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A lĂngua portuguesa no Brasil e em Portugal
Universidade Federal Fluminense REITOR Sidney Luiz de Matos Mello VICE-REITOR Antonio Claudio Lucas da Nóbrega
Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense CONSELHO EDITORIAL Aníbal Francisco Alves Bragança (presidente) Antônio Amaral Serra Carlos Walter Porto-Gonçalves Charles Freitas Pessanha Guilherme Pereira das Neves João Luiz Vieira Laura Cavalcante Padilha Luiz de Gonzaga Gawryszewski Marlice Nazareth Soares de Azevedo Nanci Gonçalves da Nóbrega Roberto Kant de Lima Túlio Batista Franco DIRETOR Aníbal Francisco Alves Bragança
Eduardo Kenedy
A língua portuguesa no Brasil e em Portugal o caso das orações relativas
Copyright © 2016 Eduardo Kenedy Copyright © 2017 Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense
Coleção Biblioteca, 86
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da editora.
Direitos desta edição cedidos à Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense Rua Miguel de Frias, 9, anexo/sobreloja - Icaraí - Niterói - RJ CEP 24220-008 - Brasil Tel.: +55 21 2629-5287 www.eduff.uff.br - faleconosco@eduff.uff.br Impresso no Brasil, 2017 Foi feito o depósito legal.
Abreviaturas e termos técnicos QUADRO I – ABREVIATURAS ABREVIATURAS
PORTUGUÊS
INGLÊS
APP
The Antinaturality of PiedHipótese da piping in Relative Clauses Antinaturalidade de Piedpiping em Orações Relativas Hypothesis
CH
Cadeia
Chain
CHL
Sistema Computacional da Linguagem Humana
Human Language Computational System
CP
Sintagma do Complementador
Complementizer Phrase
D
Determinante
Determiner
DP
Sintagma Determinante
Determiner Phrase
[e]
Categoria Vazia
Empty Category
EPP
Princípio da Projeção Estendido
Extended Projection Principle
FI
Interpretação Plena
Full Interpretation
FL
Faculdade da Linguagem
Human Language Faculty
LCA
Axioma da Correspondência Linear Correspondence Axiom Linear
LEX
Léxico
Lexicon
LF
Forma Lógica
Logical Form
N
Nome
Noun
NP
Sintagma Nominal
Noun Phrase
N(UM)
Numeração
Numeration
OP
Operador
Operator
P
Preposição
Preposition
PF
Forma Fonética
Phonetic Form
PM
Programa Minimalista
Minimalist Program
PP
Sintagma Preposicional
Prepositional Phrase
P&P
Teoria dos Princípios e Parâmetros
Principles and Parameters Theory
Ppp
Carreamento da preposição
Prepositional pied-piping
Pst
Abandono da preposição
Prepositional-stranding
Spec
Especificador
Specifier
[t]
Vestígio
Trace
PB
Português Brasileiro
Brazilian Portuguese
PE
Português Europeu
European Portuguese
TP
Sintagma Temporal
Temporal Phrase
Traços-φ
Traços-fi
Phi-Features
TRL
Teoria da Regência e da Ligação
Government and Biding Theory
UG
Gramática Universal
Universal Grammar
V
Verbo
Verb
VP
Sintagma Verbal
Verb Phrase
wh-
Elemento qu-
wh-
QUADRO II – TERMOS TÉCNICOS INGLÊS
PORTUGUÊS
Agree
Concordar
Chain
Cadeia
Chain Reduction
Redução de Cadeia
Convergence Principle
Princípio de Convergência (Move F)
Core-grammar
Gramática Nuclear
Copy
Copiar
Delete
Apagar
D-Structure
Estrutura Profunda
Form Chain
Formar Cadeia
Last Resort
Último Recurso
Look Ahead
Olhar à Frente
Merge
Concatenar
Move
Mover
Move F
Mover Traços
Pied-piping
Carreamento da preposição
Preposition-stranding
Abandono da Preposição
Pro
Pro - Categoria [+pronominal, - anafórica]
Pro-drop
Sujeito Nulo
Raising
Alçamento
Select
Selecionar
Spell-Out
Bifurcar/Pronunciar
Stranding
Abandono de item
Wh-movement
Movimento de qu-
Sumário Prefácio, 13 Apresentação, 15 Agradecimentos, 21 Introdução, 25 Capítulo I: A antinaturalidade de PPP em orações relativas, 39 Introdução, 39 O Programa Minimalista, 42 O design de FL, 45 Condições de legibilidade, 48 Condições de economia, 51 Derivações em competição, 52 Numeração, 54 Merge over Move, 57 Fase e subarranjos, 60 Move F, 63 O caso das relativas preposicionadas, 66 O problema da língua inglesa, 71 O problema da língua portuguesa, 75 O problema da Aprendibilidade, 77 A hipótese da antinaturalidade de pied-piping em orações relativas (APP), 79 A derivação de cortadoras e resumptivas, 81 Conclusões, 85 Capítulo II: Evidências em favor da APP, 87 Introdução, 87 Evidências do inglês, 90 Sujeitos, 91 Materiais, 92 Primeiro experimento, 93 Procedimentos, 93 Resultados, 95
