Vida de escola

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VIDA DE ESCOLA

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Universidade Federal Fluminense REITOR Antonio Claudio Lucas da Nóbrega VICE-REITOR Fabio Barboza Passos

Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense Gestão 2016-2017

Gestão 2018-2020

CONSELHO EDITORIAL

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Aníbal Bragança [Diretor] Antônio Amaral Serra Carlos Walter Porto-Gonçalves Charles Freitas Pessanha Guilherme Pereira das Neves João Luiz Vieira Laura Cavalcante Padilha Luiz de Gonzaga Gawryszewski Marlice Nazareth Soares de Azevedo Nanci Gonçalves da Nóbrega Roberto Kant de Lima Túlio Batista Franco

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Renato Franco [Diretor] Ana Paula Mendes de Miranda Celso José da Costa Gladys Viviana Gelado Johannes Kretschmer Leonardo Marques Luciano Dias Losekann Luiz Mors Cabral Marco Antônio Roxo da Silva Marco Moriconi Marco Otávio Bezerra Ronaldo Gismondi Silvia Patuzzi Vágner Camilo Alves

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BÓRIS MAIA

VIDA DE ESCOLA Uma etnografia sobre autoridade e carisma na educação

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Copyright © 2019 Bóris Maia É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da editora. Série Antropologia e Ciência Política, 61

Equipe de realização

Editor responsável: Renato Franco Coordenador de produção: Marcio Oliveira Supervisão gráfica: Marcio Oliveira Revisão e diagramação: REC Design Capa: Marcio Oliveira

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação - CIP M217 Maia, Bóris. Vida de escola : uma etnografia sobre autoridade e carisma na educação / Bóris Maia. – Niterói : Eduff, 2019. – 210 p. : il. – 21 cm – (Coleção Antropologia e Ciência Política, 61) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-228-1323-0 BISAC EDU012000 EDUCATION / Experimental Methods 1.Professores e alunos - Relação. 2. Professores – Avaliação por estudantes. I. Título. II. Série. CDD 371.144

Direitos desta edição cedidos à Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense Rua Miguel de Frias, 9, anexo/sobreloja - Icaraí - Niterói - RJ CEP 24220-008 - Brasil Tel.: +55 21 2629-5287 www.eduff.uff.br - faleconosco@eduff.uff.br Impresso no Brasil, 2019 Foi feito o depósito legal.

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Aos meus avĂłs, Ayrton Maia e Anna do Carmo Maia (in memoriam). Aos alunos da escola observada, com gratidĂŁo.

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Agradecimentos Este livro foi, em grande parte, beneficiado pela dedicação de diversas pessoas a mim e à minha pesquisa. É resultado de um trabalho coletivo, fruto de esforços conjugados de muitos que merecem os mais sinceros agradecimentos.

Agradeço, em primeiro lugar, à minha orientadora, professora Ana Paula Mendes de Miranda. Sua seriedade e sua competência profissional são um exemplo para mim, e seu incentivo pessoal ao meu desenvolvimento intelectual tem sido permanente. Obrigado, Ana! Agradeço enormemente aos meus colegas do grupo de pesquisa coordenado pela professora Ana, com quem prazerosamente trabalhei em diversos projetos de pesquisa, em especial, a Roberta Boniolo e Vinícius Pinto, que iniciaram comigo a graduação e o mestrado, e, ao longo desses anos, compartilharam ao meu lado tantos momentos de alegria e aflição.

A todos os integrantes do InEAC e do Nufep, que fazem deste ambiente de trabalho de pesquisa científica um lugar tão estimulante. A seus respectivos coordenadores, professor Roberto Kant de Lima, que lidera com maestria e ânimo insuperáveis as atividades e as reuniões semanais de pesquisa às segundas-feiras, e professor Fábio Reis Mota. À eficiente e prestativa equipe administrativa, composta por Virgínia Taveira, Lúcio Pinho Duarte, Sônia Castro e diversos estagiários. A Bruno Bartel e Robson Campanerut, que, além da amizade dispensada, foram de grande auxílio como interlocutores durante o trabalho de campo.

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Aos professores Simoni Lahud Guedes, Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto e Yvonne Maggie, que compuseram a banca examinadora de defesa da dissertação, incentivando, desde a arguição, que se transformasse em livro.

Aos professores Marco Antônio da Silva Mello e José Manuel Resende, por suas indicações preciosas de bibliografia e interesse em discutir meu trabalho.

No Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/ UFF), agradeço ao coordenador, professor Edilson Silva, responsável por viabilizar a publicação do trabalho pela Eduff, e ao então secretário Marcelo Gonçalves, que sempre tornou o trato com a burocracia menos fatigante.

Aos meus familiares, que me ajudaram e incentivaram a completar esses dois anos de mestrado, em especial, à minha mãe, cujo apoio irrestrito às minhas escolhas fez com que as eventuais dificuldades fossem contornadas da melhor maneira possível. À minha companheira, Laura, que esteve sempre ao meu lado na transformação da dissertação em livro. Sem seu apoio e afeto teria sido tudo mais difícil. Obrigado!

A todos que dividiram comigo a casa em que morei, durante um ano, na cidade em que fiz a pesquisa, principalmente, a Aloísio Batista, nosso “decano”, que, além de oferecer as conversas mais cativantes, forneceu-me indicações de diversas obras sobre escola na literatura e no cinema. Mas esta pesquisa nada seria sem a colaboração de meus interlocutores da escola onde realizei o trabalho de campo, a quem agradeço profundamente, especialmente, aos alunos das duas turmas em que assisti às aulas durante um ano. Vocês me proporcionaram uma experiência incrível, serei eternamente grato, muito obrigado! À equipe da Eduff, que se dedicou a transformar a dissertação em livro, especialmente a Mariana Simões, coordenadora de editoração e produção, e à revisora Sonia de Onofre, que tornou o texto mais agradável ao público. Por fim, agradeço ao CNPq por financiar a pesquisa por meio de uma bolsa de mestrado, que recebi durante dois anos.

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“É uma organização imperfeita, aprendizagem de corrupção, ocasião de contato com indivíduos de toda origem? O mestre é a tirania, a injustiça, o terror? O merecimento não tem cotação, cobrejam as linhas sinuosas da indignidade, aprova-se a espionagem, a adulação, a humilhação, campeia a intriga, a maledicência, a calúnia, oprimem os prediletos do favoritismo, oprimem os maiores, os mais fortes, abundam as seduções perversas, triunfam as audácias dos nulos? A reclusão exacerba as tendências ingênitas? Tanto melhor: é a escola da sociedade.” Raul Pompéia, O Ateneu

“Aprendi mais contigo, talvez, do que um homem deveria aprender, se quiser manter-se independente.” Schönberg, em sua dedicatória ao carismático Karl Krauss, entregue junto com seu compêndio musical.

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Sumário Prefácio.................................................................................................. 13 Apresentação .................................................................................................. 17 Introdução .................................................................................................... 23 Fora da sala de aula: um dia extraordinário ............................................ 19 Voltando à escola: a construção da pesquisa e seus aspectos metodológicos ...............................................................................................29 Autoridade, carisma e educação .................................................................. 38 A escola e seus públicos .......................................................................... 47 O uniforme ....................................................................................................... 52 Uma conjuntura de crise: mudanças e permanências ............................. 54 A organização dos alunos ............................................................................ 58

Habemus papam: a escola sob nova direção ............................................. 64 As turmas e os alunos .................................................................................... 70 Um bando de grupos: a turma 3B ............................................................... 72 A turma 3A: unidade na diversidade ...................................................... 81 Entre o giz, o cuspe e o caderno: ritos e classificações escolares ...... 89 A temporalidade escolar ............................................................................ 91 O começo do ano letivo .................................................................................. 93 O espaço da aula .............................................................................................. 96 As “tribos” na sala de aula ........................................................................... 97 A sequência ritual: etapas de uma aula .................................................. 100 As alternativas à aula ..................................................................................... 107 As avaliações escolares e a “cola” ............................................................ 110

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Livro x caderno ............................................................................................... 113 O giz e o cuspe: os símbolos do rito .......................................................... 116 Oralidade e escrita na escola ...................................................................... 118 A diferenciação dos alunos ........................................................................... 121 Despertando o interesse ............................................................................... 126 Ritos de julgamento escolar: os conselhos de classe .......................... 128 O trabalho e o estudo ..................................................................................... 134 O poder mágico da explicação: carisma professoral e sua performance ritual na construção da autoridade ........................................................ 139 Performance ritual e carisma professoral ............................................... 142 Sobre truques, dicas e macetes .................................................................. 145 Gêneros de carisma ......................................................................................... 148 Invocando heróis e mitos ................................................................................153 O carisma do vestir ......................................................................................... 155 O amor: proximidade, intimidade e qualidade ....................................... 157 A missão da escola ......................................................................................... 164 Mantendo a ordem, perdendo o controle: os usos da autoridade professoral em sala de aula ....................................................................... 173 Desafios ao carisma: testes e provas da autoridade professoral ....... 174 Mantendo a ordem: exercendo a autoridade .......................................... 177 Perdendo o controle: a autoridade contestada ....................................... 186 Alternativas ao carisma: a autoridade negociada ................................ 189 O valor do controle ......................................................................................... 192 Considerações finais: vida de escola ...................................................... 205 Referências .................................................................................................. 211

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Prefácio Ler este trabalho me deu enorme prazer e, ainda, esperança, pois se enquadra no que chamo de uma etnografia clássica. Uma joia.

