Estranhas catedrais amostra preview

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“Estranhas Catedrais”


Universidade Federal Fluminense REITOR Sidney Luiz de Matos Mello VICE-REITOR Antonio Claudio Lucas da Nóbrega Eduff – Editora da Universidade Federal Fluminense CONSELHO EDITORIAL Aníbal Francisco Alves Bragança (presidente) Antônio Amaral Serra Carlos Walter Porto-Gonçalves Charles Freitas Pessanha Guilherme Pereira das Neves João Luiz Vieira Laura Cavalcante Padilha Luiz de Gonzaga Gawryszewski Marlice Nazareth Soares de Azevedo Nanci Gonçalves da Nóbrega Roberto Kant de Lima Túlio Batista Franco DIRETOR Aníbal Bragança


Pedro Henrique Pedreira Campos

“Estranhas Catedrais”

As empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988

1ª reimpressão


Copyright © 2014 Pedro Henrique Pedreira Campos Copyright © 2015 Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense 1ª reimpressão (2015)

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Ao passado, ao presente e ao futuro: à memória de meu pai, Jeferson, à Marina e à Letícia. Dedico essa obra também aos trabalhadores que perderam suas vidas erguendo as “estranhas catedrais” de nosso país.



Nota explicativa Em meados de 2007, diante do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e de outras políticas estatais do governo Inácio da Silva, chamou-nos a atenção o forte poderio econômico e político das maiores empresas nacionais de engenharia. Tal projeção nos motivou a transformar essa constatação que nos instigava em um projeto de pesquisa. Partimos de uma vaga sugestão de que talvez o período da ditadura civil-militar brasileira (1964-1988) e seus grandes projetos no campo da engenharia fossem nos dar respostas acerca do processo de crescimento e consolidação das principais firmas do setor de construção pesada nacional. Ao longo do processo de pesquisa e trabalho com as fontes, verificamos que nossa hipótese inicial tinha certo fundamento. Este livro é originalmente minha tese de doutorado, defendida em março de 2012 no Programa de Pós-Graduação de História Social da Universidade Federal Fluminense com o título “A Ditadura dos Empreiteiros: as empresas nacionais de construção pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro, 1964-1985”. Para que a pesquisa fosse concluída e para que a tese fosse transformada em livro, foi indispensável a ajuda prestada por certas pessoas, às quais não posso deixar de mencionar. Agradeço em primeiro lugar a Virgínia Fontes, pela sólida orientação, além da amizade e ótima companhia. As indagações e questões colocadas em diferentes momentos da pesquisa e sua atenta leitura do material final auxiliaram substancialmente a reduzir equívocos na tese, bem como tirar seus “buracos”. Afora essas ajudas, suas qualidades postulam Virgínia como uma daquelas pessoas imprescindíveis de que Brecht falou em seu poema. Devem ser lembrados os professores presentes na banca de defesa da tese, que foram de suma importância com suas questões, indagações, críticas e sugestões, que ajudaram a minimizar os defeitos do presente livro. Assim, agradeço aos arguidores Sebastião Velasco e Cruz, Maria Letícia Corrêa, Renato Lemos e Théo Piñeiro. É necessário mencionar também as poucas entidades de empreiteiras que se dispuseram a contribuir com materiais para nossas investigações – bem como aos entrevistados – apesar de não haver muita certeza se as mesmas ficarão contentes com o resultado final desse estudo. Agradeço aos professores que compuseram a banca de qualificação, Carlos Gabriel Guimarães, Sonia Regina de Mendonça e Théo Piñeiro. Suas colocações naquele momento serviram para redirecionar certos rumos tomados na tese. Os colegas do Polis, o Laboratório de História Econômico-Social da UFF, ajudaram com seus comentários e críticas sobre os resultados preliminares apresentados. Pelas sugestões merecem referência Adriana Ronco, Carlos Gabriel Guimarães, Carolina Ramos, Cezar Honorato, Cláudia Hansen, Felipe Loureiro (esse a distância e em eventos), João Paulo Moreira, Luís Ângelo Pouchain, Luiz Fernando Saraiva, Maria Letícia Corrêa, Mônica Piccolo, Nívea Vieira, Rafael Brandão, Rita Almico, Saulo Bohrer, Théo Piñeiro e Walter Pereira. Os amigos do Grupo de Trabalho de Orientação, o GTO, também teceram comentários críticos e sugestivos acerca da pesquisa em diversas etapas de seu desenvolvimento. Dentre eles, não podemos deixar de mencionar André Guiot, Claudia Trindade, Renake Neves, Ricardo Teixeira e a própria Virgínia Fontes.


Os pesquisadores do Grupo de Estudos sobre o Imperialismo trouxeram relevante contribuição teórica para a pesquisa, além de comentários acerca de artigos com resultados parciais do objeto estudado. Merece agradecimento especial a amiga Ana Garcia, que me guiou no hermético campo das Relações Internacionais. Os companheiros do Laboratório de Economia e História da UFRRJ (Lehi), em particular Almir Pita, Marcos Caldas e Mônica Martins, agregaram questões e possibilidades para o encaminhamento da pesquisa. Devem ser lembrados os professores dos cursos assistidos, os já referidos Cezar Honorato, Sonia Regina de Mendonça, Theo Piñeiro, Virgínia Fontes e Renato Lemos. As reflexões e leituras procedidas nessas disciplinas foram bastante úteis para encaminhamento das questões da pesquisa. Os funcionários das instituições de pesquisa e bibliotecas visitadas, apesar de, em geral, não dispor de infraestrutura das mais adequadas para estudos, contrabalançavam-na com simpatia e disposição. Especial menção merece o amigo Tarso Vicente, que abriu caminhos que qualquer usuário deveria dispor para trabalhar na Biblioteca Nacional. Os novos colegas de trabalho da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, principalmente João Márcio Pereira e Fábio Koifman, auxiliaram com o seu companheirismo na etapa final da tese. Os amigos Bernardo Poças, Francisco Arraes, João Luiz Fontoura, Juliano Braz, Leonardo Bueno e Marcos Bhering foram companheiros de discussões brandas e polêmicas, sobre a pesquisa ou não, nas mesas de bar. Agradeço à minha família e à de minha esposa, que responderam com bom humor e receptividade às numerosas ausências sentidas no período do doutorado. Por fim, e em caráter fundamental, agradeço a Marina, esposa e companheira de todas as horas. Além de ter estado ao lado em todos os momentos desses quatro anos de pesquisa com sua alegria e afeto, Marina teve atuação indispensável para a conclusão dessa tese, com suas considerações, revisões e conversas sobre o objeto estudado. A pesquisa que deu origem ao presente livro contou com subsídio do CNPq e a presente publicação teve financiamento da Faperj.


