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Por um protocolo de leitura do epistolar


Universidade Federal Fluminense REITOR Sidney Luiz de Matos Mello VICE-REITOR Antonio Claudio Lucas da Nóbrega

Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense CONSELHO EDITORIAL Aníbal Francisco Alves Bragança (presidente) Antônio Amaral Serra Carlos Walter Porto-Gonçalves Charles Freitas Pessanha Guilherme Pereira das Neves João Luiz Vieira Laura Cavalcante Padilha Luiz de Gonzaga Gawryszewski Marlice Nazareth Soares de Azevedo Nanci Gonçalves da Nóbrega Roberto Kant de Lima Túlio Batista Franco DIRETOR Aníbal Francisco Alves Bragança


Vanessa Massoni da Rocha

Por um protocolo de leitura do epistolar


Copyright © 2016 Vanessa Massoni da Rocha Copyright © 2016 Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense

Série Nova Biblioteca, 16

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da editora.

Direitos desta edição cedidos à Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense Rua Miguel de Frias, 9, anexo/sobreloja - Icaraí - Niterói - RJ CEP 24220-008 - Brasil Tel.: +55 21 2629-5287 www.eduff.uff.br - faleconosco@eduff.uff.br Impresso no Brasil, 2017 Foi feito o depósito legal.


“É claro que estou sabendo da pouquíssima falta de inocência de uma carta”. Ana Cristina Cesar



Para Sergio e Nilryê Para André



Sumário Preâmbulo | 11 Apresentação | 15 A escrita de si e o gênero epistolar ou a arte de portar pantufas diante do espelho | 21 O dispositivo da resposta no fluxo epistolar: o jogo dos lugares na cenografia epistolográfica | 51 “A carta, queira-se ou não, também é literatura”: variações entre o ofício literário e a retórica da espontaneidade na arte epistolar | 83 Cartas: modos de usar | 123 A carta em sete faces | 161 O caráter encantatório das cartas na cena epistolográfica: sobre Hermes e “cartas sortilégios” | 183 Apontamentos sobre a prática epistolar no exílio: fronteiras, migrações e travessias textuais | 203 O fazer epistolar no cárcere: dados para uma retórica do confinamento e da libertação | 223 Interfaces entre correspondências e conflitos bélicos: por uma poética de sobrevivência, confissões e afetos | 237 Em busca dos cartófilos anônimos ou pela sobrevivência da escrita epistolar | 261 Referências | 277



Preâmbulo “Não, não quero ter sentimentalismo e, portanto, vou cortar o coitado implícito dessa moça. Mas tenho que anotar que Macabéa nunca recebera uma carta em sua vida.”

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Clarice Lispector, 1998

o definir a personagem principal de A hora da estrela, romance de Clarice Lispector, o narrador Rodrigo evidencia o fato de Macabéa nunca haver recebido uma carta e nos dá pistas para procurar entender os vínculos existentes entre a ausência de missivas e a personalidade da protagonista. Desse modo, apresenta-se a questão norteadora que aponta para o horizonte de expectativa do narrador e para o de seus leitores. Afinal, que elementos associamos às cartas e o que devemos depreender de seu não recebimento? Perguntando de outro modo: de que protocolo nos valemos para interpretar a não relação de personagens com cartas? O que o narrador explicitou – sem fazê-lo, de fato – quando definiu Macabéa por seu distanciamento da epistolografia? O narrador de Lispector considera, pela análise deste fragmento, que existe um imaginário coletivo cultural capaz de decodificar atrás da palavra “carta” toda a gama psicológica, afetiva, social que compõe a personagem. E mais do que isto, busca atribuir valor – e valor negativo – àqueles que não souberam se fazer lembrar e, portanto, merecer a escrita de cartas. Rodrigo parece sugerir certa pequenez a Macabéa e, neste sentido, o estudo dos paralelismos entre a escrita e o recebimento de missivas e os valores nelas contidos amplia consideravelmente a função fática que atribuímos às cartas. É pertinente ressaltarmos o extenso diálogo epistolar mantido entre Clarice Lispector e diversos interlocutores: irmãs, filhos, marido, a amiga Bluma Wainer e os escritores Fernando Sabino, Lúcio Cardoso, João Cabral de Melo Neto, Erico Verissimo, entre outros. De fato, Clarice apresentou enorme fôlego para as missivas como meio de estabelecer frágil contato com 11