Tenho orientado pesquisas sobre o tema e confesso que me sinto numa enorme solidão. Bóris Maia me deu a feliz sensação de não estar sozinha.

A literatura sociológica invadiu os estudos sobre educação e nos obrigou, para o bem e para o mal, a olhar a produção ampla sobre o tema. São trabalhos importantíssimos baseados em metodologias quantitativas ou em entrevistas em profundidade e grupos focais. São excelentes pesquisas e descrevem muito bem o esqueleto e a estrutura das escolas e do sistema educacional no Brasil, mas não nos dizem tudo e, sobretudo, não falam do espírito e da carne, no dizer de Bronislaw Malinowski, fundador da antropologia. O campo antropológico, por seu turno, está imerso em uma nova crise de identidade. Alguns autores dizem que nem há sociedade. As etnografias e monografias clássicas são bombardeadas por uma crítica que faz dessa velha e boa antropologia um trapinho.

A coisa é séria. Quando iniciei a pesquisa em escolas, há quase 15 anos, fiquei perdida em meio ao caminho a seguir. Decidi então orientar meus alunos e os pesquisadores a fazer como fui ensinada pelos meus mestres antropólogos – acreditar nas pessoas observadas, nos seus sentimentos e representações e descrevê-los. A equipe foi, assim, treinada a escrever pequenas, mas boas etnografias baseadas em observação participante em uma escola. 13

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Fizeram observações extraordinárias e interessantes, e com alguma novidade, porque descreveram as escolas em seus próprios termos, observando o cotidiano, as aulas, os professores, os estudantes e suas maneiras de agir, sentir e pensar. Se a antropologia havia abandonado este tema de pesquisa – a educação e a socialização formal de crianças e jovens –, e se os antropólogos não queriam mais se meter a fazer monografias e etnografias em estudos de caso intensivos, eu iria trilhar sozinha o caminho. Quando comecei a ler o livro de Bóris Maia não consegui parar. O trabalho é uma etnografia e um estudo de caso intensivo que nos informa sobre a vida de escola – um título maravilhoso – sem ficar um só minuto inseguro diante da realidade observada.

Para mim, o mais difícil na observação participante e na descrição etnográfica em escola é simplesmente perder o olhar etnocêntrico. Tenho me debatido com essa questão. Venho lutando com a minha equipe porque, é claro, quando olhamos esta realidade, tendemos a criticar, dar palpite, propor soluções. Bóris não caiu nessa cilada. Foi direto ao assunto e conseguiu descrever a escola e a sala de aula do ponto de vista dos alunos e de como eles veem a relação entre eles e os professores. As perguntas do autor deste belo livro são as mesmas que se impõem a mim. O que é uma boa escola? O que é um bom professor? O que é uma boa aula? Desde o início da minha pesquisa usei todos os métodos possíveis, cheguei a fazer até “grupos focais”, mas só vinham à minha cabeça os ensinamentos clássicos da antropologia: o que eles estão pensando e fazendo nas escolas? Li o livro como quem vê um filme e acho que esse é o maior elogio que posso fazer. O argumento está traçado e claro, e vai de fio a pavio.

Tudo o que se diz sobre escola, depois de dito, parece óbvio. Não era quando não estava escrito. Assim, o ovo de Colombo do autor desta obra foi analisar a sala de aula, seus vários arranjos e a triste sina dos professores e alunos que convivem no ambiente, digamos tradicional, de uma escola pública.

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A descrição das aulas é brilhante. De todo o jeito, sendo bom ou mau professor, ela é sempre uma “aula de transcrição”, como foi definida por uma de nossas pesquisadoras. Só que Bóris descobriu o ovo de Colombo. O importante para os alunos é a “explicação”, e aí está o cerne da nossa cultura. Os alunos recebem do professor a explicação correta, o jeito certo de interpretar o que leem. Não há como fugir da maneira autoritária e tradicional que foi definida pelo autor como um tipo de carisma.

Bom, a literatura sociológica, em geral, chamou essa relação de “complexo de pigmaleão”. Pigmaleão, a famosa peça de Bernard Shaw, inspirada na mitologia grega, e que foi popularizada no belíssimo filme My Fair Lady, estrelado por Audrey Hepburn e Rex Harrison.

Nessa peça, que virou um conceito, a relação entre professor e aluna é descrita a partir da ideia de que o professor e a aluna têm de ter mais do que uma relação de “ensino/aprendizado”. Há amor nesse vínculo, e há o objetivo de transformar, mudar, reformar aquele que aprende. O linguista da peça de Bernard Shaw faz uma aposta com seu amigo e, afinal, consegue transformar Elizabeth Doolitle, uma moça pobre e falando o inglês da classe trabalhadora, em uma dama de sociedade, da aristocracia inglesa. A ideia que está na base desta história, independentemente de seu viés ideológico, é a de que é possível o ofício árduo de ensinar, de transformar o aprendiz. No caso dos nossos professores, talvez o objetivo de transformar o aluno não esteja em primeiro plano. O objetivo é convertê-los em “cidadãos”, como dizem ad nauseam. O professor mais admirado, na visão do aluno nesta escola, é aquele que explica bem, mas é também o que é mais rígido, mais autoritário. Fiquei fascinada com a ideia de uma autoridade carismática, estilo sacerdote, de Bóris. A leitura de Max Weber permite esse belo insight que muito ajudou na descrição e na análise da questão. Mas o que mais apreciei no livro foi o fato de nos levar a encontrar uma estrutura no caos que é a escola. Há uma estrutura, e esta estrutura está na sala de aula, na relação entre alunos e professores. 15

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Finalmente, quero dizer que, se todos estão afirmando que a “gestão” é um traço fundamental, e eu mesma tenho dito isso, o livro Vida de escola nos induz a pensar que os professores mais admirados e que mais “ensinam” são os que desafiam, com sua autoridade carismática, os seus superiores. Fiquei pensando então que a concepção dos professores sobre a autonomia de cátedra ou liberdade de cátedra, como se dizia outrora, é um elemento fundamental para ser um bom professor. Nisso está o enredo do problema. O cidadão que é formado na escola, o bom cidadão é aquele que desafia os superiores tendo liberdade para “manter a ordem” como é dito na análise feita pelo autor. Uma contradição em termos que produz um embaraço difícil de resolver. Como ser crítico e, ao mesmo tempo, obediente a uma norma. E pobres daqueles que não conseguem manter a ordem na sala de aula!

Todo o caos da escola, que não é adjetivado pelo autor, vem desse princípio estruturante. As faltas dos professores, a ausência dos diretores, tudo isso está relacionado com um princípio que se faz presente nas relações entre alunos e professores na sala de aula. Fiquei, como sempre, abismada. A descrição nos leva a ver que a escola e sua missão, do jeito que é compreendida no Rio de Janeiro, ou na escola estudada, não é propriamente ensinar porque ensinar para alunos e professores é passar uma “matéria” e tudo o que não é “matéria” não é ensino e não é aprender. É o quê? É gratificante ver o livro de Bóris publicado por uma editora universitária que tem feito excelente trabalho na divulgação das pesquisas sobre educação. Yvonne Maggie Professora Emérita da UFRJ

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Apresentação Como se constrói a autoridade professoral é a questão que orientou a dissertação de mestrado em Antropologia (PPGA-UFF), de Bóris Maia, defendida em 2014, que agora se transforma no livro Vida de escola: uma etnografia sobre autoridade e carisma na educação. O trabalho surgiu como um desdobramento de sua monografia de conclusão de curso em Ciências Sociais, na mesma universidade, intitulada Matéria de caderno: uma etnografia das aulas de ensino religioso, defendida em 2011. Tive a satisfação de orientar os dois trabalhos, que se basearam na realização de uma etnografia dos processos cotidianos da escola, com destaque às concepções dos alunos sobre seus professores, a escola e as relações com os colegas.

A realização de uma pesquisa de campo no mesmo ambiente escolar, durante três anos, possibilitou uma convivência com os estudantes que, num primeiro momento, intrigavam-se com o fato de alguém que já saíra da escola tivesse paciência para voltar a assistir aulas. Desse estranhamento surgiu uma interação ímpar, que resultou na construção de uma etnografia que revela o cotidiano das aulas e demais atividades na escola, os conflitos entre colegas, os problemas da gestão escolar, mas, principalmente, se debruça sobre uma questão fundamental para a compreensão da construção da autoridade do professor – o seu carisma. Tal perspectiva já havia sido explorada analiticamente em outros contextos pedagógicos (Pinto, 1999; Maggie; Prado, 2014), mas Bóris Maia se dedica a compreender como o carisma do professor se constrói, a partir de práticas institucionais, com destaque para a sala de aula e as reuniões de conselho 17

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de classe. O carisma é analisado, portanto, a começar de sua construção, deixando de lado a ideia de que seria algo inato aos sujeitos. Consequentemente, a autoridade professoral não se expressa apenas pelas características individuais do professor, mas, sim, pelo seu exercício performativo na coletividade por meio das roupas, das concepções de gênero que são manifestas, das estratégias pedagógicas adotadas. No caso, é o momento da “explicação” durante a aula que essa performance se explicita, e é a partir de seu desempenho que os estudantes definem quem é, ou não, um “bom professor”.