“Empreiteiro é aquele sujeito que convenceu o faraó a empilhar umas pedras no deserto.” GASPARI, Elio. ‘O trem-bala e o faraó’. In: O Globo. Edição de 13 de fevereiro de 2011, p. 16. “Empreiteiro era aquele que fazia de tudo para ganhar dinheiro, até mesmo a obra pública, se fosse necessário.” MENDES, Murillo Valle; ATTUCH, Leonardo. Quebra de Contrato: o pesadelo dos brasileiros. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 93. “De qualquer forma, naquele momento, eu conheci uma figura indispensável à decifração dos segredos do jogo do poder no Brasil: o empreiteiro.” WAINER, Samuel. Minha Razão de Viver: memórias de um repórter. 10ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1988 [1987]. p. 223. “Quem faz o Orçamento da República são as empreiteiras.” Pronunciamento do ministro da Saúde Adib Jatene apud ALENCASTRO, Luís Felipe. ‘A grande mudança’. In: O Estado de S. Paulo. Edição de 21 de abril de 2010. “A um governo de empreiteiros sucede um governo de contadores.” Pronunciamento do ministro do Planejamento Roberto de Oliveira Campos apud PRADO, Lafayette. Transportes e Corrupção: um desafio à cidadania. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. p. 223.



Sumário Estado, poder e classes sociais no Brasil – Novas e sólidas tradições de pesquisa..............................................25 Introdução.................................................................................................................................31 Capítulo 1 A indústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica............................................................39 A formação histórica da indústria da construção pesada no Brasil.......................................................................42 Quem é quem na construção pesada no Brasil....................................................................................................65 O desenvolvimento do setor da construção pesada ao longo da ditadura.........................................................111 Concentração e centralização de capital na construção pesada durante a ditadura.....................................................119 Ramificação e diversificação dos investimentos das construtoras......................................................................127 Capítulo 2 As formas organizativas das empreiteiras brasileiras na sociedade civil........................................................ 133 As associações de engenharia...........................................................................................................................138 As associações regionais da indústria da construção pesada.............................................................................149 As associações nacionais da indústria da construção pesada.............................................................................173 Outras formas associativas relacionadas à construção pesada...........................................................................208 Empreiteiros, suas organizações e outras formas associativas do empresariado................................................215 Capítulo 3 A atuação dos aparelhos privados da construção junto ao Estado e à sociedade............................................... 219 Empreiteiros e ideologia...................................................................................................................................219 Empreiteiros, imprensa e outros veículos de comunicação................................................................................226 Campanhas e mobilizações das construtoras e seus aparelhos privados............................................................249 Conexões empresariais, militares e políticas dos empreiteiros de obras públicas...............................................277 A trajetória dos principais intelectuais orgânicos e representantes do setor......................................................287 Capítulo 4 O Estado ditatorial e as políticas públicas para o setor da construção......................................................... 309 Os empreiteiros e a conquista do Estado – Os empresários da construção pesada e as agências estatais..........309 Empreiteiros e políticas públicas na ditadura....................................................................................................332 “Morreu na contramão atrapalhando o tráfego” – Empreiteiros e políticas para os trabalhadores....................355 “Estranhas catedrais” – Os grandes projetos de engenharia da ditadura..........................................................367 “Tenebrosas transações” – Empreiteiros e denúncias de corrupção na ditadura................................................399


Conclus達o................................................................................................................................ 411 Fontes e bibliografia................................................................................................................... 419


Lista de gráficos e imagens Gráfico 1.1 – Posição da Christiani-Nielsen dentre as construtoras brasileiras na ditadura..................................69 Gráfico 1.2 – Posição da Camargo Corrêa dentre as construtoras brasileiras na ditadura.....................................85 Gráfico 1.3 – Posição da Andrade Gutierrez dentre as construtoras brasileiras na ditadura.................................94 Gráfico 1.4 – Posição da Mendes Júnior dentre as construtoras brasileiras na ditadura.......................................95 Gráfico 1.5 – Posição da Odebrecht dentre as construtoras brasileiras na ditadura...........................................100 Gráfico 1.6 – Variação anual do produto da indústria da construção entre 1964 e 1977....................................113 Gráfico 1.7 – Implantação de rodovias no país entre 1966 e 1980, em quilômetros..........................................114 Gráfico 1.8 – Uso da capacidade instalada nas firmas da indústria de construção.............................................117 Gráfico 1.9 – Faturamento das 10 maiores construtoras em relação às 100 maiores.........................................120 Gráfico 1.10 – Faturamento das 5 maiores construtoras em relação às 100 maiores.........................................121 Imagem 4.1 – A atual BR-230 (rodovia Transamazônica)..................................................................................381