Segundo experimento, 96 Procedimentos, 97 Resultados, 98 Discussão, 99 Evidências do francês, 100 Sujeitos, 101 Materiais, 101 Procedimentos, 101 Resultados, 102 Discussão, 103 Evidências do espanhol, 104 Sujeitos, 105 Materiais, 105 Procedimentos, 106 Resultados, 107 Discussão, 107 Evidências de outras línguas, 108 Discussão geral, 109 O português: caso-problema, 110 Conclusões, 114 Capítulo III: O caso da Língua Portuguesa, 115 Introdução, 115 Descrição tradicional do PE, 117 Variação nas relativas do PE, 121 Peres e Móia (1995), 121 Alexandre (2000), 123 Arin, Ramilo e Freitas (2005), 127 Variação nas relativas do PB, 129 Tarallo (1983), 131 Corrêa (1998), 135 Varejão (2006), 139 Conclusões, 142
Capítulo IV: Testagem experimental da APP, 145 Introdução, 145 Experimento I – Julgamento imediato de gramaticalidade, 149 Método, 154 Participantes, 154 Sujeitos do PE, 154 Sujeitos do PB, 155 Materiais, 155 Procedimentos, 157 Resultados, 159 Dados do PE, 159 Dados do PB, 162 Discussão, 164 Experimento II – Leitura automonitorada, 167 Método, 171 Participantes, 172 Sujeitos do PE, 172 Sujeitos do PB, 173 Materiais, 174 Procedimentos, 175 Resultados, 176 Dados do PE, 176 Ensino fundamental, 176 Ensino médio, 178 Ensino superior, 179 Dados do PB, 181 Nível fundamental, 181 Nível médio, 182 Nível superior, 184 Discussão, 185 Experimento III – Julgamento de gramaticalidade com analfabetos, 188 Método, 189 Participantes, 190 Materiais, 191
Procedimentos, 191 Resultados, 193 Discussão, 193 Conclusões, 195 Considerações finais, 199 Referências, 207 Apêndices, 217 Anexo – Relativas cortadoras do corpus de referência do português contemporâneo – oral (CRPC), 243
Prefácio Marcus Maia (UFRJ/CNPq) O presente livro apresenta, ao público universitário brasileiro e aos leitores em geral, uma versão resumida da tese de doutoramento de Eduardo Kenedy, defendida no Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob a minha orientação, em 2007. A pesquisa sobre as orações relativas em português levou Eduardo a Portugal, onde desenvolveu, sob a supervisão da professora Armanda Costa, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, experimentos psicolinguísticos de julgamento imediato de gramaticalidade e de leitura automonitorada comparativos aos que já havia aplicado na UFRJ e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde então lecionava, em escolas de Ensino Básico do Rio de Janeiro e também com brasileiros analfabetos. Posso afirmar sobre este trabalho que é, se não o primeiro, um dos primeiros e melhores estudos na área de Sintaxe Experimental, no Brasil. A Sintaxe Experimental, que conjuga o pensar sintático com o pensar experimental, fazendo dialogar produtivamente a Linguística Teórica e a Psicolinguística, requer, como toda disciplina de interface nas Ciências Cognitivas contemporâneas, que se domine com maestria os dois campos, para poder conjugá-los harmoniosamente. É exatamente o que o leitor encontra no livro que agora tem em mãos – um exercício exemplar de Sintaxe Experimental, que impacta positivamente a Teoria Linguística, os estudos de Processamento de Frases e, como um bônus adicional, os estudos de descrição do português. O primeiro capítulo, leitura obrigatória, recomendada sempre a todos os meus alunos, costumava ser a melhor introdução ao Programa Minimalista de Noam Chomsky disponível em língua portuguesa, só competindo hoje com outra criação do Eduardo, o seu Curso Básico de Linguística Gerativa, que acaba de sair pela Editora Contexto (2013) e que deverá se tornar best seller no ensino da Teoria Gerativa, no Brasil. O segundo 13
capítulo revê a literatura relevante sobre orações relativas, em várias línguas, com clareza rara de se encontrar na academia. O terceiro capítulo se debruça com lógica irretocável sobre o fenômeno em exame em português, fazendo contribuições importantes para a sua descrição. Finalmente, o capítulo quatro apresenta o conjunto experimental, que demonstra quase matematicamente como as contradições encontradas nas análises baseadas em corpora podem ser superadas pela Psicolinguística Experimental. Por tudo isso, a presente publicação é, sem dúvida alguma, um marco importante na Linguística em nosso país e é com grande orgulho que compartilho, agora, com você, leitor, o prazer que tive de acompanhar de perto o seu desenvolvimento. Fevereiro de 2014 Professor Dr. Marcus Maia (UFRJ/CNPq)