A opção metodológica de realizar a observação da sala de aula revelou como a relação de ensino-aprendizagem está absolutamente associada aos modos pelos quais os professores se relacionam com os estudantes. As estratégias adotadas pelo autor, somadas à sua juventude, favoreceram que sua interação com os alunos se construísse mediante uma imersão nas rotinas pedagógicas. A utilização de desenhos do arranjo das carteiras em cada turma durante as aulas foi uma estratégia descritiva para desnaturalizar os processos de regência de turma. O contraste entre os arranjos e a atuação dos professores evidencia como os estudantes se relacionam e interagem com o docente. Na dissertação, a associação entre a organização “tradicional” das cadeiras – enfileiradas e voltadas para a frente – reforçam a ideia de que o professor é o detentor do conhecimento, destacando novamente a importância de sua performance em sala de aula. Assim, essa forma de distribuição do espaço escolar privilegia a relação ordem-controle-eficácia. A apresentação de situações nas quais os docentes não tiveram sucesso em manter a atenção da turma corroboram a definição do professor como o protagonista do ensino. Tal como na obra A aurora da minha vida, de Naum Alves de Souza (1982), o livro de Bóris Maia nos leva de volta à vida escolar, na qual se vivem experiências positivas que ficam na memória dos alunos, mas onde também estão presentes as angústias e dificuldades de lidar com as diferenças, com a desigualdade de tratamento, com a disciplina. 18

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A escolha da epígrafe da obra O Ateneu, de Raul Pompéia (1993 [1888]), aponta outro aspecto importante do trabalho de Bóris Maia, que é a problematização da escola como um espaço de socialização política. Entender a instituição escolar como um espaço público (Resende, 2009) permite compreender os valores e moralidades que orientam professores e estudantes no que diz respeito à política. A análise realizada por Bóris Maia rompe com uma crença de que a escola seja a instituição central no desenvolvimento de uma sociedade moderna e democrática. As estratégias de mobilização dos alunos para denunciar e cobrar melhores condições de ensino revelam como eles se organizam para garantir o reconhecimento daquilo que julgam ser seus direitos. Os desdobramentos desses “protestos” apontam para um cenário menos otimista da capacidade transformadora da escola. O que se vê é uma indiferença política por parte dos docentes na discussão pública dos problemas enunciados, bem como um silenciamento sobre conflitos vividos no ambiente escolar.

A descrença na capacidade de que a escola pública desempenhe sua “missão” não representa um abandono em massa dos estudantes, afinal, a adesão obrigatória ao ensino segue sendo necessária por causa da certificação de conclusão do ensino médio, que é exigida para se buscar distintas oportunidades de emprego, fazendo com que muitos não abandonem a instituição. A associação entre o estudo da autoridade professoral com o papel de socialização política dos alunos, que é realizada pela escola, aponta que a formação dos futuros “cidadãos” não se dá apenas pelo acesso, ou restrição, de certos direitos disponíveis, mas também pela dimensão relacional da cidadania à brasileira (DaMatta, 1997; Carvalho, 2009; Kant de Lima, 2010). O relato etnográfico apresentado por Bóris Maia demonstra como a vida de escola, no caso brasileiro, ao universalizar a educação pública, não resultou em processos de inclusão ou democratização progressiva, ao contrário, segue sendo o espaço no qual “os alunos são socializados em categorias que expressam que o saber é para poucos, aprendem que só alguns têm capacidade e que estes merecem tratamento diferenciado” (Maia, 2018, p. xx). Assim, segue sendo atual a frase 19

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de abertura do romance de Raul Pompéia: “Vais encontrar o mundo – disse meu pai à porta do Ateneu. – Coragem para a luta”.

A escola do Império e a escola da República parecem imutáveis porque os mecanismos disciplinares e as “regras que impõem possibilidades e impossibilidades de ações” (Santos; Marchi, 2013, p. 349) seguem orientando-se por marcadores de diferenças heteronormativos, cristãos, classistas e racistas. Os interesses em disputa no espaço escolar em tempos de “ideologia de gênero” e “escola sem partido” nos lembram que o poder simbólico (Bourdieu, 2005), que se constitui na escola, pressupõe a adesão daqueles que a ele estão sujeitos, seja por meio da reprodução, seja pela transformação de crenças e valores socialmente aceitos. Ana Paula Mendes de Miranda Professora do Departamento de Antropologia da UFF

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Referências BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

CARVALHO, José Murilo. A cidadania no Brasil: um longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. DAMATTA, Roberto. A casa & a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

KANT DE LIMA, Roberto. Sensibilidades jurídicas, saber e poder: bases culturais de alguns aspectos do direito brasileiro em uma perspectiva comparada. In: Anuário Antropológico, v. 2009-2, p. 25-51, 2010. MAGGIE, Yvonne; PRADO, Ana Pires do. O que muda e o que permanece o mesmo nas escolas cariocas: culturas de gestão e as representações dos estudantes. In: GUEDES, S. L.; CIPINIUK, T. A. (Org.). Abordagens etnográficas sobre educação. Adentrando os muros das escolas. Niterói: Alternativa, 2014. PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Práticas acadêmicas e o ensino universitário: uma etnografia das formas de consagração e transmissão do saber na universidade. Niterói: Eduff, 1999. POMPÉIA, Raul. (1888) O Ateneu. 9. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993.

RESENDE, José M. A sociedade contra a escola? A socialização política num contexto escolar de incerteza. Lisboa: Edições Piaget, 2009.

SANTOS, Tiago Ribeiro; MARCHI, Rita de Cássia. O Ateneu: uma análise de mecanismos disciplinares no romance de Raul Pompeia. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 38, n. 1, p. 339-360, jan./mar. 2013. SOUZA, Naum Alves de. A aurora da minha vida. 2. ed. Juiz de Fora: Ed. MG, 1982.

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Introdução

Fora da sala de aula: um dia extraordinário Passado um mês exato do início das aulas, chegara o dia da manifestação organizada pelos alunos do ensino médio.1 Era uma segunda-feira, 18 de março de 2013, as nuvens tomavam conta do céu cinzento e o Sol não dava indícios de aparição. Cheguei à escola por volta das 6h45. Muitos alunos já estavam nos arredores e no pátio de acesso aos prédios da instituição, em sua maioria ocupando-se dos preparativos para a manifestação – também 1

Os três anos finais da escolarização, renomeados como ensino médio pela Lei n. 9.394/96, mantiveram o caráter de preparação para o ensino superior que historicamente caracterizou o ensino secundário no país, possuindo um currículo enciclopédico, tendo em média 12 disciplinas escolares por ano. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), criado em 1998 com o propósito de avaliar os alunos ao fim da educação básica, foi reestruturado em 2009, passando a ser utilizado como forma de acesso unificada para as universidades federais, com o objetivo declarado de induzir uma reorganização dos currículos do ensino médio. Mais uma vez, a medida mostra como o ensino secundário no Brasil orienta-se pelo padrão de admissão ao ensino superior. Depois de a pesquisa já ter sido realizada, o ensino médio passou por uma reforma, proposta via Medida Provisória n. 746/2016 (posteriormente sancionada como Lei n. 13.415, em fevereiro de 2017), que flexibiliza a grade curricular existente. A nova legislação elege apenas duas disciplinas como obrigatórias para os três anos do ensino médio, Língua Portuguesa e Matemática, sendo as demais cursadas de acordo com os conteúdos estabelecidos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e com a área de conhecimento ou de atuação profissional (linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas; formação técnica e profissional) escolhida pelos estudantes. Para uma análise histórica sobre o ensino secundário no Brasil, ver Haidar (2008) e Romanelli (2012).

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chamada por eles de “protesto” –, que visava reivindicar melhorias nas condições de ensino da escola, o Cecs.2 Avistei Luana, uma das alunas, com quem fui falar. Ajoelhada no chão, cercada por tintas, canetas e pincéis, escrevia em um dos cartazes que elaborava com algumas colegas. Em nossa breve conversa, Luana disse que dois funcionários da Secretaria de Estado de Educação (Seeduc)3 estavam na escola tentando evitar o “protesto”.