Lista de quadros e tabelas Quadro 1.1 – Principais empreiteiras estrangeiras em atividades no Brasil no século XX....................................66 Quadro 1.2 – Empresas dedicadas ao ramo da habitação popular na Primeira República...................................71 Quadro 1.3 – Principais empreiteiras cariocas ao longo da ditadura...................................................................74 Quadro 1.4 – Principais empreiteiras paulistas ao longo da ditadura..................................................................80 Quadro 1.5 – Principais empreiteiras mineiras ao longo da ditadura..................................................................90 Quadro 1.6 – Principais empreiteiras do Nordeste e Norte ao longo da ditadura................................................98 Quadro 1.7 – Principais empreiteiras sulinas ao longo da ditadura...................................................................105 Quadro 1.8 – Principais empresas projetistas de engenharia do país durante a ditadura..................................108 Quadro 1.9 – Principais empresas de montagem industrial no país durante a ditadura....................................110 Quadro 1.10 – Combinações de capital no setor da construção pesada durante a ditadura...............................122 Quadro 1.11 – Casos de falência e concordatas de empreiteiros ao longo da ditadura......................................123 Quadro 1.12 – Ramificação de atividades das empreiteiras ao longo da ditadura, por setor.............................128 Quadro 2.1 – Presidentes do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro ao longo da ditadura...............................141 Quadro 2.2 – Presidentes do Instituto de Engenharia de São Paulo ao longo da ditadura.................................145 Quadro 2.3 – Pessoas agraciadas com o ‘Prêmio Eminente Engenheiro do Ano’, do IE.......................................147 Quadro 2.4 – Presidentes da AICC/Sinduscon-RJ...............................................................................................151 Quadro 2.5 – Presidentes da Apeop, desde a fundação até meados dos anos 1980...........................................154 Quadro 2.6 – Fundadores do Sinicesp...............................................................................................................159 Quadro 2.7 – Diretoria do Sinicesp no período 1969-1972................................................................................160 Quadro 2.8 – Presidentes do Sinicesp...............................................................................................................161 Quadro 2.9 – Pessoas que receberam a ‘Medalha Washington Luís do Mérito Rodoviário’.................................163 Quadro 2.10 – Presidentes do Sicepot-MG........................................................................................................165 Quadro 2.11 – Empresas fundadoras da AEERJ pela ordem do estatuto social..................................................168 Quadro 2.12 – Presidentes da AEERJ.................................................................................................................170 Quadro 2.13 – Presidentes da CBIC...................................................................................................................177 Quadro 2.14 – Primeira diretoria da Abeop (1954-1956)..................................................................................183 Quadro 2.15 – Fundadores da associação que daria origem ao Sinicon em 1959..............................................188 Quadro 2.16 – Presidentes do Sinicon...............................................................................................................192 Quadro 2.17 – Diretoria da Abemi para os anos 1969 e 1970............................................................................202 Quadro 2.18 – Diretoria da Abemi para os anos de 1982 a 1984.......................................................................202 Quadro 2.19 – Presidentes da Abemi................................................................................................................203 Quadro 2.20 – Os Encontros Nacionais da Construção.......................................................................................206 Quadro 3.1 – Membros do Conselho Consultivo da Revista O Empreiteiro.........................................................228 Quadro 3.2 – Os homens de construção do ano, escolhidos pela revista O Empreiteiro.....................................234 Quadro 3.3 – Engenheiros homenageados pelo Prêmio de Criatividade na Engenharia....................................235 Quadro 3.4 – Militares que desempenharam funções em empresas privadas na ditadura................................284 Quadro 4.1 – Ministros de Viação e Obras Públicas (até 1967) e Transportes da ditadura..................................312 Quadro 4.2 – Diretores-gerais do DNER.............................................................................................................314 Quadro 4.3 – Ministros do MME........................................................................................................................317 Quadro 4.4 – Presidentes da Eletrobrás.............................................................................................................319


Quadro 4.5 – Centrais elétricas cujas obras civis foram realizadas pela Mendes Júnior.....................................321 Quadro 4.6 – Principais usinas hidrelétricas e outras grandes obras da Cesp.....................................................323 Quadro 4.7 – Implementação da capacidade instalada nacional pelas construtoras.........................................324 Quadro 4.8 – Presidentes do BNH.....................................................................................................................327 Tabela 4.1 – Recursos do Imposto sobre Combustíveis (IULCLG) destinados ao DNER........................................352 Tabela 4.2 – Recursos do Imposto sobre Combustíveis (IULCLG) não vinculados...............................................353 Tabela 4.3 – Recursos da Taxa Rodoviária Única (TRU) destinados ao DNER......................................................353 Quadro 4.9 – Resultado do primeiro leilão para obras de trechos da Transamazônica.......................................382 Quadro 4.10 – As construtoras da Ferrovia do Aço............................................................................................392 Quadro 4.11 – Projetos de alumínio previstos para Trombetas/Carajás.............................................................395


Lista de siglas e abreviaturas AACD – Associação de Amparo à Criança Deficiente ABCE – Associação Brasileira dos Consultores de Engenharia ABCI – Associação Brasileira da Construção Industrializada Abdib – Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Indústria de Base Abecip – Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança Abemi – Associação Brasileira de Empresas de Montagem Industrial/Associação Brasileira de Engenharia Industrial Abempi – Associação Brasileira de Empresas de Engenharia de Manutenção Predial e Indústria Abes – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária Abesc – Associação Brasileira de Empresas de Serviços de Concretagem Abifer – Associação Brasileira da Indústria Ferroviária ABPE – Associação Brasileira de Pontes e Estruturas ABPV – Associação Brasileira de Pavimentação ACCE – Associação dos Construtores de Centrais Elétricas Aceb (ou Acebra) – Associação dos Construtores e Empreiteiros de Brasília ACMG – Associação Comercial de Minas Gerais ACRJ – Associação Comercial do Rio de Janeiro ACSP – Associação Comercial de São Paulo ADCE – Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas Ademi – Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário Adesg – Associação de Diplomados na Escola Superior de Guerra AEB – Associação de Exportadores do Brasil/Associação de Comércio Exterior do Brasil AECB – Associação dos Engenheiros da Central do Brasil Aeerj – Associação de Empreiteiros do Estado do Rio de Janeiro/Associação de Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro Aerp – Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência AFB – Associação Ferroviária Brasileira AG – Construtora Andrade Gutierrez AICC – Associação da Indústria da Construção Civil do Rio de Janeiro Alalc – Associação Latino-Americana de Livre Comércio Alcoa – Alluminium Company of America ALN – Aliança Libertadora Nacional Alpro – Aliança para o Progresso Alumar – Projeto de Alumínio do Maranhão Ameco – Associação Mineira de Empresas de Construção Pesada Amforp – American Foreign & Power Ande – Administración Nacional de Eletricidad Aneor – Associação Nacional de Empresas de Obras Rodoviárias Anpes – Associação Nacional de Programação Econômica e Social AP – Ação Popular Apeop – Associação Paulista de Empreiteiros de Obras Públicas ARB – Associação Rodoviária Brasileira


