, os jovens tendem a não acreditar mais nisso. Não se acredita mais que tem que se estudar para se ter um bom emprego. Eu posso criar o Facebook, posso fazer uma coisa muito mais legal, muito mais interessante. Então ter ou não ter uma graduação universitária já não garante mais um bom emprego. E a sensação é de que a universidade não é mais para eles. E muitos jovens, hoje em dia, entram na universidade, mudam de curso, mudam de novo e saem da universidade. Então surge aí o primeiro impasse, o padrão de exigência deve aumentar, para fazer com que os alunos se insiram, ou deve diminuir, para que mais alunos se insiram? O sistema educacional foi desenhado para um paradigma de um outro momento da História, ele foi concebido a partir da cultura intelectual do Iluminismo e estruturado


nas circunstâncias econômicas da Revolução Industrial, que foi quando se criou a educação pública paga por impostos, gratuita e universal. Havia um modelo intelectual da mente, que era uma expressão da visão da inteligência para aquele momento, do Iluminismo. Qual era o modelo? Que a verdadeira inteligência era a capacidade para certo tipo de raciocínio dedutivo e envolvia o conhecimento dos clássicos. Então, saber os clássicos, poder ler desde Balzac, Shakespeare, isso era o máximo, era ser um intelectual. E ter a capacidade dedutiva era ser inteligente e culto, era tudo o que se queria de um aluno, esse era um aluno perfeito para a Revolução Industrial. Só que isso que funcionou durante vários anos, hoje em dia os jovens não aceitam mais, porque os jovens de hoje têm dois problemas. O primeiro é a questão da autoridade. Antigamente isso existia e era simples, o pai era autoridade, a professora era autoridade, a policial era autoridade, havia figuras de autoridade. No sistema que foi criado hoje em dia, por vários motivos, essas figuras todas ficaram desvalorizadas. Outro problema é a onipotência que se criou a partir da tecnologia, a partir da mentalidade ligada ao relativismo, de que tudo é possível. Se tudo é possível, porque você está dizendo que está certo? Qualquer criança de 3 anos diz assim: “Por que tu acha que tem razão?”. E aquela frase que se dizia antes: “Porque eu sou teu pai” não resolve mais nada. Então, como se muda isso? Se não temos mais a figura da autoridade como tínhamos, se as crianças não vão à escola para aprender conteúdos, não está na hora de repensar o paradigma educacional? Provavelmente vocês têm estudos aprofundados sobre esse assunto, mas eles merecem ser divulgados, merecem ser colocados em debate. Como vai se relacionar uma família com a escola, se a família tem a mentalidade do rápido, do fácil, do barato, e ela quer de uma certa forma mais ou menos velada se livrar da educação da criança e quer que a escola assuma a educação da criança? Uma coisa é o papel pedagógico da escola, outra coisa é a família entregar a criança à escola. O que lamentavelmente é muito frequente. Esse nosso paradigma dá conta dessas situações? Eu acredito que não mais. É fácil mudar? Certamente não é fácil. Pedir para um psicanalista trazer problemas, a gente sabe trazer, agora as soluções devem vir de quem é da área da educação.

Se as crianças não vão à escola para aprender conteúdos, não está na hora de repensar o paradigma educacional?

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FERNANDA CARVALHO Neurociências e Educação: implicações para o ensino

H

oje em dia as neurociências mostram o que nós podemos fazer para desenvolver o cérebro nas diferentes idades. O sujeito é auto-organizado no processo de conhecimento, tem uma dinâmica única, e nós devemos promover uma educação para dar conta disso. Ele é autopoético, reconstrói-se constantemente pelos mecanismos de aprendizagem e memória que atuam em seus neurônios e conexões. O aluno tem um cérebro que possui uma certa organização das redes neurais, que não permanece igual para sempre. E ele tem uma ordem. Vamos supor que ele chegue aqui com o conhecimento de árvore. Quando eu venho e trago conhecimentos da área da Biologia, especialmente da Botânica, eu posso fazer com que esse meu conhecimento gere no cérebro desse meu aluno uma desordem. Essa desordem precisa ser organizada no cérebro, para isso ele vai desenvolver estratégias cognitivas para ampliar os seus esquemas representacionais. Só que cada um desses sujeitos aprendentes tem um tempo para fazer isso. As neurociências têm base sólida de informações para a gente aproveitar na área da educação. E as perguntas que eu faço aqui para vocês: quantos professores sabem sobre trabalhos de memorização? Sabem que quanto mais complexa a atividade

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proposta, na medida em que é elevado o grau de raciocínio, o fluxo sanguíneo do cérebro é mais intenso? O professor conhece a dinâmica da mente e cérebro? Se eu atrelar e juntar as duas coisas, neurociências e educação, eu vou ter estudos na área do sono, nutrição, estresse, motivação, criatividade, inteligência, percepção, temperamento. As neurociências me fazem pensar que eu tenho que usar uma didática multissensorial, porque cada um aprende de um jeito, que eu preciso garantir interação, que vou ter que ter uma avaliação processual, porque pode haver lapsos da memória. Vou ter que pensar na estrutura de sala de aula, porque já tem gente estudando neurociência e ambiente, a estrutura, a questão da luz... até isso, gestores, talvez vocês tenham que fazer reformas nas suas escolas!As neurociências vão explicar, inclusive, esse mal-estar docente. Sim, porque se eu tenho um grupo de 40 alunos, cada um pensa de uma forma, compreende de uma forma, cada um tem um temperamento. Então, quando se fala em neurociências e educação, não é só o aluno, mas ela pode contribuir para se compreender mais sobre o que vai se fazer com esse professor que não tem um reconhecimento social devido. Nós mexemos no cérebro alheio, podemos transformar a sociedade, mas não temos esse reconhecimento, e muito pelo


contrário, temos muita exigência. Pais nos exigem, a sociedade nos exige, e nós temos que dar conta. As pesquisas têm mostrado que há uma lacuna na formação docente, esses conteúdos neurocientíficos não são abarcados quando são exploradas as disciplinas de didática nos cursos de licenciatura, é muito superficial. Os cursos de Pedagogia demonstram, dentro da análise curricular, uma certa vantagem em termos de haver mais disciplinas que poderiam, na área da didática e da psicologia, articular esses conteúdos. Como nós vamos proporcionar aos professores conhecer a fundo as implicações didáticas se não tiverem uma disciplina voltada essencialmente a essa interlocução? Então, a ideia seria a inserção de uma disciplina ou então a revisão de algum outro componente curricular que pudesse ser reestruturado. Diante desse panorama, o que vislumbro como ser necessário para nós, docentes: desenvolver mais pesquisas na área, certo?! Justamente a partir da articulação com pesquisadores tanto da educação quanto das neurociências. Não é que as neurociências venham trazer coisas para nós, não, mas vamos pegar, por exemplo, uma aula multissensorial, tipo, experimentação. A didática diz que é muito bom trabalhar a área sensorial, mas vamos ver se realmente é bom. É essa questão que temos que começar a trabalhar em termos de neurociências e educação. Também é preciso apoio dos gestores educacionais. Como é que eu vou ter uma estrutura para atender, mediar todos esses diferentes alunos se eu não tiver um apoio institucional, se meu gestor não me gera oportunidade de fazer cursos, não me gera oportunidade de ter uma equipe multidisciplinar?

