revista ABENDI | Contando azulejos

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CONTANDO AZULEJOS COM DETLEF SCHULTZ TEXTO DE EDU OLIVEIRA Ninguém sabe ao certo do que são feitos os grandes campeões, mas não há como negar que vencer, em qualquer profissão ou em qualquer esporte, exige grandes doses de treino e dedicação. O paulistano Detlef Schultze trabalhou quase 50 anos como tradutor e engenheiro, e construiu uma carreira de sucesso na área dos Ensaios Não Destrutivos. Após se aposentar, quando todos pensavam que iria sossegar, Schultze mergulhou de cabeça na piscina e investiu na natação a mesma garra que sempre dedicou à vitoriosa carreira empresarial. O resultado não poderia ser outro: quatro medalhas de ouro, uma de prata e duas de bronze no último Campeonato Sul-americano em Santiago (Chile), um recorde paulista em sua antiga categoria e a inspiração para esta matéria em sua homeREVISTA ABENDI | 14

nagem na revista especial que comemora os 35 anos da Abendi – instituição que ajudou a idealizar em 1979. DO INÍCIO À ABENDI As recordações nadam para longe durante a entrevista de uma hora. Detlef recorda que, na década de 60, nasceu um forte movimento nacional das empresas de Ensaios Não Destrutivos por avanços em questões relativas ao Controle da Qualidade. As organizações que atuam na área industrial passaram a enviar seus profissionais para fora atrás de treinamentos nas sedes dos fabricantes dos principais equipamentos. Muita gente desembarcou em países como Estados Unidos, Suíça, Dinamarca, Suécia e França. Schultze, na época, já estava na


EDIÇÃO ESPECIAL | 35 ANOS

“Quando você está contando azulejos, nada mais importa. Você alivia a mente e deixa os problemas para trás”, (Detlef Schultze). contra a escassez de informações e de cursos para solucionar a questão da falta de profissionais qualificados no segmento. Nascia, assim, a Associação Brasileira de Ensaios Não Destrutivos.

Alemanha, estudando em Stuttgart, quando recebeu o convite e começou a trabalhar com END. “A princípio, eu queria trabalhar com máquinas agrícolas, pois meu pai tinha uma pequena indústria no Brasil. Mas recebi uma ótima proposta de uma empresa brasileira para a qual eu já tinha trabalhado como estagiário” nos conta Schultze. Detlef estagiou por alguns meses nas filiais na Venezuela, na Colômbia e no México e ganhou experiência em métodos como Ultrassom, Raios X e Correntes Parasitas, até ser enviado para a matriz, no Brasil. Logo que retornou, assumiu a função de engenheiro de vendas na área de Ensaios de Materiais. Era um momento de crescimento da indústria brasileira e havia uma grande demanda por métodos de ENDs como Raios X e Ultrassom. Schultze, então, resolveu investir nessa área e começou a visitar clientes e a comercializar os equipamentos empregados nesses tipos de ensaios. No contato com a indústria, foi conhecendo pessoas, fazendo amigos... Até que, em 1979, viu-se entre um grupo de visionários que decidiu lutar

SUCESSO NOS ENDs A história de Detlef nos ENDs é um pouco mais antiga que a fundação da Abendi. Ele se formou na FEI (Faculdade de Engenharia Industrial), em Engenharia Mecânica, no ano de 1963, e começou sua carreira traduzindo manuais de equipamentos do alemão e do inglês para a língua portuguesa. De tanto ler e estudar os documentos, o engenheiro foi se tornando especialista nas máquinas e tecnologias e, inspirado pelo saudoso pioneiro dos ENDs, o professor Paula Leite, passou também a lecionar em cursos de Ultrassom e Partículas Magnéticas. Numa fase em que o país dificultava a importação de equipamentos, Detlef, em parceria com alguns empresários europeus, montou uma fábrica em Cotia (SP) para produzir equipamentos com conteúdo nacional. Juntou-se, alguns anos depois, a outros três amigos engenheiros para produzir máquinas de Partículas Magnéticas. Mas as atividades como fabricante duraram pouco tempo. Logo descobriram que o métier não era necessariamente a fabricação, mas a representação. “Quando fundamos a AROTEC, percebemos que PÁGINA | 15


