Documentação da arquitetura moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação

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Documentação da

arquitetura moderna no Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação

Maria Beatriz Camargo Cappello; Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale; Luiz Carlos de Laurentiz; Luis Eduardo Borda e Patricia Pimenta Azevedo Ribeiro

(organizadores)

Uberlândia Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design | UFU 2011


Documentação da

arquitetura moderna no Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação e-book

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Documentação da arquitetura moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação / Maria Beatriz Camargo Cappello, Luiz Carlos de Laurentiz, Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale, Luis Eduardo Borda, Patricia Pimenta Azevedo Ribeiro, organizadores. – Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design, 2011. 251 p. ISBN 978-85-7078-290-8 1.arquitetura moderna – Minas Gerais. 2.arquitetura moderna – Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. 3.Urbanismo e Paisagismo. 4.História e Preservação.

Volume 1: Novembro de 2011

documentação da

arquitetura moderna

no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação Coordenação de produção: Maria Beatriz Camargo Cappello Capa: Elisa Azevedo Ribeiro Imagens capa: Palácio da Justiça Abelardo Penna Edifício de apartamentos Pedro Salomão Residência Migliorini Biblioteca da Universidade Federal de Uberlândia

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Universidade Federal de Uberlândia Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design www.faued.ufu.br 0


Documentação da arquitetura moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação

Núcleo de pesquisa em Teoria e Historia de Arquitetura e Urbanismo

NUTHUAU | FAUED | UFU


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A P R E S E N T A Ç Ã O ............................................................................................................... 4 A U T O R E S ................................................................................................................................. 8 I N T R O D U Ç Ã O ...................................................................................................................... 9 A R T I G O S ................................................................................................................................ 15 UBERLÂNDIA CLUBE: A “MODERNIDADE” NA CIDADE DE UBERLÂNDIA - Flávio Medeiros Pereira / Natália Achcar Monteiro Silva / Maria Beatriz Camargo Cappello / Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale ............................................................................ 16 A ARQUITETURA MODERNA NAS CASAS DO ARQUITETO JOÃO JORGE COURY E NOS EDIFÍCIOS RESIDENCIAIS DA CIDADE DE UBERLÂNDIA” - Patricia Pimenta Azevedo Ribeiro / Denise Galhardi Rodrigues De Oliveira Cruz ................................. 36 ARQUITETURA MODERNA NAS CASAS DO TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA - Raquel Beatriz Silva / Luiz Carlos de Laurentiz .................................... 68 COMPREENSÃO DA TÉCNICA CONSTRUTIVA UTILIZADA NAS EDIFICAÇÕES MODERNAS NAS CIDADES DO TRIANGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA - Elisa Azevedo Ribeiro / Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale .............................................. 96 TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA: ARQUITETURA MODERNA E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO PÚBLICO - Natália Achcar Monteiro Silva / Maria Beatriz Camargo Cappello ...................................................................................................... 108 GERMANO GULTZGOFF E O MOVIMENTO MODERNO EM UBERABA - Ariel Luis Lazzarin / Henrique Vitorino Souza Alves / Maria Beatriz Camargo Cappello ........... 134 A LÓGICA DA SUPERFÍCIE: ANÁLISE FORMAL DA RESIDÊNCIA MIGLIORINI - Luis Eduardo Borda / Larissa Ribeiro Cunha ..................................................................... 140 IGREJA ESPÍRITO SANTO DO CERRADO: A EXPERIÊNCIA DE LINA BO BARDI EM MINAS GERAIS - Ariel L Lazzarin, Henrique V. S. Alves, Luiz C. Laurentiz, , Maria B. C. Cappello ...................................................................................................................... 154 A DESCARACTERIZAÇÂO DE EXEMPLARES DA ARQUITETURA MODERNA NA CIDADE DE UBERLÂNDIA - Maria Fernanda Zumpano França / Maria Beatriz Camargo Cappello ...................................................................................................................... 164 EDIFÍCIOS DA ARQUITETURA MODERNA COM USO COMERCIAL NO TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA - Flávio Medeiros Pereira / Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale ................................................................................................................ 190 ARQUITETURA MODERNA NO TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA: A ATUAÇÃO DOS GRANDES ESCRITÓRIOS - Ana Paula Tavares Miranda / Maria Beatriz Camargo Cappello ......................................................................................... 212 DA INSERÇÃO AO RECONHECIMENTO DO ESPAÇO MODERNO NOS CENTROS HISTÓRICOS - Ariel Luis Lazzarin / Henrique Vitorino Souza Alves / Maria Beatriz Camargo Cappello ...................................................................................................... 238

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A P R E S E N T A Ç Ã O

Neste texto de apresentação do e-book intitulado “A Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação”, que por simpatia e mérito prefiro denominar ‘livro dos estudantes’, já que os 12 capítulos são resultados das pesquisas em iniciação científica, desenvolvidas por eles junto da equipe de professores do Núcleo de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design, da Universidade Federal de Uberlândia/MG, no biênio 2008-2009. Escolhemos para tal apresentação uma maneira de colar os respectivos assuntos dos capítulos junto do nosso voo panorâmico sobre o assunto destacado no título acima. Oxalá tenhamos conseguido apresentar as contribuições de tendências e perspectivas sobre a referida documentação “Moderna” do território geográfico, em atenção pós-Segunda Guerra Mundial. 4


Assim sendo, nesta apresentação cronológica, a década de 1940, efetivamente, tem como ponto de vista econômico que Uberlândia liderava a economia do Brasil Central, como grande centro atacadista, em correspondência ao lema neobandeirante vitorioso. Logo, se é possível destacar esse glamour arquetípico do então rotulado ‘anos dourados’ para os anos 40s e 50s, na classificação de um clube social como a história do Uberlândia Clube, é possível imaginarmos um filme high-society (ver texto: Uberlândia Clube: a ‘Modernidade’ na cidade de Uberlândia). Em meio a esse contexto de crescimento econômico e modernização, do ponto de vista da arquitetura e do urbanismo, a chegada de João Jorge Coury à cidade de Uberlândia, em 1940, é o marco da introdução da linguagem moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. A atuação desse pioneiro arquiteto na região, com seu ‘pequeno ateliê, ponto de encontro de uns poucos intelectuais’, cercado de livros – com temas no campo dos estudos sociais ao Brazil Builds -, despertou a atenção de muitos desenhistas, que de lá saíram para se tornarem arquitetos – entre eles Miguel Juliano, que foi parar no escritório de Coury em 1944 e guarda recordações do mestre. João Jorge Coury é o exemplo máximo do arquiteto peregrino que se instalou em Uberlândia e criou uma espécie de confraria discipular em torno de si e de sua produção arquitetônica moderna, anti-monumental e com características artesanais aplicadas às suas casas (ver os textos: ‘A arquitetura moderna nas casas do arquiteto João Jorge Coury e nos edifícios residenciais da cidade de Uberlândia’; ‘A arquitetura moderna nas casas do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba’ e ‘Compreensão da técnica construtiva nas edificações modernas nas cidades do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba’). É também notável, nesse arquiteto, o papel da função social e a apresentação da dimensão política na arquitetura e no urbanismo aplicados (ver texto: ‘Triângulo mineiro e alto Paranaíba: arquitetura moderna e a sua relação com o espaço público’). Na senda de Coury, e inspirado no mestre, podemos destacar várias atuações de outros arquitetos, como os jovens nativos da cidade de Uberlândia: Paulo de


