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2.1. A LUZ E O SAGRADO

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REFERÊNCIAS

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Povos pré-históricos europeus sentiram necessidade de celebrar essas crenças por ritos e a construção de uma forma de arquitetura rudimentar, seus templos e tumbas eram levantados em pedra e mesmo depois de tantos milênios, podem ser observados até hoje, esses dolmens, como são chamados existem em algumas distintas formas, Christopher Scarre em seu livro The

Megalithic Monuments of Britain and

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Ireland, disserta sobre esses diferentes tipos seguindo a nomenclatura proposta pelo historiador francês Baron de Bonstetten, um dos primeiros a realizar um compilado dessas estruturas na França e Bretanha. Bonstetten os categorizava em “dolmens apparents” (dolmens visíveis na superfície) e “dolmens couverts d’um tumulus en terre ou en cailloux” (dolmens cobertos por um monte de terra ou pedras), dentre esses dois arquétipos podemos observar um exemplo de cada em que a luz era utilizada para expressar algum motivo religioso.

Do primeiro tipo, “dolmens apparents”, em Stonehenge, na Inglaterra, uma estrutura formada por círculos concêntricos de pedras (essas em torno de 5 metros de altura), cuja construção foi identificada em três períodos, o Período I, cerca de 3100 a.C., quando o monumento era apenas uma vala circular de 97,54 metros de diâmetro, com um banco de pedras e provavelmente um altar de madeira em seu interior. O círculo alinhava-se com o pôr do Sol do último dia do inverno e com as fases da Lua. Em seguida no Período II (c. 2500 a.C.) foi alargada a entrada, construída uma avenida central marcada por valas paralelas que se alinhavam com o 2.1. A LUZ E O SAGRADO

Monumento de Stonehenge, na Inglaterra Foto: IStock

Vista aérea de Newgrange, Irlanda Foto: Ken Williams

Facho de sol adentrando a câmara interna de Newgrange Foto: World Heritage Ireland

Sol nascente do primeiro dia de verão e o círculo externo de pedras foi levantado, já por fim, no Período III, os megalítos (pedras de grandes dimensões) foram levantados, dando a aparência final ao monumento. A respeito do movimento de corpos celestiais, as observações de Stonehenge foram usadas para indicar os dias apropriados no ciclo ritual anual, significando que a estrutura não somente foi usada para determinar o ciclo agrícola, uma vez que nesta região o solstício de verão ocorre bem após o começo da estação de crescimento; e o solstício de inverno bem depois que a colheita é terminada, mas também para observações astronômicas e funções religiosas, simultaneamente.

Do segundo tipo, “dolmens couverts d’um tumulus en terre ou en cailloux”, temos Newgrange, na Irlanda, cuja construção pode ser datada de 3200 a.C., durante o período Neolítico, sendo uma estrutura de pedra, formada por um longo corredor e uma câmara no final, tudo coberto por um pequeno morro de terra e grama. A entrada é composta por um muro com pequenas pedras empilhadas e um portal, sendo construído de modo que, ao nascer do sol do dia mais curto do ano, ou seja, o solstício de inverno, um fino raio de sol ilumina por algumas horas todo o seu interior. Newgrange parece ter sido usado principalmente como tumba, já que foram encontrados restos humanos cremados de cinco indivíduos na câmara interna.

Nesses dois exemplos a luz solar nos eventos dos solstícios, verão e inverno respectivamente, foi usada para ilu-

minar seus espaços internos. É desconhecido ainda o exato motivo disso, a não ser o fato de estar diretamente associado às crenças de tais povos, mas uma coisa é certa, que os seres humanos da Idade do Bronze, por mais primitivos que pudessem ser, já entendiam muito bem a luz.

Após esse recorte do Neolítico viremos os olhos ao Período Clássico, mais especificamente na Roma Antiga. O Panteão, construído entre c. 118 e 128, era uma construção ostensiva, cujo uso era ser um templo dedicado à todos os deuses, o templo consiste num tambor dividido em três camadas e arrematado por uma cúpula conectada ao pórtico, dentro, há apenas duas camadas de alvenaria até a cúpula, cujo centro há uma abertura para o céu, chamada óculo, que é a única entrada de luz do edifício.