Eu não gostaria que vocês pensassem que eu vim aqui com soluções, eu não venho com soluções, até porque não temos saberes suficientes ainda para trazer soluções. Eu só posso dizer que, realmente, as neurociências estão mostrando que tem que ter, sim, exercício, memorização é importante. Que aquele aluno que é indisciplinado e que nada lhe agrada na adolescência tem um substrato neurocientífico que vai explicar por que ele é assim. Percebo que no momento em que eu entendo essas coisas eu pelo menos amenizo questões que me incomodam no dia a dia como docente. Eu gostaria de terminar dizendo para vocês: tenham paciência, perseverança e fé, porque nós vamos num dado momento enxergar que tudo é possível quando formos abertos ao diálogo, na medida em que neurociências e educação se perceberem como disciplinas. E neurociências, educação, psicologia e todas as outras que quiserem se aproximar...

Dicas da especialista: - Os novos conhecimentos adquiridos pelos alunos geram no cérebro uma desordem. Para organizar as novas informações, ele precisa desenvolver estratégias cognitivas para ampliar os seus esquemas representacionais; - O professor precisa ter uma didática multissensorial, porque cada aluno tem um jeito de aprender; - A avaliação precisa ser processual, porque o aluno pode ter lapsos de memória; - É preciso inserir uma disciplina ou então a revisão de algum outro componente curricular que aborde os conteúdos neurocientíficos na formação docente; - Desenvolver pesquisas envolvendo educação e neurociências para testar formas de trabalho que estão sendo feitas e trazer novas soluções.

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DANIELA BARROS

Memória, aprendizagem e comportamento

V

ocês já imaginaram como se processa a memória? A memória se dá pela ativação de uma rede de neurônios quando se está diante de uma situação de aprendizado, por exemplo. E o que acontece quando se ativa? Literalmente uma enxurrada de neurotransmissores é liberada nessa fenda sináptica. Só sabemos que temos memória quando a gente a evoca, porque quando aprendemos e ela ainda não foi evocada não se sabe se foi possível guardar ou não a informação recebida. A memória é a consolidação, aquisição e evocação de determinada informação ou conhecimento. E isso se dá ao longo do tempo. Hoje, vocês estão aqui tentando aprender alguma coisa sobre neurociência, mas esse conhecimento que vocês estão aprendendo vai demorar um tempo para ser consolidado, não é num passe de mágica. A memória quando está sendo consolidada pode ser memória de curta duração, dura alguns minutos ou até três a quatro horas. E a memória de longa duração é aquela que vai se consolidar e durar bem mais tempo, dias, meses, anos e, às vezes, a vida toda, se é uma memória remota. As duas são processos separados, porém interdependentes. Uma vez retida, a memória de longa duração está formada, e depois vou evocá-la com a participação

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da memória de trabalho, que é o gerenciador. Por exemplo, estou diante de uma certa situação que preciso resolver, e aí eu digo “isso aqui eu já sei mais ou menos como acontece, porque já vivi situação semelhante”, então vou buscar essa informação, vou evocar uma memória de longa duração, mas baseado no gerenciamento da memória de trabalho. A memória de trabalho é aquela que nos mantém online. Vou dar um exemplo bem prático, alguém pede para eu ligar para determinada pessoa. Eu guardo aquele número o tempo suficiente para levantar da cadeira, pegar o telefone e discar. Essa é a memória de trabalho, ela dura o tempo suficiente para que eu possa fazer uma ação. Hoje em dia, mais do que nunca, temos que preferencialmente delimitar prioridades, porque é impossível estar ligado em tudo ao mesmo tempo, por mais multissensoriais que sejamos. Por mais que um Z seja multissensorial, é impossível se ligar em tudo ao mesmo tempo, então tem que ter prioridade. E essa prioridade vai me promover a sobrevivência, porque do contrário não consigo, vou saturar. Dar férias ao excesso de informações é uma questão de sobrevivência. E podemos lançar mão das memórias acessórias. Não tem necessidade de eu decorar a lista de telefones das pessoas que são meus amigos, então vou usar aqueles espaços


que não é um espaço físico para armazenar outras coisas, para poder fazer links entre informações para chegar a partir daí a outras respostas. E deixar as coisas que são simplesmente de armazenamento. Por outro lado, o desuso da memória também faz com que haja uma atrofia. A regra vale, aquilo que não é usado atrofia. Então, se a gente não usa muito o cérebro, não usa muitas memórias, há uma diminuição no número dessas sinapses. A gente está sempre perdendo neurônio, isso é normal. Há picos de perdas neuronais, uma delas é na infância, quando a criança deixa de perceber o seu mundo de quatro, quando ela deixa de engatinhar e começa a caminhar. Porque ela tinha toda uma percepção de ver o mundo de uma forma quadrúpede. E depois ela está, então, vendo o mundo de uma forma bípede, então ela tem que reorganizar suas conexões. Existem algumas formas de ajudar a exercitar a memória. Talvez a melhor delas seja a leitura, pelo menos é o que se sabe até hoje. Porque a leitura requer uma série de estímulos, como o visual, o linguístico , o motor e a imaginação que voa. Então, eu tenho uma multissensorialidade em pouco espaço de tempo. Existem outras fórmulas, jogos de memória, palavra cruzada. Estudar também aumenta o número de conexões sinápticas. A memória tem tudo a ver com a questão do conteúdo emocional. Se eu tiver um conteúdo emocional aprazível é muito mais fácil de aprender. Vamos dar um exemplo, aprender tabuada no início do século e aprender tabuada agora. A tabuada continua sendo a mesma porque a gente precisa saber e aprender a fazer conta, por mais que a gente busque informação online a toda hora, se quiser saber quanto é três vezes três eu não vou lá acessar a internet para saber. Bom, e normalmente é um aprendizado que requer repetição. Por quê? Precisa repetir e repetir para formar aquela aprendizagem. Posso ter uma forma mais agradável de aprender, seja ela com materiais mais simples, fichas, enfim, cubos coloridos, ou uma tela, um touchscreen. No início do século passado, não sabia levava palmatória. Aprendia? Aprendia, só que aprendia de uma forma aversiva. Então, assim, os dois altamente carregados de conteúdo emocional, mas obviamente, o que queremos propiciar para nossos alunos e para nós mesmos? Uma forma lúdica de aprendizado, é isso que a gente quer. O professor Ivan Izquierdo diz que “a memória nas suas diversas formas não é o único componente da cognição nem da inteligência. A percepção, o raciocínio, a criatividade desempenham funções no mínimo, igualmente importantes”. Ninguém consegue ser criativo sem ter memória, porque a gente cria coisas a partir de memórias que a gente tem, então temos insights, mas sempre a partir de um conhecimento prévio.

Dicas da especialista: - Dar férias ao excesso de informações é uma questão de sobrevivência; - Não há necessidade de decorar a lista de telefones dos amigos, os espaços da memória podem ser aproveitados para armazenar outras coisas, para poder fazer links entre informações; - O desuso da memória também faz com que haja uma atrofia no cérebro; - A melhor forma de exercitar a memória é por meio da leitura. Estudar também aumenta o número de conexões sinápticas; - A memória tem tudo a ver com a questão do conteúdo emocional. Se eu tiver um conteúdo emocional aprazível, é muito mais fácil de aprender; - A tabuada é um aprendizado que requer repetição. Mas isso pode ser mais agradável de aprender, seja com materiais mais simples, fichas, cubos coloridos ou uma tela, um touchscreen.