amigos e familiares ao longo do período de exílio em companhia do marido diplomata. Para alguém que soube usufruir dos mecanismos epistolares para a manutenção de certa presença e para a renovação de vínculos afetivos, para alguém que reiterava o desejo de receber cartas, não nos parece ingênuo, tampouco apenas singela provocação, o fato de a escritora caracterizar sua personagem por seu – lamentável – “silêncio epistolar”. Certamente, Lispector se deixa acompanhar por diversos outros escritores que também vislumbram na relação com cartas uma maneira de apresentar e caracterizar seus personagens. Em seu livro infantil A velhinha que dava nome às coisas, Cynthia Rylant (1997, p. 4) (em tradução de Gilda de Aquino) define sua protagonista nomeada de Velhinha: “Ela sonhava em receber uma carta de alguém, mas tudo o que recebia eram contas.” Ora, Velhinha, tal como Macabéa, parece solitária e esquecida. Velhinha, contudo, deseja receber cartas, alimenta expectativas sempre que olha sua caixa de correspondências. Assim, parece-nos ainda mais frágil que Macabéa, pois possui a fragilidade dos que esperam em vão por uma carta que insiste em não chegar. Ao insistir um pouco mais sobre a complexidade de um protocolo de leitura epistolar, podemos fazer alguns comentários sobre o best-seller do americano Nicholas Sparks, traduzido em diversos países e que no início de 2010 conheceu uma versão cinematográfica. Na capa americana do livro Querido John, de 2006, há um envelope sobre o qual figuram o título e o nome do autor. Em 2010, no cartaz do filme, a sutileza do envelope cede espaço à frase “O que você faria com uma carta que mudasse tudo?”, que passaria a ocupar as capas das novas edições em inglês, bem como as edições em português e em francês, só para darmos alguns exemplos. A pergunta é encontrada facilmente abaixo do título, sendo imediata a percepção de sua presença como mote e, sobretudo, como subtítulo do romance. O livro vendeu mais de cinco milhões de cópias nos Estados Unidos e conquistou o primeiro lugar na lista dos mais vendidos no Brasil durante muitos meses, em 2011. Sendo assim, torna-se fundamental pensar de que maneira as cartas se apresentam

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como convite sedutor à curiosidade dos leitores contemporâneos, arrebatando ainda mais leitores do que o antigo envelope e o ainda presente vocativo Querido John. Logo, que lugar a carta ocupa no imaginário dos leitores para encontrarmos esta questão central em uma história onde a carta não ocupa o espaço que lhe fora concedido na capa? O que surpreende, aqui, é o fato de a carta mencionada no título apenas registrar o que o caminhar da intriga já sugeria ao leitor durante vários capítulos. O narrador não concede à carta o papel desconcertante, capaz de mudar o rumo dos personagens da história como prometido na leitura da capa. Desta maneira, que lugar e que valor possui a carta para ser usada como publicidade em dado romance de sucesso mundial que apenas lhe concede papel secundário? Apesar da aparente uniformidade, para o leitor ingênuo, as cartas possibilitam, igualmente, uma pluralidade de leituras: há textos que acolhem cartas, há cartas que se sucedem e compõem um texto. Há cartas-monólogo, cartas-diálogo, cartas de amor, de desamor, de ameaça, cartas-manifesto, cartas abertas, cartas bíblicas, cartas-poema, cartas-romance, cartas-ensaio, cartas caleidoscópio, cartas e mais cartas que se desdobram, cartas-palimpsesto que se inscrevem umas sobre as outras em uma espiral sem fim. Como identifica Alain Girard (1986, p. 20), “da carta de negócios à carta de amor, do bilhete passando à discussão que se trava entre amigos, existe toda uma gama de cartas tão diversas quanto a personalidade de seus signatários”. Neste sentido, Rodrigues Lobo (1990, p. 88), no texto A corte na aldeia (diálogo II – Da polícia e estilo das cartas missivas), afirma: “Não vos escandalizais, que tudo há nos homens e nas cartas.” Por fim, Matildes Demétrio dos Santos salienta a pluralidade desconcertante da epistolografia ao lembrar que: as cartas fogem a uma classificação sistemática, mas tal particularidade não depõe contra elas, ao contrário, as reconduz a um território amplo, onde elas participam, tranquilamente, da natureza da ficção, da memória, da autobiografia, do documento, do artigo literário, do teatro. (Santos, 1998, p. 73).