Arena – Aliança Renovadora Nacional Arsa – Aeroportos do Rio de Janeiro Sociedade Anônima Banerj – Banco do Estado do Rio de Janeiro Banespa – Banco do Estado de São Paulo BB – Banco do Brasil BC – Banco Central do Brasil BCSA – Brasil Construtora Sociedade Anônima BEC – Batalhão de Engenharia e Construção BEG – Banco do Estado da Guanabara BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento Bird – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento BNB – Banco do Nordeste do Brasil BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNH – Banco Nacional de Habitação BR (ou Petrobras) – Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima CAB – Consultores Associados Brasileiros Cacex – Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil CAP – Caixa de Aposentadorias e Pensões CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho Cavo – Companhia Auxiliar de Viação e Obras CBA – Companhia Brasileira de Alumínio CBC – Companhia Brasileira de Cartuchos CBCSI – Câmara Brasileira de Comércio e Serviços Imobiliários CBD – Companhia Brasileira de Dragagem CBEE – Companhia Brasileira de Energia Elétrica Cbic – Câmara Brasileira da Indústria da Construção CBPO – Companhia Brasileira de Projetos e Obras CBTU – Companhia Brasileira de Transportes Urbanos CC – Construções e Comércio Camargo Corrêa CCBE – Companhia Construtora Brasileira de Estradas CCN – Companhia Construtora Nacional CCNE – Carioca Christiani-Nielsen Engenharia CCR – Companhia de Concessões Rodoviárias CCRN – Consórcio Construtor Rio-Niterói CD-CE – Conselho Diretor do Clube de Engenharia CE – Clube de Engenharia do Rio de Janeiro Ceard – Companhia de Eletricidade do Alto Rio Doce Cearg – Companhia de Eletricidade do Alto Rio Grande Cedae – Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro Cedex – Centro de Estudos e Desenvolvimento de Exportação da Fundação Dom Cabral CEEE – Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul


CEF – Caixa Econômica Federal Celg – Companhia de Eletricidade de Goiás Celusa – Companhia Hidrelétrica de Urubupungá Cemig – Centrais Elétricas de Minas Gerais CEMRD – Companhia de Eletricidade do Médio Rio Doce Cepal – Comissão Econômica para a América Latina Cesp – Companhia Elétrica de São Paulo/Companhia Energética de São Paulo CEU – Centro Educacional Unificado CFCE – Conselho Federal de Comércio Exterior CFFHEE – Conselho Federal de Forças Hidráulicas e Energia Elétrica CFLMG – Companhia Força e Luz de Minas Gerais CGT – Confederação Geral dos Trabalhadores Cherp – Companhia Hidrelétrica do Rio Pardo Chesf – Companhia Hidrelétrica do Vale do São Francisco Chevap – Companhia Hidrelétrica do Vale do Paraíba Cibpu – Comissão Interestadual da Bacia do Paraná-Uruguai Cicyp – Conselho Interamericano de Comércio e Produção Ciep – Centro Integrado de Educação Pública Ciesp – Centro das Indústrias do Estado de São Paulo Cipa – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes Cirj – Centro das Indústrias do Rio de Janeiro CLA – Council of Latin America CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CMBEU – Comissão Mista Brasil-Estados Unidos CMC – Companhia Metropolitana de Construções CME – Companhia Mineira de Eletricidade CMN – Conselho Monetário Nacional CMSA – Companhia Metropolitana Sociedade Anônima CNA – Confederação Nacional da Agricultura CNAEE – Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica CNC – Confederação Nacional do Comércio CNEC – Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores CNEN – Conselho Nacional de Energia Nuclear CNI – Confederação Nacional da Indústria CNICC – Comissão Nacional da Indústria da Construção Civil CNP – Conselho Nacional do Petróleo CNT – Confederação Nacional do Transporte CNT – Conselho Nacional de Tecnologia CNT – Conselho Nacional do Transporte Cohab – Companhia de Habitação Comasa – Construtora Omar O’Grady Comasp – Companhia de Abastecimento de Água de São Paulo