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ESTER PALACIOS

Desenvolvimento cognitivo na infância e na juventude

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osso cérebro está dividido em várias partes. Tenho a parte posterior do cérebro, o lobo occipital, no meio do cérebro está o lobo parietal, nas porções laterais o lobo temporal e na parte central do cérebro, no tronco cerebral, estão o cerebelo e também a parte mais anterior do cérebro, o lobo frontal. Essas áreas cerebrais cumprem algumas funções específicas. Por exemplo, a parte mais posterior do cérebro processa as informações visuais, a parte mais superior está voltada para a atenção e orientação. Tenho estruturas que estão envolvidas no processamento e consolidação da memória e estruturas que processam as emoções e estão a cargo do controle comportamental. Outras estruturas também são responsáveis pela minha execução motora. Então, estão mais voltadas para a ação. Na porção mais anterior do nosso cérebro, do lobo frontal, está o córtex pré-frontal, que está relacionado às várias funções que chamamos de funções executivas, envolvem planejamento de ação, de uma resposta futura, resolução de problemas, tomada de decisões. Para realizar essas funções você precisa ter a percepção de diversas modalidades sensoriais, visual, espacial auditiva, a discriminação de estímulos, a atenção, concentração, aprendizagem e memória, até a execução motora, e o controle

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e planejamento comportamental. Podemos dizer que tudo isso faz parte do universo da cognição. E existe uma estrutura que controla e que gerencia todas essas operações cognitivas, é o córtex pré-frontal. O cérebro vai se desenvolvendo de uma forma extremamente rápida, e com mais ou menos sete anos de idade a pessoa apresenta 90% da estrutura já formada, que seria o equivalente ao cérebro de um adulto. Não quero dizer que o cérebro está pronto para realizar todas as operações que um cérebro de adulto faz. Aos quatro anos de idade, as sensações primárias, as habilidades motoras básicas, já estão quase completamente envolvidas. A capacidade de ter a sensação, a percepção e a visão se desenvolve mais precocemente. Aos seis anos de idade, o raciocínio começa a se desenvolver, mas o córtex pré-frontal ainda não está desenvolvido suficientemente, então essa criança não tem controle de algumas respostas. É nessa fase que ela se irrita muito se você dá muitas escolhas para ela. A linguagem vai se desenvolvendo também nessa idade. Com nove anos de idade a criança já apresenta uma habilidade motora bastante desenvolvida, então ela tem ganho na habilidade em usar tesouras, escrever nitidamente em letra cursiva. Ela está desenvolvendo o córtex parental, e suas capacidades de lógica


matemática. Nessa fase é interessante você exercitar essa operação, dar tarefas de matemática, por exemplo. Com 13 anos de idade, a criança começa a amadurecer, o processamento da emoção, a lógica já está um pouco mais desenvolvida. Ela começa a ter uma capacidade maior de gerar emoções, mas lembrem, o córtex pré-frontal ainda não está desenvolvido e é ele quem controla essas emoções, quem inibe a resposta comportamental, então por isso é possível entender por que essas crianças não conseguem se controlar. Aos 15 anos de idade você vai tendo uma especialização maior dessas conexões sinápticas, as conexões cerebrais ficam mais especializadas e mais eficientes. Com 17 anos de idade o pensamento abstrato se desenvolve, você tem um amadurecimento do córtex frontal e ela já pode ter um pouco mais de autocontrole. Aos 21 anos de idade, as funções executivas estão bem mais amadurecidas, a pessoa já consegue ter quase que um autocontrole semelhante ao de um adulto, mas essa maturação cerebral, apesar de a gente dizer que com 21 anos de idade a pessoa já está plenamente madura, não é bem assim. O amadurecimento pré-frontal ainda continua até os 30 anos de idade. Todo esse desenvolvimento se dá de uma forma extremamente delicada, e qualquer disfunção pode atrapalhar as funções desse indivíduo futuramente. Então, o quanto de estímulo é bom para o desenvolvimento? Eu trago uma informação interessante, que a gente pensa assim, bem, será que uma criança que fica assistindo televisão, está vendo uma série de imagens, imagens que às vezes são preocupantes, e a gente fica questionando se essa criança está tendo alguma intervenção no seu desenvolvimento. Há um estudo que mostra que quando você está frente a uma televisão você praticamente desliga o

córtex pré-frontal, e é isso que permite que você viaje dentro do que você está vendo. Você acaba se envolvendo com o filme, com a novela... porque você praticamente desliga o córtex pré-frontal, então você acaba tirando aquela parte da estrutura que faz o controle cognitivo e controle inibitório. Então, o quanto que isso é bom ou ruim para uma criança? A gente ainda não sabe responder isso com precisão, precisamos evoluir nos estudos para chegar a alguma conclusão. Não é só a educação que vai resolver e equacionar os problemas da educação, do desenvolvimento das nossas crianças, não é só a neurociência também que vai responder. As neurociências não vão dizer o que vocês devem fazer, vocês já têm uma bagagem enorme de conhecimentos. Talvez seja preciso só fazer um reinvestimento, uma revisitação a tudo que é de conhecimento gerado pela educação e pela neurociência, e trazer esses dois grandes conhecimentos numa interface, para que nós possamos desenvolver melhor a educação das nossas crianças e a nossa também.

Dicas da especialista: - Aos 4 anos a criança tem habilidades motoras básicas, possui capacidade de ter sensação, percepção e visão; - Não dê muitas escolhas para uma criança de 6 anos, nesta idade ela não tem controle de algumas respostas, porque o córtex pré-frontal ainda não está bem desenvolvido; - Com 9 anos é importante exercitar tarefas de matemática e atividades que exijam habilidades motoras; - Aos 13 anos começa a ter uma capacidade maior de gerar emoções, mas ainda não conseguem se controlar; - Com 17 anos o pensamento abstrato se desenvolve, e ela já pode ter um pouco mais de autocontrole; - Aos 21 anos de idade, as funções executivas estão bem mais amadurecidas. A pessoa já consegue ter um autocontrole semelhante ao de um adulto; - O amadurecimento pré-frontal vai até os 30 anos de idade.

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RUDIMAR RIESGO

Transtornos globais do desenvolvimento e a educação

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neurologia do aprendizado é uma tríade, uma parte tem a ver com o próprio processo do desenvolvimento neuropsicomotor, a outra está relacionada à neuroplasticidade e a terceira parte tem a ver com a memória. Os primeiros ganhos do desenvolvimento estão relacionados à atividade neurológica reflex, por exemplo, o reflexo tônico cervical. Eu giro a cabeça da criança e ela fica na posição do esgrimista. Para que serve isso? Para a criança incluir a mão no seu campo visual, se não ela não saberia que tem mão. Então a criança começa a se descobrir em atividades neurológicas bem primitivas, que são os reflexos próprios do recém-nascido. Depois, por meio do exame neurológico evolutivo descobrimos que a criança tem noção de direita e esquerda aos 6 anos. E tem noção de proposição consciente, por exemplo, para a frente, para trás e para baixo, a partir dos 4 anos de idade. Esse é um aprendizado motor que consolida de uma forma diferente

