Carta para uma utilização democrática da videovigilância
>>> Os sistemas de videovigilância conhecem, em função das cidades europeias, evoluções de escala e natureza diferentes que dependem tanto dos contextos nacionais e locais como de considerações política, económicas, culturais e sociais. O desafio deste projecto, que reuniu dez cidades e peritos europeus, foi o de reafirmar, apesar dessas diferenças, pontos de convergência inegáveis. Estes pontos de convergência são a base deste trabalho. Através deles se articulam modos de fazer e estratégias de videovigilância. Le premier point de convergence est la nécessité dans l’élaboration et le fonctionnement des dispositifs de vidéosurveillance d’apporter des garanties visant à assurer le respect de la vie privée des citoyens et des libertés fondamentales. L’article 8 de la Convention de sauvegarde des Droits de l’Homme et des libertés fondamentales stipule à ce titre que :
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O objectivo desta carta é dar aos cidadãos garantias quanto à utilização desses sistemas porque a videovigilância: - Pela vigilância que exerce nos espaços pode ser de natureza a alterar a expressão das liberdades individuais nesses espaços; - Devido às evoluções tecnológicas que a caracterizam pode abrir de forma exponencial o campo dos possíveis; - Está no centro de debates apaixonados que deixam emergir preocupações e receios; Voltar a colocar o cidadão no centro das preocupações das cidades no âmbito do seu sistema de videovigilância foi a linha directora deste projecto “Cidadãos, Cidades e Videovigilância”. Ao qual se acrescenta o respeito e a aplicação do direito à intimidade dos cidadãos no espaço público que são objectivos para os quais se deve tender O segundo ponto de convergência é a exigência de traduzir na prática este compromisso definindo os modos de acção que permitam concretizá-lo e dar-lhe corpo. A carta para uma utilização democrática da videovigilância permite conciliar esses dois pontos. Através de um conjunto de regras, é um compromisso ao qual subscrevem os seus signatários. Estabelece os princípios fundadores e descreve as medidas concretas e pragmáticas para a aplicação desses princípios. A aliança dos dois torna-a num instrumento de ajuda à acção. Contudo, existem recomendações transversais que reenviam à aplicação de um princípio tão unificador como este. Os parceiros do projecto desejaram destacá-los como ferramentas metodológicas. Estas ferramentas são quatro:
• A realização de um diagnóstico prévio visando definir objectivamente as necessidades locais. Este diagnóstico também deve permitir avaliar a viabilidade de um projecto de videovigilância num território. Tanto quanto possível deve ser realizado por um órgão externo; • A implementação de avaliações periódicas que servirão de ferramenta de apoio à decisão e permitirão reforçar ou modificar o posicionamento de um sistema de videovigilância; • A formação dos operadores. Os operadores de videovigilância são e espinha dorsal do sistema. Deles dependerá em parte o bom funcionamento do sistema. Esses operadores devem ser formados sobre os princípios fundadores desta carta e também sobre as recomendações a serem implementadas. Devem também integrar os objectivos do sistema. A formação é uma exigência de qualidade; • 4- Uma autoridade de supervisão deve permitir verificar o cumprimento dos princípios da carta. A criação de uma estrutura local como essa ou pode ser prevista na legislação nacional ou depender de uma abordagem voluntarista das cidades. A independência desta autoridade deve ser garantida da melhor forma;
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Esta carta rege a elaboração, o funcionamento e o desenvolvimento dos sistemas de videovigilância públicos ou seja aqueles que são geridos pelas autoridades públicas quer estas sejam nacionais, regionais, departamentais ou locais. No entanto, a regras enunciadas destinam-se também aos sistemas de videovigilância privados nomeadamente quando a sua exploração pode ser delegada às autoridades públicas.
>>> Foram definidos sete grandes princípios. Estes princípios são complementares e não devem ser concebidos exclusivamente uns em relação aos outros. Reforçam-se e são garantias de perenidade.
