Barbante, ripas e luta - Ocupações organizadas de terras urbanas no Rio de Janeiro preview

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Barbante, ripas e luta


Universidade Federal Fluminense REITOR Sidney Luiz de Matos Mello VICE-REITOR Antonio Claudio Lucas da Nóbrega

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Gerônimo Leitão, Jonas Delecave, Helena Araújo, Helena Porto, Jéssica Ojana e Elane Frossard

Barbante, ripas e luta Ocupações organizadas de terras urbanas no Rio de Janeiro, 1983-1993


Copyright © 2014 Gerônimo Leitão, Jonas Delecave, Helena Araújo, Helena Porto, Jéssica Ojana e Elane Frossard Copyright © 2015 Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense

Nova Biblioteca, 4

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Impresso no Brasil, 2015 Foi feito o depósito legal.


Sumário Introdução | 7 Um breve painel das políticas habitacionais implementadas pelo poder público entre as décadas de 1960 e 1990 | 11 Construindo “bairros populares”: as ocupações organizadas de terras urbanas nas páginas da imprensa carioca | 27 Quem são, como atuam e o que esperam alcançar os integrantes dos movimentos organizados de ocupação de terras urbanas | 49 Há vinte anos, uma breve caracterização das ocupações organizadas e da espacialidade por elas geradas | 49 Dois exemplos emblemáticos das ocupações organizadas de terras urbanas: a Vila Getúlio Cabral e o Parque Esperança | 56 A construção da Vila Getúlio Cabral: “fazendo política habitacional com as próprias mãos” | 58 A Comunidade Parque Esperança: “fizemos as comunidades virarem uma cidade” | 66

Considerações finais | 77 Referências | 89 Agradecimentos | 95



Introdução

A

bordamos neste trabalho um dos processos de produção informal da moradia na Região Metropolitana do Rio de Janeiro: as ocupações organizadas de áreas urbanas vazias, em sua maioria públicas, no período compreendido entre o início da década de 1980 e meados dos anos 1990. Inicialmente, procuramos descrever, de forma breve, o quadro de produção da habitação de interesse social pelo poder público, a partir da criação do Banco Nacional de Habitação, em meados dos anos 1960, até o início da década de 1980, momento em que o processo de redemocratização do país e as lutas pelo direito à habitação dão origem a um movimento organizado de ocupação de terras urbanas, com características singulares. Em seguida, analisaremos as características desse expressivo movimento, que surge no início da década de 1980 e se estende até meados dos anos 1990, nos municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Essas ocupações ocorreram pela ausência de políticas habitacionais adequadas para o atendimento das necessidades de moradia da população mais pobre, excluída, também do mercado imobiliário formal. Contribuiu, também, a existência de um cenário político receptivo às demandas dessa população: no estado do Rio de Janeiro, as eleições democráticas de 1982 constituíram, de fato, uma guinada no que diz respeito às relações entre o Estado e as entidades representativas de favelas e de outros movimentos comunitários de luta pela moradia, com a vitória de uma candidatura comprometida com a transformação das favelas em bairros populares. O quadro de informalidade crescente na provisão de moradias para a população mais pobre se acentuava, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a partir da década de 1980, quando a crise econômica – com desdobramentos graves na 7


economia estadual – deu origem a um crescimento do número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, limitando ainda mais as possibilidades de aquisição de lotes nas áreas periféricas. Durante o período compreendido entre a eleição (novembro de 1982) e a posse de Leonel Brizola (março de 1983), várias ocupações de terrenos públicos – e, em menor número, privados – ocorreram, o que, para alguns, representaria uma ação legítima do movimento social organizado, na busca da resolução dos problemas de acesso à moradia. Para outros, entretanto, essas ações seriam “orquestradas” por grupos conservadores, que teriam por objetivo inviabilizar a governabilidade da futura administração fluminense. Surgiram, desse modo, loteamentos com 800, 1.100 e até 1.500 lotes, demandando intervenções do poder público, no sentido de promover a regularização da posse da terra, assim como a urbanização desses assentamentos. Alguns deles apresentavam um grau expressivo de consolidação e sua morfologia muito se assemelhava às áreas vizinhas da cidade oficial, no que se refere aos padrões construtivos das moradias e nas dimensões de lotes e de logradouros. Contudo, a ausência de infraestrutura de saneamento básico adequada e de pavimentação dos logradouros fazia com que fossem consideradas favelas pelo poder público. Algumas das lideranças comunitárias que organizaram essas ocupações foram assassinadas ou desapareceram. Outras ocuparam cargos eletivos nas Câmaras de Vereadores de seus municípios e na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Em alguns assentamentos, muitas vezes, é difícil encontrar famílias que participaram do processo de luta pela terra e que ainda permaneceram na comunidade. Embora não se tenha regularizado a posse da terra em alguns desses assentamentos, lotes são comprados e vendidos, constituindo, assim, um mercado imobiliário à margem das normas e regras que norteiam essa prática na cidade formal. Essas ocupações acabaram por dar origem a verdadeiros bairros, que se mesclam aos loteamentos oficiais, promovidos pelo setor privado e aprovados pelos órgãos municipais. Desenvolvido em dois momentos distintos – meados da década de 1990 e início dos anos 2010 – este trabalho busca 8


contribuir para a compreensão desse movimento, responsável pela estruturação de expressivas áreas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Pretende-se, ainda, ressaltar o significado político desse movimento, na luta pelo direito à cidade, nos termos colocados por Lefebvre (1999). A primeira etapa de análise desse movimento de ocupações organizadas foi realizada, em 1995, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Prourb/UFRJ), quando se buscou traçar um amplo painel desse movimento, através de levantamentos realizados em assentamentos gerados por ocupações organizadas, cuja regularização fundiária havia sido promovida pela intervenção do Estado. Nesse sentido, levantamentos de campo foram feitos, com a realização de entrevistas, focando diversas questões, com o objetivo de reconhecer as singularidades desse movimento. Em uma segunda fase, desenvolvida na esfera do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (PPGAU/UFF), entre os anos de 2010 e 2012, procuramos registrar, inicialmente, a trajetória desses movimentos de ocupação, a partir das matérias publicadas nos principais jornais do estado do Rio de Janeiro, que abordaram, em diferentes momentos, suas características, objetivos e estratégias de ação. Consideramos que essas matérias representam um registro expressivo do cenário político/econômico/social do período em que ocorreram essas ocupações organizadas. Em seguida, realizamos um estudo mais detalhado de dois casos que consideramos representativos dessas ações de ocupação organizada de terrenos urbanos vazios: a Vila Getúlio Cabral, no município de Duque de Caxias, e o Parque Esperança, no município do Rio de Janeiro. O caráter representativo dessas duas ocupações pode ser observado nos seguintes aspectos: estratégias de organização prévia do movimento; planejamento do uso e ocupação do terreno ocupado; e as negociações com o Estado, visando garantir a regularização fundiária da área ocupada e a futura implantação da infraestrutura urbana necessária. Concluímos nosso trabalho com uma reflexão sobre o amplo significado desse movimento social organizado para a 9


estruturação de extensas áreas urbanas, que, ao longo do tempo, se tornaram partes integrantes da cidade “oficial”, ainda que construídas de modo absolutamente informal, à margem das políticas habitacionais de interesse social (então inexistentes), dos parâmetros urbanísticos e das práticas vigentes no mercado imobiliário formal. Com este livro, pretendemos trazer a história não escrita desses “urbanistas” anônimos e daqueles que assumiram, na ausência do Estado, o papel de protagonistas da construção de uma política de habitação social.

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