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daquela dos aprendizados via linguagem. A aquisição de uma informação também é uma forma de aprendizado. O aprendizado decorre de comparação entre estímulos, um estímulo que chega no sistema nervoso passa por uma espécie de detector de novidades, se ele é antigo, ele gera uma lembrança, se for novo, gera uma mudança, isto é aprendizado. Do ponto de vista neuropediátrico, aprendizado é uma mudança que acontece no sistema nervoso central decorrente da chegada de um estímulo novo. Houve uma instabilização, depois uma organização. Então aprender é instabilizar-se, é sofrer. A gente sofre quando aprende. E como funciona esse detector de novidades? Nos computadores seria uma memória RAM, ou seja, uma memória que gerencia todas as outras memórias. Ela não deixa rastro bioquímico, ela é o que nos mantém online. Há uma previsão de que cerca de meio milhão de crianças


tem autismo no Brasil. Algumas causas da doença podem ser genéticas, compreendem alterações do lóbulo frontal e envolvem o cerebelo e uma estrutura que tem a ver com emoções, também há problemas de neurotransmissores e de maturação. As crianças com autismo têm um transtorno muito intenso do sono, não é aquele probleminha que a criança chora e faz birra para dormir. Outra característica é a forma de caminhar quando pequenos. Toda criança caminha nas pontas dos pés, ao menos um ou dois meses da sua vida, quando está excitada, feliz. Já criança com autismo caminha nas pontas dos pés cada vez que está agitada. Também tem alterações da sensibilidade. Os pais percebem que a criança se machuca e não sente dor. Por outro lado, não toleram o toque, então elas vão consultar com o pediatra e entram em pânico no consultório. Tem uma sensibilidade auditiva diferente, são sensíveis ao barulho. Essas crianças se interessam mais por objetos do que por pessoas e não conseguem criar nem imaginar o que se passa na cabeça dos outros. São maniáticas, não no sentido pejorativo, maniáticas no sentido de que têm rituais, guardam trajetos, logotipos, e se desorganizam se mudam a rotina. Não toleram mudanças no ambiente. Como vou ensinar essas crianças? Primeiro, vamos nos certificar a cerca do diagnóstico. Outro detalhe importante é que tenho um grupo heterogêneo, então não tenho como afirmar se

essa receita de bolo funciona para todos. Muitos dos autistas têm retardo mental e não se comunicam, então como eu vou transmitir conhecimento para quem não domina a grafia, fonemas, signos, etc.? A linguagem é um divisor de águas, é muito mais fácil do ponto de vista neuromaturacional ouvir do que falar, e é mais fácil falar do que escrever. Então, se uma criança não fala, preciso saber se ela ouve. Se ela ouve, posso investigar se ela tem algo a mais do que só problema na linguagem. Então, verificar a capacidade de comunicação é importante. O canal para chegar até ela pode ser música, pode ser uma brincadeira, algo que envolva o corpo da criança. É importante identificar qual é o foco de interesse, principalmente nas crianças que falam. Tem um menino que vai lá no Hospital de Clínicas que gosta muito do Globo Rural, fala de trator, de agricultura e fica só naquele assunto. O que temos que fazer? Usar esse canal para chegar até ele. O mais importante é saber exatamente como se dá o desenvolvimento nessa criança.

Dicas do especialista: - Aprendizado é uma mudança que acontece no sistema nervoso central decorrente da chegada de um estímulo novo. - Características da criança com autismo: tem um transtorno muito intenso do sono; caminha nas pontas dos pés quando está agitada; tem alterações da sensibilidade, se machuca e não sente dor; não tolera o toque; é sensível ao barulho; prefere objetos a pessoas; tem rituais, não tolera mudanças no ambiente. - O canal para chegar até as crianças autistas pode ser a música, uma brincadeira, algo que envolva o corpo delas. - É fundamental identificar qual é o foco de interesse de uma criança autista, principalmente naquela que fala. - Sites para mais informações sobre o assunto: http://www.ufrgs.br/neuropediatria/ / http:// autismoerealidade.org

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ANDRÉ PALMINI

Neurociências e as relações professor-aluno

V

i um artigo na revista Science que tinha o título “Adeus, aula teórica”. Achei legal trazer essa discussão. Aquela situação estática, de alguém dando uma aula, diariamente, por horas, olhando para uma plateia de 30, 40 crianças, ou adolescentes, ou adultos, é um modelo que talvez não funcione mais. Mas que outras estratégias poderia haver? Os focos principais do que eu considero aspectos cruciais na relação professor-aluno são: a questão de como é que se promove o conhecimento, tendo por base aspectos do comportamento humano, do funcionamento dos estados emocionais humanos; como é que se motiva o aluno para esse conhecimento; e como a gente encara o modelo do professor no tempo da modernidade digital, da comunicação rápida. Temos duas coisas novas, uma delas a questão da geração digital, com características fundamentais: a capacidade de obter informação de maneira imediata, e não apenas isso, mas uma informação do que se gosta, e a conexão online, que torna possível estar em rede com amigos o tempo todo. Naturalmente, essas coisas correspondem a múltiplos atrativos. Isso coloca

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duas situações muito importantes que nós, professores, temos que saber. Uma delas, é que essas coisas são grandes destratores. Se há 30 anos já não era a coisa mais agradável do mundo chegar à escola, sentar e abrir um caderno de exercício de matemática, imaginem hoje, em que na mesma escrivaninha há uma tela ligada com tudo aquilo que eu gosto, onde eu posso conectar amigos, entrar no Facebook, ver mensagens? A quantidade de coisas para distrair a pessoa do seu foco de estudo aumentou. E outra coisa em jogo é a complexidade de socialização. Há crianças competentes socialmente, que ficam mais competentes ainda usando a internet, e as que têm muita dificuldade, por timidez, por graus variáveis de fobia social, que vão se encaramuçando... Minha preocupação não é só com essas crianças, porque elas já são assim, mas com aqueles que estão no meio do caminho. Muitas vezes a questão da era digital facilita que a pessoa se exponha menos, e lá pelas tantas é o professor que está com essa criança, que a vê ser bullyinizada, atrapalhada, ou excluída da atividade. Acho que isso é um baita desafio, até porque toda essa neurociência das privações da


Precisamos entender o que está na cabeça do outro

infância e todos os traumas precoces entram em ação. Outro desafio, a segunda coisa nova, é a maior disponibilidade de conhecimento neurocientífico sobre como o cérebro aprende. Antes a gente achava coisas, e agora, cada vez mais, com os avanços das neurociências e as questões da neuroimagem, a gente se aproxima de respostas mais objetivas e claras. Não é mais “acho que meu aluno aprende mais de um jeito ou de outro”. Evidências mostram o jeito mais eficaz, e começa a haver a necessidade de adaptação das estratégias de ensino. Ser professor hoje é enfrentar esses dois desafios: o método eficaz ou não e a geração digital. O que vamos fazer para ganhar essa competição? Aí está a nossa arte. E vou falar como as neurociências podem nos ajudar. Em última análise, temos que promover o conhecimento, e isso é obter a participação ativa do aluno, vencer a resistência à passividade. A gente se liga e valoriza pessoas cujo conhecimento a gente admira. Sabemos disso. Então, o professor não pode ficar para trás nesse processo, tem que saber cada vez mais. Se o aluno anda a 100 por hora, ele tem que andar a 120. Essa capacidade de transmitir um modelo mais ou menos positivo vai impactar para o estímulo do aluno em buscar conhecimento. Os primeiros homens não têm um cérebro muito diferente do cérebro do macaco. Por que estou falando isso? Porque o primeiro dos quatro aspectos de neurociências de que vou falar tem a ver com empatia. Stephen Suomi, chefe do laboratório de etologia, área que estuda comportamento animal do NICHD (Instituto Nacional da Saúde da Criança e do Desenvolvimento Humano dos Estados Unidos), mostrou que o macaco valoriza mais aqueles que têm alguma coisa a ver com ele. A tendência dele se aproximar dos humanos que o imitam é maior. Em vários estudos, esse pesquisador mostra que os macacos são mais amigos daqueles que têm movimentos semelhantes. Isso mostra que a gente pode construir empatia. De alguma maneira, a gente tem que se aproximar do aluno. Um estudo da revista Neurociência Social pediu que 20 pessoas lembrassem situações traumáticas da vida delas e depois pensassem em alguém que tinha passado por uma situação semelhante. A ativação no cérebro nos dois cenários se dava praticamente nas