Freitas (formado em 1955 no Mackenzie, em São Paulo), Hélvio Felice e Natalino David Thomaz (formados, respectivamente, como engenheiros-arquitetos na UFMG em 1958 e 1960). Os dois últimos arquitetos citados desenvolveram principalmente residências unifamiliares enquanto Paulo de Freitas projetou residências modernas e os primeiros edifícios altos (ver texto: ‘A arquitetura moderna nos edifícios residenciais da cidade de Uberlândia e Alto Paranaíba’). O assunto, a estética e o interesse pelo moderno não foi apenas da ‘cidade-jardim’, ‘metrópole interior’, ‘meca econômica, uma outra Nova York em pleno sertão do Brasil’; esses epítetos imaginativos que a elite dos cidadãos da cidade de Uberlândia, na primeira metade do século 20, assim se destacavam pela imprensa escrita e falada. Mas, há que se destacar na cidade vizinha de Uberaba, a presença marcante de Germano Gultzgoff (ver texto: ‘Germano Gultzgolff e o movimento moderno em Uberaba’) e, mais ainda, a difusão da arquitetura e do urbanismo modernos em outras cidades ‘do pedaço’ triangulino e alto paranaibense, tais como: Prata, Ituiutaba, Campina Verde e Frutal (ver texto com título homônimo). Com a criação e inauguração de Brasília, em 1960, já era sabido e notório que a ‘Capital do Brasil Central’, o Triângulo e o Alto Paranaíba sairiam ganhando. Após o golpe militar de 1964, o general Golbery do Couto e Silva, apoiado pela burguesia local, vê na área triangulina ‘uma zona de reserva geral ou plataforma central de manobra’ e, entre os itens necessários para tal, destacavam-se ‘a abertura de faculdades’, assim como o ‘fechamento político com os políticos locais’ (Brandão, 1987). Nos anos 70s, as cidades crescem e cada vez mais se destacam, e ficará nítida a ampliação do número de profissionais que optam por arquitetar na cidade e permanecer nelas, ou não. Portanto, torna-se relevante ler e examinar o texto ‘A lógica da superfície: análise planar da residência Migliorini’, tipologia arquitetônica exemplar do período, quanto ler o texto fundamentado na habitação social sobre ‘Arquitetura residencial da Vila de Operários de Jaraguá, Sacramento/MG’. Nos anos 80s, há que se destacar a presença dos titãs Oscar Niemeyer e Lina Bo Bardi. Niemeyer fez o projeto do Teatro Municipal, ainda em construção. Lina projetou, em 1976, com os jovens arquitetos Marcelo Ferraz e André Vainer, a 6


singeleza da obra franciscana localizada na periferia, então, pobre da cidade de Uberlândia. Esse assunto bo bardiano e a experiência da arquiteta ítalo-brasileira em Minas Gerais está no texto ‘Igreja Espírito Santo do Cerrado: a experiência de Lina Bo Bardi em MG’. O tempo não para. Hoje, a cidade é um importante centro distribuidor de mercadorias do Triângulo Mineiro. Em sua trajetória econômica nos últimos trinta anos têm acelerado transformações tecnológicas em prol de uma nova articulação da agroindústria, gerando outros impactos regionais e, porque não dizer, locais principalmente no que tange o assunto da especulação imobiliária. Daí tem ocorrido com frequência a descaracterização, bem como a demolição de muitos exemplares arquitetônicos modernos na cidade e, também, nas vizinhas (ver texto: A descaracterização de exemplares da arquitetura moderna na cidade de Uberlândia’). Uma das propostas científicas, bem como com ares políticos no atual Núcleo de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design, tem sido a proposta desta pesquisa, por ora, apresentada em 12 capítulos sobre um acervo significativo: A Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

Luiz Carlos de Laurentiz Núcleo de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia/MG


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Maria Beatriz Camargo Cappello, Arquiteta e Urbanista pela PUCCampinas (1984), Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela EESC-USP (1998), Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP (2006). Professorra Adjunto 3 da Faculdade de Arquitetura e Design da Universidade Federal de Uberlândia. Coordenadora da Pesquisa “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação”. Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale, Arquiteta e Urbanista pela UnB (1981), mestre em Arquitetura pela Architectural Association Graduate (AA, 1994), Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP (1998), Pós doutorado pela Universidade Michoacana de San Nicolas de Hidalgo (2004), Professora Associada 3 da Faculdade de Arquitetura e Design da Universidade Federal de Uberlândia. Luiz Carlos De Laurentiz, Arquiteto pela UMC (1978), Mestre em Engenharia Civil pela EESC– USP (1987), Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA (2006), Professor Adjunto 1 da Faculdade de Arquitetura e Design da Universidade Federal de Uberlândia. Luis Eduardo Borda, Arquiteto e Urbanista pela UFP (1984), Mestre em História Social da Cultura pela PUCRJ (1994), Doutor em Artes pela ECAUSP (2003). Professor Associado 1 da Faculdade de Arquitetura e Design da Universidade Federal de Uberlândia. Patrícia Pimenta Azevedo Ribeiro, Arquiteta e Urbanista pela USU (1979), Mestre em Arquitetura pela EESC-USP (1999), Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP (2007), Professora Adjunto 2 da Faculdade de Arquitetura e Design da Universidade Federal de Uberlândia. Ariel Luis Lazzarin, arquiteto e urbanista pela FAUeD-UFU (2010), PIBIC-FAPEMIG (2007-2008) e mestrando em teoria e história da arquitetura e urbanismo do IAU-USP-SC. Henrique Vitorino Souza Alves, arquiteto e urbanista pela FAUeD-UFU (2009) e mestrando em geografia do IG-UFU. Natália Achcar Monteiro Silva, arquiteta e urbanista pela FAUeD-UFU (2009), PIBIC-CNPq (2007-2008) e mestranda em arquitetura da UFMG. Raquel Beatriz Silva, arquiteta e urbanista pela FAUeD-UFU (2008) e PIBIC-FAPEMIG (2007-2008). Denise Galhardi Rodrigues de Oliveira Cruz, arquiteta e urbanista pela FAUeD-UFU (2010) e PIBIC-FAPEMIG (2007-2008). Flavio Medeiros Pereira, graduando em arquitetura e urbanismo da FAUeD-UFU e PIBIC FAPEMIG (2009-2010) Larissa Ribeiro Cunha, arquiteta e urbanista pela FAUeD-UFU (2011) e PIBIC FAPEMIG (2008-2009). Ana Paula Tavares Miranda, arquiteta e urbanista pela FAUeD-UFU (2010), PIBIC CNPq (2008-2009) e mestranda em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo do IAU-USP-SC. Maria Fernanda Zumpano França, arquiteta e urbanista pela FAUeD-UFU (2011) e PIBIC FAPEMIG (2009-2010). 45

Elisa Azevedo Ribeiro, graduanda em arquitetura e urbanismo da FAUeD-UFU e PIBIC FAPEMIG (2009-2010) 8


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A importância de desenvolver ações de documentação, conservações e proteção da arquitetura e de conjuntos urbanos e paisagísticos construídos segundo os princípios do Movimento Moderno tem sido um dos trabalhos desenvolvidos organização

pelo

DOCOMOMO

não-governamental

Brasil,

representação

internacional

DOCOMOMO

brasileira

da

(International

Working Party for Documentation and Coservation of Buildings, Sites and Neighbourhoods of Modern Movement), fundada em 1988, atualmente com sede na Fundação Mies van der Rohe em Barcelona, reconhecida internacionalmente, com representações em vários países. Como se sabe, esta organização tem como um dos principais objetivos promover o conhecimento e a reflexão sobre o Movimento Moderno e as manifestações artísticas e técnicas a ele relacionadas. Dentro desses mesmos princípios, o Núcleo de Teoria e Historia da Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia (FAUeD-UFU) vem realizando ações para colaborar com a identificação e a preservação do patrimônio arquitetônico e urbanístico moderno na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. A pesquisa, “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação”, que será relatada neste livro está sendo realizada pelos pesquisadores desse núcleo e tem como objetivo principal estabelecer uma base documental que possibilite o desenvolvimento de estudos que contribuam para a melhor compreensão da difusão, produção e significados. Com este escopo, o trabalho vem se desenvolvendo a partir da identificação, levantamento e sistematização de dados e análise da documentação coletada referente à produção da Arquitetura Moderna produzida entre as décadas de 1960 e 1970 – período identificado como o de maior importância para sua difusão regional – e que contribuiu, de forma significativa, para a constituição das características arquitetônicas e urbanísticas específicas das cidades nessa região. Aponta-se ainda, como um dos aspecto fundamentais desta pesquisa, o propósito de colaborar para suprir uma lacuna existente na historiografia da arquitetura brasileira referente à arquitetura moderna que tem se ocupado,


primordialmente, da produção dos grandes centros de desenvolvimento do país. Nesse sentido, a pesquisa pretende apontar novas direções, procurando repensar o processo de formulação do Movimento Moderno em Minas Gerais identificando o diálogo que aqui se estabeleceu com outros pólos de produção. O Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) divide Minas Gerais em 12 mesorregiões e 66 microrregiões. O Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba é uma destas 12 mesorregiões, situada ao oeste do Estado, entre os rios Grande e Paranaíba, região que nos séculos XVIII e XIX era conhecida, principalmente, por “Sertão da Farinha Podre”. Essa mesorregião agrupa 7 microrregiões: Araxá, Ituiutaba, Frutal, Patos de Minas, Patrocínio, Uberaba e Uberlândia. Hoje é a segunda maior economia do Estado e suas principais cidades são: Uberlândia, Uberaba, Araguari, Ituiutaba e Araxá. As cidades destas microrregiões selecionadas para integrarem essa pesquisa são: Uberlândia, Uberaba, Prata, Ituiutaba, Araxá, Sacramento, Estrela do Sul, Monte Carmelo, Araguari, Patos de Minas, Monte Alegre de Minas, Tupaciguara, Campina Verde, Campo Florido, Frutal, Conquista, Conceição das Alagoas, Patrocínio, Coromandel e Rio Paranaíba1. A historiografia nos mostra que a arquitetura moderna brasileira teve início na década de 1920 com Gregori Warchavchik em São Paulo, e posteriormente, com a arquitetura desenvolvida no Rio de Janeiro com os arquitetos cariocas, se consagrando com o Edifício do Ministério da Educação e Saúde (MES) em 1936, uma das obras de arquitetura moderna brasileira mais difundida. A primeira grande recepção e difusão da arquitetura brasileira se dá com a exposição e publicação do livro Brazil Builds, em 1943, organizados pelo Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York, marcando o início do reconhecimento e sua consagração em nível internacional. Sabemos também que sua difusão ocorreu nos grandes centros do país se afirmando a partir de 1950, mas nas regiões interioranas essa prática se