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Respeito e conformidade com a lei europeia, nacional, regional ou local. O seu desenvolvimento também deve ser feito respeitando as normas em matéria de protecção dos dados, dos textos em matéria de escuta de comunicações e conversas, de ingerências ilícitas na vida privada, de protecção da dignidade, da imagem, do domicílio e dos outros lugares para os quais existe uma protecção semelhante. As normas sobre protecção dos trabalhadores também devem ser levadas em conta.
- A convenção para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) do Conselho da Europa – 1950 ; - A Convenção 108 do Conselho da Europa para a protecção das pessoas relativamente ao tratamento automatizado dos dados de carácter pessoal – 1981 ; - A Carta dos Direitos fundamentais da União Europeia; - A directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de Outubro de 1995 relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados de carácter pessoal e à livre circulação desses dados;
- Avaliar a pertinência de uma instalação de videovigilância levando em conta os objectivos em que a Constituição permite uma limitação do exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Deve ser decidida com base numa necessidade. A necessidade refere-se à adequação entre circunstâncias e uma necessidade por um lado, e a resposta que constitui o sistema de videovigilância por outro lado. São essa necessidade e essas circunstâncias que tornam a decisão pertinente, e a acção inevitável. É esse princípio de necessidade que está na base da decisão de instalar um sistema de videovigilância. A necessidade tem assim uma dimensão prescritiva. «A necessidade faz a lei». Três elementos constituem esse princípio de necessidade:
A conjunção entre as circunstâncias e a necessidade está na base da resposta.
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A- AS CIRCUNSTÂNCIAS • Identificar exactamente através de uma auditoria ou de um diagnóstico as problemáticas de segurança e de prevenção da delinquência identificadas no território da cidade; • Fazer um inventário dos recursos locais disponíveis e dos dispositivos existentes que permitam responder a essa situação; B- A NECESSIDADE • Identificar as necessidades indicadas pelo diagnóstico e pelo inventário das potencialidades locais. As necessidades devem ser determinadas o mais precisamente possível porque delas resultarão os futuros objectivos do projecto; • Considerar se é possível usar outros meios menos intrusivos para responder a essas problemáticas; C- A RESPOSTA • É necessário definir os objectivos e identificar os benefícios e os resultados esperados do sistema. Esses objectivos devem ser traduzidos em modos de funcionamento. Assim, deverão ser definidas, por exemplo, as implicações funcionais de um sistema de videovigilância que se destina à prevenção da delinquência? • Estabelecer o tipo de sistema que realisticamente possa permitir à cidade atingir os seus objectivos; o sistema de videovigilância deve ser calibrado para atender de forma pertinente e eficaz às necessidades identificadas; • As instalações de videovigilância só podem ser activadas a partir do momento em que as outras medidas, menos intrusivas, revelaram ser insuficientes ou inaplicáveis (a seguir a uma avaliação) ou que a natureza do problema a resolver esteja fora do alcance desses meios. Em qualquer caso, a videovigilância deve representar apenas uma parte de uma resposta coordenada para o problema identificado; • Autorizar-se a aplicar um direito de rescisão se necessário. As cidades devem poder considerar, na base de uma avaliação, que a videovigilância não depende mais de uma necessidade ou que é preciso redistribuir as câmaras;
A instalação de sistemas de videovigilância deve ser ponderada em relação à problemática a que deseja responder. Esta procura de proporcionalidade é antes de mais uma questão de adequação entre os objectivos desejados e os meios utilizados para os atingir. Portanto, o princípio de proporcionalidade está intimamente relacionado com a noção de equilíbrio. Esse equilíbrio impõe que a instalação de videovigilância não possa ser a única resposta de segurança e de prevenção da delinquência desenvolvida numa cidade.