mesmas áreas. Ou seja, nosso cérebro tem um instrumental já antecipadamente arranjado e organizado para essa troca, da gente poder sentir um pouco o outro, e o outro sentir um pouco a gente. Isto é a base cerebral da empatia. O segundo aspecto é o ambiente acolhedor. Quis a natureza que o nosso cérebro evoluísse no sentido de que pela expressão facial dos outros nós pudéssemos saber o quanto estamos acolhidos, o quanto a gente pode confiar em alguém. Temos um rastreador do ambiente. O aluno consegue sentir se o ambiente é mais ou menos acolhedor, consegue identificar ameaças e saber o quanto são confiáveis as pessoas que estão em volta dele. Consequentemente, a maneira como a gente vai se posicionar, as nossas expressões faciais, os nossos gestos e a nossa voz vão permitir que o ambiente seja mais ou menos acolhedor. Quanto mais feia a cara, mais o aluno vai se afastar. Não estou querendo dizer que o professor não tenha que ter autoridade. É bom o pai que amarra a cara quando é necessário amarrar, mas que não esteja de cara amarrada o tempo todo. Então, é bom o professor que fecha a cara quando tem que fechar, mas não a maior parte do tempo. Falei de empatia, de acolhida do ambiente e vou falar agora sobre uma coisa crucial que é motivação. A gente tem no nosso

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cérebro o chamado sistema cerebral de recompensa, que faz com que ocorra a chuvinha da substância gostosa chamada dopamina no momento que a gente consegue obter aquilo que é recompensador. Logo, uma grande função de qualquer professor é ir lá no âmago do cérebro do seu aluno, onde se localiza o sistema cerebral de recompensa. A didática do professor é, então, essa necessidade de criar um ambiente acolhedor, ser empático e criar, de alguma maneira, uma forma de mexer com a motivação do aluno a partir do que está sendo dito, falado, apresentado, solicitado como exercício. O quarto aspecto também saiu na Science. Duas guriazinhas estão brincando, uma delas com um ursinho de pelúcia, que é colocado no carrinho. Quando ela sai da sala, a outra menina esconde o urso no baú. Quando ela volta, onde vai buscar o ursinho? A gente sabe que está no baú, mas ela tem que buscar no carrinho. Isto parece uma coisa tão óbvia, chama-se teoria da mente. O dia a dia das nossas relações sociais é embasado numa coisa que precisamos entender: o que está na cabeça do outro, na mente do outro, que não representa necessariamente a realidade concreta. A forma como nós nos relacionamos tem muito mais a ver com o que a gente infere que o outro está pensando, ou a reação em relação ao que vou colocar, do que uma questão mais prática e objetiva. É ou não é verdade? As pessoas que não conseguem desenvolver bem isso têm muita dificuldade de funcionar socialmente. Para que eu possa inferir o que está na cabeça do outro, ter empatia pelo outro, ter uma ideia do que o outro está sentindo, construir essa empatia com gestos parecidos, um jeito parecido, um linguajar parecido, tenho que me conectar com o outro.

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O professor não vai perder para a era digital se for competente o suficiente Essa conexão não se dá ao acaso, não está no ar, está no cérebro, em regiões que têm o que chamamos de neurônios em espelho, neurônios que se ativam (e se descobriu isso em macaco) sempre que a gente tem que entender ou imitar o ato de outra pessoa. São células que estão como que telepaticamente ligadas no outro. E se sabe que essas células são fundamentais para relacionamentos de longo prazo se manterem bem. Ou seja, elas estabelecem sintonias e sincronias entre as pessoas. Queria dar um exemplo, também da revista Science, da segunda novidade: a neurociência está podendo aportar informações mais objetivas sobre o que funciona melhor em termos de aprendizagem. Tentaram ver o que tinha mais chance de fazer um aluno aprender: ele criar conceitos sobre um determinado assunto, independentemente de entender, de ter uma base clara de conhecimento e memória sobre aquilo, versus ele aprender aquilo, e independentemente de entender ou não, tentar lembrar daquilo, não lembrando de partes, ler de novo, tentar lembrar espontaneamente, ler de novo, e assim por diante... Métodos que envolvem duas escolas, uma um pouco mais conteudista e outra mais conceitual. O grupo que tinha a prática de tentar lembrar teve um aprendizado maior, em todos os tipos de questões que foram aplicadas como teste, do que simplesmente a formação de conceitos. O autor sugere que quando um aluno tenta se


lembrar de algo que ele estudou e usa isso como um método de aprendizado, ele não está repetindo o que está armazenado, mas refinando esse conhecimento. Ele está expondo esse conhecimento a outras conexões cerebrais, e ao fazer isso está incrementando esse conhecimento. Isto não quer dizer apologia à decoreba, mas necessidade de estudar e realmente tentar firmar a ideia do que se leu. Então, na predição, esses alunos achavam que aprendiam menos, mas na verdade eles aprendiam mais. Os resultados mostram que na medida em que a gente tenta evocar alguma coisa que se estudou, podemos fortalecer essa memória, fortalecer outras conexões em volta dela e realmente reforçar esse aprendizado. Li no Financial Times, de Londres, uma matéria assim: “O maior teatro da região de teatros de Londres vai ficar uma semana inteira sem apresentar nenhuma peça e, ainda assim, vai estar lotado”. Em vez de ter uma peça de teatro, um monte de gente pagou mais do que pagaria para assistir a uma peça para ver um escritor contar coisas relacionadas aos livros dele. Todo mundo sabe que o cara é bom escritor, mas ninguém sabe se é bom falando. O que ele vai falar está escrito nos livros dele. A matéria mostra que pode estar morto um conceito de alguém chegar e sair falando qualquer coisa, repetidamente, despreocupadamente, mas que não está morta essa coisa de as pessoas estarem famintas pelo conhecimento, por um maior entendimento do mundo, e realmente famintas por serem cada vez mais inspiradas por pessoas que elas considerem admiráveis. Existe, sim, uma fome, uma vontade, uma necessidade, um

desejo, um drive, um impulso para ir atrás e assistir a coisas interessantes. Ou seja: existe um papel insubstituível, a meu ver, do professor. Está tudo meio disponível neste mundo, é tudo digital, mas é impossível duplicar essa experiência da comunicação pessoal, da comunicação direta, da comunicação empática. Isso não está na tela. Essa coisa dessa troca. A tela não tem neurônio espelho, não lida com movimentos, inflexão de voz, que possam ser atraentes, convidativos e acolhedores, e nesse quesito está a grande força, o grande valor do professor. A gente não vai perder para a era digital, se formos competentes o suficiente.

Dicas do especialista: – Temos que obter a participação ativa do aluno, vencer a resistência à passividade, e para isso, como professores, nós temos que saber cada vez mais; – Devemos nos aproximar do aluno em termos de alguma coisa que ele também é; construir empatia pela semelhança; – Os alunos têm rastreador de ambiente; a maneira como a gente se posiciona, as nossas expressões faciais, os nossos gestos e a nossa voz vão permitir que o ambiente seja mais ou menos acolhedor; – O professor tem que ter autoridade, então é bom fechar a cara quando tem que fechar, mas não o tempo todo; – Uma grande função de qualquer professor é ir até o âmago do cérebro do seu aluno, onde se localiza o sistema cerebral de recompensa; criar motivação.