A chuva que já se anunciava começou a cair, ainda branda, alguns minutos depois das 7h, fazendo com que a maioria dos alunos buscasse refúgio na parte coberta do pátio de acesso à escola. A entrada para o prédio, no entanto, estava bloqueada por dois alunos, que se revezavam, impedindo o acesso dos demais ao interior do colégio, com exceção dos professores e funcionários. Felipe distribuía apitos e narizes de palhaço a todos. “Quer um, Bóris?”, perguntou, ao me oferecer um dos narizes redondos e vermelhos. Estendi a mão e peguei o pequeno adereço, aceitando sua oferta. Um carro de uma rede de televisão aberta estava estacionado na frente da escola, e, entre o veículo e o portão do colégio, a repórter conversava com alunos sobre as razões da manifestação. Quando a câmera foi ligada, muitos estudantes se aglomeraram em torno da jornalista, segurando cartazes e apitando, caracterizados em sua maioria com os narizes de palhaço. Alguns transeuntes paravam momentaneamente para olhar a cena atípica que presenciavam naquele início de manhã. Aos poucos, a presença dos alunos foi aumentando, e eles ocuparam uma parte maior da rua, provocando um início de engarrafamento nas ruas próximas. Mesmo com a chuva que ficava mais intensa, um grande número de alunos permanecia na rua, protestando. Os alunos que chegavam aderiam à manifestação, que, depois de meia hora de iniciada, já causava lentidão significativa no trânsito. Os estudantes pediam aos motoristas que passavam que buzinassem, 2

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Como de praxe nos trabalhos antropológicos, assim como o nome da escola, os nomes verdadeiros dos personagens desta etnografia foram alterados para resguardar a identidade de todos. A Seeduc tem a função de executar a política estadual de educação.

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como forma de demonstrar seu apoio a eles. Muitos retribuíam o pedido e buzinavam, provocando ardorosos gritos de agradecimento; outros, em menor número, reclamavam da “baderna”, após abaixarem o vidro do carro, a que os alunos respondiam com vários xingamentos, além de vaias e gestos obscenos. Os funcionários da Seeduc presentes no local, um homem e uma mulher, tentavam intervir. A mulher dizia a um dos alunos do grêmio estudantil que já havia sido agendada uma conversa e que a manifestação não era necessária. O aluno, um pouco intimidado, negava a informação. O homem, por sua vez, queria que interrompessem a manifestação e entrassem para uma conversa no auditório, mas eles não se mostravam dispostos a aceitar a proposta. A ausência da diretora-geral, Sandra, era cantada pelos jovens, que, com palmas, marcavam o ritmo: “Ô, diretora, cadê você? Assume o erro na TV! Ô, diretora, cadê você? Assume o erro na TV!”.

A diretora-geral chegou por volta das 8h, e ficou conversando com os funcionários da Seeduc no pátio de acesso, onde alguns alunos ainda se resguardavam da chuva. Flávio, diretor-adjunto, foi para a rua e tentou colocar os alunos para dentro da escola, ordenando que fossem para o pátio. Eles começaram a vaiá-lo e não entraram. A repórter, percebendo que Flávio ocupava um cargo na direção, aproximou-se dele, com o microfone e a câmera ligados, e pediu explicações sobre a situação da escola. Fugindo das perguntas, Flávio voltou ao pátio, seguido pela jornalista e o cinegrafista, e apontou para Sandra, dizendo: “Ela é a diretora-geral. Ela é a diretora-geral”. A repórter, então, passou a fazer as perguntas a Sandra. Depois de questionar a diretora sobre as condições da instituição, fez o último questionamento: “Seu filho estuda numa escola assim?”. Ela respondeu de forma veemente: “Meus três filhos são alunos de escola pública!”. Os estudantes, que já a rodeavam enquanto era entrevistada, gritaram em coro: “Mentirosa! Mentirosa! Mentirosa!”. A cena seria veiculada mais tarde em um popular telejornal do estado.

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Em determinado momento do protesto, os jovens decidiram ocupar toda a extensão da rua, impedindo a passagem dos carros e ônibus. Uma viatura da polícia chegou logo depois, reabrindo parte da via. Com o celular, eu tirava diversas fotos acompanhando a manifestação. Muitos posavam para que eu os fotografasse, quando, em seguida, iniciávamos conversações rápidas sobre as razões do protesto.

Imagens 1 e 2 – Alunos de ensino médio do Cecs durante o “protesto (18/3/2013)

Depois de mais de uma hora fazendo o protesto na frente da escola, os alunos, orientados pelos membros do grêmio estudantil, puseram-se a marchar pelas ruas da cidade em direção a outro colégio público estadual, o Lótus, que, como o Cecs, era um dos maiores e mais renomados estabelecimentos públicos da cidade. Durante o trajeto, a chuva aumentou bastante, mas não dispersou o animado grupo, que seguia com seus cartazes (já se desfazendo deles depois de molhados), narizes de palhaço e apitos, os quais, junto com as palmas e um ou outro tamborim, somavam-se ao som dos gritos e palavras de ordem. Quando chegaram ao Lótus, depois de percorrer cerca de 2,5 quilômetros pelas ruas da cidade, sob chuva ininterrupta, os manifestantes começaram a fazer pressão para que a diretora do Lótus deixasse os estudantes saírem da escola. Depois de 30 minutos na frente do prédio, Luana decidiu ir embora, e veio se despedir de mim: “Depois você me conta o que aconteceu”. A larga escada que dava acesso à entrada do colégio estava tomada pelos alunos do Cecs,

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que gritavam e batiam no portão: “Uh, abre a porta! Uh, abre a porta! Uh, abre a porta!”.

A diretora, no portão principal, junto com um porteiro, negava-se a liberá-los. Foi então que apareceu a mãe de um dos estudantes do Lótus, que, desavisada da manifestação, fora resolver alguma questão sobre a matrícula do filho. Eles abriram espaço para que a mulher chegasse até o portão. Depois de explicar sua situação diretamente à diretora, através dos caixilhos do portão, a responsável teve a entrada permitida, e o portão foi entreaberto para que apenas ela adentrasse o local. Os alunos aproveitaram o momento e forçaram o portão, escancarando-o rapidamente. Percebendo a proeza de seus colegas do Cecs, do lado de fora, alunos do Lótus avançaram em direção ao portão, ignorando a tentativa da diretora de contê-los, e saíram do prédio às pressas. Seguindo escada abaixo, alcançaram o centro da manifestação, sendo recebidos pelos integrantes do Cecs com euforia, a eles se misturando e juntos celebrando o êxito da “fuga”. Agora unidos, tomaram o rumo da sede regional da Seeduc, que distava cerca de 800 metros de onde estavam. Chegando lá, a entrada foi, a princípio, negada pelos seguranças de plantão na portaria. Depois de negociação com uma das representantes da Seeduc, foi acordado que uma comissão de 30 estudantes de cada colégio seria recebida para uma reunião. Tal anúncio foi feito, na portaria do prédio, por um aluno do Lótus. Caberia aos representantes do grêmio das duas escolas a seleção de quem participaria do encontro.

Como a maioria dos manifestantes desejava participar da reunião, produziu-se uma densa concentração de pessoas ante a portaria da Seeduc, de onde alguns membros dos grêmios chamavam pelo nome os escolhidos. Depois de muito aperto e alguns empurrões, consegui chegar ao grupo da frente. Levantei o braço, como muitos dos que queriam entrar, para chamar a atenção daqueles que faziam a seleção. Igor, do Lótus, me viu e perguntou: “Você é professor?”. Respondi que era da universidade e produzia uma pesquisa no Cecs. “Vem, entra, entra”, disse, me dando o “passaporte” de entrada. Subi com eles, de elevador, até 27

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o andar onde a reunião seria realizada. Era uma sala cuja capacidade atenderia com sobra os 60 alunos requisitados, com uma mesa extensa na frente, na qual alguns representantes da Seeduc já aguardavam sentados.

Depois de todos acomodados, Dalva, representante da Seeduc de mais alta hierarquia dentre os presentes, iniciou os trabalhos. Sua fala foi breve, e tentava justificar os problemas que afligiam os estabelecimentos de ensino naquele início de ano letivo. O clima da reunião era pouco amistoso. Dalva falava com um tom enérgico, que soava agressivo em certos momentos. Marcelo, outro representante da Seeduc, falou em seguida, informando os procedimentos que estavam sendo tomados. Insatisfeito com as explicações dos representantes, um aluno murmurou: “Tão de brincadeira”. Ouvindo o murmúrio, Marcelo foi enfático: “Eu não estou aqui brincando de trabalhar”. O jovem imediatamente respondeu, no mesmo tom: “Nem a gente brincando de estudar”. A palavra foi dada aos estudantes, que deveriam se inscrever para ter direito à fala. Foram muitas as reclamações, que se concentravam em duas questões comuns aos alunos dos dois colégios, a saber, a queixa sobre o tratamento que lhes era dispensado pela equipe técnico-pedagógica4 e a condição de precariedade de pessoal e das instalações da escola.5 Diante das reclamações, os representantes da Seeduc buscavam minimizar os conflitos expostos. Depois de um jovem ter reclamado das condições físicas de sua sala de aula, Marcelo disse que no serviço público, de maneira geral, isso era comum. A resposta não agradou o aluno, que retrucou: “Não acho nada comum! O senhor trabalha com teto caindo?! O senhor trabalha com lâmpada quebrada?!”.