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Apresentação A língua portuguesa falada no Brasil é, como sabemos muitos de nós, muito diferente daquela usada por nossos patrícios em Portugal. A mais evidente dessas diferenças encontra-se no campo fonológico: os portugueses possuem uma pronúncia eminentemente consonântica, conferindo às palavras uma articulação assilábica de difícil percepção acústica aos brasileiros, que constroem sílabas com muito mais nítida produção de vogais. Também em relação ao léxico há grandes diferenças entre as duas modalidades do português. Por aqui, herdamos milhares de palavras de origem africana e indígena que compõem o nosso vocabulário do dia a dia, as quais, apenas timidamente, por meio da televisão – sobretudo por conta do sucesso das novelas brasileiras nas terras de Pedro Álvares Cabral –, tornam-se conhecidas pelos portugueses. Além disso, ao longo dos séculos XIX, XX e XXI, nós brasileiros importamos fartamente palavras do francês e do inglês, algo que não acontece com facilidade em terras lusitanas. Não obstante, é no domínio da morfossintaxe que as diferenças entre a realidade da língua portuguesa lá e cá são menos evidentes. Muitos aspectos da concordância verbo-nominal, da seleção de clíticos verbais, da ordenação de constituintes na sentença, da produtividade da topicalização, da pronominalização de sujeitos e de objetos e de outros fartos fenômenos gramaticais ocupam a atenção de linguistas que dedicam suas carreiras a comparar a língua portuguesa na Europa com a sua versão na América do Sul. Ao contrário do que ocorre com as distinções fonológicas e lexicais, as diferenças morfossintáticas entre o português do Brasil e o de Portugal não são percebidas conscientemente pelo falante comum. É por essa razão que o trabalho do linguista se torna importante. Esse profissional da linguagem deverá identificar, descrever e explicar os fenômenos gramaticais que separam a realidade da língua nos dois países – a ponto de indicar se e quando as diferenças já são tais que se torna possível falar na existência de duas línguas independentes, ainda que historicamente relacionadas. Com efeito, 15
alguns linguistas defendem a ideia de que esse grito de independência já tenha acontecido (veja-se, por exemplo, o popular trabalho de Marcos Bagno (2001, 2011), professor da Universidade de Brasília (UnB)), muito embora a maioria dos estudiosos prefira indicar que ainda falamos a língua portuguesa por aqui, a qual de fato se distingue significativamente de sua irmã mais velha europeia (veja-se, para citar apenas publicações recentes, as gramáticas de Ataliba de Castilho (2010), professor da Universidade de São Paulo (USP), e de Mário Perini (2010), professor da Universidade Federal de Minas Gerais). A única unanimidade entre os linguistas é que devemos sempre incluir o modificador brasileiro/do Brasil ao falar da língua portuguesa usada em nosso país: o português brasileiro, o português do Brasil (como aliás, o fazem orgulhosamente, há tempos, os estadunidenses em relação a suas especificidades do inglês). Se o português brasileiro possui suas especificidades na fonologia, no léxico e na morfossintaxe, de modo a se distinguir nitidamente do português europeu, devemos ficar curiosos a respeito das origens e das motivações para essas diferenças. Afinal, que fatores da história da língua portuguesa no Brasil propiciaram sua modificação em relação à sua origem lusitana? Sobre essa questão, os linguistas mais uma vez não são unânimes. Há aqueles que, como Dante Lucchesi (professor da Universidade Federal da Bahia), defendem a hipótese de que o português brasileiro tenha sido criado a partir de uma reformulação – chamada tecnicamente de crioulização – da língua portuguesa por meio da transmissão irregular, de geração para geração, entre os portugueses, os índios e os negros que viviam no Brasil ao longo do período de nossa colonização e eventualmente falavam diversas línguas distintas do português. Assim, a coexistência de línguas nativas (indígenas e africanas) e do português, no ambiente em que os primeiros “brasileiros” viveram durante os séculos iniciais de nossa história, teria precipitado o contexto em que o português se transformaria numa nova língua (um crioulo), com uma gramática diferente da língua portuguesa original. 16