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GABRIEL PERISSE

Emoções, competências e valores para o educador

E

u tenho observado que hoje em dia a educação é uma pauta constante na mídia, e na boca de muitas pessoas que não têm tanta autoridade assim para falar sobre educação. Vamos respeitar jornalistas, economistas, sociólogos, psiquiatras, psicólogos, todo mundo tem direito de falar o que bem entende, mas, às vezes, as pessoas que não são muito da nossa área falam coisas absurdas e nós ficamos calados. Eu fiz um apanhado breve de algumas sentenças, de alguns comentários sobre educação feitos por pessoas, algumas com autoridade, algumas com competência e outras sem tanta autoridade assim. Vamos ver: esse tem autoridade, Darci Ribeiro, que foi ministro da Educação. Ele disse: “A presente situação da educação no país é nada menos que calamitosa”. Depois, em 1984, ele publicou o livro ‘A nossa escola é uma calamidade’. É claro, imagina o que era o Brasil do ponto de vista educacional nos anos 60. Em 1950, metade da população brasileira era analfabeta. Depois de tudo isso, consultem nas estatísticas a média de escolaridade do brasileiro. Quando Darcy Ribeiro olhava para este país, para essa potencialidade, ele dizia: “Não, este país não pode ser o eterno país do futuro, não pode ser isso”. Quem fazia faculdade nos anos 60? Hoje todo mundo quer fazer faculdade! 27 anos depois, Florestan Fernandes, sociólogo, disse: “A educação no Brasil é um problema social de inacreditável gravidade”, isso é muito interessante. Os problemas da sociedade são todos da escola também. Na medida em que mais pessoas participam do ambiente escolar, claro

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que os problemas também se multiplicam. 17 anos depois, Gustavo Iosche, economista (já estamos em 2006), disse: “A educação brasileira é muito ruim e estamos perdendo o bonde da História”. Gustavo Iosche, com todo respeito pelo seu trabalho, suas pesquisas, todo mês vai na revista Veja falar mal dos professores! Eu respeito, mas gostaria da reciprocidade. Rosely Sayão, em 2007, disse, textualmente: “É preciso encontrar alternativas ao ensino falido existente em 98% das escolas privadas e públicas”. Eu não sei, fico alarmado com essas estatísticas, profundamente desenhadas. Se alguém dissesse: “98% das empresas brasileiras estão falidas”, fecha o país. Ou, afirmasse: “98% das famílias estão destruídas”, também fecha o país. Agora, não, 98% das escolas estão acabadas? Existe algum problema, alguma contradição lógica aí, não estou compreendendo. “Na média, a educação do país está em estado trágico e vergonhoso”, senador Cristóvão Buarque, que é o homem da educação, que está envolvidíssimo, foi Ministro da Educação, escreve sobre isso. É para ter vergonha, professores! Porque toda vez que alguém fala sobre educação dessa maneira, fala de você, fala de mim, nós temos que nos esconder por vergonha, pedir desculpas por existir. Eu não quero que ninguém fique deprimido aqui! Essa é a parte motivacional da palestra. Outro: “A educação brasileira


nós somos aquilo em que nós acreditamos

é catastrófica, até mesmo a educação das escolas particulares é ruim”, essa eu trouxe para vocês! É frase da Maria Helena de Castro, que foi secretária da Educação de São Paulo, trabalhou no Inep no tempo do Paulo Renato de Souza. Olha que responsabilidade a nossa, quantos de nós, aqui, envolvidíssimos com a educação, tendo que ouvir essas besteiras. Estamos vivendo uma situação limite na educação, mais ou menos verdadeira, mais ou menos imaginária, mas acaba sendo verdadeira porque a imagem sobrepõe à realidade. Mas é nessa situação de penúria que surgem os nossos valores. Quando estamos numa situação confortável, tranquila, dominada, nós não valemos muito. Quem são seus valores? Porque muitas vezes os valores estão encarnados em pessoas concretas. Você faz isso pelos seus filhos, seus pais, por você mesmo, por sua dignidade. Nós valemos o que valem os nossos valores. Quais são os nossos valores? Isto a gente não descobre numa meditaçãozinha, isso só se descobre ‘sobre la marcha’, como dizem os espanhóis, caminhando e andando é que a gente descobre. Victor Frankel escreveu um livro fantástico chamado ‘Um psicólogo no campo de concentração’, em que ele fala que no campo de concentração descobriu o porquê da vida, o sentido da vida. Havia aqueles que desistiam, e havia aqueles que resistiam. Os que resistiam, tinham um porquê. Os que desistiam já não tinham mais nada. Há professores que desistem, há professores que resistem. Cem professores por dia abandonam a rede pública estadual de São Paulo. Cem professores por dia! Com as mais diferentes razões, depressão, síndrome do pânico, dor de barriga, dor de cabeça, joanete, unha encravada, está valendo qualquer negócio, qualquer atestado médico para fugir. É desistência, é muito triste. Conhecem a história do ‘Peixe, pixote ‘ da Sonia Junqueira? Pixote vivia num lago e andava sempre muito infeliz. Ele não gostava do lago, lá era tudo muito escuro, escuro como um breu. E Pixote morria de medo do escuro. Toda hora ele ia até a margem do lago, botava a cabeça para fora e achava tudo lindo. Céu azul, sol, grama, flores para todo o lado. Pixote queria morar na grama, entre as árvores, ele ficava um tempo na margem do lago, mas tinha

de voltar para a água, para respirar, para não morrer. E a vida de Pixote era assim, da água para a margem, da margem para a água, sempre sozinho, cheio de medo, infeliz da vida! Num certo dia....Pixote estava nadando e olhando os outro peixes, eles brincavam contentes nas águas claras do lago, de repente, Pixote pensou “ué, outros peixes, águas claras, o que aconteceu? Será que vim parar em outro lago sem saber?”, perguntava Pixote e olhava para os lados e via um monte de coisas novas. Era tudo tão lindo, água meio azulada, cheia de claros e escuros, cheia de brilhos, uma beleza mesmo. Pixote olhava e ria. Cadê a escuridão, cadê o medo? De repente Pixote descobriu o que tinha acontecido e começou a rir. “Eu sou mesmo um pateta, ficava nadando para lá e para cá, morrendo de medo do escuro! Lógico, eu só nadava de olho fechado!”. Abra os olhos, para o deserto, para o lago escuro, para o seu entorno! O valor de educar é um valor. O valor de ensinar é um valor! Mas não basta que o valor exista. O valor é um convite, ele precisa ser assumido, e é aí que entra a liberdade humana, é aí que entram a nossa resistência, a nossa opção, a nossa vontade. Os valores estão aí, dando sopa. Abra os olhos: “Ah, vou mandar