Em busca de um protocolo de leitura do epistolar, aceitamos as provocações do livro Novas cartas portuguesas, tanto 13


no que tange à brincadeira com Cartas portuguesas, quanto no que divulga a ideia de que a literatura nada mais é do que uma carta que lançamos para algum destinatário. Na primeira carta do livro escrito por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa encontramos esta promissora afirmação: Pois que toda literatura é uma longa carta a um interlocutor invisível, presente, possível ou futura paixão que liquidamos, alimentamos ou procuramos. E já foi dito que não interessa tanto o objeto, apenas pretexto, mas antes a paixão; e eu acrescento que não interessa tanto a paixão, apenas pretexto, mas antes o seu exercício. (Barreno; Horta; Costa, 1974, p. 9).

O que une e pode até confundir os limiares entre carta e literatura são suas predisposições para a escrita do “eu”, para o trabalho da escrita visto como bricolagem de técnica, de memória, de perda e de fluxos de consciência. Carta e literatura como instrumentos plenos do deslocamento e do estender as mãos para o outro: o leitor, o destinatário. Ambas levam junto a si o desejo de mudança, de transformação, de transgressão, de ruptura do silêncio. Podemos nos questionar sobre a escrita de uma carta como ato essencialmente ficcional. E, mais ainda, poderíamos definir a literatura como meio para a manifestação do desejo de correspondência, de troca, de sair e de voltar a si. Não seriam ambas o lugar da descoberta, da tagalerice, do jogo de escrita? Sabemos que a carta comporta procedimento formal mais canônico e rígido (data, assinatura, formas de saudação e de despedida, destinatário), ligado, sobretudo, ao tempo presente e a certo imediatismo. Talvez a liberdade desta longa carta que é a literatura seja o seu caminhar aberto e disponível por vários caminhos e atalhos, diferentes fazeres, formas e bricolagens.

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Apresentação

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urante as pesquisas sobre os protocolos do epistolar, descobrimos, com surpresa, certo ineditismo desse tema de estudo. Nas compilações e estudos encontrados, poucos elementos acenavam com o delineamento de uma estética epistolar autônoma e não centrada em certo missivista. De fato, os estudos acadêmicos já feitos sobre o assunto parecem percorrer dois caminhos: ou se analisa a correspondência de um determinado epistológrafo ou se utiliza a correspondência como espécie de apêndice para o desejo de se estudar algum escritor ou artista missivista. Na segunda situação, parece prevalecer a ideia de carta como pretexto, como ilustração, elemento a mais na busca de um objetivo outro que não o da epistolografia. Poucas exceções promovem a correspondência ao centro do palco da academia, vislumbrando-a em seu protagonismo enquanto fala singular de seu autor. Nossa atenção se voltou para o estudo do epistolar em sua plenitude, tratamos de convidá-lo para atuar como personagem principal a fim de encená-lo em suas facetas e dispositivos. Nesta perspectiva, as performances textuais de diferentes missivistas e de romances epistolares se cotejam em análise que contempla fundamentalmente as produções no âmbito dos séculos XX e XXI. Parece haver poucos trabalhos acadêmicos que contemplem a escrita epistolar, sobretudo a escrita produzida na contemporaneidade. Nosso objetivo consiste em prolongar este diálogo epistolar, buscando caminhar com passos mais firmes e largos neste sentido promissor e ainda pouco explorado no intuito de contribuir para as reflexões no âmbito das correspondências. No senso comum, parece prevalecer a impressão de que a epistolografia remete apenas aos séculos XVII e XVIII, momentos áureos do dialogismo através de cartas. No que concerne à história brasileira, é preciso lembrar o fato de que o português Pero Vaz de Caminha, sob as ordens do rei português D. Manuel, descreveu nosso país. A carta se mostrou o documento de batismo brasileiro. Não por acaso são numerosos os estudos 15