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Esta seleção considerou estudos já realizados sobre a formação e a produção da arquitetura na região, dos quais destacamos a pesquisa de doutorado realizada pela Professora Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale, intitulada: Arquitetura Religiosa do século XIX no antigo “Sertão da Farinha Podre”. 10


fortaleceu mais tardiamente, entre as décadas de 1960 e 1970, sendo este, o caso do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. A escolha do local de Brasília para localização da Capital Federal, nos anos 1950, provocou um importante impacto econômico e social na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, fortalecendo sua importância geoestratégica, consolidando-a com passagem de estradas federais e fomentando varias atividades de apoio ao empreendimento de Juscelino Kubitschek. Além disso, a construção de Brasília (1957-60) contribuiu para que a modernidade e o progresso fossem incorporados no espaço urbano e no imaginário cultural da população dessas cidades. Assim, novas técnicas construtivas, nova estética, novos modos de vida e usos do espaço, trazidos pela arquitetura moderna fizeram parte do desenvolvimento urbano e transformações das cidades desta região. As cidades receberam novas tipologias de edifícios residenciais, instituições públicas e privadas, indústrias, praças, clubes e vilas que se implantaram no espaço e foram fortemente incorporados à sua identidade visual e histórica. Para realizar a documentação desta produção arquitetônica e urbanística na região, foi adotada como base a ficha mínima de inventário elaborada pelo DOCOMOMO Internacional. A adoção deste modelo busca uma padronização dos dados sobre o movimento moderno no Brasil, proposto pelo Grupo de Trabalho sobre inventários, formado pelo DOCOMOMO Brasil2, que tem como objetivo desenvolver um trabalho em rede nacional, contribuindo com os propósitos do DOCOMOMO internacional. O estudo específico de cada edifício busca compreender a implantação das obras e seu impacto nas cidades a partir de análises de suas características formais e construtivas. As obras de arquitetura moderna foram identificadas e catalogadas a partir de fontes bibliográficas e visitas as cidades selecionadas. As pesquisas nas cidades se iniciaram com visitas aos arquivos públicos municipais, bibliotecas das escolas de arquitetura e urbanismo (no caso de Uberlândia e Uberaba), acervos particulares, entrevistas com arquitetos locais e identificação in loco, da

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O inventário da arquitetura moderna nacional vem sendo realizado por diversas instituições interligadas pelo DOCOMOMO Brasil e suas unidades regionais, que no caso da região apresentada é o DOCOMOMO | MG.


produção ligada ao movimento moderno, através de percursos nas ruas das cidades. Para a realização do trabalho de campo, as 20 cidades foram divididas entre os cincos professores pesquisadores, constituindo cinco equipes que contavam com alunos de iniciação científica. Cada equipe se encarregava da identificação, levantamento de dados e pesquisas locais sobre as construções modernas nas cidades de seu grupo. Cada pesquisador coordenador de equipe é responsável pela organização de referencias documentais e bibliográficas e pela divulgação dos dados coletados referentes as suas cidades de estudos. Vale destacar que a pesquisa também contou com a participação de uma professora responsável pela criação do design do banco de dados e do web site para a disponibilização das fichas de inventários3. A primeira fase da pesquisa foi concluída no inicio de 2009 e contou com o financiamento da FAPEMIG e PIBIC/CNPq e PIBIC/FAPEMIG; nesta etapa foi possível a identificação e documentação de mais de 90 imóveis em 20 cidades. O dados já processados integram o banco de dados da pesquisa, disponível no web site da FAUeD4. A partir desse material já levantado e a complementação do mesmo, pretende-se dar continuidade a pesquisa selecionando as obras mais características e destacando suas particularidades através da análise dos projetos relacionando-os aos processos espaciais, sociais e culturais das cidades estudadas, examinando-os a partir da presença da arquitetura moderna na constituição da cidade. Pretende-se assim: analisar o impacto da introdução da arquitetura moderna nos espaços urbanos e no desenvolvimento das cidades destacando a sua

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Equipe de Pesquisadores. Professores da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia, Núcleo de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo: Luis Eduardo Borda; Luiz Carlos De Laurentiz; Marilia Maria Brasileiro Teixeira Vale; Maria Beatriz Camargo Cappello; Flávia Ballerini e Patrícia Pimenta Azevedo Ribeiro. Alunos de iniciação científica: Henrique Vitorino Souza Alves;
 Ariel Luis Lazzarin;
Raquel Beatriz Silva; Natalia Achcar Monteiro Silva;
Larissa Ribeiro Cunha;
Ana Paula Tavares Miranda;
Karina Ribeiro;
Flavio M. Pereira;
Karine Oliveira; Denise Galhardi R. O. Cruz;
Maria Fernanda Zumpano;
Elisa Azevedo Ribeiro;
Kauê Felipe Paiva e Letícia Guitarrara Nirschl Crozara 4

http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/ 12


concepção urbana; compreender como o vocabulário moderno é absolvido na arquitetura de caráter “popular”; identificar o patrimônio com importância para preservação e estimular esta prática. Sendo assim, a proposta de consolidação dos dados sobre a arquitetura moderna do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba e de difusão dos resultados das pesquisas realizadas, envolve uma contínua alimentação do banco de dados, com a inclusão de novos inventários e análises. Deste modo, a importância deste banco de dados é constituir-se como instrumento de pesquisa não só para os integrantes do projeto, mas para quaisquer outros professores, estudantes ou pesquisadores que venham a desenvolver atividades de investigação relacionadas ao tema. Acreditamos que a documentação disponível poderá ser útil e colaborar para a realização de análises detalhadas sobre os modos pelos quais a produção arquitetônica e urbanística moderna se insere e se desenvolve nessa região de Minas Gerais, e assim estabelecer um diálogo mais amplo, que se processa na própria constituição de uma arquitetura moderna brasileira. Coloca-se ainda a possibilidade de que esse Banco possa se tornar, além de uma fonte de pesquisa do DOCOMOMO | MG, um local onde os pesquisadores que fazem parte dessa rede possam depositar suas pesquisas, consolidado-o assim, em um amplo meio de interlocução entre os pesquisadores de arquitetura moderna do DOCOMOMO Brasil. Nesta mesma perspectiva, apontamos que este inventário regional contribui também para um estudo maior que esta sendo realizado pelo Grupo de Trabalho sobre inventários de arquitetura, urbanismo e paisagismo

modernos,

formado

pelo

DOCOMOMO

Brasil,

envolvendo

pesquisadores de vários estados do Brasil, com o DOCOMOMO/BA, DOCOMOMO/PE, DOCOMOMO/SP, DOCOMOMO/BSB e DOCOMOMO/MG, estabelecendo interlocuções com pesquisadores de varias universidades5. Agradecemos aos apoios institucionais do CNPq, da FAPEMIG, da nossa instituição, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade

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Universidade Federal de Viçosa (UFV), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal da Paraíba (UFP), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Pontifícia Universidade Católica de Minas (PUCMinas) e Universidade de São Paulo (USP/SP).


Federal de Uberlândia, aos funcionários dos arquivos municipais das cidades visitadas, aos arquitetos entrevistados e aos pesquisadores que desenvolveram esta pesquisa.