Conese – Conselho de Exportação de Serviços de Engenharia Confea – Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura Conpac – Congresso Nacional da Prevenção de Acidentes na Construção Consultec – Companhia Sul-Americana de Administração e Estudos Técnicos Convap – Construtora Vale do Piracicaba COP-Cbic – Comissão de Obras Públicas da Cbic Copel – Companhia Paranaense de Energia Elétrica Coperbo – Companhia Pernambucana de Borracha Sintética Coppe-UFRJ – Programa de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ Cosigua – Companhia Siderúrgica da Guanabara Cosipa – Companhia Siderúrgica Paulista CPC – Companhia Petroquímica de Camaçari CPC-UNE – Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes CPDEB – Comissão Permanente de Defesa da Engenharia Brasileira CPFL – Companhia Paulista de Força e Luz CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito CRA – Construtora CR Almeida (Cecílio Rego de Almeida) Crea – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura CSN – Companhia Siderúrgica Nacional CSN – Conselho de Segurança Nacional CTB – Companhia de Telefones do Brasil CVC – Construtora Cícero Viana Cruz CVRD – Companhia Vale do Rio Doce DAEE – Departamento de Águas e Energia Elétrica DER – Departamento de Estradas de Rodagem Dersa – Desenvolvimento Rodoviário Sociedade Anônima Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos DNEF – Departamento Nacional de Estradas de Ferro DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem Dnic – Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra a Seca Dnos – Departamento Nacional de Obras de Saneamento DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral DNPVN – Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis DOI-Codi – Destacamento de Operações Especiais-Centro de Operações de Defesa Interna EBE – Empresa Brasileira de Engenharia ECBSA – Empresa Construtora Brasil Sociedade Anônima Ecex – Empresa de Construção e Exploração da Ponte Presidente Costa e Silva/Empresa de Engenharia e Construção de Obras Especiais Sociedade Anônima Ecisa – Engenharia, Comércio e Indústria Sociedade Anônima EEB – Energias Elétricas do Brasil EFCB – Estrada de Ferro Central do Brasil


EIT – Empresa Industrial e Técnica Sociedade Anônima Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras Sociedade Anônima Emop – Empresa Estadual de Obras Públicas do Rio de Janeiro Enaex – Encontro Nacional de Exportadores Enco – Encontro Nacional da Construção Enic – Encontro Nacional da Indústria de Construção Esag – Empresa de Saneamento de Águas da Guanabara Escelsa – Espírito Santo Centrais Elétricas ESG – Escola Superior de Guerra Estacon – Construtora Estacas, Saneamento e Construções Esusa – Empresa de Serviços Urbanos Sociedade Anônima ETE – Estação de Tratamento de Esgoto Eximbank – Export-Import Bank FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado FCP – Fundação Casa Popular FDC – Fundação Dom Cabral Febraban – Federação Brasileira de Bancos Febrae – Federação Brasileira de Engenheiros Fecomércio-SP – Federação de Comércio do Estado de São Paulo Fenaban – Federação Nacional dos Bancos FFE – Fundo Federal de Eletrificação FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FGV – Fundação Getúlio Vargas Fiega – Federação das Indústrias do Estado da Guanabara Fiemg – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais Fiesp – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FIIC – Federação Internacional da Indústria da Construção Finame – Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos Industriais/Fundo Especial de Financiamento Industrial Finep – Financiadora de Estudos e Projetos Firjan – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro FJP – Fundação João Pinheiro FMI – Fundo Monetário Internacional FND – Fundo Nacional de Desenvolvimento FPE – Fundo de Participação dos Estados FPM – Fundo de Participação dos Municípios FRN – Fundo Rodoviário Nacional Gafisa – Gomes de Almeida Fernandes Imobiliária Sociedade Anônima Geia – Grupo Executivo da Indústria Automobilística Geipot – Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes GEM – Grupo Executivo do Metropolitano Gesfra – Grupo Executivo para Substituição de Ferrovias e Ramais Antieconômicos


GET – Grupo Editor Técnico GM – General Motors GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste IAP – Instituto de Aposentadorias e Pensões IAPB – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários IAPC – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários Iapetec – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Empregados de Transportes e Cargas IAPI – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários IAPM – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos Ibad – Instituto Brasileiro de Ação Democrática IBS – Instituto Brasileiro de Siderurgia ICM – Imposto sobre Circulação de Mercadorias IE (ou IE-SP) – Instituto de Engenharia de São Paulo Iesa – Internacional de Engenharia Sociedade Anônima Ifocs – Inspetoria Federal de Obras contra a Seca Imbel – Indústria de Materiais Bélicos do Brasil Incoop – Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial INPS – Instituto Nacional de Previdência Social Iocs – Inspetoria de Obras Contra a Seca Ipase – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Servidores do Estado Ipes – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados IPR – Instituto de Pesquisas Rodoviárias IPVA – Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores IRB – Instituto de Resseguros do Brasil IRF – International Road Federation ISTR – Imposto sobre Serviços de Transporte Rodoviário Interestadual e Intermunicipal para Passageiros e Cargas IUEE – Imposto Único de Energia Elétrica IUSCL (ou IULCLG) – Imposto Único sobre Combustíveis Líquidos e Lubrificantes Minerais LEM – Laboratório de Explosivos e Materiais da USP Lops – Lei Orgânica de Previdência Social Maic – Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio MBR – Minerações Brasileiras Reunidas Sociedade Anônima MCRN – Movimento Cívico de Recuperação Nacional MDB – Movimento Democrático Brasileiro MEC – Ministério da Educação e Cultura MIC – Ministério da Indústria e Comércio MIT – Massachusetts Institute of Technology Mivop – Ministério de Indústria, Viação e Obras Públicas MJ – Construtora Mendes Júnior MME – Ministério de Minas e Energia


MRT – Movimento Revolucionário Tiradentes MTIC – Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio MVOP – Ministério de Viação e Obras Públicas NO (ou CNO) – Construtora Norberto Odebrecht Novacap – Companhia Urbanizadora da Nova Capital Oban – Operação Bandeirantes OE – Revista O Empreiteiro OMS – Organização Mundial de Saúde ONU – Organização das Nações Unidas OPL – Odebrecht Perfurações Limitada ORTN – Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional Otan – Organização do Tratado do Atlântico Norte Paeg – Plano de Ação Econômica do Governo PAN – Plano Aeroviário Nacional Pasep – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público PCdoB – Partido Comunista do Brasil PCH – Pequena Central Hidrelétrica PDS – Partido Democrático Social PDT – Partido Democrático Trabalhista PECP – Construtora Pela Engenharia e Construção Portuária Pert-CPM – Program Evaluation and Review Technique-Critical Path Method Petrobras (ou BR) – Petróleos Brasileiros Sociedade Anônima PFL – Partido da Frente Liberal PIB – Publicações Industriais Brasileiras PIN – Programa de Integração Nacional PIS – Programa de Integração Social Planasa – Plano Nacional de Saneamento Pleninco – Plenário da Indústria da Construção PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PNBE – Plano Nacional de Bases Empresariais PND – Plano Nacional de Desenvolvimento PNE – Plano Nacional de Energia Elétrica PNH – Plano Nacional de Habitação PRN – Plano Rodoviário Nacional Prodoeste – Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste Proterra – Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste Provale – Programa Especial do Vale do São Francisco PSD – Partido Social Democrático PTB – Partido Trabalhista Brasileiro PUC-Rio – Pontifícia Universitária Católica do Rio de Janeiro QG – Construtora Queiroz Galvão Relan – Refinaria Landulpho Alves


