Formação SUStentada
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Marcos Alex Mendes da Silva Efigênia Ferreira e Ferreira (org.)
Formação SUStentada Educação odontológica para e pelo Sistema Único de Saúde
Copyright © 2016 Marcos Alex Mendes da Silva, Efigênia Ferreira e Ferreira Copyright © 2016 Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense
Série Nova Biblioteca, 32
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Sumário Prefácio | 7 Introdução | 11 Aspectos históricos da educação na área de saúde e da formação profissional | 19
Os ambientes de formação profissional na área de saúde e a valorização da Atenção Primária à Saúde como campo de aprendizagem | 27 O processo de ensino-aprendizagem e a diversificação dos cenários de prática – por que inovar? | 33 Referências | 40
A formação profissional no campo da Odontologia: do ensinar ao educar | 43
A trajetória do ensino odontológico e as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação | 43 A diversificação dos cenários de prática – os estágios supervisionados curriculares e o Projeto Vivências e Estágios na Realidade do SUS – o VER-SUS | 58 Referências | 67
As iniciativas de incentivo à reorientação da formação profissional em Odontologia nos cenários do SUS | 69
O Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde – Pró-Saúde – e a diversificação dos cenários de prática | 78 O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET Saúde e a pesquisa nos cenários de prática | 88 O componente GraduaCEO do Programa Brasil Sorridente e a aprendizagem nos Centros de Especialidades Odontológicas | 97 Referências | 104
Contribuições da educação interprofissional ao processo de reorientação da formação dos profissionais de saúde no Brasil | 109
A educação interprofissional enquanto base teórica e metodológica para a formação profissional em saúde e os desafios para sua efetivação | 109 Teorias e estratégias de aprendizagem que sustentam a efetivação da Educação Interprofissional | 117 A Reorientação da Formação Profissional em Saúde no Brasil: perspectivas da Educação Interprofissional assumidas no percurso histórico | 123 Referências | 129
Considerações finais | 133 Sobre os autores | 137
Prefácio
A
busca de uma relação efetiva entre o ensino e os serviços não é novidade na educação odontológica no Brasil. Desde os primeiros contatos entre as duas vertentes, ficou claro que o caminho a ser trilhado não seria fácil. E o curso da história mostrou que isso era real. De ambos os lados havia obstáculos que precisavam ser superados, alguns de natureza conceitual, outros de fundo ideológico, mas todos surgiam como dificultadores de um processo de aproximação que parecia normal. O estabelecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, aparecia como um fato novo na superação de algumas barreiras, já que a Constituição previa que caberia ao Sistema o ordenamento da formação dos recursos humanos da saúde. Infelizmente, isso não ocorreu na prática. Nossa herança histórica traz problemas de natureza ideológica, sociológica e política que se antepõe a trabalhar com conceitos mais abrangentes, tais como os exigidos na aproximação entre a saúde e a educação. Na Odontologia, em particular, o viés da clínica privada e o trabalho individual sempre dominaram os currículos de estudo, sendo o trabalho nas clínicas de ensino bastante enfatizado nesse sentido. Cabiam às disciplinas e aos professores da área de Saúde Coletiva mostrar “alternativas” do mercado de trabalho. As constantes divergências de conceitos e opiniões entre o “núcleo duro” da clínica e a área social colocavam o estudante numa perplexidade conceitual quase sempre difícil de ser superada durante o período de graduação. Na visão de um significativo segmento de docentes e dirigentes de nossas instituições de ensino, a aproximação com os 7
serviços e a formação profissional aberta para a perspectiva de trabalhar no SUS seria uma redução e um empobrecimento de seus objetivos educacionais mais “nobres”. Ou seja, prevalece a visão comum, com perspectiva social e profissional questionáveis, de que isso seria a tradução de uma formação voltada para atender pessoas de baixa renda e enfrentar problemas estruturais diversos, além da suposta baixa credibilidade de um Sistema que estaria inexoravelmente condenado às insuficiências da esfera pública brasileira. Entender a complexidade do sistema de saúde brasileiro, com seus diferentes cenários e atores, parece ser o ponto de partida para o enfrentamento dessa situação. Dentro da complexidade atual do mercado de trabalho, não podemos imaginar a preparação dos nossos egressos sem considerar sua atuação profissional no serviço público, na Odontologia de grupo, nos convênios e credenciamentos próprios e de terceiros e na clínica privada, na qual a atividade liberal está cada vez mais restrita. O entendimento