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o diferencial para concorrer com firmas mais tradicionais era a Assistência Técnica”. Schultze continua: “Pensamos que, se nós quiséssemos firmar pé em um mercado tão competitivo, teríamos que ser melhores do que os concorrentes. Investimos em treinamentos, contratamos profissionais eficientes, cativamos o cliente com uma boa Assistência Técnica. Por isso, crescemos muito rapidamente”. RAPIDEZ TAMBÉM NA PISCINA Apesar da agitada prática profissional, Detlef Schultze sempre cuidou da saúde e do preparo físico. No entanto, ao se aposentar, surgiu a preocupação com um “alemão perigoso”, como ele mesmo classifica: o Alzheimer (mal de Alzheimer). “Eu sempre me preocupei com a minha saúde. Nunca parei realmente. Mesmo depois de aposentado, continuei fazendo traduções para a Abendi e para as empresas que necessitavam de manuais de operação em português. Exercitar o cérebro é extremamente importante. No entanto, nunca considerei isso suficiente. Então, resolvi sair da rotina e ir contar azulejos dentro da piscina para contornar os males da idade”, esclarece. Schultze aprendeu a nadar com 17 anos, porém, a idade já era avançada para sonhar com uma carreira esportiva. Depois, vieram a faculdade, o trabalho, a família foi crescendo e a piscina acabou indo temporariamente pelo ralo. O retorno ocorreu em grande estilo, nos últimos

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anos, na equipe de Natação Master do Esporte Clube Pinheiros. A natação Master é uma modalidade destinada a atletas com mais de 25 anos, dividida em categorias de cinco em cinco anos, que disputam provas de 50, 100, 200, 400 e 800 metros, nos quatro estilos olímpicos (crawl, peito, costas e borboleta). “Eu sou especialista no nado de peito. Tenho 77 anos e me enquadro, atualmente, na faixa de 75 a 80 anos. Com essa idade, eu já mergulho em desvantagem, pois tenho que encarar os ‘jovenzinhos’ de 75 e 76 anos e tirar a diferença nas braçadas”, ressalta. Nesse estágio, não há mais o anseio para quebrar os recordes. O esportista pensa apenas em entrar mais preparado na próxima faixa etária. No entanto, Detlef já passou e deixou seu nome gravado na classe anterior com o recorde paulista na prova de 50 metros Peito, categoria dos 65 aos 70 anos. O circuito de natação Master tem dezenas de competições durante o ano. As últimas provas internacionais foram o Campeonato Sul-americano de Santiago (Chile) e o Campeonato Mundial em Riccione (Itália) que ocorreu em 2012 e rendeu três medalhas entre os 10 primeiros da faixa etária. Em solo nacional, Detlef garantiu três medalhas de ouro e duas de prata em cinco provas disputadas pela Copa Brasil de 2014, realizada em Ribeirão Preto (SP). Além disso, o ano traz também uma competição sul-


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“Eu sempre me preocupei com a minha saúde. Nunca parei realmente... Exercitar o cérebro é extremamente importante”, (Detlef Schultze). -americana em Mar del Plata (Argentina); competições em Belém (PA), Campo Grande (MS) e Foz do Iguaçu (PR); e os campeonatos estaduais realizados em clubes e academias de todo o Estado. “Quando a prova é internacional, nós nadamos pelo clube, mas defendemos o nosso país. Eu sou o primeiro do ranking nos campeonatos sul-americanos, mas, nas provas mundiais, minha meta sempre foi ficar entre os dez mais rápidos”, revela. No preparo para os campeonatos, Schultze nada dois mil metros de três a quatro vezes por semana com a treinadora Gisele Pereira, recordista mundial no nado de costas na categoria de 40 a 45 anos, e realiza exercícios de condicionamento físico na academia do clube para conservar a musculatura. A natação Master, ressalta, exige que os atletas prestem mais atenção ao seu corpo, que comam mais peixe do que carne vermelha, evitem bebidas alcoólicas e deixem para trás as pequenas imprudências do dia a dia. Detlef comenta que faz amigos de todas as idades nas provas. O nadador mais velho que encontrou foi um italiano de 93 anos. “Nado muito pelo meu grupo, para somar pontos para o clube. Todo mês há uma competição em alguma cidade diferente. Viajamos juntos e acabamos criando laços incríveis de amizade que nos motivam e nos ajudam a nadar mais rápido”, afirma. Talvez esse clima de afeição seja o elemento básico que faça com que não exista uma ansiedade

desmedida por medalhas. Segundo o nadador, a obrigação de cada um é consigo mesmo e todos se esforçam para dar o melhor de si, independentemente do resultado. Para Schultze, dedicar-se a alguma prática esportiva não é apenas uma busca para ser o melhor e o mais rápido. É uma procura por mais saúde e qualidade de vida. “Quando você está contando azulejos, nada mais importa. Você alivia a mente e deixa os problemas para trás. Recomendo a natação para todos aqueles que buscam uma vida mais saudável”. Um bom exemplo dos benefícios da natação foi Maria Lenk, a primeira brasileira a competir em uma Olimpíada em1936, que contou azulejos a vida inteira. “Ela foi um ícone, uma inspiração que nadou 1,5 km por dia até os 92 anos de idade. E foi nadando assim até o final. Quando saiu definitivamente da piscina, descansou para sempre”, arremata. • PÁGINA | 17


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