Maria Beatriz Camargo Cappello

Coordenadora da Pesquisa “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba” Núcleo de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design Universidade Federal de Uberlândia 14


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UBERLÂNDIA CLUBE: A “MODERNIDADE” NA CIDADE DE UBERLÂNDIA Flávio Medeiros Pereira / Natália Achcar Monteiro Silva / Maria Beatriz Camargo Cappello / Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale INTRODUÇÃO A produção arquitetônica moderna da região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba é o objetivo de análise da pesquisa intitulada “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação”, desenvolvida na Universidade Federal de Uberlândia por uma equipe de cinco professores efetivos e alunos bolsistas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. O projeto é financiado pela FAPEMIG e se desenvolve em duas etapas realizadas paralelamente. Uma delas é a pesquisa teórica, desenvolvida a partir da leitura de textos que tratam do movimento moderno, das características da modernidade na região do Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba e dos determinantes históricos que influenciaram a construção desses edifícios. Enquanto a outra etapa é de campo, e é desenvolvida por meio de visitas às cidades da região com intuito de analisar os edifícios que trazem as características desse movimento. Dessa forma, o projeto busca promover um levantamento documental que possibilite a elaboração de fichas, que oferecerão uma identificação e análise das obras modernas da região e posteriormente, uma caracterização da arquitetura moderna local. Esse material produzido ainda tem o intuito de ser disponibilizado a todos os interessados por meio da internet, além de também ser doado às cidades pesquisadas para que esse estudo não se restrinja ao meio acadêmico e estimule a preservação dos edifícios mais significativos da região, compreendendo o distanciamento temporal da construção dessas obras e a importância arquitetônica e histórica que esses edifícios apresentam como elemento de identificação regional. O desenvolvimento das fichas de levantamento da produção arquitetônica moderna da região é definido segundo o modelo do DOCOMOMO (International Working Party for Documentation and Conservation of Buildings, Sites and Neighbourhoods of Modern Movement), que é uma organização internacional que busca difundir o conhecimento e reflexão sobre o Movimento Moderno. 16


Essa instituição estimula o desenvolvimento de levantamentos documentais e medidas de conservação e proteção de edifícios, conjuntos urbanos e paisagísticos do Movimento Moderno. Além disso, o DOCOMOMO possui várias unidades, como por exemplo, o DOCOMOMO Brasil, que estimula o inventario da arquitetura moderna nacional e que, por sua vez, também apresenta ramificações, como o DOCOMOMO Minas que procura difundir o levantamento regional das obras modernas. Nas regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, ambas no interior do Estado de Minas Gerais, a arquitetura moderna teve seu auge tardiamente na década de 1960, inserindo-se em um contexto urbano caracterizado pela busca de inovações sociais, econômicas e culturais e do tão esperado progresso. Nesse sentido, o trabalho em seguida estabelece uma análise do edifício Uberlândia Clube, construído em 1957 no núcleo central de Uberlândia, com intuito de promover atividades de recreação e comércio à elite uberlandense. Todavia, por apresentar elementos de linguagem moderna até então pouco utilizados na região, como os pilotis, o brise-soleil, os panos de vidro e o terraço-jardim, esse edifício acabou se tornando um elemento de identificação local e de caracterização da arquitetura moderna regional. Ainda hoje, o edifício assume características importantes, pois representa a memória de um período; uma inserção urbana diferenciada e mais adequada ao clima local, por possuir um recuo em sua fachada frontal que oferece um passeio sombreado; além de mostrar a intenção de trazer por meio da arquitetura, modernidade, progresso e desenvolvimento à região.

A questão do patrimônio moderno brasileiro No Brasil, a arquitetura moderna se iniciou na década de 1920, mas seu auge nos grandes centros ocorre a partir de 1950. Os arquitetos tiveram influência, principalmente européia, na imagem de Le Corbusier, mas rapidamente seguiram um caminho próprio, e com isso a arquitetura adquiriu caráter nacional. A produção moderna brasileira recebeu destaque internacional, principalmente pelo desenvolvimento de inovadora técnica de controle de luz e calor, através


do brise-soleil. Sua particularidade também estava no bem desenvolvido uso do concreto armado e dos trabalhos em azulejos, principalmente desenhados por Cândido Portinari. A arquitetura moderna foi, sem dúvidas, nacional, refletindo os artistas que a lançaram e recorrendo aos materiais disponíveis, assim como se ajustando ao clima. Seu acervo patrimonial ainda é muito pequeno diante da produção que se realizou, e falta uma política de identificação dos exemplares mais significativos, que devem ser protegidos. Aliás, a discussão sobre a preservação deste patrimônio ainda é muito polêmica, principalmente em função da pequena distância temporal. Uma das mais particulares características da arquitetura moderna é sua rica documentação e detalhamento, o que possibilita que seja realizada uma restauração por completo ou um projeto ser executado, em um outro momento, de forma fiel ao original. Mas, até que ponto isto é viável? Em que condições deveria se lançar de tal recurso? Quem seria considerado o realizador/autor de tal proposta? Outro ponto diz respeito ao tombamento ser a melhor forma de proteger a arquitetura moderna, já que o ato de preservar pode incluir qualquer ação do Estado que conserve a memória e os valores culturais, e o tombo acaba por resguardar o bem em si e não as relações e vínculos imateriais que ele proporciona, sejam elas afetivas, de uso, etc. Mais um questionamento, talvez o mais intrigante, diz respeito ao fato de muitos dos arquitetos modernos encontrarem-se ativos, possibilitando uma idéia de tombar no bem, seu autor. Ou ainda de, o próprio arquiteto acreditar serem viáveis modificações em seus projetos, assim como verdadeiras demolições, criando um certo “mal-estar” com os órgãos de proteção e muitas vezes inviabilizando tombamentos. As ações de preservação do moderno iniciaram-se em 1947, quando Lucio Costa pediu o tombamento da Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha, em Belo Horizonte. Nesta fase inicial, de 1947-1967, o tombamento correspondia a obras recém construídas, fazendo uso da legislação de proteção ao patrimônio artístico e histórico, como forma de resguardá-las, em termos de 18


sua constituição original, para que não fossem demolidas ou modificadas. O período foi marcado pela presença de Lucio Costa à frente da Diretoria de Estudos

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Tombamentos

do

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e

pelo

citado

caráter

de

excepcionalidade das obras tombadas, que representavam o patrimônio histórico do futuro. Somente na década de 1980 outros edifícios modernos passariam por processo de tombamento, sendo que inovador foi o de Brasília em 1990, já que o que se protegeu foi o plano, ou seja, as regras urbanísticas de ocupação, e não os edifícios em si. Este tipo de tombamento aponta para um olhar diferenciado, no qual a cidade, objeto a ser tombado, deixa de ser pensada enquanto conjunto arquitetônico para ser vista como documento vivo, resultado das idéias urbanísticas do seu tempo e história. Tombar um edifício recentemente finalizado é algo inovador, que proporciona proteger um monumento tal como ele foi projetado e construído. No caso da conservação do patrimônio moderno, manter o projeto original é tida, quase como fixação, ainda mais fortalecida pela pequena distância temporal, assim como pelo vasto material documental e fotográfico, que possibilita retornar a proposta inicial. Tal fato faz com que se desconsiderem as modificações, que muitas vezes são inevitáveis nos processos de ocupação. A preservação da arquitetura moderna ainda está em fase de formação, sendo necessário fazer discussões sobre a idéia de voltar/manter o projeto original e a importância das transformações que ele adquire com uso e ocupação. Se uma obra é tombada muito cedo, fica o próprio tempo responsável por dar a ela suas condições de patrimônio cultural. O fato é que, a arquitetura moderna é parte de um passado recente que merece ser mantido e respeitado. E a grande problemática quanto a sua preservação está na pouca discussão e falta de aspectos conceituais e éticos. O CONTEXTO HISTÓRICO DE UBERLÂNDIA Uberlândia teve sua origem no início no século XIX, foi elevada à cidade em 1888 e recebeu seu nome atual em 1929.


