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Universidade Federal Fluminense REITOR Sidney Luiz de Matos Mello VICE-REITOR Antonio Claudio Lucas da Nóbrega
Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense CONSELHO EDITORIAL Aníbal Francisco Alves Bragança (presidente) Antônio Amaral Serra Carlos Walter Porto-Gonçalves Charles Freitas Pessanha Guilherme Pereira das Neves João Luiz Vieira Laura Cavalcante Padilha Luiz de Gonzaga Gawryszewski Marlice Nazareth Soares de Azevedo Nanci Gonçalves da Nóbrega Roberto Kant de Lima Túlio Batista Franco DIRETOR Aníbal Francisco Alves Bragança
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Felipe Barbosa Dezerto
Francês e educação Institucionalização de uma língua estrangeira em discursividade
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Copyright © 2016 Felipe Barbosa Dezerto Copyright © 2016 Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense
Série Nova Biblioteca, 14
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Ao meu pai e aos meus avós, todos em memória.
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Faire l’histoire d’une discipline scolaire, c’est s’attacher non seulement aux programmes et aux finalités de la discipline, non seulement aux pratiques éducatives et enseignantes qu’elle met en oeuvre, mais également aux effets réels et concrets qu’elle produit sur les élèves et sur la société qui les entoure. André Chervel, Histoire de l’enseignement du français du XVIIe au XXe siècle, p. 7
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Sumário Prefácio A instituição escolar e a língua que ensinamos | 11 Língua estrangeira: objeto teórico-discursivo | 15 Política, língua e nação | 25
Língua e memória | 26 A política nas línguas e o político das línguas | 36 A formação das nações e a língua na representação da nacionalidade | 45 A gramatização das línguas europeias | 61 Língua nacional e língua materna: um efeito ideológico de coincidência | 65
A língua estrangeira no espaço escolar: uma língua, um campo disciplinar | 69
O Colégio Pedro II: o surgimento de um modelo escolar | 70 Língua e instituição: a institucionalização de saberes sobre a língua | 71 Conhecimento, saber e disciplinarização: a língua no espaço escolar | 87 A institucionalização do francês no Rio de Janeiro e no Brasil | 105
Colégio Pedro II: o francês na fundação de um colégio modelo | 111
A fundação de um colégio modelo: o Regulamento n. 8 | 113 Os campos disciplinares e o tempo: o estatuto dos saberes | 121 O programa de 1850 e o francês: um imaginário de civilização | 127 A língua nacional brasileira diante da língua nacional francesa | 147
O Colégio Pedro II e o francês: escola, república e cidadania | 157
República, conteúdos e livros didáticos | 159 Lógica e racionalidade: uma visão de gramática no ensino de francês | 164 A República e o positivismo | 167 Francês, gramática e positivismo | 171
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O francês e o Colégio Pedro II: a produção de uma nacionalização escolar brasileira | 177 As reformas da Era Vargas | 177 O programa de ensino de 1942 | 183 O francês e os conteúdos no programa de 1942 | 186
Considerações finais | 207
O momento fundacional | 209 O francês na passagem para a República | 211 O francês na Era Vargas | 214 Saberes que nos levam a uma memória | 215
Referências | 219 Agradecimentos | 227
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Prefácio A instituição escolar e a língua que ensinamos
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istoricizar uma determinada disciplina, ou seja, compreender de que forma tal disciplina foi ensinada durante décadas em uma instituição escolar – modelar e politicamente relevante –, é tarefa exaustiva, necessária, e que precisa ser empreendida a fim de tornar visível as maneiras pelas quais língua, história, sociedade e cultura estão imbricadas na constituição dos efeitos de nacionalidade. O levantamento da história da instituição, a leitura minuciosa dos programas de ensino, a busca pelos livros didáticos utilizados e a observação crítica da relação entre as disciplinas são