desse sistema complexo pode ajudar a superar obstáculos para a formação mais humana e com responsabilidade social, sem deixar de lado a excelência técnica. A extensão sempre foi considerada uma atividade secundária e até marginal no meio universitário brasileiro. Na grande maioria das Universidades e Faculdades, o tripé ensino-pesquisa-extensão sempre apareceu fragmentado nos organogramas e na prática, com o ensino e a pesquisa formando um núcleo separado da extensão, cujas atividades, na maioria das vezes, não tinham qualquer relação com as outras duas áreas. A situação dos estágios não foi diferente. Demorou muito para que as instituições de ensino superior entendessem sua importância na formação acadêmica. A regulamentação do estágio foi um marco importante e permitiu sua consolidação como uma atividade didática incluída gradativamente no Plano Político-Pedagógico. A implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e o amplo leque de Programas instituídos nos últimos anos da parceria entre os Ministérios da Saúde e da Educação 8
cimentou os caminhos para a mudança de paradigma tanto na educação universitária como nos serviços de saúde. As DCNs valorizam, além da excelência técnica, a relevância social das ações de saúde e do próprio ensino. Isso influencia na formação de profissionais capazes de prestar uma atenção integral mais humanizada, trabalhar em equipe e compreender melhor a realidade em que vive a população. A Política Nacional de Saúde Bucal – Brasil Sorridente – trouxe em seu bojo um novo arcabouço dos serviços, ampliando a cobertura e introduzindo novas ações terapêuticas, procurando deter a prática radical que, durante anos, caracterizou a Odontologia de Saúde Pública brasileira. Dentro dessa nova concepção, a preparação e a absorção dos novos profissionais exigirá um rearranjo de conceitos e concepções, tanto no ensino como no serviço. O atendimento integral ao paciente exige que se trabalhe de maneira interdisciplinar e multiprofissional, focando sua atenção na promoção da saúde e no controle das doenças. A “cultura da produção”, que contamina os ambientes de ensino e trabalho, terá de ser revista. A exigência do trabalho mínimo nas clínicas de ensino e a política da produtividade numérica induzem a realização de procedimentos desnecessários. Nesse novo cenário apareceram os Programas de aproximação do ensino com os serviços, a exemplo do Pro-Saúde, do Pet Saúde, do VER-SUS e do Gradua CEO, que deram oportunidade às Instituições de Ensino Superior de formular propostas, recebendo, em contrapartida, o financiamento dessas ações. As perspectivas de tais estratégias são bastante promissoras, mas o sucesso delas vai depender de manutenção por um bom período de tempo, até que as Instituições de Ensino Superior (IES) absorvam a ideia como uma política de educação universitária moderna e eficiente. É nesse terreno difícil, muitas vezes arenoso e pouco fértil, que os organizadores e colaboradores desta obra, todos profissionais de reconhecida competência em serviço, ensino e pesquisa, decidiram enfrentar os desafios de temas pouco abor9
dados na educação e nos serviços. Em particular, a vivência do trabalho nos serviços, aliada à experiência docente, à coordenação pedagógica e de estágios, ao trabalho na pós-graduação e em pesquisa, além da ampla busca da literatura, permitiu aos organizadores trabalhar conceitos, contextualizar a teoria e a prática e jogar novas luzes sobre um assunto nem sempre fácil de ser abordado. Esta obra é o resultado de um trabalho sério e profundo, que veio no momento oportuno para enriquecer a literatura odontológica brasileira. Léo Kriger Professor de Odontologia em Saúde Coletiva da UFPR, PUC-PR e Universidade Tuiuti. Coordenador de Saúde Bucal do Estado do Paraná, diretor da Escola de Saúde Pública do Estado do Paraná e presidente da Comissão de Ensino da Associação Brasileira de Ensino Odontológico
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Introdução Marcos Alex Mendes da Silva
C
ompreender o paradoxo entre a evolução tecnológica e as condições da saúde bucal da população brasileira como um dos fenômenos que demonstra a limitação e a inadequação da abordagem mecanicista e individualista do processo saúde/doença, pautada na consequência da doença e não em seus determinantes biológicos e sociais, tem sido uma grande inquietação. Entendo que foram essas as características do ensino que acompanharam durante anos a formação profissional do graduando em odontologia, até que as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de 2002 sinalizassem uma mudança de perfil do profissional, incluindo novos e fundamentais aspectos em sua formação. Com essa nova proposta das DCNs, passou-se a buscar como egresso um profissional generalista, humanista, crítico e com capacidade reflexiva sobre processos e métodos de atuação, o que implicou em mudanças sensíveis na forma de ensinar, levando-nos a refletir a respeito das formas e dos métodos por nós adotados no ambiente acadêmico. Passamos por várias etapas no ensino odontológico. Em uma delas o aprendizado do estudante se dava exclusivamente pela observação da prática profissional, sem a necessidade de compromisso com os conteúdos científicos teóricos para sustentá-la. Enfim, chegamos ao modelo de regulação do ensino e à instituição das escolas formais no Brasil, que aproximaram formalmente teoria e prática, inicialmente no formato de aprendizagem conhecida como “mestre/aprendiz”. 11