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Os alunos disseram: “Não há diálogo”; “falta transparência, ninguém informa as coisas”; “quando não tem professor, os alunos são liberados e ninguém dá nenhuma satisfação”; “é preciso ter uma comunicação melhor”; “a inspetora trata os alunos com desdém”; “ela [inspetora] trata a gente como bicho”. Sobre isso, pontuaram: “Tem poucos funcionários”; “os ventiladores não funcionam, é uma sauna lá dentro”; “tem muito lixo, a quadra está cheia de entulho”; “estamos com falta de professor”; “o banheiro está todo quebrado”; “na minha sala não tem cadeira pra todo mundo”.

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A insatisfação parecia evidente. Em determinado momento, Thayla, do Cecs, acenou-me e apontou uma cadeira próxima de onde estava, dizendo: “Senta aqui”. Atendi a seu chamado e, assim que me sentei, ela sussurrou no meu ouvido: “Que enrolação isso aqui, hein?!”. Balancei levemente a cabeça, concordando. Após mais de duas horas na Seeduc, a reunião foi encerrada às 13h10. Os alunos comentavam sobre o desfecho. Um deles disse: “É, enrolaram, enrolaram, e não sai nada”. Felipe manifestou-se no mesmo sentido, dizendo que os funcionários da Seeduc ficaram “dando desculpas”.

No fim, quando fui ao bebedouro, deparei-me com Sandra, a diretora-geral do Cecs, que fora fazer o mesmo. “Tudo bem?”, cumprimentei-a. “Não sei se está tudo bem, não...”, respondeu. Não estava mesmo. Sandra acabou exonerada da direção do Cecs, e nunca mais a reencontraria. Em seu lugar, tomou posse Macedo, um professor muito admirado e popular na comunidade escolar do Cecs – um “ótimo professor”, diziam. Três dias após o “protesto”, professores e alunos saudavam vivazmente, com aplausos e gritos, a chegada do novo diretor-geral. O clima hostil dos discentes em relação à escola foi suplantado pelo entusiasmo que parecia acometer todos. A agenda de reivindicações que o grêmio estudantil planejava seguir foi interrompida. Com seu carisma, Macedo legitimava-se como autoridade máxima da escola.

Voltando à escola: a construção da pesquisa e seus aspectos metodológicos A maior parte do material empírico sobre o qual se baseia este livro foi construída a partir do trabalho de campo conduzido por mim entre os meses de fevereiro e dezembro do ano de 2013. Nesse período, assisti diariamente às aulas de duas turmas de ensino médio em uma escola pública de uma cidade da Região Metropolitana do estado do Rio de Janeiro. Entretanto, minha relação com tal escola e alguns de seus alunos já datava de anos anteriores, de modo que, inevitavelmente, algumas conclusões a que cheguei podem estar relacionadas a essa experiência prévia. 29

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Fiz uma pesquisa no Cecs entre os anos de 2010 e 2011. Na época, um de meus colegas era professor naquela instituição e me sugeriu realizar lá meu então primeiro trabalho de campo intensivo.6 A pesquisa tinha como foco os conflitos nas escolas públicas relacionados à religião e estava vinculada a dois projetos de pesquisa7 mais amplos que eram desenvolvidos no âmbito do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas (Nufep) e do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT-InEAC), ambos sediados na Universidade Federal Fluminense (UFF). Como desdobramento dos projetos anteriores, um novo programa de pesquisa foi elaborado, agora voltado especificamente para as escolas públicas.8 Previa, dentre outros recursos, bolsas para professores e alunos de escolas públicas. Meu colega Ronaldo, professor do Cecs na época, ficou responsável por escolher alguns de seus estudantes que seriam contemplados com as quatro bolsas destinadas aos discentes daquela escola. A única solicitação que fiz foi que estivessem cursando o primeiro ano (do ensino médio). Com a presteza que lhe era característica, Ronaldo me apresentou aos que selecionara – Luana, Bruno, Pablo e Bianca. Acatei sua decisão, ratificando os escolhidos.

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Antes disso, em 2009 e 2010, já havia feito, junto de outros colegas, observação direta em ambientes os mais heterogêneos – em uma ONG, tribunais, centros espíritas, Câmara Municipal (CMRJ) etc. –, acompanhando as atividades relacionadas às ações de um movimento da sociedade civil de combate à intolerância religiosa (CCIR). As observações foram realizadas em função de dois projetos de pesquisa, nomeados na nota seguinte. Um deles, coordenado pelo professor Roberto Kant de Lima e financiado pela Faperj, intitulava-se “A crença na igualdade e a produção da desigualdade nos processos de administração institucional de conflitos no espaço público fluminense: religião, direito e sociedade, em uma perspectiva comparada”. O outro, coordenado pela professora Ana Paula Mendes de Miranda e financiado pelo CNPq, intitulava-se “Combate à intolerância ou defesa da liberdade religiosa: paradigmas em conflito na construção de uma política pública de enfrentamento ao crime de discriminação étnico-racial-religiosa”.

A saber, “Identidades e intolerâncias no espaço escolar: repensando as formas de administração de conflitos”, aprovado no Edital Faperj n. 21/2010 – Programa de Apoio à Melhoria do Ensino em Escolas Públicas, coordenado pela professora Ana Paula Mendes de Miranda.

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Bianca não conseguiu providenciar os documentos requisitados no prazo estipulado pela Faperj e não pôde receber a bolsa. Pablo a obteve por alguns meses, mas acabou desistindo dela depois de arranjar um “serviço” em uma lanchonete da cidade. Luana e Bruno, por sua vez, começaram a receber a bolsa, que teria duração de um ano, no início de 2011. Tiveram-na renovada por mais um ano, em 2012, e encerrada em abril de 2013, agora sem possibilidade de renovação. Coube a mim a tarefa de definir e acompanhar as atividades que realizariam como bolsistas, assim como auxiliá-los na elaboração dos relatórios técnicos que teriam de apresentar no encerramento da bolsa. Durante esse período de dois anos, participaram de reuniões de pesquisa na universidade e ajudaram na organização de eventos que promovíamos. A convivência com Luana e Bruno seria definitiva para a escolha do lócus da pesquisa que ora apresento. Quando, em 2013, à procura de uma escola, optei mais uma vez pelo Cecs para realizar meu trabalho de campo, isso não se deveu ao fato de eu já o ter feito lá em 2010 (segundo semestre) e 2011 (primeiro semestre). Toda a equipe que compunha a direção naquela época havia sido afastada. Meu colega Ronaldo, depois de retornar de uma licença sem vencimentos, foi realocado em outro colégio da cidade. Das três professoras de ensino religioso, a disciplina escolar que eu acompanhara na pesquisa anterior, uma já havia me dito que sairia da instituição. De qualquer forma, diferentemente do que ocorreu na outra pesquisa (Maia, 2011; 2012), pretendia agora assistir às aulas de todas as disciplinas, o que me obrigaria a buscar a chancela de professores com quem eu não tinha qualquer proximidade. A única professora, de Sociologia, de quem me aproximei, mudou-se para outro estado e também deixou o Cecs. Em suma, minha entrada na escola, do ponto de vista da permissão para que lá permanecesse e assistisse às aulas, teria de ser reconstruída do zero. Além disso, localizava-se em uma cidade distante da qual eu morava.

A escolha pelo Cecs foi exclusivamente em função da relação que eu havia desenvolvido durante dois anos com Luana e Bruno. O tema de minha nova pesquisa seria a autoridade professoral. Se a 31

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autoridade, tomando a perspectiva teórica adotada, explicada mais adiante, está relacionada à crença por parte dos que se sujeitam à legitimidade daqueles a quem obedecem, então o estudo da autoridade professoral pressupõe uma atenção à concepção que os alunos fazem de seus professores e sobre que fundamentos tal concepção é construída. Relutante aos questionários e entrevistas formais, julgava que seria preciso, além de observar in loco as reações dos alunos às aulas, construir relações de confiança com meus interlocutores, como as que eu já havia estabelecido com Luana e Bruno. Foi o que busquei fazer. É sobre esse aspecto particular – minha relação com os alunos – que devo esclarecer, tendo em vista que meus resultados foram em grande medida alcançados por meio dessa relação. Trata-se, portanto, de fazer uso do que Malinowski chamou de sinceridade metodológica, recurso obrigatório aos etnógrafos, que tem como objetivo explicitar “as condições sob as quais foram feitas as observações e coletadas as informações” (Malinowski, 1978, p. 18).