A proporcionalidade deve ser avaliada em cada fase e em cada modalidade de tratamento dos dados, nomeadamente quando se deve definir: • O tamanho da instalação e as capacidades técnicas das câmaras - A organização técnica e humana deve ser adaptada ao estritamente necessário. Isso impõe a utilização de uma tecnologia que permita responder aos objectivos atribuídos sem passar além. A utilização de um sistema de videovigilância deve ser delimitada no tempo e no espaço: num momento e num território específico para responder a uma necessidade definida. Atribuir uma nova função ao sistema de videovigilância impõe uma reflexão sobre a necessidade (princípio I); - Esta instalação técnica deveria integrar nomeadamente um sistema de ocultação das zonas privativas através de um encobrimento dinâmico, porque um sistema de vigilância para espaços públicos não pode ter como «efeito secundário» a vigilância do espaço privado. É um imperativo a levar em conta igualmente quando se planifica o posicionamento, a orientação e o tipo das câmaras (fixas ou móveis);
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• A protecção dos dados As imagens capturadas pela videovigilância constituem dados de carácter pessoal e por conseguinte devem ser protegidas tal como qualquer outro dado pessoal. Isso impõe a adesão a regras estritas que regem a gravação, a conservação, a partilha e a supressão eventual das imagens. É importante vigiar que sejam respeitados quando se trata de decidir sobre: - armazenar ou não as imagens - a duração de uma eventual conservação dos dados que, de qualquer modo, deve ser sempre temporária. A duração da conservação deve ser limitada ao estritamente necessário, controlada e definida por parametragem no sistema; - a protecção física e técnica dos dados pessoais Por conseguinte, é necessário definir os protocolos de gestão das habilitações de acesso e de transmissão das imagens. Deve-se integrar nesses protocolos a abordagem que supõe que a protecção dos dados pessoais seja levada em conta muito a montante, desde a concepção mesmo dos equipamentos de videovigilância. • Os sistemas de videovigilância devem encontrar o seu equilíbrio e a sua proporção numa política integrada de segurança e de prevenção da delinquência. São uma ferramenta de uma política de segurança global e devem ser coerentes com as outras respostas implementadas localmente.
O que é transparente é o que se vê do exterior. Na medida em que a videovigilância pode ser considerada como uma tecnologia restritiva de liberdades, deve ser utilizada com total transparência e ser acompanhada de uma forte informação do público.
• A autoridade que tem a iniciativa da instalação das câmaras de videovigilância deve informar claramente os cidadãos: - sobre o projecto de instalar um sistema de videovigilância; - sobre os objectivos dessas câmaras; - sobre os meios usados para a instalação do sistema; - sobre as zonas videovigiadas. Para este efeito, é necessário recorrer a uma sinalética visível e reconhecível com um pictograma; - sobre a identidade, a função e as informações de contacto das pessoas a contactar para qualquer pedido de informação. Essas informações devem figurar nos painéis de sinalização das zonas videovigiadas; - sobre as medidas específicas de protecção das imagens gravadas. Os dados criados com um sistema de videovigilância devem ser protegidos com um acesso restritivo através de senhas. Devem ser utilizados unicamente para os fins previstos, pelas pessoas autorizadas e conservados durante o tempo necessário. Qualquer utilização dessas imagens gravadas deve ser notificada num registo previsto para esse efeito; - sobre as autoridades que podem ser destinatárias dessas imagens gravadas; - sobre os seus direitos quanto às imagens que lhes dizem respeito. Trata-se nomeadamente do: - Direito de acesso à sua imagem no respeito do direito de terceiros. Este direito pode ser recusado nos casos de inquéritos judiciários ou ainda em caso de riscos ligados à segurança e à defesa nacional; - Direito de verificação da supressão das imagens que lhe dizem respeito quando a data limite de conservação das imagens está ultrapassada; Essas informações devem ser compreensíveis e exprimidas numa linguagem clara e inteligível • A autoridade responsável pelo sistema deverá informar os cidadãos regularmente sobre os seus resultados e os objectivos atingidos, apoiando-se nos meios de comunicação habituais. Isto implica uma formulação clara dos objectivos a montante e requere11
ria avaliações do dispositivo baseado em indicadores previamente definidos. • É fortemente desaconselhado recorrer a câmaras fictícias. Essa falsa informação é susceptível de desacreditar o sistema e de comprometer a responsabilidade dos gestores;
As autoridades responsáveis pelos sistemas de videovigilância são os garantes de uma utilização legal e respeitadora da vida privada e das liberdades fundamentais desses sistemas. Poderão ser responsabilizadas em caso de falta ou violação constatadas. As autoridades administrativas perante as quais essa responsabilidade pode ser posta em causa devem ser claramente identificadas. As empresas privadas que possuem e gerem sistemas de videovigilância que visionam espaços públicos devem aderir às mesmas normas que as autoridades públicas.
