Discurso sobre alimentação nas enciclopédias do Brasil
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Phellipe Marcel da Silva Esteves
Discurso sobre alimentação nas enciclopédias do Brasil Império e Primeira República
Copyright © 2016 Phellipe Marcel da Silva Esteves Copyright © 2016 Eduff – Editora da Universidade Federal Fluminense
Série Nova Biblioteca, 30
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À Cícera (in memoriam) e à Yolanda, duas das maiores inspirações desta pesquisa e desta vida.
marcá-los, identificá-los, classificá-los, compará-los, colocá-los em ordem, em colunas, em tabelas, reuni-los e separá-los segundo critérios definidos, a fim de colocá-los no trabalho, a fim de instruí-los, de fazê-los sonhar ou delirar, de protegê-los e de vigiá-los, de levá-los à guerra e de lhes fazer filhos... Michel Pêcheux, “O discurso: estrutura ou acontecimento” (1983)
Sumário Prefácio – O Brasil na panela José Ribamar Bessa Freire | 13
Os sabores têm história | 17 Um prato em formação: social, ideológica, imaginária, discursiva | 25 Nas enciclopédias, aquilo que deve ser sabido e comido | 39 Saberes que fundam e saberes que apagam: comida nas enciclopédias brasileiras no século XIX | 79 Tesouros do conhecimento | 159 Deixando a conta em aberto | 249 Referências | 255
Prefácio
O Brasil na panela O Brasil inteiro cabe dentro dessa panela. Estão aqui todos os ingredientes e os condimentos em proporções equilibradas: receitas, temperos, cheiros, sabores, mas também saúde, higiene, festa, música, humor, literatura, hábitos de leitura, economia doméstica, divisão social do trabalho, classes sociais, relações de produção, poder político, o Brasil caipira, rural e urbano, o Brasil e a história dos sabores, o Brasil e suas identidades. Tudo isso está neste livro que você vai ler – Discurso sobre alimentação nas enciclopédias do Brasil: Império e Primeira República, de Phellipe Marcel da Silva Esteves, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Essa façanha só foi possível e essa receita só deu certo porque o autor encontrou um objeto de pesquisa, documentos pertinentes e os instrumentos adequados para analisá-los. O tema surgiu graças à atenção e ao carinho de duas avós que embaralharam narrativas, identidades e receitas. A vovó Yolanda, carioca, que descende de paraibanos e italianos, preparava os ensopadinhos e o doce de laranja-da-terra. A vovó Cícera, alagoana, que tem origem numa mistura de índios com franceses, preparava um cuscuz imbatível, pudim de pão e galinha retirada do galinheiro pouco antes de ir para a panela. Pronto. Foi daí que nasceu o tema, temperado pelas avós de tantos brasis: latino, índio, negro. Mas um tema sozinho não faz verão, mesmo que o pesquisador se entregue apaixonadamente a ele como foi o caso. 13
Faltavam os documentos e as ferramentas de análise. O autor, com gosto e vocação para a pesquisa, vasculhou os acervos da Biblioteca Nacional e da Academia Brasileira de Letras em busca de enciclopédias, localizando os verbetes sobre os alimentos ali recomendados e aqueles que foram silenciados e apagados e tudo aquilo que se considerava alimentação para o brasileiro. Encontrou rico material. Analisou prefácios, introduções, apresentações e notas dos editores na abertura das coletâneas, consultou rica bibliografia (inclusive a Carta de Pero Vaz de Caminha) e identificou os discursos sobre comida que circulam no Brasil nos livros de culinária, em almanaques, revistas, com o corpus de análise concentrado nas enciclopédias. E as ferramentas para a análise? O autor foi buscá-las no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal Fluminense, onde encontrou orientação segura que lhe deu os instrumentos conceituais e teóricos, especialmente no campo da Análise do Discurso (AD), complementando a busca na Université Paris 13. O livro se dirige não apenas aos especialistas da área, mas também a nós – eu e muitos leitores – que não somos especialistas em AD, com cuidado especial no primeiro capítulo para definir os conceitos usados na tentativa de apreender as filiações de sentido nas enciclopédias publicadas no período de 1863 a 1925 sobre a comida brasileira e entender em que medida tal operação ajuda a entender o Brasil e os brasileiros. O corte cronológico toma como ponto de partida uma das primeiras enciclopédias publicadas no Brasil – a Encyclopedia do riso e da galhofa em prosa e verso (1863) –, e outras enciclopédias identificadas como fundadoras e que permitem reconstruir a história dos sabores: a Encyclopedia popular (1879), que foi a primeira de divulgação científica em nosso país; a Encyclopedia e diccionario internacional (1920), que foi a primeira organizada em verbetes; o Thesouro da juventude, de 1925, a primeira a ser utilizada na educação infantil entre nós. Com esse material, o autor segue mostrando discursivamente como se dá, nas enciclopédias, a formação daquilo que vai sendo chamado de comida brasileira, não esquecendo de falar também sobre a constituição do sujeito brasileiro. Assim, passa 14
por muitos outros sentidos sobre comida e sujeito, abordando, por exemplo, como, apesar de haver um discurso geopolítico que “nacionaliza” sabores e comidas, há também um discurso médico, universal, para o qual algumas comidas e alguns ingredientes são básicos não só para um sujeito nacional, mas para toda a espécie humana. O perigo da universalização, da generalização, da redução do sujeito a uma espécie biológica. O livro ora prefaciado, ao falar sobre comida e alimentação, reflete muito sobre a história deste Brasil imenso que, se cabe na panela, não deixa de ter, dentro dela, conflitos, encontros, sabores e dissabores. Mas que dá um caldo, dá. José Ribamar Bessa Freire Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)
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