Indômita Babel_Preview

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IndĂ´mita Babel


Universidade Federal Fluminense REITOR Sidney Luiz de Matos Mello VICE-REITOR Antonio Claudio Lucas da Nóbrega

Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense CONSELHO EDITORIAL Aníbal Francisco Alves Bragança (presidente) Antônio Amaral Serra Carlos Walter Porto-Gonçalves Charles Freitas Pessanha Guilherme Pereira das Neves João Luiz Vieira Laura Cavalcante Padilha Luiz de Gonzaga Gawryszewski Marlice Nazareth Soares de Azevedo Nanci Gonçalves da Nóbrega Roberto Kant de Lima Túlio Batista Franco DIRETOR Aníbal Francisco Alves Bragança


Felipe Paiva

Indômita Babel Resistência, colonialismo e a escrita da história na África


Copyright @ 2015 Felipe Paiva Copyright © 2017 Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense

Série Nova Biblioteca, 25

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Impresso no Brasil, 2017 Foi feito o depósito legal.


Para Martha, minha mĂŁe.



Deu-se-lhe por isso o nome de Babel, pois foi aí que [...] confundiu a linguagem de todos [...] e foi aí que os dispersou sobre toda a face da Terra. A Torre de Babel (Gênesis) Ouviste a doutrina [...]. Encontraste nela uma lacuna, uma falha. Continua a refletir sobre ela. Permite-me, porém, ó moço ávido de saber, que te advirta do emaranhamento das opiniões e da disputa acerca das palavras. Hesse O poder da palavra é terrível. Ela nos une, e a revelação do segredo nos destrói. Dito esotérico



Sumário Prefácio (Marcelo Bittencourt) | 13 Introdução | 17 Capítulo I – O retorno de Ulisses | 27

Gênese da perspectiva africana | 28

A perspectiva africana na História Geral da África | 37

Ulisses retornado: a pátria e o desterro | 46

Abordagens da perspectiva africana | 54

O vocábulo “resistência” na História Geral da África | 57

Capítulo II – A danação do guerreiro ibo | 71

Colonialismo: uma instância traumática | 72

Gênese dos estudos acerca da resistência | 77

A abordagem tradicionalista | 81

A abordagem “marxista” | 93

Resistência e temporalidade | 106

Capítulo III – A redenção do guerrilheiro | 129

Do protesto à resistência | 130

Protesto, resistência e tradições | 147

A resistência nos estudos de caso | 159

Interlúdio: resistência e lógica histórica | 166

Nacionalismo e libertação | 170

Coda | 183 Referências | 189



Prefácio O projeto de pesquisa com o qual Felipe Paiva se apresentou e foi aprovado na seleção de mestrado no Programa de PósGraduação da UFF versava sobre as relações entre a literatura e a prolongada luta de libertação ocorrida em Angola. Tema muito visitado pela crítica literária, que se dedica às literaturas africanas de língua portuguesa, mas ainda pouco refletido pela história, que em muitos casos mais se apropria das obras literárias do que estabelece diálogo com estas. Sua ideia era trabalhar a literatura como forma e local de resistência. Curiosamente, mas não por acaso, como veremos a seguir, do projeto inicial à dissertação final, que com pequenas variações compõe o livro que o leitor tem em mãos, muita coisa mudou. Apesar da transformação, ficou a questão original, o seu motor, o que ele estava interessado em estudar. Afinal, o que ele fez foi deixar de estudar uma resistência específica, no caso a angolana, para passar a refletir sobre a ideia de resistência e suas múltiplas faces no continente africano. Indiscutivelmente um horizonte difícil de ser alcançado e delimitado. A escolha da monumental coleção da História Geral da África (HGA), publicada pela Unesco, como rota a ser seguida foi sem dúvida arriscada, mas a ousadia deu um belo fruto. A opção de analisar a ideia de resistência na HGA foi complementada, ainda, pela procura por novos termos de comparação, janelas de contato, aproximações com outras áreas, que, como podemos perceber na leitura do livro, se insinuam a todo momento em seu texto, a tal ponto que se tornam indissociáveis da narrativa, como será o caso da literatura e da música, passando a fazer parte, ambas, da arquitetura do trabalho. A literatura, nesse caso, retornava. Todavia, não mais como na versão do projeto inicial, como fonte principal, mas sim como caminho alternativo de problematização das questões que seriam propostas. A pesquisa e a redação foram sendo construídas a partir desses vários entrelaçamentos, e o resultado final confirma a impossibilidade de qualquer separação entre elas. 13


