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Quebrando tabus Edu Oliveira

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m “A Hora da Estrela”, Clarice Lispector escreveu que “o destino de uma mulher é ser mulher”. A história calcada nesse aforismo está centrada na personagem Macabéa, uma moça simples do interior que se cobre de coragem e vai para a cidade grande perseguindo sonhos maiores em uma época em que o preconceito tornava as paisagens além do horizonte aterradoras. A visão poética da autora, dotada de proverbial intuição feminina, anunciava a libertação e consequente invasão da mulher no mercado de trabalho, que estaria para acontecer gradativamente alguns anos depois. Para a romancista, a mulher pode ser o que quiser, desde que não se esqueça de ser mulher. As mulheres delicadamente desmancharam o Clube do Bolinha (Clube dos Batutinhas para os mais jovens) e, com a maquiagem alinhada e o cabelo impecável, foram ocupando cargos antes dominados apenas por homens. Hoje, presenciamos mulheres trabalhando como mestras cervejeiras, pilotos de corrida, motoristas de ônibus, e inspetoras de END. O preconceito ainda está presente em várias partes da sociedade. Pode ser sutil e quase imperceptível, no entanto, ele sempre dá as caras para

Juliana realiza inspeção visual em vasos de pressão NR13 durante visita a um cliente de Minas Gerais

desapontar e desmotivar ótimas profissionais. Para combater essas opiniões e sentimentos pré-concebidos, apresentamos a seguir um pouco da

vida e do trabalho de Juliana Higino Brandhuber, uma paulista de 27 anos, cujo rosto de menina esconde uma invejável experiência no segmento.

“Foi a persistência de não desistir na primeira porta fechada que fez as mulheres chegarem onde estão” 20

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“Acho o máximo quando vejo mulheres ocupando cargos de comando na polícia, governando países importantes como Brasil, Argentina...”

bulações. Realiza a reconstituição de prontuários e calibração de válvulas. Além de ENDs como partícula magnética, líquido penetrante e ultrassom. “É um trabalho essencial, pois garante a integridade física de pessoas e equipamentos, prevenindo acidentes”. Juliana nota que existem poucas mulheres em inspeção. Todavia, trata-se de uma evolução constante, que

está apenas começando. “Temos confiança que somos capazes. Acredito muito em três palavras: paciência, experiência e esperança. Podemos perder hoje, mas venceremos amanhã”. Faz cinco décadas desde que os primeiros gritos de Betty Friedan ecoaram na Europa e nos Estados Unidos com a obra “Mística Feminina”. A autora denunciou os papéis sexuais impos-

O autorretrato foi registradodentro de um tubulão de uma caldeira aquatubular. Juliana fazia inspeção visual das soldas e do casco e testes com líquido penetrante nas conexões e cruzamentos

Fotos: Acervo pessoal

Vocações e aspirações Juliana ingressou na área por influência do seu falecido pai. Júlio César era engenheiro mecânico, especialista em ultrassom, líquido penetrante e partículas magnéticas. Apaixonado pela atividade, certamente imprimiu um pouco de seu trabalho no DNA das filhas, Juliana e Jaqueline. Com seis anos de faculdade e quatro de treinamentos em ensaios não destrutivos, Juliana graduou-se em engenharia mecânica plena e fez cursos de ultrassom, inspeção por líquidos penetrantes, vasos de pressão e inspeção de equipamentos no IBP, no Cetre e na Abendi. “Estudei muito, mas valeu a pena. Foi um sonho realizado. Gostei muito do que aprendi e estou sempre utilizando conhecimentos em termodinâmica e mecânica dos fluidos em meus serviços”, relata a profissional que almeja cursar pósgraduação em gestão empresarial. Juliana trabalha atualmente como engenheira mecânica na JBI Inspeções, empresa que comanda ao lado da irmã Jaqueline, e coleciona metas para os próximos anos. A profissional habilitada em NR13 dedica-se exclusivamente ao crescimento da empresa. Além de solidificar a imagem de responsabilidade e qualidade na prestação de serviços, ela pretende também entrar no segmento de meio ambiente e sustentabilidade. Mulheres no trabalho JBI, ao contrário do que alguns clientes sugerem, não é a abreviação de Jovens e Belas Inspetoras. É a junção das primeiras letras dos nomes e do sobrenome das irmãs com o “i” de inspeções. A empresa existe há quase 10 anos e atende clientes dos mercados farmacêutico, químico, metalúrgico, de gases industriais e de papel e celulose. Presta serviços de inspeção em caldeiras, vasos de pressão e tu-