Com o passar do tempo, a aprendizagem odontológica começou a evoluir e nós, docentes, a caminhar das práticas pedagógicas passivas em busca de instrumentos mais motivadores e significativos para a aprendizagem de nossos estudantes e, com isso, a nos questionar sobre a forma como lidávamos com o conhecimento diante de uma realidade nova. A publicação das DCNs para os cursos de graduação em odontologia apontaram uma inovação pedagógica, ao sugerir a incorporação de novos cenários de formação, tendo em vista também o desejo pelo aumento da qualidade das ações do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio de profissionais mais preparados para atender as suas demandas. E foi nesse contexto de transição que me tornei professor. Aceitei o desafio de implantar os estágios curriculares supervisionados no curso de odontologia do Centro de Ensino Superior de Valença (CESVA), no sul do estado do Rio de Janeiro, mantido pela Fundação Dom André Arcoverde (FAA), com uma colega também recém-chegada à instituição de ensino. Durante anos pude acompanhar a inserção dos estudantes nas unidades de saúde do município de Valença, estimulando a relação entre a instituição de ensino superior (IES) e os serviços públicos municipais de saúde bucal, no qual também havia atuado como cirurgião-dentista por dez anos. Nos anos seguintes ao início do estágio supervisionado dos estudantes de odontologia, de forma concomitante, pude acompanhar a aprendizagem em serviço dos estudantes do curso de odontologia do vizinho município de Vassouras, vinculados à Universidade Severino Sombra (USS). Observei diretamente a diversificação de cenários de prática adotada a partir da mudança curricular pela qual o curso passou nos anos de 2005/2006, e sedimentada nos anos seguintes, quando assumi a coordenação do curso. Em 2009, ingressei no Programa de Pós-Graduação em Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nível de doutorado, e desenvolvi durante quatro anos um estudo quanti-qualitativo a respeito da diversificação dos cenários de prática nos cursos de odontologia no Brasil e o in12
centivo do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde). A fundamentação teórica da minha tese muito me incentivou a continuar a refletir sobre a interação ensino-serviço-comunidade na formação odontológica e, de forma adaptada, originou alguns capítulos desta obra. Em 2013, deixei o estado do Rio de Janeiro ao ingressar como docente no departamento de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no campus avançado de Governador Valadares, em Minas Gerais, e pude experimentar novamente os desafios da integração ensino-serviço-comunidade ao assumir duas disciplinas com esta interface: Atenção Primária à Saúde e Sistemas de Saúde, e a coordenação do Programa de Educação pelo Trabalho (PET Saúde) com a temática: Redes de Atenção à Saúde (RAS). Nesse novo cenário, o desafio consistia em criar uma relação da IES recém-implantada com a secretaria municipal de saúde, até então inexistente, e que assegurasse a aprendizagem dos nossos estudantes nos ambientes do SUS. No entanto, havia uma novidade, já que, no caso do PET Saúde, a aprendizagem tutorial aconteceria também nos cenários de atenção secundária e terciária, no sentido da vivência da integração entre os pontos de atenção, conformando uma rede organizada de serviços de saúde, e envolveria estudantes dos cursos de Medicina, Fisioterapia, Farmácia e Nutrição, além da Odontologia. O PET saúde, nesse contexto de criação da relação IES/ serviços/comunidade, tornou-se um grande aliado, pois permitiu institucionalizar, subsidiar e sustentar a aprendizagem em cenários diversificados, tendo os profissionais do SUS assumido integralmente a função de preceptores desse processo, no qual os estudantes frequentavam semanalmente os pontos da rede de serviços, sem que ainda tivessem alcançado as disciplinas de estágio supervisionado curricular. Em outras palavras, o PET favoreceu a aprendizagem precoce dos estudantes em serviços do SUS de forma interdisciplinar, como sinalizam as DCNs, motivando-os antecipadamente ao período curricular em que naturalmente esta inserção aconteceria, embora tal 13