Em 1908, o prefeito Alexandre Marquez pediu ao engenheiro Mellor Ferreira Amado a realização de um plano de expansão, o qual alteraria a organização física da cidade. Na proposta, Mellor definiu a constituição do centro a partir do bairro Fundinho, núcleo original de ocupação, sendo composto por seis avenidas, que iniciavam-se em praças e findavam-se na estação ferroviária, que atualmente é a avenida João Pessoa. Na década de 1910 deu-se início a seu processo de mais importante desenvolvimento, muito em função da localização geograficamente estratégica do município, que é entreposto entre as cinco regiões do país. Neste período Uberlândia teve grande impulso econômico, especialmente no setor atacadista. O crescimento ocorreu devido muito às ligações comerciais e agrícolas estabelecidas, principalmente com o Estado de São Paulo, o que foi potencializado ainda mais após a construção em 1895 da Estrada de Ferro Mogiana e, em 1909 da ponte Afonso Pena sobre o rio Paranaíba. Nessa época a cidade já contava com abastecimento de água, igreja, escola, hospital, praças, etc. A inauguração de novos e diversificados empreendimentos deu continuidade a um processo de urbanização periférico da cidade, através da incorporação de áreas agrícolas que visavam a especulação imobiliária. Em 1950 as transformações ocorreram também no âmbito urbano, modificando a área central da cidade, a qual passou a receber melhorias na infra-estrutura, iniciou seu processo de verticalização, e onde foram construídos edifícios importantes para a composição da paisagem urbana, como o Uberlândia Clube, Edifício Tubal Vilela e outros. A concentração e adensamento da população constituíam-se através de anéis concêntricos: o entorno da Praça Tubal Vilela, os bairros Fundinho e Nossa Senhora Aparecida formando um primeiro anel, os bairros Osvaldo Rezende, Martins, Bom Jesus, Lídice, Saraiva e parte do Centro gerando o segundo, e os bairros Daniel Fonseca, Osvaldo Rezende, Cazeca, Saraiva, Tibery e Marta Helena integrando o terceiro. A ocupação das demais áreas da cidade era feita de forma dispersa, com baixa densidade e presença de vazios urbanos 20


significativos, sendo que tais áreas eram constituídas pelos loteamentos destinados às classes de renda baixa.

A criação do Aeroporto de Uberlândia em 1957, da Universidade em 1959, da Companhia Elétrica de Minas Gerais, da implantação dos serviços de esgotos sanitários e tratamento de água, do melhoramento de suas principais rodovias, além da criação da ‘Cidade Industrial’ em 1965, impulsionaram a cidade e atraíram grande contingente de estudantes e migrantes a procura dos novos empregos que estavam sendo gerados. Todas essas transformações demandaram que o governo investisse mais em infra-estrutura para atender ás exigências de uma população maior.

Na década de 1960 foi possível notar a ação concomitante de empresas imobiliárias e do Estado através de políticas como o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e o Banco Nacional de Habitação (BNH). Mesmo com o surgimento de novos bairros, a cidade continuou a apresentar um padrão de ocupação radial e assimétrico (em relação à presença de infra-estrutura urbana e distribuição de renda), em que se destacava o centro, sobretudo ao longo das avenidas Floriano Peixoto e Afonso Pena, entre as praças Clarimundo Carneiro e Sérgio Pacheco.

Com a industrialização e a conseqüente necessidade de mão-de-obra, começaram a surgir nas áreas periféricas da cidade, as vilas operárias, bairros com pouca ou nenhuma infra-estrutura, destinados às classes mais pobres, enquanto nas regiões principais, em torno do centro comercial, situavam-se os bairros residenciais nobres. Entre as décadas de 1970 e 1980 várias indústrias importantes como a Granja Rezende e a fábrica de cigarros Souza Cruz instalaram-se no perímetro da cidade.

Atualmente novos vetores de expansão estão surgindo. Com a transferência da Prefeitura e da Câmara de Vereadores para um terreno ao lado do Center Shopping foi criado um novo foco de atração e uma nova dinâmica urbana, tornando-se uma tendência na cidade a existência desses ‘centros’ dispersos pelo tecido urbano.


Com todas estas transformações, a cidade cresceu vertiginosamente ao longo dos anos, sobretudo pelo fluxo migratório de pessoas. Segundo dados do IBGE, Uberlândia possui cerca de 615 mil habitantes.

Figura 01: Mapa urbano de Uberlândia, com destaque para o centro da cidade e a praça Tubal Vilela. Fonte: Prefeitura Municipal de Uberlândia, com organização dos autores

O UBERLÂNDIA CLUBE SOCIEDADE RECREATIVA O contexto histórico do Uberlândia Clube Sociedade Recreativa O Uberlândia Clube Sociedade Recreativa surgiu em 23 de Março de 1937 com o intuito de ser uma instituição privada sem fins lucrativos, proporcionando atividades de lazer aos sócios, sendo assim proibida qualquer manifestação de caráter político-partidária, religioso, ou afins. Composta pela elite da cidade, essa organização apresentava grande restrição à filiação de membros que não possuíssem mesmo status social ou poder aquisitivo. 22


Pode-se dizer que essa instituição é “herdeira” do antigo Clube Municipal de Uberlândia, que existiu na cidade durante a década de 1920 e que “era o responsável por sediar as festas e reuniões da sociedade uberlandense”. (Prefeitura de Uberlândia. Complementação do Dossiê de Tombamento Uberlândia Clube. pág.5) A criação de clubes como o Uberlândia Clube Sociedade Recreativa não é um acontecimento isolado. Segundo Alcindo Gonçalves, em publicação à revista eletrônica “Patrimônio, Lazer e Turismo” vários clubes de caráter associativo e geralmente sem fins lucrativos sugiram no contexto brasileiro entre o final do século XIX e início do XX. Em Minas Gerais, temos a criação em Belo Horizonte, do Minas Tênis Clube em 1935 e do Rotary Clube em 1927, em Pouso Alegre, o Clube Literário e Recreativo de Pouso Alegre em 1926, e em Uberlândia o Uberlândia Clube em 1937. O Uberlândia Clube se estabeleceu como um clube da alta sociedade uberlandense, sediando bailes, festas e carnavais. Sua inauguração ocorreu em fevereiro de 1938, quando alugou as salas de um pavimento do edifício Abdulmassih, localizado no núcleo central da cidade. Nesse local “a sociedade se reunia diariamente para se divertir nos salões de dança e jogos”. O clube iniciou suas atividades com cerca de cem associados, todavia, ”com o tempo e o aumento dos sócios a sede alugada tornou-se obsoleta para abrigar os eventos do clube e os sócios começaram a construir uma nova” (Prefeitura de Uberlândia. Complementação do Dossiê de Tombamento Uberlândia Clube. pág.7). Por volta de 1947 o uberlandense Rondon Pacheco, então deputado estadual de Minas Gerais conseguiu uma parte de um grande terreno do Estado que se estendia da Rua Olegário Maciel à Rua Santos Dumont na área central da cidade para a construção da nova sede do clube. A diretoria decidiu então promover um concurso para escolher o melhor engenheiro e o projeto vencedor foi o de Almor da Cunha, engenheiro de Sacramento com formação e atuação no Rio de Janeiro, enquanto os interiores ficaram sob a responsabilidade do artista plástico e decorador Sérgio Freitas, que foi indicado por aquele profissional. José Machado de Moraes, outro artista plástico carioca, com formação na Escola Nacional de Belas Artes e com trabalhos realizados junto a


Cândido Portinari também foi contratado para fazer os murais de entrada no pavimento térreo e outro no segundo pavimento.

A obra foi concluída em 1957 e foram gastos cerca de 30 milhões de cruzeiros na execução do projeto. O edifício possui três pavimentos, que inicialmente continham um espaço comercial e o teatro Rondon Pacheco no térreo, dois salões para dança e jogos, palcos para shows, boate, bar, restaurante no primeiro pavimento, sala para a diretoria e uma biblioteca no segundo pavimento, contando ainda com um terraço-jardim que era utilizado para festas ao ar livre, mas que hoje se encontra coberto por uma cobertura metálica, configurando um grande salão. A inauguração dessa nova sede do Uberlândia Clube Sociedade Recreativa se deu com uma grande festa, que contou com a presença dos associados, da Orquestra do “Cassino de Sevilha”, de São Paulo, além da orquestra do próprio clube, de bailarinos internacionais, artistas brasileiros, e autoridades políticas, como o Ministro da Aeronáutica, e um Embaixador da República.