RFFSA (ou RFF) – Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima Sade – Sul Americana de Engenharia Sanegran – Sistema de Abastecimento da Grande São Paulo Sapo – Serviços de Acompanhamento de Preços e Obras SBU – Sociedade Brasileira de Urbanismo Secovi – Sindicato de Comércio e Serviços Imobiliários/Sindicato da Habitação Seebla – Serviços de Engenharia Emílio Baumgart Sociedade Anônima Senai – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial Serfhau – Serviço Federal de Habitação e Urbanização Sermarso – Sérgio Marques Souza Sociedade Anônima Servienge – Companhia de Serviços de Engenharia Sesi – Serviço Social da Indústria Sest – Serviços Especial de Controle das Estatais SFH – Sistema Financeiro de Habitação SFICI – Serviço Federal de Informação e Contra-Informação SFN – Sistema Financeiro Nacional SFS – Sistema Financeiro de Saneamento Sicepot-MG – Sindicato da Construção Pesada do Estado de Minas Gerais Sicepot-SP – Sindicato da Indústria da Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplanagem em Geral do Estado de São Paulo Sigesp – Sindicato da Indústria da Construção de Grandes Estruturas do Estado de São Paulo Simesp – Sindicato da Indústria de Máquinas do Estado de São Paulo Sinduscon – Sindicato da Indústria da Construção Civil Sinicesp – Sindicato da Construção Pesada de São Paulo Sinicon – Sindicato Nacional da Indústria da Construção de Estradas, Pontes, Portos, Aeroportos, Barragens e Pavimentação/Sindicato Nacional da Construção Pesada Sintrapav – Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Pesada SME – Sociedade Mineira de Engenharia SNI – Serviço Nacional de Informações SNIC – Sindicato Nacional da Indústria de Cimento Sobrenco – Sociedade Brasileira de Engenharia e Comércio Sociedade Anônima Sotege – Sociedade de Terraplanagem e Grandes Estruturas Limitada Sudam – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia Sudene – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste Sulecop-Cbic – Subcomissão de Licitação e Contratação de Obras Públicas da Cbic Sumoc – Superintendência de Moeda e Crédito do Banco do Brasil Synaenco – Sindicato de Arquitetura e Engenharia TAV – Trem de Alta Velocidade TCU – Tribunal de Contas da União Tebig – Terminal Marítimo da Baía de Ilha Grande Tenenge – Técnica Nacional de Engenharia Termochar – Termelétricas de Charqueadas Sociedade Anônima


TFP – Tradição, Família e Propriedade TRN – Taxa Rodoviária Nacional TRU – Taxa Rodoviária Única TVA – Tennessee Valley Authority UB – União Brasileira de Empresários UDN – União Democrática Nacional UDR – União Democrática Ruralista UEG – Universidade do Estado da Guanabara Uenf – Universidade Estadual do Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro UFF – Universidade Federal Fluminense UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UHE – Usina Hidroelétrica UNDD – União Nacional em Defesa da Democracia UNE – União Nacional dos Estudantes Usaid – United States Agency for International Development Usiba – Usina Siderúrgica da Bahia USP – Universidade de São Paulo VBC – Consórcio Votorantim-Bradesco-Camargo Corrêa VW – Volkswagen


Estado, poder e classes sociais no Brasil – Novas e sólidas tradições de pesquisa Virgínia Fontes Muitos são os motivos de minha emoção e enorme satisfação em prefaciar este livro. Pedro Henrique, de meu orientando no doutorado, tornou-se um amigo pessoal. Muitos elos nos ligam – inclusive alguns que desconhecíamos quando iniciamos nossa relação de orientação. Descobrimos caras amizades comuns ao longo de nossa convivência, em especial Isabel Brasil, André Bueno e Leo, meus recentes e queridos amigos, cuja história integra a vida de Pedro Henrique desde sua infância. Consolidando essa feliz coincidência, ganhei ainda a amizade de Marina e, em breve, da pequena Letícia. Para além do afeto, o trabalho do já maduro historiador Pedro Henrique Campos participa de – e enriquece – uma das mais importantes linhagens de pesquisa em História da Universidade Federal Fluminense, dedicada à elucidação das formas históricas concretas de constituição do Estado brasileiro. Um pequeno mas valente grupo de historiadores da UFF, levando a sério suas matrizes teóricas – em especial aquela lastreada em Antonio Gramsci –, vem, há alguns anos, se debruçando sobre a estreita e já antiga correlação entre sociedade civil e sociedade política. Hoje já constituem um significativo acervo de pesquisa com a participação de docentes de diversas universidades do país. Pesquisadores incansáveis de arquivos dos mais variados tipos estabeleceram mapeamento cuidadoso, com enorme volume de fontes, e identificaram uma grande rede de entidades associativas empresariais e sua precoce e intensa penetração junto ao Estado brasileiro (tomado em sentido restrito), exigindo uma revisão profunda numa historiografia que ainda supõe um Estado “acima e fora” da sociedade. A construção desse viés importantíssimo de pesquisa teve dois polos distintos que, por um período breve, se encontraram na UFF. O primeiro deles resulta de pesquisa empreendida pelo cientista político René Armand Dreifuss, quando ainda atuava na Universidade Federal de Minas Gerais, que resultou no livro 1964: a conquista do Estado, publicado em 1981 pela Editora Vozes. Trazendo a leitura de Gramsci para o solo concreto das relações sociais, René Dreifuss analisou estupendos – pela vastidão, pela qualidade e pela coerência – acervos documentais, estabelecendo de maneira cabal a íntima participação do empresariado brasileiro, através de suas variadas entidades organizativas, na preparação do golpe de Estado de 1964. Seu livro apresenta minuciosamente como se coligaram empresários e suas entidades aqui forjadas a seus pares e entidades estadunidenses, associando-se ainda a setores das Forças Armadas em impressionante ativismo voltado para a interrupção da experiência democrática então em curso. Mais do que isso, Dreifuss demonstra – com farta documentação – como tais conspiradores-golpistas implantaram-se nos postos estratégicos de poder imediatamente após o golpe de Estado, embora não tenham perpetrado de forma direta o golpe. Irônica e tristemente, uma certa historiografia revisionista contemporânea, inaugurada por Cheibub (1993), compraz-se em acusar de maneira aligeirada