Já outros linguistas, como Anthony Naro (professor da UFRJ) e Marta Scherre (professora da UnB), sustentam a hipótese de que as especificidades que hoje encontramos no português brasileiro já existiam, na verdade, no português europeu desde antes da descoberta do Brasil, no chamado período arcaico ou medieval da língua. Para esses estudiosos, o que teria acontecido com a língua em terras brasileiras seria primeiramente a preservação de características linguísticas do português medieval, perdidas na história moderna e contemporânea da língua em Portugal. Em segundo lugar, a deriva da língua no Brasil teria amplificado usos linguísticos não muito frequentes na língua padrão lisboeta: fenômenos que se mostravam como periféricos no português medieval, pelo menos com base naquilo que se pode deduzir dos registros escritos que nos sobraram, teriam passado, no Brasil, à condição de centro da gramática. É bem verdade que evidências fonológicas, deduzidas pelos sistemas de metrificação da poesia medieval portuguesa, e estudos dialetais de formas arcaicas que ainda subsistem na língua apontam para a possibilidade robusta de que o português brasileiro possua um caráter conservador quando comparado à língua hodierna de Portugal. Nesse sentido, os fatos que separam as duas modalidades da língua hoje podem dever-se mais a inovações ocorridas na língua em sua versão europeia do que a supostas criações dos falantes brasileiros desde a descoberta do Brasil. Isso quer dizer que, provavelmente, a língua portuguesa brasileira, em pleno século XXI, se pareça mais com a língua falada em Portugal nos anos de 1500 do que a língua falada pelos próprios portugueses nos dias atuais possa parecer com a sua língua há mais de 500 anos. Se Cabral ressuscitasse de repente, é provável que usasse uma gramática mais parecida com a de Carlos Drummond de Andrade do que com a de Fernando Pessoa. É isso o que sugere, por exemplo, o filme Desmundo, dirigido por Alan Fresnot, que, sob a supervisão de Helder Ferreira e Heitor Megale (ambos linguistas da USP), tentou recuperar, na fala dos atores, a pronúncia e a gramática do português quinhentista que desembarcou no Brasil. 17
O presente livro aborda um fenômeno gramatical que não é tão evidente a um público não especializado quanto o são a fonologia e o léxico, mas que supostamente também distingue a língua portuguesa no Brasil e em Portugal: o caso das orações relativas.1 Mais precisamente, o tema desta obra são as orações relativas que envolvem a presença (ou a supressão) de uma preposição – as chamadas relativas preposicionadas, por exemplo: (a) A coisa de que eu falei na semana passada; (b) A coisa que eu falei dela na semana passada; (c) A coisa que eu falei na semana passada. Como ao longo do livro se demonstrará, muitos linguistas importantes defendem a hipótese segundo a qual algumas dessas relativas são criações da língua portuguesa no Brasil, nomeadamente os exemplos (b) e (c), enquanto outras, como a do exemplo (a), pertencem à gramática lusitana, nos sendo pouco familiares e, por isso, temos por aqui dificuldade em aprender a usá-las. Durante os anos em que elaborou a tese de doutorado que deu origem ao presente livro, este autor saiu em busca de evidência empírica – e sobretudo experimental – em favor dessa hipótese: afinal, seriam as relativas do tipo (b) e (c) uma inovação do português brasileiro? Os resultados da pesquisa apontaram consistentemente, no entanto, para uma hipótese alternativa: os fenômenos linguísticos que existem nas orações relativas do português do Brasil existem também em Portugal e, mais do que isso, parecem existir em qualquer língua natural. Nesse sentido, este livro constitui evidência de que a língua portuguesa brasileira guarda, em sua gramática, muitas semelhanças com sua irmã lusitana – e isso de tal forma que, pelo menos no que diz respeito às orações relativas preposicionadas, não parece possível falar cientificamente de uma gramática brasileira e outra portuguesa. Tal achado, entretanto, certamente não aplacará os calorosos debates sobre as origens socio-históricas do português brasileiro e sobre as especificidades de nossa língua como principal veículo de nossa cultura única e nacional. Naturalmente, nem 1
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É normal conhecermos as orações relativas pela denominação desnecessariamente complexa utilizada em nossas escolas e gramáticas normativas: oração subordinada adjetiva restritiva.
é esse o objetivo do presente livro. Sua ambição é muito mais modesta: ele quer indicar que, na gramática das orações relativas, deve-se ter cuidado ao separar o que é natural, o que é artificial e o que é antinatural no uso real e cognitivamente motivado de uma língua. Ao fazermos essa separação, a gramática da relativização brasileira poderá não ser distinguível da lusitana, nem da de qualquer outra língua humana.
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