Com o tempo, o edifício passou a ser denominado simplesmente Uberlândia Clube. Nele aconteciam apresentações de óperas, recitais e concertos, que ocorriam nos próprios salões do clube ou no teatro. Além dessas apresentações culturais, durante a semana os associados continuaram a se reunir no edifício para jogar e dançar, podendo também acessar a sala de leitura na biblioteca, além de haver também festas para o público jovem todos os finais de semana, bailes de carnaval e festas de virada do ano. Fora essas ocasiões, o salão principal, no segundo pavimento, muitas vezes era alugado para festas particulares como casamentos e aniversários dos associados. Na década de 1970, o clube foi muito procurado por seu barzinho e boate e nos anos 90 a Festa Brava atraia muitas pessoas com sua música eletrônica. Todavia, por não ter recebido um isolamento acústico adequado, os shows e festas com bandas e músicas eletrônicas foram sendo proibidos, devido a reclamações da população vizinha ao edifício, o que fez com que o clube começasse a entrar em grandes problemas econômicos. Além disso, nesse período surgem novos edifícios de lazer em Uberlândia, como os Shoppings Centers, que também contribuíram para a diminuição de associados do Uberlândia Clube, o que dificultou sua manutenção, levando-o a encerrar suas atividades diárias e semanais em 2000, 24


funcionando somente com o aluguel dos seus salões agora para toda a população. Hoje, ele é tombado integralmente pelo Decreto nº10223 de 29 de Março de 2006 que compreende a sua importância arquitetônica, urbanística e histórica para toda a cidade e protege suas fachadas, volumes, acervo bibliográfico, e mobiliário. Entre as diretrizes de tombamento estão a exigência de preservação das características do imóvel, a proibição de intervenções que o descaracterize, a manutenção do gabarito dos edifícios localizados dentro da área de perímetro de entorno (que envolve o quarteirão em que se situa o edifício e os quarteirões ao seu redor) com o intuito de manter as visuais que ele cria em relação à cidade, a retomada do desenho original do terraço-jardim, entre outras.

Figura 02: Vista a partir da Rua Olegário Maciel, mostrando a fachada posterior do Uberlândia Clube e o terraço-jardim. Fonte: Inventário do Patrimônio Cultura do Município de Uberlândia, exercício 2007, quadro III – volume 6/6 , Dossiê de Tombamento Uberlândia Clube

Análise dos elementos do edifício Uberlândia Clube O Uberlândia Clube foi um dos primeiros exemplares de arquitetura moderna em Uberlândia, utilizando de recursos como os grandes panos de vidro protegidos por brise-soleil, estruturação independente proporcionando fachadas e plantas livres, e o uso de pilotis e terraço-jardim.


Figuras 03 e 04: Fachada Frontal do Uberlândia Clube e destaque para a marquise da entrada principal. Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva

A edificação se compõe por um volume regular, disposto em dois pavimentos, além do térreo recuado, onde se encontram os pilotis (revestidos por pastilhas em tom azul marinho), que estruturam o pavimento superior. É neste térreo que se encontram as 18 lojas, distribuídas em três blocos, constituindo uma galeria comercial, assim como o Teatro Rondon Pacheco, acessado por uma das duas ruas internas do edifício. Os revestimentos são em alvenaria e o piso em pedra portuguesa branca e preta, configurando desenhos curvilíneos.

Figuras 05 e 06: Térreo recuado, com uso de pilotis e piso em pedra portuguesa branca e preta. Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva

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Ao centro no pavimento térreo está a entrada principal, que externamente apresenta uma marquise curva, que destaca o acesso ao interior do clube e leva a um hall, que tem a parede revestida por espelho no lado direito, um painel em pastilhas no esquerdo, no qual se conta um pouco dos eventos que ali ocorriam, e ao fundo por mármore bege. O piso é em mármore branco, recoberto por carpete de veludo vermelho.

Figuras 07 e 08: Porta principal de entrada e rampa curvilínea no hall central. Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva

Figuras 09 e 10: Hall de entrada com o painel em pastilha e revetimento do piso em mármore branco e do teto em gesso trabalhado. Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva

O primeiro pavimento é acessado por uma rampa curva, em mármore branco e madeira, revestida por carpete também vermelho, que finda-se em um grande foyer, onde há um painel em gesso e uma grande luminária amebóide também


de gesso atirantada ao teto. Este andar conta com dois salões de festas, sanitários, restaurante, boate e bar.

Figuras 11 e 12: Foyer no primeiro pavimento, com o painel em gesso, além da iluminação indireta, embutida em ornamento em gesso atirantado. Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva

O hall deste pavimento tem as paredes parcialmente revestidas com madeira, o piso em tacos de madeira e apresenta mobiliário moderno ainda original como luminárias e sofás.

Figuras 13 e 14: Hall do primeiro pavimento. Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva

Um dos salões é o de inverno, de pequenas dimensões, com piso em parquet e grandes esquadrias, o qual se liga diretamente a uma circulação, onde estão os panos de vidro protegidos por brises, na fachada frontal. Ao centro destes está um grande vitral, no qual estão desenhados edificações importantes da cidade e o próprio Uberlândia Clube. 28


Figuras 15 e 16: Circulação perimetral, com a proteção por brises e destaque para o desenho do Uberlândia Clube no vitral. Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva

O salão nobre, decorado em tons azuis e branco, tem trabalhos em gesso até mesmo nos pilares de sustentação (desenhos de lírios), assim como esculpidas sancas de iluminação. Nele também há um mezanino, que pode ter acesso por duas escadas laterais. Na extremidade oposta a este, está o palco.

Figuras 17 e 18: Entrada do salão nobre e do Salão de Inverno respectivamente. Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva


Figuras 19 e 20: Palco e as esculpidas sancas de iluminação do teto em gesso. Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva

Figuras 21 e 22: salão, com o mezanino, destaque para os pilares com lírios em gesso. Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva

A boate tem piso em tacos de madeira e revestimento das paredes em espelho e carpete escuro. O forro também é trabalhado em gesso. O bar tem piso em granitina cinza e rosa, e revestimento do teto em gesso de cor azul. O mobiliário do balcão é bastante orgânico, com uso de madeira, laminado preto, e detalhes em mármore e latão. O acesso ao pavimento superior acontece nesta área através de uma escada em mármore branco, assim como para a varanda, por uma porta sanfonada.

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Figuras 23 e 24: balcão do bar e mobiliário do mesmo. Fonte: Flávio Medeiros Pereira e Natália Achcar Monteiro Silva

A cozinha fica atrás do bar, sendo que seus revestimentos de parede e piso foram alterados, existindo atualmente azulejos brancos e cerâmica cinza. Os sanitários também são ornamentados, com destaque para o feminino, onde o piso recebe pastilhas cerâmicas em preto e branco, formando flores. No segundo pavimento estão a diretoria, biblioteca, sanitários e mais um bar e um salão de festas, que foi adaptado quando se retirou o terraço-jardim. Da escada acessa-se um hall, onde há outro painel de pastilhas e por onde se circula atingindo as salas citadas. A sala da diretoria é simples, enquanto a biblioteca recebeu maior atenção, com piso em carpete e aplicações em gesso nas paredes onde estão embutidas as estantes. Seu mobiliário se conserva original. O salão de festas, tem cobertura metálica, com forro em PVC e piso em tacos de madeira. Nos fundos está o palco e os camarins. O bar tem cozinha própria e está sob a mesma cobertura do salão.

Análise do edifício Uberlândia Clube no contexto urbano O edifício Uberlândia Clube, construído na década de 1950, foi um marco para a cidade, representando, através da imponência de sua arquitetura, mais um avanço em termos de desenvolvimento social e progresso. Como já foi dito, o município passava por um processo de rápido crescimento e a formação de seu centro era importante, conformando através do que era construído a imagem da cidade progressista, com grande avanço econômico. Em termos de implantação o Uberlândia Clube tem a particular característica de um grande recuo da fachada frontal, o qual é recoberto pelo pavimento superior, que atua como marquise estruturada por pilotis. Esta constituição define uma composição urbana, na qual o pedestre é privilegiado por um espaço de passagem gentilmente protegido. Em uma cidade com intenso calor como Uberlândia, esta prática deveria ser freqüentemente utilizada permitindo ao


usuário do espaço público maior conforto em relação ao clima, assim como as dinâmicas, o movimento, o barulho, o trânsito, etc. Atualmente, o “símbolo da sociedade e da cultura uberlandense” não tem mais as atividades semanais, funcionando esporadicamente quando seus salões são alugados, mantendo-se em uso a área comercial no térreo, que é uma espécie de galeria, além do Teatro Rondon Pacheco.