iniciativa não contemplasse todos os estudantes de graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora, campus de Governador Valadares. Em abril de 2015 enfrentei nova mudança ao ser transferido para a Faculdade de Odontologia do Instituto de Saúde de Nova Friburgo, mantido pela Universidade Federal Fluminense na cidade, retornando ao estado do Rio de Janeiro e assumindo as disciplinas de integração ensino-serviço-comunidade do curso, igualmente com o compromisso de fortalecimento dessa relação, mediando a inserção e a distribuição dos acadêmicos nesses cenários de prática. Novos desafios surgem em uma nova realidade, mas cria-se a expectativa de que a experiência acumulada ajude a tornar a construção coletiva da aprendizagem no SUS menos árdua e mais estimuladora para estudantes, docentes e profissionais. Importante lembrar que a diversificação dos cenários de prática nos cursos de odontologia surgiu como estratégia pedagógica que dava aos estudantes a oportunidade de experimentar o aprender/fazendo, no sentido da formação em serviço, aproximando teorias e práticas, e, sobretudo, formando sujeitos capazes de interagir com os diferentes modos de vida da comunidade e suas demandas, exigindo dos supervisores docentes a ampliação dos conhecimentos, aproximando a prática formativa do cotidiano das pessoas. A mudança pedagógica, que desloca o olhar da aprendizagem para a realidade e para o estudante, acompanhada pela diversificação dos cenários de prática, trouxe novidades para discentes e docentes, ambos acostumados às práticas desenvolvidas exclusivamente nas clínicas da própria instituição, sem maiores exigências quanto à adequação à realidade, sobretudo nos serviços públicos de saúde, considerando suas carências e limitações, seu contexto e as práticas diferenciadas que eles despertam, os conflitos oriundos das relações interpessoais estabelecidas, contrapondo-se à prática pedagógica tradicionalmente adotada.
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Minha experiência de mais de 20 anos como cirurgião-dentista em atuação na rede básica de serviços públicos, passando por uma coordenação municipal dos serviços de saúde bucal e de educação em saúde (função que acumulei com a docência até ingressar na Universidade Federal de Juiz de Fora), levou-me a acreditar que a lógica de funcionamento do sistema divergia da lógica da formação acadêmica. Essa percepção foi comprovada posteriormente pelos autores por mim consultados, necessitando, assim, de um reordenamento para atender aos objetivos de ambas as instituições: o serviço e a academia. A literatura científica ajudou-me a perceber que essa aproximação entre as IES e os serviços, embora recente, começou com inúmeras tentativas em diversos países e no Brasil, a partir da década de 1960, e enfrentaram dificuldades inclusive logísticas na adoção desses cenários de formação nos serviços, já que tais serviços foram muito exigidos para receber os acadêmicos durante sua graduação. Essas instituições tinham objetivos aparentemente conflitantes mas, na medida em que essa necessidade de aproximação se corporificava e se institucionalizava no âmbito das políticas de saúde, observou-se o esforço das IES na consolidação de uma parceria, alinhando-se os distintos interesses. Na minha experiência com a inserção dos alunos de Valença, Vassouras e Governador Valadares, não foi diferente, pois, de um lado, predominavam práticas de formação que aconteciam exclusivamente nas próprias clínicas das IES, com pouca ou nenhuma experiência de formação no serviço do SUS e, de outro lado, uma rede assistencial voltada exclusivamente para o tratamento e a cura de seus pacientes biologicamente centrados, presente nas três realidades. Diante disso, observei que os profissionais e a estrutura da rede de serviços não estavam preparados para acolher os estudantes no ambiente de trabalho, enquanto as escolas da área de saúde, sobretudo da odontologia, precisariam institucionalizar e valorizar os estágios curriculares de modo que estes levassem os estudantes, de forma organizada e didática, a vivenciar, na prática, o aprendizado teórico. 15
Acompanhei a estruturação desse difícil caminho nas distintas realidades, com inúmeras reuniões entre docentes, gestores e profissionais da rede de serviços municipais, mas com evolução diferente entre elas, sendo que uma das IES contou, desde o início, com o incentivo do Pró-Saúde e, com isso, organizaram seus estágios na matriz curricular, de forma que fosse assegurada a formação acadêmica no SUS; a outra apenas negociou a presença dos estudantes em acompanhamento da prática dos profissionais na rede, contando com a boa vontade dos profissionais para receber estudantes; e a outra, que contou, também desde o início, com o incentivo do PET saúde, inseriu os estudantes de forma precoce, antes mesmo que os projetos político-pedagógicos dos cursos envolvidos apontassem essa necessidade. Em