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Dreifuss de utilizar teorias conspirativas! Seria cômico, se esse expediente não contribuísse fortemente para velar as relações e os processos históricos reais, cujos personagens e entidades não apenas conspiraram, mas exerceram e sustentaram de modo direto uma duríssima ditadura, personagens que em muitos casos infelizmente ainda povoam nossa vida política, institucional e social. Tal historiografia revisionista pretende substituir as lutas concretas da vida real por um ideário narcotizante, atribuindo a um suposto “desapego à democracia” compartilhado por todos no pré-1964 as razões últimas do golpe. Ora tal argumento ou razões, em última análise, justificam os que de fato deram golpe e os eximem, ipso facto, das conspirações que os próprios agentes históricos reconhecem. Diversos autores e pesquisadores vêm realizando uma crítica fundamentada e sólida a tais interpretações, como Marcelo Badaró Mattos (2005, 2008) e Demian Melo (2013), dentre outros. René Dreifuss se transferiu posteriormente para a UFF, onde criou o Núcleo de Estudos Estratégicos (Nest), do qual tive a enorme satisfação de participar. Faleceu precocemente em 4 de maio de 2003, há exatamente 10 anos. Por um viés mais estritamente historiador, um segundo grupo de professores e pesquisadores da UFF também refinava instrumentos metodológicos a partir das contribuições teóricas de Antonio Gramsci. A pesquisa de longo fôlego de Sonia Regina de Mendonça (1997) consolidava uma metodologia cuidadosamente elaborada e adequada a seu arsenal teórico, e geraria importante dilatação das análises no tempo. Sonia Regina pesquisava as origens de algumas instituições estatais e descobria sua estreita proximidade com entidades associativas – aparelhos privados de hegemonia – num território até então considerado apenas o “reino do arcaico”, como o da agricultura supostamente decadente. Para além de formuladora de uma análise histórica de novo tipo, Sonia Mendonça teria importante papel formador, o que se verifica pela enorme quantidade de pesquisas que realizou e divulgou, com mais de 20 livros publicados (e enorme quantidade de artigos em periódicos), analisando cuidadosamente mais de um século de história das relações entre Estado, sociedade civil, intelectuais e classes dominantes agrárias no Brasil. Para além da pesquisa, Sonia também atuou ativamente na docência, orientou uma infinidade de pesquisas na graduação e pós-graduação, além de participar em bancas e em diversos grupos de pesquisas. Como boa gramsciana, atuava na produção do conhecimento e na persuasão. Por caminhos diversos, pois, a UFF abrigou uma formidável geração intelectual, de base gramsciana, que não se dobrou aos modismos e vem assegurando uma importante linhagem de estudos sobre as bases do poder no Brasil, lastreada em exaustivas pesquisas documentais: as entidades de classe dominante em diversos momentos históricos, suas relações com o Estado, as disputas entre frações dominantes e as variadas formas de subordinação imposta aos dominados seja pela truculência, seja pelo convencimento. Abriu-se assim um novo panorama e uma nova perspectiva analítica, que vai muito além dos simplismos que predominavam na análise do Estado brasileiro. Os estudos sobre a burguesia brasileira e as condições de sua hegemonia encontraram um terreno sólido, rigoroso, não laudatório nem conformista. É nessa tradição que ingressou Pedro Henrique Pedreira de Campos. Tendo pesquisado no mestrado, sob a orientação de Theo Lobarinhas Piñeiro, ali aprendeu o laborioso trabalho do levantamento rigoroso e exaustivo de fontes, bem como as bases teóricas que perseguiria doravante (Campos, 2010).