• Comunicar os dados de contacto das pessoas responsáveis. Cada sinalética indicando a zona videovigiada poderá nomeadamente incluir essas informações; • Afirmar a obrigação de confidencialidade que incumbe aos gestores do sistema, ou no âmbito da definição de um regulamento interior interno ou de um código de deontologia para os gestores do sistema. Poderão ser responsabilizados em caso de falta a essa obrigação; • Recorrer a medidas de segurança que permitam proteger o acesso à sala de gestão do sistema mas também de proteger o acesso às imagens armazenadas. Medidas técnicas de controlo desses acessos devem ser implementadas;
• Dar a conhecer as modalidades de requerimento das autoridades administrativas encarregadas de sancionar qualquer abuso constatado; • Implementar um mecanismo apropriado para a difusão das informações necessárias para a compreensão pública da utilização da videovigilância
Qualquer controlo supõe a definição de normas. Esse princípio de supervisão independente permite, através dessas normas, harmonizar as práticas no sentido da Carta. Esse processo de controlo independente pode assumir várias formas e intervir em vários momentos no desenvolvimento dos sistemas. O «controlador independente» pode ser uma personalidade qualificada ou um órgão específico composto nomeadamente por cidadãos.
• Recomenda-se que essa autoridade independente seja encarregada de fornecer, depois do estudo dos dossiers, as autorizações para a instalação dos sistemas de videovigilância; • Essa autoridade independente também deve ser encarregada de vigiar que a implementação e o uso do sistema respeite as regras e as normas definidas.
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Trata-se de dar uma voz aos cidadãos, através de diferentes formas de consulta, de participação, de deliberação e de co-decisão. Qualquer instalação nova ou a extensão dos sistemas de videovigilância deverá sempre encarar a participação activa dos cidadãos residentes no território, por exemplo através de grupos de discussão. Grande parte do sucesso de um sistema de videovigilância depende da adesão dos habitantes.
• Consultar os cidadãos sobre a identificação das necessidades no âmbito do diagnóstico prévio, através por exemplo da realização de inquéritos de vitimação; • Favorecer a implicação inicial dos cidadãos sobre a implantação das câmaras quando esta responde a uma necessidade. Pode ter a forma de caminhadas exploratórias; • Procurar a aceitação pelos cidadãos dos projectos de segurança global, organizando por exemplo reuniões públicas de informação que permitam recolher a sua adesão aos projectos do município; • Favorecer a participação dos cidadãos no controlo e na avaliação do sistema através de questionários de satisfação: • Prever um processo enquadrado e formalizado dando aos cidadãos a possibilidade de visitar a sala de controlo e de gestão do sistema de videovigilância, inclusive de forma imprevista. Qualquer recusa deve ser motivada (por exemplo devido a um inquérito judiciário em curso). Essa possibilidade deve ser enquadrada para não pôr em causa o direito dos terceiros; • Reforçar a participação das autoridades locais para instaurar um instrumento que permita, de forma regular, a participação dos cidadãos. A criação de uma estrutura local encarregada de garantir a boa utilização do sistema deverá incluir uma participação cidadã activa na vida e no desenvolvimento do sistema.
>>> As cidades signatárias desta Carta comprometem-se a envidar todos os esforços para aplicar os seus princípios e difundi-la no seu quadro local e nacional. Comprometem-se a continuar a realizar intercâmbios sobre as adaptações desta carta nomeadamente às evoluções tecnológicas. Desejam que um rótulo e uma certificação europeia sejam criados. Aderem à ideia de uma linguagem comum em relação aos cidadãos europeus que se traduza pela criação de uma sinalética europeia das zonas vídeo vigiadas.
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A
B
C
D
Panneau type
Panneau type
Légende : A : Zone B : Zone texte « C : Zone texte « D : Zone texte «
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