O trabalho também carrega uma forte dose de coragem por parte do autor. Ele enfrenta um tema caro à historiografia, como é o da resistência, e que em relação à História da África é ainda mais controverso. Felipe tem a vantagem do tempo, é verdade. Passadas algumas décadas das independências africanas, do desmoronamento dos sonhos imediatos da libertação e dos conflitos civis de grande intensidade e forte presença de fatores externos, o tema parece poder ser visitado com razoável distanciamento, obrigando todos nós a termos uma maior precisão quanto às necessárias contextualizações e, como diz o autor, a encararmos uma mais aguda visão de processo. A questão central do trabalho é apresentar o que ele chama de “dissenso epistêmico” ou “polifonia conceitual” existente entre os diversos autores que participam da HGA e usam o termo resistência. Sua viagem pelos oito volumes da coleção, no entanto, precisa de um leme, de algo que o guie e o direcione pelo extenso labirinto de temporalidades e temas que o conjunto da obra comporta. A saída é frisar a identificação do uso “vocabular” e do uso “conceitual” do termo resistência. O que irá lhe permitir olhar para a presença da ideia de resistência em toda a HGA, mas problematizá-la de forma diferenciada, guardando essa distinção entre o uso corrente da palavra e o uso enquanto conceito. Por outro lado, a análise complexifica as múltiplas leituras acerca da ideia de resistência presentes na HGA. Destaca, por exemplo, que tal perspectiva perde impacto quando esta se relaciona às diversas imposições e violências exercidas pelos próprios africanos, uns sobre os outros. Tal diferença de tratamento estaria mais vinculada ao formato assumido pelo nacionalismo africano dos anos 1960 e 1970 e a um certo sentimento difuso pan-africanista de muitos dos autores da coleção do que ao contexto sobre o qual tais textos se debruçavam. De forma bastante provocativa, mas bem alicerçada, seu texto retoma a crítica da homogeneização historiográfica existente sobre a África, explicitando a visão eurocêntrica na sua face niveladora e a-histórica sobre o continente. Mas faz esse exercício para, em seguida, problematizar o quanto alguns dos autores presentes na HGA constroem uma imagem de agência (ação) 14


africana coerente, continental e por isso mesmo homogeneizante, distante da história. No aprofundamento da análise dos volumes VII e VIII da coleção da HGA, o livro traz à tona um novo ator: o colonialismo. Sobre esse tema o autor propõe uma interessante leitura, perspectivando-o enquanto um evento traumático. É nesse instante que a análise recupera os vários alertas realizados anteriormente acerca da importância de se ter em conta os diferentes momentos de planejamento, elaboração e publicação da coleção. Isso porque sua argumentação passa a exigir um maior esforço de contextualização. Algumas perguntas passam a rondar o texto: será que o termo resistência tinha o mesmo significado nos anos 1960, 1970, 1980 e 1990? E esse entendimento quanto ao termo em questão era compartilhado por todos os autores envolvidos na HGA? E quanto aos seus leitores? As respostas a essas perguntas implícitas serão articuladas pela costura dos argumentos, em especial pela ressalva de que a própria problematização teórica do conceito reforça a postura ideológica dos autores. As ideias de resistência presentes na coleção respondem a pressupostos epistemológicos, evidentemente, mas também políticos. O livro de Felipe representa um grande alerta contra o congelamento do conceito de resistência, que o afasta, frequentemente, da percepção de processo e das complexas relações entre a história vivida e a história contada, entre o passado, o presente e os projetos para o futuro. O que, em certa medida, providencia um sentido único de resistência. Nada mais tranquilizador para aqueles que concebem uma visão binária do colonialismo, opondo automaticamente oprimidos e opressores. O problema é que, dessa forma, o conceito se afasta da história. As ideias aqui apresentadas não buscam resumir ou dialogar com o livro que segue. Minha pretensão é tão somente a de instigar o leitor a percorrer as páginas que tem pela frente. Felipe Paiva o irá conduzir de forma agradável e inteligente, como tem sido comum em seus textos. Mas não espere o leitor por recuos e tangenciamentos. A redação de Felipe é incisiva, e seus argumentos são preciosamente articulados. Por tudo isso, a leitura deste 15


livro é um exercício importante para todos aqueles que se aventuram pela História da África. Marcelo Bittencourt Professor de História da África da Universidade Federal Fluminense

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