CONCLUSÃO A partir dos estudos realizados sobre o edifício Uberlândia Clube percebemos a importância que a Arquitetura Moderna assume na identificação de um período na região do Triângulo Mineiro. Nele vemos a introdução de elementos até então pouco utilizados na cidade e que foram empregados com o intuito de representar o tão esperado progresso. A mescla de áreas comerciais, festas e apresentações culturais mostra a grandiosidade do edifício e justificam o título de “símbolo da sociedade e da cultura uberlandense”. Seus elementos diferenciados auxiliaram na introdução do moderno na região e ainda hoje o tornam único no contexto urbano, com elementos que poderiam ser amplamente utilizados em toda a cidade. Além disso, seu acervo de mobiliário, em ótimo estado de conservação, também é muito importante para a manutenção da memória da ambientação da década de 1960. As várias alterações que esse edifício já passou, o estado parcial de abandono e a grande importância que ele representa para toda a cidade justificam seu tombamento, no intuito de preservá-lo. Assim, a partir do Uberlândia Clube, compreendemos a atual importância das obras modernas para as cidades analisadas no projeto de pesquisa e a situação em que elas se encontram, o que reforça uma atenção maior aos exemplares existentes e a necessidade de tombamento dos que se encontram ameaçados de descaracterização, degradação ou abandono.

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Agradecimentos Gostaríamos de agradecer à toda a equipe do projeto de pesquisa “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação” pela troca de conhecimentos e incentivo em assuntos tão importantes como a Arquitetura Moderna e a Preservação.

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A ARQUITETURA MODERNA NAS CASAS DO ARQUITETO JOÃO JORGE COURY E NOS EDIFÍCIOS RESIDENCIAIS DA CIDADE DE UBERLÂNDIA” Patricia Pimenta Azevedo Ribeiro / Denise Galhardi Rodrigues De Oliveira Cruz

1. INTRODUÇÃO A Semana da Arte Moderna em São Paulo, na década de 1920, oficializou o início da modernidade no Brasil, apesar da proposta que foi apresentada na Arquitetura, valorizar o Neocolonial como legitimamente brasileiro. Em 1936, a construção do Ministério de Educação no Rio de Janeiro, projetado por brasileiros com a consultoria do arquiteto franco-suíço Le Corbusier, foi o marco definitivo nos novos caminhos da arquitetura moderna brasileira. A partir de então, as obras arquitetônicas, tanto públicas como privadas, mesmo em regiões mais distantes do centro político do país, mostraram uma tendência a serem funcionais e modernas. Em Belo Horizonte, ainda em 1936, aconteceu a exposição “Salão Bar Brasil”, considerada por alguns autores como a Semana de Arte Moderna Mineira. Nessa exposição foram apresentados trabalhos de desenho, pintura, escultura e projetos dos estudantes de arquitetura do quinto ano da EABH (Escola de Arquitetura de Belo Horizonte), dentre eles, o então aluno João Jorge Coury. Nascido em Abadia dos Dourados – Minas Gerais, em 1908, João Jorge Coury formou-se em arquitetura na EABH em 1937, mas provavelmente em função de sua atuação política colou grau em 1940. Foi redator da primeira revista de arquitetura e urbanismo, editada em Minas Gerais, denominada “Arquitetura”, em 1935. “Desde o período de estudante, Coury era militante no Partido Comunista Brasileiro, sendo preso em 1937 (BH) na onda do Estado Novo e em 1964, já morando em Uberlândia, quando foi encaminhado para a Base da Aeronáutica em Lagoa Santa – MG, ficando preso junto com o arquiteto Sylvio de Vasconcellos” RIBEIRO (2001). A prática profissional do arquiteto João Jorge Coury se estendeu por São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Brasília, mas foi em Uberlândia, que instalou seu escritório, em 1940, e onde se concentra o maior número de suas obras, 36


com ênfase na temática residencial. Teve uma intensa participação nas questões políticas e sociais da cidade, tais como a estruturação de Sindicatos, a fundação da Associação de Engenheiros, Químicos e Agrônomos, da Cooperativa de Fruticultores, colaborando, também, na criação da UESU – União dos Estudantes Secundaristas de Uberlândia. Possuía, segundo depoimentos, uma extensa biblioteca; assinava revistas nacionais e estrangeiras de vanguarda. A cidade de Uberlândia no estado de Minas Gerais, possui “uma posição estratégica na região, servida por uma malha rodoviária e ferroviária ligando-a aos importantes centros industriais do país e ponto obrigatório de entrecruzamento do Sul, Norte e Nordeste com o Centro Oeste” RIBEIRO (2001). Sendo um pólo atacadista e Figura 1: Arquiteto João Jorge Coury, década de 1930. Foto: Acervo Irene Terra

distribuidor, além de sua agropecuária, Uberlândia sempre esteve voltada para o progresso, o crescimento e a modernização. Até o final da década de 1940, a cidade já apresentava um comércio forte em todas as áreas, inclusive na de materiais de construção.

“As obras de Coury foram significativas na cidade de Uberlândia. Até a segunda metade da década de 50, era o único arquiteto estabelecido na cidade. Além das residências, projetou diversas praças para a cidade de Uberlândia e região. Nas atuações urbanísticas, além das praças, Coury projetou em 1960, o Clube Caça e Pesca (clube campestre com loteamento) e em 1961 a Cidade Industrial de Uberlândia, englobando área destinada a instalações das indústrias, parque, área residencial e comércio” RIBEIRO (2001).

A retomada das discussões sobre a mudança da capital federal envolveu toda a região de Uberlândia e sua sociedade. Seguindo a proposta desenvolvimentista do governo, novas linguagens arquitetônicas eram necessárias. Desta forma, outros escritórios de arquitetura se instalaram na cidade, como o de Hélvio Felice e o de Natalino David Thomaz, ambos formados pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em 1954 e 1960 respectivamente. Com a construção de Brasília, cresceram, na cidade, os investimentos que deram suporte a esse grande empreendimento. A forma de conceber tanto o edifício quanto o espaço urbano começou a se alterar, mesmo que ainda, sob vários aspectos aparecessem, em alguns momentos, espaços do programa de


necessidades,

principalmente

nas residências,

vinculados

a

costumes

tradicionais, como por exemplo, a segunda cozinha, nas edículas. “No decorrer do tempo, os projetos residenciais unifamiliares do arquiteto João Jorge Coury sofreram transformações advindas do diálogo entre o arquiteto e o lote. Podemos perceber nitidamente as modificações que ele fez na relação casa e lote, ou seja na forma de ocupação do lote urbano pela organização na implantação dos volumes da edificação no terreno. Uma série de tipologias, identificadas através de repetições presentes nos projetos, e definidas pelas diferentes relações urbanas da habitação nos permite reconhecer, em síntese, a trajetória do raciocínio arquitetônico de João Jorge Coury. (...)” RIBEIRO (2001).

A historiografia sobre as obras modernas em Uberlândia, apesar de apresentar trabalhos de pesquisa anteriores, ainda possui alguns vazios a serem preenchidos pelo estudo dessa produção, fato que justificou este trabalho de pesquisa, que teve como objetivo, identificar, analisar e documentar a arquitetura residencial moderna na cidade de Uberlândia através das obras de João Jorge Coury e de outros arquitetos modernos. Foi também intenção da pesquisa ampliar o acervo, já em desenvolvimento, do projeto de pesquisa “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação”, cuja finalidade é estruturar um material didático para as disciplinas de graduação e da pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da UFU – Universidade Federal de Uberlândia. O expressivo número e o caráter das obras residenciais de João Jorge Coury levou à escolha deste objeto para a análise. A metodologia de análise adotada se fundamentou nas transformações da organização espacial nas residências modernas na cidade de Uberlândia, compreendendo não somente a linguagem moderna enquanto plástica, mas, também, ordenadora das relações de uso. A revisão da documentação, o levantamento de dados adicionais, a realização de análises e produção de um web site sobre essa produção moderna, além de facilitar o acesso ao acervo, pretende contribuir para a criação de diretrizes que assegurem a proteção e conservação destes bens. 38


Os dados da pesquisa foram compilados em fichas específicas conforme proposta do DOCOMOMO (International Working Party for Documentation and Conservation of Buildings, Sites and Neighbourhoods of Modern Movement). O DOCOMOMO é uma organização internacional que visa difundir o conhecimento e a reflexão sobre o Movimento Moderno, através do levantamento de documentos e de medidas de conservação e proteção da arquitetura, assim como, de conjuntos urbanos e paisagísticos deste período. O inventário da arquitetura moderna brasileira vem sendo realizado pelo DOCOMOMO Brasil e suas unidades regionais, que no caso do presente trabalho é o DOCOMOMO Minas.