aspectos fundamentais que visam à compreensão dos efeitos que a disciplinarização produz relativamente aos alunos e à sociedade como um todo. Esse campo de estudos vem sendo desenvolvido no Brasil a partir do entremeio teórico que se constrói entre duas teorias materialistas: a Análise do Discurso, tal como Michel Pêcheux e Eni Orlandi a propuseram e desenvolveram, e a História das Ideias Linguísticas, tal como Sylvain Auroux a instituiu, primeiramente na França, e depois no Brasil. Recorta-se, com o entremeio proposto, um campo de estudos voltados para a historicização dos saberes que se produzem sobre as línguas em sua relação com a formação de uma sociedade. Língua, história, sociedade e formas de subjetivação não se separam, ao contrário, constituem-se mutuamente. Felipe Dezerto tomou para si o desafio de compreender o processo de disciplinarização do francês no Brasil a partir da análise dos programas de ensino do Colégio Pedro II, instituição modelar do século XIX. No século XIX, o colégio Pedro II, é bom lembrar, faz parte de um programa político de educação em âmbito nacional, programa que durante décadas formou a elite nacional bem como os chamados quadros intermediários que constituem o poder. Foi, de fato, um desafio inigua11
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lável pesquisar a fundo os historiadores da educação nacional, espanar a poeira das bibliotecas, penetrar nos labirintos dos arquivos, na tentativa de juntar peças de um quebra-cabeça desde o início e para sempre incompleto, pois, como bem sabe um analista do discurso, cego é o teórico que supõe a completude da língua, do sujeito e... dos arquivos. Para a Análise do Discurso, que se situa no entremeio das ciências humanas e sociais, sobre uma base linguística qualquer, com sua específica materialidade, diferentes processos de produção de sentidos historicamente constituídos são engendrados, o que faz com que falantes de uma dada formação social, usando uma mesma língua, signifiquem diferentemente (Pêcheux, 1988). O conceito de discurso designa que, em toda interlocução, o que entra em jogo são efeitos de sentidos. A política é aqui compreendida como campo de disputas dos sentidos, e o político, como processo inscrito na própria linguagem que promove a divisão dos sentidos. Do ponto de vista discursivo, as palavras não têm um sentido fixo ou literal. Partindo, portanto, dessa perspectiva teórica, o simples falar ou tomar a palavra é em si uma prática política, com todas as suas implicações, pois incide na divisão dos sentidos. Usar uma palavra é não usar outra, é fazer recortes em regiões de sentidos sem ter garantias, no campo da língua(gem), de um entendimento absoluto por parte de quem ouve. Falar, desse ponto de vista, é inscrever-se em redes históricas e sociais de produções de sentidos que antecedem à própria prática do falar em si, e cuja memória nem sempre se mostra com nitidez. Em termos discursivos, portanto, não há um total domínio sobre o que se diz, embora haja uma perene e ilusória tentativa de controle do dizer. Além disso, o dizer não nasce a partir do momento em que um dado sujeito toma a palavra. Quando se toma a palavra, há a inscrição no já dito antes, em uma memória de dizeres muitas vezes inacessível. Assim, quando tomamos a palavra, nunca conseguimos dizer tudo o que gostaríamos, pois a incompletude e a falha estão inscritas na língua que habitamos, e são condição do dizer. Podemos dizer que as palavras sempre faltam! Seguindo mais além, muitas vezes, algo no dizer sempre pode se estatelar, porque as homofonias, as ambiguidades e a possibilidade dos equívocos estão instaladas no que é próprio da língua, 12