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Pedro integrou-se aos diversos grupos e laboratórios comprometidos com essa tradição gramsciana, dela participando ativamente. No presente livro, fruto de sua tese de doutoramento, Pedro avança no tempo e situa sua análise no século XX, para investigar outro setor da burguesia brasileira – o da construção civil e os grandes empreiteiros. Vício de historiador, vasculha as origens empresariais, mas não para por aí. Avança resolutamente na documentação e no tempo para decifrar a constituição de extensa rede de aparelhos privados de hegemonia coligando seus diversos segmentos e frações, com maior ênfase para a consolidação de grupos empresariais extremamente concentrados e sua participação nessas diferentes entidades. Evidencia, portanto, não apenas uma proximidade direta das empreiteiras com o Estado restrito – como repete, não sem razão, o senso comum no Brasil –, mas, como sugere Gramsci, avança para além do senso comum, ao identificar de maneira detalhadamente comprovada uma complexa teia de interesses privados tecidos por fora e por dentro do Estado, com um grau muito maior de complexidade do que a simples tradução imediata da propriedade em poder político. Dentre os múltiplos sentidos possíveis atribuíveis às “estranhas catedrais”, o que mais me atrai é o que permite pensar essa teia complexa que amarra o novo ao arcaico, num formato desigual e combinado característico e seletivo. Estranha catedral luxuosa e acolhedora para as classes dominantes e suas entidades, gelada e árida para a grande maioria. Modernas entidades associativas empresariais, forjando intelectuais orgânicos preparados e coligados, entremeiam o Estado brasileiro. Conservam razoável autonomia frente a ele e elaboram suas próprias pautas, mas integram-se nele através de malhas capilarizadas, a partir das quais defendem seus interesses corporativos frente aos demais setores burgueses e às reivindicações dos trabalhadores. Estamos longe dos anéis burocráticos quase mecanicistas propostos por Fernando Henrique Cardoso, ou do patrimonialismo vago que perpassa uma certa historiografia que, com ar denunciador, se refugia na preguiça da investigação, silenciando sobre as condições reais das bases do poder burguês no Brasil. Para essa mesmice intelectual, uma proeminência peculiar é atribuída ao Estado brasileiro, que o converte em sujeito histórico sui generis do processo histórico. Tal operação externaliza e separa o Estado das relações sociais, acabando por obscurecer e quase apagar o protagonismo real das classes sociais em seu modus operandi característico: entidades associativas empresariais estão presentes na própria tessitura da constituição estatal. Estamos também longe da suposição de um Estado que seria instrumento direto da manipulação corporativa ou proprietária de alguns de forma isolada: as disputas intraclasse dominante imprimem uma configuração caracteristicamente burguesa ao Estado brasileiro, enquanto a repressão seletiva sobre os subalternos reitera seu viés arcaico. Uma perversa seletividade de longa duração favoreceu a multiplicação de entidades empresariais enquanto impôs longo e brutal bloqueio à associatividade dos trabalhadores. Assim, começamos a entrever uma ossatura institucional tecida por conflitos entre diversos setores burgueses que disputam palmo a palmo o predomínio dentro da ordem, eventualmente apelando para os trabalhadores e setores populares e, mais frequentemente, unindo-se contra eles. Muito há por fazer nessa tradição ainda recente: é preciso unificar as múltiplas e variadas pesquisas que vasculharam diversas entidades empresariais, pesquisaram o fortalecimento de grandes conglomerados brasileiros e associados, assim como identificaram uma contínua e consistente formação de intelectuais orgânicos,


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muitas vezes realizada com recursos públicos, para a expansão das relações sociais capitalistas em diferentes âmbitos. A configuração do Estado brasileiro se torna mais clara: ele é institucionalmente organizado para assegurar porosidade extrema para a penetração de tais intelectuais da ordem, que argumentam pela técnica e pelo mando, favorecendo a conversão de seus interesses particulares em “questões nacionais”, em “questão de ordem policial” e, até mesmo, em “segurança nacional”. Trazer à frente da cena os empreiteiros das grandes obras da construção civil, e apresentá-los imersos nessa intrincada teia de entidades associativas, é o enorme mérito deste livro. Mais ainda, trazê-los quando se imbricam de maneira ostensiva com o Estado resultante do pós-1964 é mais uma demonstração – cabal e irrefutável – do perfil empresarial-militar daquela ditadura. Muito de nossa história recente, inclusive a constituição de grandes multinacionais brasileiras, encontra suas raízes naquele período sombrio. Este é, portanto, um livro polêmico e corajoso. Deixemos ao leitor, que desbravará essa história conduzido pela mão firme de Pedro H. P. Campos, a comprovação do que assinalamos anteriormente. Para concluir, gostaria de acrescentar que foi – e é – um enorme orgulho ter partilhado de uma parcela da trajetória da formação de Pedro H. P. Campos. Pesquisador tarimbado e consistente, Pedro foi um aceso debatedor das grandes questões frente às quais nos debruçamos ao longo de seu doutoramento. Já sinto saudades do tempo em que ele frequentava as nossas reuniões do GTO (Grupo de Trabalho e Orientação), nas quais imprimiu sua marca inteligente e ativa, mas sei também que o mais importante daqueles encontros é o que levamos por toda a vida como amizade e carinho, como compartilhamento de referências teóricas e historiográficas, como curiosidade aguda e aberta para o desvelamento de nossa realidade. O jovem professor e pesquisador Pedro H. P. Campos tem voo próprio e seguro. Rio de Janeiro, maio de 2013.

Referências Campos, Pedro H. P. Nos caminhos da Acumulação – Negócios e poder no abastecimento de carnes verdes para a cidade do Rio de Janeiro, 1808-1835. São Paulo, Alameda, 2010. Cheibub, A. Democracia ou Reformas – Alternativas democráticas à crise política – 1961 a 1964. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993. Dreifuss, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis, Vozes, 1981. A esta primeira e genial obra, se agregaram ainda Internacional Capitalista (Espaço & Tempo, 1986); O Jogo da Direita na Nova República (Vozes, 1989); Política, Poder, Estado e Força – Uma Leitura de Weber (Vozes, 1993); e A Época da Perplexidade (Vozes, 1996). Mattos, Marcelo Badaró. “Os trabalhadores e o golpe de 1964: um balanço da historiografia”. In: História e Luta de Classes, Ano 1, n. 1, abril de 2005.


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Mattos, Marcelo Badaró. “O governo João Goulart: novos rumos da produção historiográfica”, Revista Brasileira de História, v. 28, n. 55, São Paulo, jan./jun. 2008. Melo, Demian Bezerra de. Crise orgânica e ação política da classe trabalhadora brasileira: a primeira greve geral nacional (5 de julho de 1962). Tese de doutoramento, História/UFF, 2013, especialmente p. 8-47. Mendonça, Sonia Regina de. O ruralismo brasileiro (1888-1931). São Paulo, Hucitec, 1997.


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