Interior do Panteão, pintura de Giovanni Paolo Panini, a pintura evidencia o óculo no topo do templo Fonte:

O intuito da utilização desse óculo não era apenas iluminar o interior do templo, mas sim também de estabelecer um significado de sagrado à esse facho de luz que entraria pelo teto, para os romanos, o Panteão era o lugar na Terra que os conectaria com os deuses e pra isso usaram do arquétipo platônico de Beleza Absoluta para estabelecer tal conexão, Ariano Suassuna, em seu livro Iniciação à Estética, narra esse ideal de beleza platônica como sendo inalcançável, para Platão o universo era dividido em dois mundos, o mundo em ruína, o nosso mundo e o mundo em forma, das Ideias Puras, da Verdade, do Bem e da Beleza, esse mundo seria eterno e imutável e estaria acima do nosso. Cada ser do nosso mundo em ruína, tem, no outro,

Panteão Romano por Francesco Piraneni

um modelo, o que acontece é que a alma se recorda das formas e verdades contempladas no mundo das essências, antes que a alma se unisse ao corpo e o que nos restaria, nesse plano, seria a contemplação. O facho de luz serviria pra isso, lembrar os mortais onde eles estão e de onde a Verdade vem, acima de nós.

A ideia de usar da luz como uma manifestação do sagrado permaneceu no inconsciente coletivo 4 do homem, tanto que, séculos depois, na Idade Média, mesmo com os ideais cristãos sendo tão distintos das religiões pagãs apresentadas anteriormente, seu uso continuou a ser observado. As catedrais góticas, talvez, sejam o melhor exemplo disso, pois no gótico, a contraposição de claro-escuro foi evidenciada, Luís Manoel Lourenço Sêrro, em sua publicação O Estilo Gótico – Expressão do Sublime, coloca as catedrais desse período como uma representação do sublime kantiano, onde esse sublime se apresenta no ser humano pela consciência do infinito, que cria no sujeito um “temor”, pela desproporção entre o sujeito e o objeto, pela impossibilidade de sua representação.

Kant analisa o sublime no seu duplo aspecto, o sublime dinâmico, que se refere ao conceito de força, portanto à infinita potência de transformação, manifestado pela incompletude das formas geométricas, na tensão plástica que as anima, na verticalidade que cria uma dimensão transcendente, na desmaterialização da massa construída, na sugestão ilusória das forças ascensionais dos seus elementos e o sublime matemático, que se refere ao conceito de medi-

Vitrais de Saint-Chapelle de Paris Foto: Paul Smith da portanto à infinitude do espaço e do tempo, onde é expresso através da consciência do limite do espaço exterior e interior, opondo-se ambos pela sua natureza. O interior da catedral é o nosso interior, portanto deve expressar esteticamente o limite não configurado do seu espaço, mas esta obscuridade deve ser realçada pelo contraste que a enfatiza, através da leitura dos elementos construídos, que se perdem na penumbra das abóbodas e da leitura em contraluz do plano continente onde se abrem os vãos de iluminação.

O Gótico é o estilo que mais evidência estes dois conceitos, quer na configuração dos seus elementos, quer na sugestão da sua dinâmica, do interior estes parecem “flutuar” num espaço indefinido e as suas figuras teofânicas coloridas sem massa, atravessadas por uma luz “neoplatônica” pelos vitrais, sugerem uma luminosidade sutil exterior, que se opõe a uma densa penumbra interior. Com efeito ultrapassando esse diáfano limite transparente, abre-se até ao infinito um espaço cheio de luz ofuscante, paradisíaco que contrasta brutalmente com o espaço infinito e obscuro do nosso interior, o contraste entre estes dois espaços é a substância do estilo Gótico. Sêrro narra essa experiência na citação abaixo.

“Com efeito Plotino definia o espaço transcendente como um espaço de luz em que as almas, com um corpo transparente e sem massa, eram por essa luz atravessadas e nela pairavam sem espaço nem tempo. Os vitrais são a materialização desta filosofia, pois as figuras teofânicas em vidro transparente e colori-

do eram atravessadas por essa luz divina que do interior da catedral rasgava a obscuridade como uma manifestação divina do mundo inferior.” (SÊRRO, 2015)

Em conclusão, os vitrais deixam entrar a luz, dando a ideia do sagrado, como se a própria manifestação de Deus estivesse ali, em contraposição com a escuridão do espaço interno das catedrais, é quase como o que os romanos fizeram no Panteão, mas mais apurado, uma intenção de provocar um estado de contemplação espiritual, causada pela luz.

Interior da Catedral de Barcelona Foto: Connor McNeill

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