A primeira providência que tomei foi me mudar, em fevereiro de 2013, para a cidade onde estava localizado o Cecs. Como o horário de início das aulas era às 7h, e eu pretendia acompanhá-las todos os dias da semana desde a chegada até a saída dos alunos, seria extremamente desgastante acordar pelo menos duas horas e meia antes e fazer a viagem diariamente. Além disso, minha disponibilidade de encontrar os alunos depois das aulas ficaria limitada. Minha nova morada ficava a cerca de cinco minutos do colégio, por onde muitos alunos e professores passavam nos horários de entrada e saída escolar. Estar mais perto dele significava também estar mais próximo dos alunos. Foi por intermédio de Bruno e Luana que conheci os demais estudantes que se transformariam em meus interlocutores privilegiados: Dayane, Tamires, Felipe e Fernanda. Muito do que será dito neste trabalho deve-se às conversas que mantive, principalmente, com esse grupo de jovens. Logo no primeiro dia de aula, quando eu conversava com Bruno, na porta da sala de sua turma, duas meninas vieram em nossa direção. Uma delas me perguntou em tom inquisitório: 32

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“Quem é você?! O Bruno é meu!” Era Dayane quem falava e Tamires quem a acompanhava, duas amigas dele. Expliquei a ambas sobre minha pesquisa. Se não afugentasse o interrogado, essa postura inicial aparentemente desafiadora, muito comum durante meu convívio com os alunos, dava lugar, em seguida, a uma relação de proximidade. Algumas semanas depois, Dayane me convidaria para ir com ela terminar uma tatuagem que iniciara na semana anterior. Na escola, esses alunos estavam distribuídos em duas turmas, a 3A e a 3B. Bruno estava na primeira, assim como Tamires e Dayane. Luana, na segunda, junto de Fernanda e Felipe. Foi nessas turmas que eu assisti diariamente, durante todo o ano letivo de 2013, ou seja, de fevereiro a dezembro, às aulas de quase todas as disciplinas. A única que eu não acompanhei nenhuma aula nas duas turmas foi Educação Física. Enquanto uma das turmas tinha essa aula, eu geralmente ia para a outra. Por uma questão estratégica, também não acompanhei nenhuma das aulas de Sociologia da 3A. A professora em questão tinha muitos estagiários, com quem eu temia ser confundido. Durante o trabalho de campo, busquei me desvincular da figura do estagiário,9 a qual, no colégio, era muito comum em todas as disciplinas. Ora, o estagiário era alguém totalmente associado à figura do professor – um futuro professor –, e, portanto, se eu fosse visto como tal, os alunos se sentiriam pouco à vontade em conversar comigo sobre como avaliavam seus professores. Pela mesma razão, evitava ficar na sala dos docentes.

Algumas semanas após o início do ano letivo, antes que o professor começasse a aula, pedi para me apresentar aos estudantes, embora alguns já me conhecessem, nas duas turmas em que eu passaria o ano assistindo às aulas. Expliquei que fazia mestrado em Antropologia e estava ali, onde ficaria até o fim do ano, realizando uma pesquisa sobre “cultura escolar”. Enfatizei que não era um estagiário, o que alguns já haviam me perguntado. Mesmo assim, foi uma árdua tarefa fazer com que tanto os professores quanto 9

Alunos de diversos cursos de licenciatura, que precisavam fazer estágio em escolas públicas.

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os alunos não me classificassem desse modo. Na 3A, logo depois do término da aula em que me apresentei, fiquei na porta da sala esperando pela professora que ministraria a aula seguinte, e de quem eu ainda não havia conseguido autorização para assistir às aulas. Assim que a abordei, no entanto, antes que falasse qualquer coisa, disse: “Não, não, não...”. Expliquei que não era estagiário e falei da pesquisa. Ela, então, perguntou: “Ah, tá, você não é estagiário de Língua Portuguesa, não, né?”.10 Reafirmei que não, e ela permitiu que eu assistisse à aula. Quando entrou na sala, a professora apontou para mim: “Senhores, temos um estagiário”.

Aos poucos, porém, os alunos foram entendendo que eu não era um estagiário, ao menos, não como os demais. Conversava com Fernanda no início do ano, no horário do recreio, quando outra aluna veio me perguntar se eu era estagiário. Fernanda se antecipou e respondeu: “Ele é um estagiário diferente”. Já em setembro, quando fui com os alunos a uma feira científica, visitei com Tamires e Dayane alguns estandes. Em um destes, a expositora perguntou se eu era o professor delas. Tamires respondeu: “Não, ele é só um amigo que veio com a gente”. Além de destacar que não era estagiário, sempre tentava esclarecer aos alunos o que estava pesquisando e o que era antropologia, tarefa não das mais fáceis. Eu conversava com Bruno e Dayane, quando um aluno da 3B se juntou a nós e tivemos o seguinte diálogo: Nicolas: Você estuda o quê mesmo? Bóris: Antropologia.

Nicolas: Antropologia?! Bóris: É.

Nicolas: Mas Antropologia não estuda uns negócios de dinossauro, essas coisas?! Bóris: Bem... Não...

Dayane: É porque aqui só tem animal [risos].

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Essa professora, assim como outros colegas seus, dizia que não gostava de trabalhar com estagiários.

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Bóris: Na verdade, os antropólogos estudam a cultura humana. Eles são mais conhecidos por estudar os índios... Nicolas: Hum... Mas você estuda índios? Bóris: Não...

Dayane: Eu sou uma índia, ó [indicava seu tom moreno de pele e seus cabelos lisos], ele veio me estudar [risos].

Mesmo alguns de meus interlocutores mais próximos manifestavam sua estranheza quanto ao tipo de atividade que eu realizava ali. Depois que tentei explicar a Tamires sobre o que era a pesquisa, ela disse: “Entendi. Mas você pesquisa, pesquisa, pesquisa... mas e aí?”. Dayane também deixava claro o quanto julgava excêntrico meu trabalho. Quando expliquei o que faziam os antropólogos, sua resposta foi: “Coisa estranha isso que você faz. Tem que vir aqui ficar olhando para nossa cara?!”. Inicialmente, não era também sem alguma dose de perplexidade que os alunos encaravam minha frequência às aulas. Ouvi várias perguntas e comentários jocosos: “Bóris, você vai estudar mesmo aqui, é, cara?”, “tava com saudade da escola, né?”.11 Com o tempo, porém, minha presença foi se tornando natural para alunos e professores. Em meados de setembro, viajei para um congresso e fiquei oito dias úteis sem ir à escola. Quando voltei, assim que entrei na sala da 3B, uma aluna falou: “Bóris! Tá sumido, hein, tá sumido...”. Como eu alternava as turmas 3A e 3B no acompanhamento das aulas, era comum ouvir de algum aluno que eu estava “sumido” quando passava alguns dias sem assistir a nenhuma aula em sua turma. Em geral, eu decidia na noite anterior, ou mesmo um pouco antes de ir à escola, a quais aulas iria assistir, consultando o quadro de horário semanal das turmas. Certos dias, assistia a alguns 11

Isso, aliás, estendia-se aos meus conhecidos, inclusive, a muitos de meus colegas antropólogos. Um de meus amigos, formado em Psicologia e entusiasta da teoria freudiana, vivia me dizendo que minha “volta à escola” devia-se certamente a algum trauma que eu sofrera na instituição em meus tempos de estudante secundarista. Vale dizer, a propósito, que cursei meu ensino fundamental e médio em uma escola pública federal, o Colégio Pedro II.

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tempos de aula na 3A e outros na 3B. Às vezes, passava a manhã inteira só em uma das turmas. Diversas vezes, planejei assistir à aula em uma das turmas, e depois de começar a conversar com um aluno de outra, acabava indo àquela última, a fim de continuar a conversa. A única coisa que procurei não fazer foi ficar muitos dias sem frequentar uma turma ou outra.

Além de acompanhar as turmas 3A e 3B, frequentei algumas aulas em outras, de professores que eram muito mencionados pelos alunos dessas turmas – seja positivamente, como um “ótimo” ou “bom” professor, seja negativamente, como um professor “péssimo” ou “ruim” –, embora não fossem mais seus atuais professores.

A diretora-geral, Sandra, no início do ano, permitiu que eu participasse das aulas nas duas turmas de terceiro ano, depois de eu explicar que já tinha feito uma pesquisa na escola, anteriormente. Na ocasião, entreguei-lhe a cópia do projeto de pesquisa que lá desenvolvemos e um DVD do vídeo12 que havíamos produzido como resultado de pesquisa sobre intolerância religiosa, já mencionada previamente. Com auxílio da orientadora pedagógica, procurei os professores que ministravam aula na 3B e na 3A. Nenhum deles se opôs à minha presença em suas aulas. Apenas uma professora, já depois da metade do ano, e quando eu já havia assistido a várias aulas suas, vetou minha presença nas duas turmas dali em diante. Junto aos alunos, minha participação na manifestação foi um momento importante para que pudesse ganhar sua confiança. Naquele momento, também consegui estabelecer relações com alunos que não faziam parte da rede de amizades de Luana e Bruno. No dia seguinte à manifestação, quando me dirigia à sala, ouvi alguém gritando meu nome. Thayla, uma estudante, membro do grêmio, que conheci no dia anterior, durante a manifestação, disse: “Obrigada por você ter ajudado a gente, mesmo que você não tenha podido falar lá, né?” [risos]. “Imagina, de nada”, respondi. Mais tarde, na sala da 3B, quando os alunos comentavam sobre 12

O vídeo chama-se Conflitos da Fé.