comum, todas as experiências organizaram uma estrutura de estágio supervisionado curricular na rede de serviços na qual o estudante começaria a frequentar as unidades de saúde e na qual permaneceria durante alguns períodos acadêmicos, em atendimento às DCNs. No cenário brasileiro, as escolas de odontologia, condicionadas por diferentes fatores sociopolíticos, fizeram sua aproximação com a rede de serviços de forma gradual e bastante desigual, sem que pudéssemos conhecer na evolução da formação profissional de seus estudantes, que fatores a influenciaram e se os programas de reorientação da formação profissional impulsionaram quanti e qualitativamente essa diversificação, embora, na minha experiência com os dois programas, os resultados fossem muito satisfatórios, considerando a organização da aprendizagem em serviços. Entretanto, em um país com características bastante específicas e distintas, e em uma sociedade que busca incessantemente inovações tecnológicas para sua assistência, cabe uma reflexão sobre a importância da diversificação de cenários de prática no SUS para o ensino odontológico brasileiro. Paralelamente a essa evolução, cabe ainda entender como se deu a evolução da concepção de ensino, saindo do “aprender a observar”, passando pelo “aprender a fazer”, com vistas ao “aprender a ser”, no qual o exemplo docente ultrapas16
sa os limites técnicos e alcança a postura ética, e incentiva a relação interprofissional, o cuidado com o outro, a capacidade de escuta e o dimensionamento psicossocial da relação com o usuário, levando-nos a crer que educar (aprender a ser) supera a arte de ensinar (aprender a fazer). Mas, para compreender esse avanço no ensino odontológico, com um olhar nos cenários de práticas, precisamos entender como se organiza o processo de trabalho no SUS, e que características interpessoais e interprofissionais são desenvolvidas para favorecer uma atuação ética e comprometida, como esperamos de nossos estudantes. Dessa forma, decidi reunir os diferentes saberes apreendidos e vivenciados sobre a aprendizagem do estudante de Odontologia no SUS nesta obra, que investe na transformação do ensino odontológico (aprender a fazer) em busca da concepção inovadora de educação odontológica (aprender a ser), acompanhando as DCNs, os pressupostos da educação interprofissional e os programas de fomento e incentivo, tendo os ambientes do SUS como cenários diversificados, estimulantes e orientadores dessa nova prática formadora acadêmica. Essa nova concepção questiona o papel do docente, colocando em cheque sua atuação: somos professores ou educadores? Na busca de resposta para essa pergunta, convido-os a percorrer essa trajetória de transformação histórica pela qual o ensino/educação odontológico passou, e vem passando, considerando um olhar por vezes esquecido, o dos coordenadores de curso de graduação, que trabalham diretamente com essa mudança e investem cotidianamente no desafio de aumentar a qualidade da aprendizagem discente. Para nos ajudar nessa caminhada, convidei dois professores e ex-coordenadores de curso de graduação em Odontologia: A Profª Maria Cristina Almeida de Souza, que esteve como coordenadora do curso de graduação em Odontologia da Universidade Severino Sombra (USS) no período de 2005 a 2009 e o Prof. Sileno Correa Brum, que ocupou a coordenação do mesmo curso no período de 2009 a 2010. 17
Convidei o Prof. Marcelo Viana da Costa, que atualmente integra o corpo docente da Escola de Enfermagem da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) e presta assessoria ao Ministério da Saúde, com estudos desenvolvidos na área da educação interprofissional, a abordar esse tema em um dos capítulos, para nos ajudar a compreender como esse relevante e atual assunto fortalece a transição do nosso papel de docente para educador, e favorece a formação de um novo profissional de saúde para o SUS. E não poderia deixar de convidar a Profª Efigênia Ferreira e Ferreira, que integra o departamento de Odontologia Social e Preventiva da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais, para me ajudar na organização da obra, diante do papel que ela exerceu e exerce na minha trajetória profissional. Eu a conheci em 2004, no curso de especialização em Saúde Coletiva e, a partir desse momento, ela se tornou para mim uma referência na área, o que me motivou também a pleitear o doutorado na sua instituição de trabalho (UFMG) e, para minha alegria, consegui fazê-lo e tive o privilégio de ser por ela orientado. E, mais do que isso, essa orientação ultrapassou o período do doutorado e ela se tornou orientadora da minha trajetória profissional para a vida toda. Desejo uma boa leitura e que apreciem a reflexão sobre os conteúdos científicos e a experiência profissional que reunimos nos capítulos desta obra.
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