de cartas ligados ao descobrimento e ao período colonial nos estudos históricos. Pretendemos deslocar a análise de missivas do plano histórico para os planos literário e teórico enquanto prática discursiva, memorial, analítica, confessional e fragmentada do “eu” em direção ao destinatário. Se, por um lado, propomos certo prolongamento do estudo epistolar, descentralizando-o da prática histórica, por outro, procuramos evitar a armadilha de nos limitarmos à crítica genética. Na França, apenas a título de exemplo, figura o Grupo ITEM, cuja sigla se refere ao Instituto de Textos & Manuscritos Modernos. Centrado na crítica genética, o instituto reúne pesquisadores de diferentes países que se dedicam a compilar materiais dispersos que possam contribuir com leitura de determinados textos bem como de seus produtores. O grupo se define: Antes de tudo, trata-se de reunir traços materiais dos processos de criação literária (agendas de escritores, rascunhos, provas corrigidas...), de colocá-los em relação uns com os outros e com as obras resultantes deste processo e, principalmente, de ordená-los em uma sequência cronológica refletindo os estágios de elaboração textual. (Item, 2013).

Em sintonia com esta ideia, Walnice Galvão (2008, p. 18) afirma que o boom editorial da epistolografia e o crescente interesse dos estudos literários sobre o tema se inscrevem na ideia da carta vista como “paratexto” e associada, sobretudo, à crítica genética. Interessa-nos, particularmente, propor novo impulso às análises sobre o epistolar, iluminando-as com textos mais recentes que, ao mesmo tempo, dialogam com textos já canônicos e deles se afastam. De alguma forma, busca-se observar de que maneira a escrita epistolar envelheceu, como ela se renovou e de que modo ela experimenta e reflete o grande esvaziamento de sua prática. Em sintonia com a pulverização do exercício epistolar cotidiano, experimentamos no presente certo sentimento de viuvez, de perda, de desejo de nos voltarmos contra o desaparecimento deste exercício de escrita e de deslocamento. Certamente, a percepção da agonia epistolar acaba por arrebatar

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missivistas e amantes da epistolografia para os quais tal prática precisa ser aclamada, dita, estudada, reinventada. Desejamos valorizar a carta em suas facetas, privilegiar as histórias corriqueiras, os caminhos da escrita, a espera da resposta. Recusamos o estudo de cartas como leituras complementares de outras obras, como curiosidades. Nosso objetivo consiste em nos debruçarmos sobre as missivas para, a partir dos mais diversos elementos, avançarmos na direção de seu protocolo de leitura. Assim, as cartas se revelam o meio e o fim de nossas investigações. O escritor colombiano Hector Abad propõe no romance A ausência que seremos uma metáfora das variadas facetas humanas ao analisar cada face de um cubo. De acordo com Abad: há uma face que todos podem ver (a de cima); faces que alguns podem ver e outras não e, se nos esforçarmos, nós também poderemos ver (as dos lados); uma face que só nós vemos (a que está diante de nossos olhos); outra face que só os outros veem (a que está diante deles); e uma face oculta para todos, para os outros e para nós mesmos (a face de baixo, em que o cubo está apoiado. (Abad, 2011, p. 261).

Talvez este estudo se arrisque a examinar a parte mais oculta deste cubo, iluminando-a com a perspectiva de novos olhares e novo lugar de valor estético. Em outras palavras, buscaremos reunir uma infinidade de textos envolvidos com a prática epistolar para propor um protocolo de leitura desta arte. Protocolo de leitura que esboçamos a partir da observação de situações e elementos recorrentes na epistolografia e que entendemos ser o cerimonial, o conjunto de ações reiteradas, a série de dados normativos que caracterizam e abalizam tal prática. Dito de outra maneira, a formalidade, o rigor das noções a serem levadas em conta tanto por remetentes quanto por destinatários no âmbito da correspondência. A ideia de protocolo nos remete, igualmente, a determinado jogo artístico cujas regras, nuanças e mecanismos devem ser conhecidos, respeitados e colocados em prática pelos missivistas. Neste sentido, nos faremos acompanhar pela frase-síntese de Ana Cristina Cesar (1999a, p. 238) que confessa: “É claro 17