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tos pela sociedade que presumem ser a domesticidade a maior qualidade de uma mulher. Betty desafiou os homens a participarem dos serviços domésticos e da criação dos filhos e certamente fez o mundo repensar alguns valores. Atualmente, não é difícil ver homens cuidando da casa e das crianças enquanto a mulher vai ao trabalho. No entanto, o mais comum é ambos trabalharem e complementarem a renda familiar. Juliana acredita que foi a persistência de não desistir na primeira porta fechada que fez as mulheres chegarem onde estão. Devido a isso, os esforços femininos não podem ser vistos como uma competição com os homens. Elas querem, segundo a inspetora, conquistar espaço para fazer sua parte. “Acho o máximo quando vejo mulheres ocupando cargos de comando na polícia, governando países importantes como Brasil e Argentina, dirigindo veículos de grande porte como ônibus e caminhões. Quebramos definitivamente o tabu”. Juliana continua: “Acredito que, com a evolução da sociedade e quebra de mais alguns paradigmas, o mundo evoluiu e atualmente temos uma grande diversidade de profissões sendo ocupadas tanto por homens quanto por mulheres”. Vivemos o fim das distinções de cargos por sexo. Não existe mais área feminina ou masculina. Homens e mulheres se misturam no mercado de trabalho. Porém, toda minoria chama um pouco de atenção e os preconceitos aparecem de todas as formas.

Foto feita por um colega durante o trabalho em um trocador de calor

Ossos do ofício Existem ótimas inspetoras de ENDs. Mulheres que se destacam e fazem a diferença na área. Para Juliana, a genética faz com que as mulheres sejam mais dedicadas, atenciosas, detalhistas e caprichosas. Contudo, o mundo ainda guarda traços machistas e, entre um e outro trabalho, eles sempre entram em cena. A ins-

petora confessou que já sofreu muito preconceito. No caso mais grave, um cliente disse que ela não poderia ser a encarregada chefe em uma equipe com cinco homens. Tentou impedir o acesso dela ao local, pois achou que sua beleza fosse fazer com que todos os funcionários parassem as máquinas para acompanhar a inspeção. “Vai atrasar o serviço, tenho certeza”.

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Fotos: Acervo pessoal

Mapeamento de pontos de medição de espessura em um trocador de calor

Com outro contratante, o funcionário da manutenção questionou se era ela mesmo que iria fazer a inspeção na caldeira e comentou com o colega: “Nossa, mas será que ela é maior de idade?”. No fim, ele pediu desculpas e disse: “Não é que a ‘bebezinha’ sabe o que está fazendo. Bom trabalho”. Juliana nem liga mais para os olhares. Segundo ela, onde chega é sempre a mesma coisa. Todos ficam surpresos e curiosos, o que não deixa de ser uma forma de preconceito velado. No entanto, algumas reações são boas. Ela se lembra de um episódio em que chegou

para prestar o serviço e o encarregado foi muito simpático dizendo: “Apareceu a única flor que enfeita meu contêiner”. Em outro serviço, ela estava concentrada trabalhando e, quando se deu conta, os colegas do departamento de segurança do trabalho tinham armado uma mesa com café, bolachas e chocolates. Para uma equipe formada só por homens, certamente eles não fariam algo assim. Mas quando a discriminação envolve chocolate, muito chocolate, as mulheres até que a consideram perdoável (pra a não dizer saborosa).

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