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a manifestação no meio de uma aula de Física, Rebeca falou: “O Bóris estava com a gente, lá na manifestação, professora”. Rebeca, aliás, fazia de minha entrada na sala da 3B um evento. Todos os dias, assim que me via, gritava: “Bóóóris!”. Meu contato com os alunos também se deu em lugares de sociabilidade extraescolar. Ao longo do ano, frequentei com eles um museu e um teatro da cidade, a praça próxima à escola, lanchonetes e, diversas vezes, o maior shopping da cidade, para onde muitos iam ao término das aulas. Pelo Facebook, a mais popular rede social da internet, mantive estreita comunicação com eles, sendo incluído pelos próprios em dois grupos fechados13 restritos aos alunos da escola e/ou das turmas. Nesses ambientes, distante dos olhares de seus colegas ou dos próprios professores, os alunos manifestavam suas posições acerca do cotidiano escolar de maneira mais aberta e direta.

Nesse sentido, faço uma última consideração sobre minha relação com os alunos. Na época da pesquisa, eu estava com 24 anos, não muito distante da faixa etária dos alunos das turmas de terceiro ano que acompanhei, em sua maioria entre 17 e 18 anos. Muito do que presenciei e vivenciei com meus interlocutores foi facilitado pelo fato de eu ser também, como eles, um jovem. Uma diferença de idade muito grande é um fator que, para fazer o tipo de trabalho que fiz, mais voltado para a perspectiva dos alunos sobre a escola, se torna um obstáculo (embora não seja necessariamente um impedimento). Penso que seria difícil que eu conseguisse estabelecer a mesma relação de proximidade, por exemplo, com alunos de 12 ou 13 anos. Esse me parece um desafio que os etnógrafos que se aventurarem às escolas terão de enfrentar. Por fim, um esclarecimento sobre a forma de registro dos dados que serão apresentados nos capítulos subsequentes. Durante as aulas, eu sempre deixava alguns papéis espalhados pela 13

No Facebook, é possível criar grupos sobre temas livres. Podem ser abertos ou fechados. Nos fechados, só aqueles que participam do grupo podem ver o que nele é postado por seus membros, e para tornar-se um membro é necessário convite ou aprovação de alguém do grupo.

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mesa, além de um pequeno bloco de notas, no qual fazia anotações curtas. Como alguns professores e alunos demonstravam certa curiosidade pelo que eu escrevia, vindo até a carteira onde me sentava para inspecionar com o olhar meu trabalho, passei a fazer as mesmas anotações no telefone celular, o que passava a impressão de que estava fazendo outra coisa. Em uma das aulas, quando usava o telefone para fazer as notas, um aluno comentou: “Só no Facebook, hein, parceiro?”. Quando saía da escola, escrevia um diário de campo mais minucioso, a partir do que eu havia anotado. Com o celular, tirei também muitas fotos, algumas a pedido dos próprios alunos, para quem as enviava. Diversas seriam publicadas por eles em suas páginas do Facebook. No entanto, a maioria das fotos que tirei, para meu desespero, foi perdida depois de um defeito técnico que meu aparelho apresentou ao longo do ano. Neste trabalho, publico algumas dessas fotos. Para que os alunos não fossem identificados, modifiquei-as utilizando um efeito de edição de imagens. Por isso, irão aparecer aqui sob o título de imagem.

Das poucas vezes em que tentei gravar as conversas, não funcionou muito bem; os alunos ficavam receosos, claramente intimidados. Certa vez, tentei gravar uma conversa com Dayane, dizendo que, se ela quisesse, eu interromperia a gravação. Ela concordou. Durante os 15 minutos que conversamos, sendo gravados, minha falante e extrovertida interlocutora transformou-se numa menina lacônica e retraída. Percebendo seu mal-estar, disse que não era mais preciso gravar e desliguei o gravador. Ficamos mais de três horas conversando depois disso, agora com o ânimo que era comum a Dayane. Quando ouvia alguma fala que julgava muito significativa, eu procurava, assim que possível, algum lugar afastado e repetia, gravando a minha própria voz, o que havia sido dito por meus interlocutores.

Autoridade, carisma e educação Nesta pesquisa, apresentada sob a forma de etnografia, vou examinar o lugar que ocupa o carisma na construção da autoridade 38

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dos professores de escola pública. De que maneira os professores adquirem legitimidade e exercem a autoridade durante as aulas? É essa a pergunta que orienta este trabalho. Privilegiando as relações estabelecidas entre professores e alunos nas salas de aula, a análise incidirá sobre os elementos que atuam no processo de legitimação do carisma professoral. Nesse sentido, as performances desempenhadas durante as aulas pelos professores serão focalizadas, assim como a reação que suscitam nos alunos, com o objetivo de compreender quais técnicas e recursos utilizados produzem a eficácia simbólica na prática pedagógica.

Minha intenção, assim, é pensar a escola a partir do estudo das relações de poder que nela se produzem. Como Weber (2012) assinalou, a autoridade é justamente uma forma particular de poder, que se caracteriza pela existência de uma crença na legitimidade. Por tal definição, para que haja, de fato, autoridade, é preciso que o poder de mando encontre uma obediência consentida. Uma situação de dominação legítima, como chamou Weber, pressupõe essa relação de poder, na qual aqueles a quem a autoridade é atribuída têm suas instruções obedecidas de forma voluntária por terceiros, que a reconhecem como válidas em grau relevante.

Na discussão antropológica sobre as formas de poder, a autoridade ganharia destaque como sendo um elemento responsável por garantir a efetividade de um sistema de poder. Tratando o Estado como uma “ficção dos filósofos”, Radcliffe-Brown rejeitaria a concepção de uma entidade acima dos indivíduos, cujas vontades seriam satisfeitas por meio de instituições políticas. O autor parte do pressuposto de que “o poder do Estado é coisa que não existe; há apenas, na realidade, poderes de indivíduos” (Radcliffe-Brown, 1981, p. 24). Tais indivíduos desempenham papéis diferenciados, e apenas alguns deles detêm a autoridade que permite que suas ordens sejam obedecidas. Foi exatamente a começar da noção de autoridade que Fortes e Evans-Pritchard (1981) construíram uma tipologia dos sistemas políticos africanos, classificados em duas categorias: sociedades com autoridade centralizada e sociedades com autoridade descentralizada (ou não centralizada). As primeiras apresentam um governo 39

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com aparelhos administrativos e instituições judiciais, enquanto nas segundas – sem governo – é na ordem do parentesco que se vai encontrar a regulação de suas relações políticas, primordialmente por meio do sistema de linhagem segmentária. Como Amorim (1975) bem notou, nas sociedades ditas industriais (ou modernas) as burocracias substituíram o parentesco no que tange à concentração do poder, tornando crucial o estudo da estrutura de autoridade existente entre as diferentes instituições burocráticas, assim como a maneira em que a autoridade é exercida dentro delas.

As escolas são um terreno fértil para tal tipo de investigação, nas quais se pode observar como professores e demais integrantes da equipe técnico-pedagógica protagonizam diariamente diversos ritos escolares. Nestes, evidenciam-se as relações de poder que caracterizam a burocracia escolar do modo pelo qual a autoridade é exercida, sobretudo nas interações travadas cotidianamente entre aqueles agentes e os estudantes. Muitos autores já destacaram a importância da autoridade professoral no processo de socialização escolar. A formação de uma ética republicana e da identidade nacional por meio da escola francesa, preocupação central de Durkheim em alguns de seus escritos (1978; 2008), realizar-se-ia pela autoridade moral contida na figura do professor, que garantiria o êxito da atividade docente. Para Bourdieu e Passeron (2011), a autoridade professoral torna possível a imposição dos arbitrários culturais e, por decorrência, a consagração de determinados saberes valorizados pela escola.

Mesmo surgindo como tema relevante nas teorias sociológicas sobre educação escolar, vide Durkheim e Bourdieu, a autoridade professoral tem sido pouco estudada a partir de uma perspectiva etnográfica. As formas de construção e de exercício da autoridade do professor são amplamente desconhecidas, muito em função de perspectivas teóricas que tomam a autoridade como algo já dado, independentemente da interação professor-aluno, ocasião em que a autoridade é, de fato, exercida e contestada (Pace; Hemmings, 2007).

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O esforço em descrever as situações de resistência escolar – o que os trabalhos de Willis (1991) e McLaren (1992) fizeram com grande destaque – cumpriu papel importante na discussão sobre as relações de poder vivenciadas ao longo do processo educativo que se desenrola no âmbito da escola, mostrando como o questionamento à autoridade dos professores pode se dar de múltiplas formas, sendo um elemento constante do cotidiano escolar. Entretanto, costuma-se atribuir a resistência a fatores macroextraescolares – como a cultura operária, no caso de Willis –, fazendo com que a legitimidade da prática pedagógica esteja situada fora das interações vivenciadas no dia a dia escolar.14

Dentre as atividades desempenhadas pelos professores, faz-se necessário compreender, de uma perspectiva etnográfica, que tipos de práticas pedagógicas conferem legitimidade à sua atuação e quais delas colaboram para um descrédito da atividade docente. Tal compreensão possibilitará entender o tipo de autoridade que os professores exercem em sua relação com os alunos, sobretudo, durante as aulas, e, portanto, a natureza da socialização política15 que as escolas proporcionam (Resende, 2008). Entretanto, em face das enormes variações internas no que tange à lógica de funcionamento das instâncias burocráticas e aos desígnios que elas cumprem em uma determinada ordem social, é esperado que existam formas distintas de se viabilizar os propósitos institucionais, já que, “dependendo da natureza da legitimidade pretendida, diferem o tipo da obediência e do quadro administrativo destinado a garanti-la, bem como o caráter do exercício da dominação. E também, com isso, seus efeitos” (Weber, 2012, p. 139). 14

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Por outro lado, um foco centrado demasiadamente nos atores, onde as interações sociais sejam a unidade de análise primordial, pode levar ao extremo oposto, ignorando as coerções estruturais que informam os contextos nos quais tais interações se desenrolam (Ortner, 2007). Do ponto de vista das relações de poder, essa perspectiva direciona sua atenção para a habilidade de um ator social impor sua vontade sobre outro em determinada interação social, privilegiando as relações interpessoais em prejuízo das relações estruturais (Wolf, 1990). Trata-se do “trabalho qualificador (...) feito para preparar os alunos para enfrentarem o mundo, participando no governo dos assuntos da cite política” (grifo do autor, Resende, 2008, p. 16).