que estou sabendo da pouquíssima falta de inocência de uma carta” e pela afirmação de Charles Bukowski (2011b, p. 202) para quem “as pessoas em geral são muito melhores por carta que em carne em osso”. Ora, os dois autores contribuem plenamente para o estudo que empreendemos ao iluminar o processo reflexivo de criação e de elaboração presente na escrita de missivas. Eles realçam a experiência epistolar enquanto prática vinculada à reinvenção consciente de si que questiona e enfraquece os preceitos de espontaneidade, de inocência e de verdade que caracterizam – no senso comum – o epistolar. Mais uma vez, corrobora-se o jogo epistolar, inserido em um sistema de regras e rituais nada ingênuos eleitos pelo missivista para a criação de seu retrato, de suas facetas sociais. Logo, os interlocutores tiram partido da proteção assegurada pela folha de papel para se colorirem e se descortinarem com as cores que melhor lhe parecem aos olhos do outro e de si mesmo. Trata-se, deste modo, de representação escrita, de elaboração memorialística capaz de melhorar traços, minimizar defeitos e reiterar determinadas características nesta empreitada intimista, artística e performática. Pretendemos, igualmente, reconhecer e delimitar alguns destes dispositivos que definem e singularizaram a empreitada epistolar das demais escritas de cunho autobiográfico. Buscaremos nos ater à tessitura deste diálogo tácito empreendido à distância no qual um dos interlocutores convoca o outro para um processo de escrita de cunho intimista voltado para o desvendamento pessoal e para a autoanálise. Certamente, as correspondências de diversos escritores brasileiros contemporâneos despontam como elemento de nosso corpus de análise. Contudo, para melhor apreendermos as facetas plurais do epistolar, procuramos aproximar uma variada gama de correspondências de modo a tentar mapear, com a maior amplitude possível, as publicações mais recentes no âmbito da epistolografia. Assim, em busca da fuga ao reducionismo contra o qual tentamos nos levantar, corremos o risco de facilmente nos perdermos na pluralidade e nas especificidades das obras que acolhemos em nossas leituras de missivas. De fato, a abrangência nos convida a caminhos desviantes, à profu-

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são sortida de práticas e ao transbordamento. Sob o rótulo da correspondência desfilam textos diversos que contribuem significativamente para a compreensão dos mecanismos do fazer epistolar. Assim, buscamos nos valer de elementos de diferentes textos epistolares para propor o mosaico mais completo possível de estratégias e protocolos no campo das correspondências. Logo, sem esquecer os textos canônicos, contemplamos textos epistolares integrantes tanto do campo da literatura quanto da correspondência pessoal e da cinematografia. Textos de diferentes valores literários e destinados a variados públicos leitores – à revelia de suas diferenças – se entrelaçam graças a suas contribuições peculiares para a compreensão da prática epistolar. Romances epistolares, romances ou demais gêneros literários que acolhem cartas, obras infanto-juvenis, canções e correspondências de artistas tanto brasileiros quanto estrangeiros se unem nesta miscelânea provocativa. Estamos em busca dos pontos de contato, de interseção e também de pontos que se repelem e se contradizem. Acreditamos que o protocolo de leitura do epistolar nasça tão somente da fricção de diferentes manifestações epistolográficas. E, cientes do risco, caminhamos em direção à promoção do atrito e da aproximação de epístolas de variadas tipologias e autores. Tal desafio remete, igualmente, à opção metodológica de nos apropriarmos de diversas exemplificações. Isto se justifica pelo entendimento de que a formulação do protocolo de leitura deve buscar seus fundamentos tanto nas produções existentes quanto em estudos teóricos. Talvez grande parte do ineditismo deste estudo empreendido repouse no fato de que as próprias correspondências são valorizadas em sua capacidade para contribuir para a enumeração de dispositivos recorrentes. Os próprios textos se oferecem como metatextos e como pistas teóricas que acreditamos ser de grande valia para nossas análises.

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