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meu currículo”. Aí faz 30 cópias, manda por correio, até por Sedex, e não obtém nenhuma resposta. É que mudou, faz o teu currículo no lattes. Não se desvalorize! Currículo é um valor. Queremos ser valorizados? Então, vamos observar a realidade. Minha filha me ensinou uma coisa muito simples, perguntaram para ela: “Qual seu nome?”. E ela respondeu: “Meu nome é lígia.com.br”. Ela já não é mais uma pessoa. É a idade mídia. Tem professor que insiste na Idade Média, até recorre à liturgia, “ao pó de giz eu vim, ao pó de giz eu voltarei”. “Mas você não tinha alergia?” “O próprio pó me curou.” Uma coisa não elimina a outra! Como os nossos valores funcionam no picadeiro, no palco, na sala de aula? Nós somos aquilo em que nós acreditamos. Que tipo de aluno nós temos? Alguém diz: “Não, meu aluno é muito ruim, porque eu sim fui um bom aluno, uma boa aluna”. Vocês se lembram? Acredito que eu posso falar por todo mundo aqui, porque eu quando era aluno e vocês quando eram alunos, nós éramos muito bons, a gente adora prova, a gente não fala mal de professor, não colocávamos apelidos nos colegas, não colávamos, essa baixaria de ficar colando, nós éramos grandes alunos, éramos bons em tudo! Os valores se manifestam na nossa ação, na sala de aula, na vida escolar, no dia a dia, no cotidiano, nós reagimos de acordo com os nossos valores. Temos que parar de pensar mal dos alunos. Parar com isso, isso é uma doença. Todo aluno tem o direito de aprender, tem o dever de aprender. Mas quem é o professor aqui? Ele não sabe se ensinar. Como diz José Pacheco: “Você não tem que ensinar, tem que ensinuar”. E isso é muito mais exigente, requer muito mais competência, não é?! E para que nós conheçamos os nossos valores, devemos abrir os olhos, mas abrir os olhos com espírito de pesquisa. Eu tenho insistido muito na questão da pesquisa, pesquisa no sentido mais amplo da palavra. Por exemplo, eu gosto muito de ouvir conversa alheia. Não é fofoca propriamente, é pesquisa. Eu gosto muito, aprendo muito com isso. Preparo minhas aulas na rua, vou ouvindo. Esses dias eu estava no aeroporto, não lembro qual foi, mas tinha um advogado (se via que era um advogado

Temos que fazer pesquisa, muita pesquisa 46

só pela maneira) com um celular, e ele falava assim: “Diga a ele que Oscar Wilde falou que as pessoas mais profundas se consideram superficiais”. Eu falei: “Meu Deus do céu, isso aqui é uma aula ao ar livre, isso é um audiolivro”. Se logo já tivermos apenas o conhecimento dado, nós não vamos conseguir nos valorizar, nós temos que criar conhecimento, ser autores, como diz Pedro Demo: “Autoria é o que vai nos dar autoridade para dar aula”. Não a repetição do repetitório, como diz Drummond. Cada um tem que fazer pesquisa, porque aí o aluno, quando copiar do Google, vai ter vergonha. Mas quando ele perceber que nossas lições de casa também são coladas do Google, vai dizer: “Qual a diferença?”. Pesquisa teus filhos, teus alunos, teus parceiros, teus amigos, teus amores, pesquisando você encontra os teus valores. Pesquisa o teu passado, os teus antepassados... Como vamos administrar pessoas diferentes, pessoas malucas, pessoas surpreendentes? É difícil conviver, quantas competências eu tenho que ter para conviver com tudo isso? Onde se aprende isso? Há um livro chamado ‘Cornélio’. Ao nascer, em vez de Cornélio sair como os demais crocodilinhos, pela margem do rio, Cornélio ficou em pé e saiu andando feito gente. Depois que cresceu e ficou mais forte, raramente Cornélio andava de quatro, ele via coisas que nenhum crocodilo tinha visto até então. Dizia: “Consigo enxergar longe, muito além da mata”. Mas os outros crocodilos replicavam: “O que adianta isto?”. Cornélio vê longe. “Vejo os peixes de cima”, dizia Cornélio. “E daí”, respondiam os outros mal-humorados. Um belo dia Cornélio se zangou e resolveu ir embora. Logo encontrou um macaco. “Eu sei andar sobre duas patas”, disse Cornélio, orgulhoso. “E consigo enxergar longe”. E o macaco disse: “E eu sei plantar bananeiras. E me pendurar pelo rabo”. Cornélio ficou admirado e perguntou: “Posso aprender a fazer


isso?”. “Claro!”, respondeu o macaco, acrescentando: “Você só vai precisar de muito treino e de um pouquinho de ajuda”. Cornélio treinou muito para fazer as proezas do macaco, e o macaco parecia satisfeito em poder ajudá-lo. Quando finalmente aprendeu a plantar bananeira e a se pendurar pelo rabo, Cornélio voltou todo orgulhoso para a margem do rio. Chegando lá disse: “Vejam! Eu sei plantar bananeira!”. “E daí!”, replicaram os outros crocodilos. “E eu sei me pendurar pelo rabo”, disse Cornélio, e os outros de cara amarrada repetiram: “E daí”. Desapontado e zangado, Cornélio resolveu voltar para junto do macaco, mas assim que virou as costas olhou para trás e o que foi que ele viu? Lá estavam os outros crocodilos, um em cima do outro, tentando plantar bananeiras, se pendurar pelo rabo. Cornélio sorriu, e a vida pela margem do rio nunca mais seria a mesma. Não é pretensão, não temos mais idade para isto. Não é vaidade, não é orgulho descabido, nós temos condições de mudar a margem do rio. Mas temos que começar por nós mesmos. Temos que fazer pesquisa, muita pesquisa. Que vocês tenham uma década de revalorização profissional. É uma luta pessoal e coletiva!

Dicas do especialista: - Nós valemos o que valem os nossos valores; - Educar e ensinar são valores. Mas não basta que o valor exista. O valor é um convite, ele precisa ser assumido; - Os valores se manifestam na nossa ação, na sala de aula, na vida escolar, no dia a dia, no cotidiano. Nós reagimos de acordo com os nossos valores; - Temos que parar de pensar mal dos alunos. Todo aluno tem o direito e o dever de aprender; - Para sermos valorizados temos que criar conhecimento, ser autores; - Pratica a pesquisa. Pesquisa teus filhos, teus alunos, teus parceiros e teus amigos, pesquisando você encontra os seus valores.

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EXPOEDUCAÇÃO Feira apresenta produtos e serviços do setor educacional

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A Educação em Revista marcou presença na Feira, oferecendo sorteios de assinaturas da publicação aos participantes do evento


EDUCAÇÃO E NEUROCIÊNCIAS

“O professor é a alma da escola” A partir desta edição, a Educação em Revista apresenta as ideias centrais dos conferencistas do 11º Congresso do Ensino Privado Gaúcho, por meio de entrevistas realizadas por educadores que participaram do evento. Inauguramos o espaço com um bate-papo com o especialista em psicologia educacional Leo Fraiman. Nem sempre nossos educadores possuem o perfil que traçamos: ensinar pelo exemplo, ter brilho nos olhos, ter atitude, saber se reinventar, motivar-se constantemente, ter a imensa vontade de fazer a diferença... Como trabalhar com esse educador para que consiga ser o grande motivador e incentivador na construção de um projeto de vida? Daniela Martins Fonseca da Silveira Orientadora Educacional do Colégio Cenecista Nossa Senhora dos Anjos, de Gravataí

Leo Fraiman - É normal que não tenham esse perfil, afinal nenhum de nós, educadores, aprendeu na escola sobre carisma e entusiasmo, por exemplo. Mas é possível mudar esse quadro. Tal qual o aluno deve entender que estudar uma matéria específica significa somá-la a um contexto maior de crescimento pessoal e profissional. O professor precisa sentir que seu trabalho não é para um aluno ou uma classe, e sim para uma nova realidade. A educação transforma e só ela vai completar uma realidade transformadora pela qual o Brasil passa. A escola pode favorecer esse ambiente ao aluno e ao professor, fazendo-o sentir parte de um processo de transformar vidas. Valorizá-lo, validá-lo, incentivá-lo a fazer cursos e treinamentos, ouvi-lo, integrar sua opinião ao processo de decisões são algumas possibilidades. A OPEE (Orientação Profissional, Empregabilidade e Empreendedorismo), uma metodologia de ensino da qual sou o autor de livros para os ensinos Fundamental e Médio, possui capacitação online e encontros presenciais justamente visando estimular os professores a essa postura. Neste contexto pós-moderno, é possível trabalhar em equipe para criar um projeto de vida que leve os estudantes ao autoconhecimento, ao sucesso e à felicidade, com professores 100% comprometidos, com brilho no olhar, pais participativos e uma escola mais atuante? Como? Neiva Rossetto Psicopedagoga da Escola de Educação Básica da Uri - Campus de Erechim