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provocando um incessante deslizamento no sistema significante. Se, como já foi incansavelmente repetido pela própria Análise do Discurso, o lugar de onde falamos constitui o dizer, é importante acrescentar que isso não é garantia de nada. Com maestria Felipe Dezerto percorre os conceitos teóricos da Análise do Discurso para desenhar, em consonância com a história das ideias linguísticas e a história da constituição das disciplinas, um dispositivo de análise que permitisse adentrar na espessa e opaca história do processo de disciplinarização do francês no Colégio Pedro II. Ao fazer a história do francês como disciplina escolar, nosso autor incluiu um percurso sobre a memória discursiva da conjuntura teórica que a constituiu no Colégio Pedro II, o que o levou a penetrar na tensão entre o lembrar e o esquecer que os programas, a cada nova alteração, produziam como efeitos. Desse modo, a compreensão do processo de disciplinarização do francês enquanto produção de saber incluiu a compreensão dos mecanismos político-acadêmicos que o institucionalizaram, e permitiram a sua transmissão como saber escolar homogêneo. Daí a importância de se compreender a historicidade da disciplinarização e de suas práticas discursivas. Nas palavras do autor, se é possível depreender que o ensino de francês cumpria, entre outras práticas, a de instituir um projeto civilizatório de Estado, é possível, também, compreender como ainda vigorava “a linha imaginária que separa civilizado de não civilizado”, instituindo mais uma vez o brasileiro no lugar do faltoso, do deficitário, do inculto. Um outro aspecto dessa questão é compreender que o ensino, seja de língua materna, seja de língua estrangeira, se insere no campo de produção-difusão do conhecimento. No caso do ensino de línguas, teorias e modelos estão submetidos ao funcionamento geral da produção de saber e, conforme a hegemonia teórica do período histórico, apresentam-se como únicos, melhores, mais eficientes etc. E, com isso, o objeto língua construído, um objeto teórico, portanto, aparenta ser o único naquele momento. Para Felipe Dezerto, em suas reflexões teóricas, o conhecimento escolarizado é universal na medida em que tenta apagar o ideológico de sua constituição para que ele possa ser produzido sob esse efeito de totalidade. [...] Transmitir 13
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conhecimento, então, é um processo que se dá sob esse efeito de apagamento do ideológico que o constitui e de sua totalização, como se fossem produzidas verdades sobre os objetos. (Dezerto, 2017, p. 92).
Podemos nos valer do sociólogo Boaventura de Souza Santos (2007) para quem as teorias científicas e o conhecimento disciplinar, de maneira geral, estão inscritos em uma tradição científica que estabelece distinções visíveis e invisíveis. Tais distinções traçam uma linha e separam as coisas-a-saber das demais. O principal aspecto do funcionamento “abissal do pensamento moderno ocidental é a impossibilidade da copresença dos dois lados da linha” (Santos, 2007, p. 32). A distinção visível regula as coisas-a-saber, estabelece formas hegemônicas de leitura e, pela reprodução disseminada nas instituições, vai estabelecendo evidências de sentidos. Reterritorializando o pensamento de Santos para o campo discursivo, coloco como reflexão o seguinte: nem sempre somos instigados a perceber que as teorias de linguagem e os objetos teóricos construídos com os quais trabalhamos tem espessura histórica e se inscrevem sob o funcionamento do pensamento abissal. Isso quer dizer que nem os estudos linguísticos – teorias e modelos de análise –, nem o ensino de línguas são (ideologicamente) neutros. Ao contrário, há uma determinação histórica que os submete às políticas científicas reguladas pelo Estado e que, de forma inexorável, produz implicações e efeitos no domínio de pensamento de sua época. As teorias de linguagem, e os modelos de ensino a elas atrelados, são constituídas, formuladas, e se encontram em circulação institucional carregando modelos sobre as línguas e sobre os sujeitos que as falam. Por toda reflexão teórica, por todo o levantamento realizado sobre os programas de ensino de francês e por toda a análise discursiva empreendida, recomendo fortemente a leitura desse livro escrito por Felipe Dezerto. Trata-se de um trabalho denso, vigoroso e audacioso que em muito contribui para um melhor conhecimento das tantas áreas de saber em que se inscreve. Bethania Mariani UFF/CNPq/Faperj
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