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Nesse sentido, sabe-se que os sistemas de ensino variam muito quanto aos modelos pedagógicos seguidos, à organização curricular adotada, às habilidades cognitivas exigidas. Tomando sua experiência pessoal como aluno e professor universitário, Kant de Lima (1985) estabeleceu um contraste entre a socialização acadêmica no Brasil e nos Estados Unidos, mostrando como a construção do conhecimento nos dois modelos acadêmicos (norte-americano e brasileiro) divergia quanto às suas formas hegemônicas de acesso – universalizante no caso norte-americano e particularizante no caso brasileiro. Já Pinto (1999), pela observação direta em três cursos universitários no Brasil, indicou que, apesar de a escrita ser valorizada pela norma explícita como forma de transmissão do conhecimento, é a oralidade que prevalece nas práticas acadêmicas como forma hegemônica, englobando a escrita no trabalho pedagógico. Diante disso, a relação professor-aluno é marcada pela existência de uma autoridade de tipo carismático, na qual o saber é reconhecido como advindo daquele que produz e transmite por meio da oralidade as interpretações legítimas do texto escrito. No caso das escolas, os poucos trabalhos etnográficos existentes no país ainda não permitem conclusões mais ambiciosas no que concerne às relações de poder que estruturam a dinâmica escolar, embora esforços preliminares já tenham sido iniciados.16

Tratando de escolas cariocas de ensino médio, Maggie e Prado (2014) construíram dois tipos ideais de culturas de gestão identificadas no Rio de Janeiro: a cultura de gestão burocrático-racional, na qual os gestores seguem as ordenações jurídicas, valorizam o mérito e buscam resultados positivos nas avaliações 16

As etnografias em escolas no Brasil constituem em sua maioria esforços isolados, como o de Cipiniuk (2009) e Pimenta (2009), por exemplo, apesar de haver contribuições desde o final dos anos 1990 no sentido da delimitação de um campo de pesquisa, que poderia ser denominado como Antropologia da Educação ou Antropologia e Educação (Dauster, 1997, 2008; Gusmão, 1997, 2010; Tosta, 2011; Guedes, 2014). Como exceção, vale marcar o trabalho de equipe coordenado por Yvonne Maggie há cerca de uma década na UFRJ, que já resultou em diversos trabalhos etnográficos sobre as escolas do Rio de Janeiro (Maggie, 2006; Sá Earp, 2006; Encarnação, 2007; Lage, 2010; Galeno, 2011; Gomes, 2012).

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externas; e a cultura de gestão carismática, em que há uma concepção prévia de que o ensino não é para todos, os melhores alunos recebem atenção diferenciada e a relação com as instâncias superiores são conflituosas. Por outro lado, as autoras afirmam que mesmo na cultura de gestão burocrático-racional, “em quase todos os casos estudados, o gestor desse tipo é um líder carismático (...), escolhido por suas características emocionais ou afetivas e que regula a vida dos que vivem o ambiente escolar por meio de sua habilidade pessoal” (op. cit., p. 73).

Os trabalhos de Pinto (1999) e Maggie e Prado (2014), ambos concernentes ao universo pedagógico, apontam para a ocorrência do carisma como norteador de práticas institucionais. Sob esse ponto de vista, os resultados que irei apresentar nesta etnografia atestam a relevância que o carisma parece ter para a compreensão dos ambientes de educação formal. O conceito clássico de carisma, que serve como ponto de partida para a quase totalidade dos trabalhos sobre o tema, faz referência a “uma qualidade pessoal considerada extracotidiana (...) e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos, extraordinários específicos” (Weber, 2012, p. 158 e 159).

Embora já se tenha argumentado sobre a importância do carisma para o funcionamento das instituições centrais da sociedade moderna, em que o poder está concentrado de maneira mais evidente (Shils, 1965; Geertz, 1997), ainda prevalecem na literatura sobre o tema estudos restritos ao domínio da religião, sobretudo na sociologia e na antropologia, e aqueles centrados em grandes líderes políticos e/ou heróis nacionais, na ciência política. Por mais que o termo carisma seja de uso corrente para nos referirmos a pessoas envolvidas em atividades das mais diferentes esferas da vida social – desde o âmbito familiar e de amizade até a esfera profissional, mais impessoal –, o uso analítico do conceito não tem sido aplicado para se entender o fazer cotidiano de grupos e instituições seculares e de menor escala.17 Assim, você 17

Evidentemente que existe uma diferença entre uma categoria analítica e uma

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provavelmente se lembra de algum amigo ou professor carismático com quem teve contato, mas, ao examinar os agentes carismáticos que aparecem nos estudos sobre carisma, tudo que conseguirá encontrar são figuras superpoderosas e socialmente distantes como Bispo Macedo e Adolf Hitler. Nesse aspecto, considero que os resultados de minha pesquisa sobre as relações de autoridade em uma escola pública, além de contribuírem para o ainda diminuto conjunto de trabalhos etnográficos sobre as escolas no Brasil, permitirão também que o carisma possa ser pensado para além dos domínios tradicionais da religião e da macropolítica, mais especificamente no interior de um contexto institucional pedagógico.

Em termos de unidade de análise, alguns estudos mais recentes sobre o fenômeno do carisma têm adotado uma abordagem mais processual, enfatizando o papel da performance, por meio da qual o carisma é criado (Csordas, 1997), constantemente provado (Pinto, 2002) e até negociado (Kirsch, 2002). Em conformidade com tal abordagem, neste estudo, buscarei mostrar como o carisma era definidor da autoridade professoral em uma escola pública, emergindo durante o rito da aula justamente por meio das performances dos professores. No primeiro capítulo, apresento o contexto no qual o estudo das relações de autoridade foi desenvolvido. Assim, pretendo fornecer algumas características sobre a escola em que fiz a observação direta e sobre a conjuntura de crise que ela atravessava, situação que provocou a mudança de toda a equipe que compunha a direção. Da mesma forma, busco descrever alguns alunos com os quais interagi mais intensamente durante a pesquisa, situando as duas turmas em que eu assistia às aulas, com destaque para meus principais interlocutores.

O segundo capítulo enfocará os ritos e as classificações escolares. Por meio deles, poderemos entender o tipo de autoridade que caracteriza a relação entre professores e alunos no categoria êmica (ou nativa) de carisma, mas tal diferença não justifica a ausência a que faço referência.

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cotidiano escolar. Dois ritos escolares serão analisados: a aula e o conselho de classe (COC). A aula é o principal momento no que diz respeito à transmissão do saber na escola, e é apenas levando em consideração a sequência ritual que a caracteriza que será possível compreender posteriormente a fala dos alunos ao classificarem seus professores. Depois de identificar as etapas do rito da aula, inscrevo-as na oposição oralidade/escrita, pela qual irei analisá-las. Daí, aparece pela primeira vez o carisma como forma de relacionamento no interior da escola. O conselho de classe, por sua vez, é um rito de julgamento escolar, onde os professores discutem entre pares sobre as turmas e os alunos, tornando explícitas as categorias de juízo professoral. Tratando os professores como autoridades carismáticas, descrevo no terceiro capítulo as performances que desempenham durante as aulas, assim como as reações que suscitam nos alunos. A explicação é a etapa da aula em que a performance do professor é posta sob avaliação de maneira mais criteriosa pelos alunos, em função de ser considerada como item primordial na atribuição do carisma professoral. Por meio, portanto, das performances dos professores e das falas dos alunos sobre o que seja um “bom professor”, estaremos aptos a compreender o que constitui o carisma professoral. Já no quarto capítulo, depois de discutir o conceito de autoridade – carismática – e quais os elementos que caracterizam o carisma professoral, o objetivo é mostrar como os professores exercem a autoridade durante as aulas e de que forma os alunos a contestam. Ver-se-á que diversas estratégias são utilizadas pelos professores visando ao consentimento dos alunos e que elas estão relacionadas ao grau de carisma de cada professor. Finalmente, recupero nas considerações finais os principais pontos levantados ao longo dos quatro capítulos, buscando costurá-los o melhor possível, de modo que se perceba ainda mais claramente o que seja esta vida de escola, que convido o leitor a conhecer adiante.

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