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Fraiman - Sim, sem dúvida. Tanto é possível que as melhores empresas do país já acordaram para essa realidade e, em seus processos seletivos, estão buscando pessoas proativas, que saibam trabalhar em equipe e tenham valores éticos bem-definidos. Antes de tudo, é preciso estimular o autoconhecimento dos alunos, porque só se conhecendo ele poderá saber dos seus limites e de suas maiores habilidades, podendo agir com mais resultados. Conhecendo a si mesmo, o estudante poderá tomar decisões mais acertadas e saberá voltar atrás quando sentir que o caminho escolhido não foi o ideal. Uma formação baseada em valores humanos e sustentada numa visão menos utilitarista possibilita a formação desse aluno, gerando uma transformação que pode acontecer de forma concomitante, aluno mais professor, ambos sintonizados num aprendizado mútuo. Como envolver as famílias na construção do projeto de vida dos estudantes? Silvia Gressler Moreira Serviço de Orientação Pedagógica do Colégio Teresa Verzeri de Santo Ângelo

Fraiman - A mulher se colocou em uma nova postura diante do mundo contemporâneo, assim como as demandas aumentaram para todos. As famílias, então, se redesenharam. Muita competição e muito trabalho para pais e mães passaram a afastá-los da educação dos filhos e, nesse contexto, colocouse sobre os ombros da escola uma sobrecarga educacional que antes estava apenas no seio familiar. Mas a família foi e continua sendo fundamental no processo de educação das crianças e jovens, e, hoje, o que se precisa é de uma parceria família-escola. É preciso quebrar muros, estabelecer o contato


permanente. A escola precisa entender que tem um novo papel que vai além de ensinar conteúdos, assim como a família precisa perceber que sua participação é vital. Minha tese de mestrado trata exatamente deste tema e pode ser lida no site www.opee.com.br , na barra da esquerda, em “A importância da participação dos pais na formação escolar”. Esse tema será alvo do meu próximo livro, pela Editora Integrare, com previsão de lançamento em outubro, chamando-se “Meu filho chegou na adolescência, e agora? Como construir um projeto de vida, juntos”. Gostaria que o senhor falasse um pouco mais sobre este seu questionamento ‘o que nós, como escola, estamos fazendo com o sopro divino que temos a nossa frente todo o dia?’. Como sensibilizar os educadores a verem os sujeitos da escola como um sopro divino, preocuparem-se com os alunos de tal maneira que busquem inovações em sua prática? Giselda Mesch Ferreira da Silva Orientadora Educacional do Colégio Marista Sant'ana de Uruguaiana

Fraiman - O principal desafio é fazer o professor entender que o “sopro divino”, neste caso, sai da sua própria boca, da sua postura diante dos alunos, da sua forma de encantar e dar o exemplo. É preciso entender, como diz o velho jargão, que se está levantando uma catedral e não assentando tijolos apenas. O mundo mudou rapidamente, a tecnologia invadiu todas as áreas humanas e a escola está entre as que mais resistem às mudanças. É preciso encarar o novo, buscar exemplos fora dos muros da escola, como no próprio mercado de trabalho, fazendo relações entre conteúdo e sua aplicação prática para o desenvolvimento de um novo país, de um planeta sustentável. A escola precisa entender de uma vez por todas que não forma para uma prova

de vestibular, mas forma para a vida digna, para a vida justa, para a vida feliz. A escola forma cidadãos, e o professor é a alma da escola. Não seria por meio do Protagonismo Juvenil e Voluntariado Jovem que a escola poderia ter um diferencial de atratividade para atrair mais as famílias, podendo a escola valorar mais esse processo na educação formal, já que esse é um desejo na formação desses jovens, inclusive explicitado pela LDB? Cleci Maria Marchioro Coordenadora de projetos, líder do Programa Jovens Voluntários da Ong Parceiros Voluntários em Porto Alegre

Fraiman - Atividades voluntárias, sejam elas quais forem, são importantíssimas formas de diferenciar a formação de um projeto de vida. Quando se ensinam e se praticam os valores ligados à doação (sem o utilitarismo do fazer em troca de algo), plantase a melhor semente em um ser humano: a semente de fazer o melhor sem esperar recompensa que não seja o fato de fazer um mundo mais digno. Estudos científicos provam que fazer o bem ao próximo faz bem a quem faz, é um ato de saúde mental e de cidadania plena.

Se você quiser participar desta seção faça contato conosco pelo e-mail educacaoemrevista@sinepe-rs.org.br

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DEPOIMENTOS “O Congresso é espaço mais de inquietação do que de soluções. É plataforma para prospecções mais profundas na temática de Neurociências e Educação. O grande desafio é o que efetivamente vamos fazer daqui para a frente. Apenas prospectamos temática com reservas imensuráveis, e que nos exigem disposição de irmos além da profundidade de nossas explorações.” Osvino Toillier

Presidente do SINEPE/RS

“Considero a escolha do tema do 11º Congresso Gaúcho do Ensino Privado bastante pertinente, o que pode ser comprovado pela adesão dos congressistas. O tema Neurociências e Educação é de vanguarda e abriu a possibilidade de um ‘diálogo’ mais aberto entre educadores e neurocientistas, gerando uma maior aproximação e benefícios mútuos.” Daniela Martí Barros

Presidente da Sociedade Brasileira de Neurociências e Educação

“Ao oportunizar espaço de atualização, incentivando e estimulando a formação continuada de professores, o evento superou visões estreitas e muito colaborou para alavancar e ampliar discussões referentes a questões e perspectivas acerca das implicações advindas da articulação entre neurociências, aprendizagem e ensino para a educação no século XXI.” Fernanda Hammes de Carvalho

Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Neurociências e Educação

“O 11º Congresso foi um marcador de águas na história recente da educação de nosso Estado ao ampliar suas fronteiras com a neurociência. Um olhar inovador que já se reflete em novas perspectivas da formação docente. E o que nos motiva? A qualificação de um ensino cada vez mais próximo às reais condições orgânicas, psíquicas e sociais de aprendizagem de nossos alunos.” Renata Menezes Rosat

Professora do Departamento de Fisiologia da UFRGS

“Ao propor a temática ‘Educação e Neurociências: um novo olhar’, o SINEPE/RS quis abrir novamente um tema que viesse ao encontro do desejo dos professores de melhorar seu processo educativo. A participação e o interesse apresentado durante o evento demonstraram o quanto o tema respondeu às expectativas e, principalmente, o quanto as novas descobertas ligadas à neurociência devem ser levadas em consideração para um bom resultado no ensino e aprendizagem.” Oswaldo Dalpiaz

Coordenador do 11º Congresso do Ensino Privado Gaúcho

“Parabenizo a equipe organizadora pela busca de assuntos atualizados para a educação. Continuem sendo otimistas e animados. O SINEPE/RS sempre foi ótimo apoio.” Lucia Goi

Serviço de Pastoral Escolar do Colégio Glória de Porto Alegre

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“Parabéns! O SINEPE/RS surpreende e enriquece sempre. Apesar dos meus 80 anos, sinto-me renovada interiormente.” Maria Teófila de Amaral

Pastoral escolar da Escola Nossa Senhora do Horto de Dom Pedrito



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