A análise das obras seguiu os parâmetros indicados pelo projeto do grupo de pesquisa que foi norteada pelos preceitos modernistas, sendo, as informações compostas de: textos sobre o autor; o projeto (publicado ou não), levantamento iconográfico e relatos. Estas informações servem de base para uma leitura da obra, objetivando sempre, identificar as referências projetuais dos arquitetos.

2. MATERIAL E MÉTODOS

A primeira parte do trabalho de pesquisa constituiu-se de uma pesquisa bibliográfica sobre a região estudada e o moderno, a qual se manteve até o final, sempre visando à ampliação dos conhecimentos. Os documentos consultados constam nas referências deste artigo.

Em um segundo momento foi realizada a atualização e a revisão dos dados coletados em trabalhos anteriores, sendo os mesmos catalogados conforme ficha do DOCOMOMO. Na medida em que eram preenchidas as fichas, a pesquisa histórica sobre os edifícios foi aprofundada, sendo acrescentadas novas informações e imagens, e também, foram recuperadas plantas que se apresentavam bastante ilegíveis, devido ao desgaste pelo tempo. Após a coleta de dados teve início, então, o trabalho de alimentação da página do Web Site com as informações obtidas, assim como, com um levantamento iconográfico que complementasse a catalogação. A pesquisa seguiu com o processo de análise dos aspectos formais-técnicos-construtivos dos edifícios. Buscou-se,


ainda, estabelecer paralelos entre os projetos residenciais dos diversos arquitetos modernos pesquisados.

3. DISCUSSÃO E RESULTADOS A Arquitetura Moderna Brasileira buscou desde seus primeiros vislumbres, com a Semana de Arte Moderna, um desejo de algo novo, mostrou que havia uma clientela interessada numa arquitetura nova, que oferecesse propostas concretas e realizáveis. Esse desejo começou a se concretizar, primeiramente nas obras de Gregori Warchavchik em São Paulo e em seguida, pela reforma efetuada por Lúcio Costa à frente da Escola de Belas-Artes em 1930, influenciado pelas idéias de Le Corbusier. A construção do Ministério da Educação e Saúde (1936-1943) estabeleceu um marco na história da arquitetura brasileira, especialmente devido à presença de Le Corbusier, como assessor da equipe encarregada do projeto. Paralelamente, despontaram outras obras significativas, tais como, o prédio da A.B.I. (Associação Brasileira de Imprensa) e o Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro projeto dos irmãos Marcelo e Milton Roberto e a Estação de Hidroaviões do arquiteto Attílio Correa Lima. Com a exposição das fotografias de R. Kidder-Smith no Museu de Arte Moderna de New York (1943) e o livro de Philip Goodwin, Brazil Builds: Architecture New and Old, 1652 -1942, (1943) foi divulgado internacionalmente a nova arquitetura brasileira. No período que compreende os anos do pós-guerra até os anos 1960, o Brasil apresentou uma intensa industrialização e urbanização. A isso se segue a busca pela modernização e hegemonia da arquitetura moderna no Brasil. Uberlândia, devido à sua localização geográfica privilegiada interligando os grandes centros econômicos do país e também a sua proximidade com a nova capital federal, firmou-se economicamente, fato que refletiu em seus espaços públicos e privados. Nesse cenário, desenvolveu o trabalho do arquiteto João Jorge Coury, tornando-o pioneiro na difusão da arquitetura moderna na cidade e na região. Segundo RIBEIRO (1998), as obras de Coury trazem uma nova concepção projetual, explorando um repertório formal e tecnológico de novos 40


padrões construtivos, traduzido na utilização de rampas, de cobertura em lajes planas ou inclinadas e impermeabilizadas. Ainda segundo RIBEIRO (1998) o arquiteto trabalhava as formas puras e uma concepção de partido funcionalista na qual a implantação, a edificação e o terreno conviviam harmoniosamente. A integração rua/casa acontecia desde a paginação do piso do passeio e mediante o recurso do afastamento frontal, perpassando pela varanda, pelas aberturas das áreas sociais voltadas para a rua e em alguns casos, também voltadas para a parte posterior do lote. Destaca-se a volumetria dos edifícios que Coury soube animar com altos e baixos relevos, cheios e vazios, resultando em efeitos de luz e sombra que ‘elevavam’ a edificação do solo. O arquiteto Coury demonstrou uma clara preocupação com o clima, utilizou sistemas de ventilação interna eficientes, protegeu, com o uso de brises, a insolação direta quando esta era inconveniente. É importante ressaltar que as obras modernas, na cidade de Uberlândia, no período de 1940 a década de 1960, fazem parte, em sua maioria, da iniciativa privada, patrocinadas pela burguesia que se formava. Outros arquitetos se destacaram com projetos na arquitetura residencial moderna de Uberlândia, tais como: Paulo de Freitas, Flávio Almada e Fernando Graça. O arquiteto Paulo de Freitas formou-se em 1959 pelo Mackenzie. Nos quatro anos seguintes permaneceu em São Paulo, vindo, em seguida, para Uberlândia, onde se destacou por uma série de projetos e também como professor, durante vinte anos, no Curso de Decoração da Universidade Federal de Uberlândia. Foi colaborador na criação dos cursos de Música, Artes e Comunicação Visual desta Universidade. Os arquitetos Fernando Graça e Flavio Almada também são mineiros. Fernando Graça formou-se em 1959 pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e Flávio Almada em 1961 pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Brasil no Rio de Janeiro. Os dois dividiram escritório em Belo Horizonte por alguns anos. Devido à importância da produção moderna dessas obras e seu papel preponderante na formação da identidade e na memória histórica de Uberlândia, faz-se necessária uma política de conscientização no que se refere


à preservação deste patrimônio, e para tanto é fundamental um trabalho de recuperação, catalogação e análise de todo o material existente.

3.1 Análise dos Projetos Apresentamos trabalho

nessa

algumas

parte

do

residências

edificadas em Uberlândia e que foram selecionadas por possuírem características similares quanto a sua organização espacial. A análise teve como apoio os fichamentos efetuados na pesquisa do Núcleo anteriormente citado.

Figura 2: Residência Benedito Modesto, arquiteto João J. Coury, Foto: Arquivo Pessoal Profa. Dra. Patrícia P. A. Ribeiro.

Em 1954, João Jorge Coury realizou o

projeto

para

a

residência

Benedito Modesto, situada à Rua Machado de Assis, próxima à Avenida João Pinheiro6. Nesta residência o vocabulário presente na arquitetura moderna brasileira pode ser observado tanto pela forma da implantação da casa no lote quanto pela presença de elementos, tais como: laje plana, formas sinuosas e grandes panos de vidro. Na fachada frontal uma laje em concreto armado se solta do corpo da edificação, desenha uma linha curva e com esse movimento cria uma varanda que contrasta com o volume cúbico da casa. Percebe-se aí, a preocupação do arquiteto com a expressão plástica. A laje se apóia sobre seis pilares cilíndricos, revestidos por pastilhas azuis, contrastando, assim, com as pastilhas brancas da platibanda. Nota-se, também, a busca pela integração interior-exterior através da utilização do vidro, montado em esquadrias de metal, na parede frontal que separa a sala de estar e a rua. 6

A ficha completa de análise da edificação pode ser encontrada no site

http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/html/cidades/UBERLANDIA/Residen cia_Benedito_Modesto/Res_benedito_modesto5.html 42


A organização espacial da casa é funcional e setorizada: na parte frontal do volume principal, tem-se a área social formada por sala de estar aberta em duas faces para a varanda. No centro, o setor de convívio, com a copa e cozinha. No setor íntimo, um pequeno hall leva aos dois quartos, ao banheiro social e a suíte de casal. Nesse hall há uma parede em forma de “S” com um vão fechado por uma esquadria de metal e vidro, voltada para o “almoço ao ar livre”. O setor de serviços localiza-se na edícula no fundo do lote, separado do volume principal e compreende: garagem, despensa, cozinha e lavanderia. O acesso principal da residência é lateral, feito pela sala de estar. O abrigo do carro é formado pela extensão da laje da varanda na lateral esquerda. A preocupação com o conforto térmico é revelada pela presença de dutos de ventilação em vários cômodos da casa. A residência sofreu algumas modificações entre 1960 e 1965, a Figura 3: Planta Residência Benedito Modesto, arquiteto João Jorge Coury (RIBEIRO, 1998).

fim de atender às novas necessidades da família e foram supervisionadas pelo próprio João Jorge Coury. Um biombo sanfonado em treliça foi colocado na varanda frontal. Uma nova

cozinha foi instalada no local antes destinado ao almoço ao ar livre, modificando-se as funções dos espaços de cozinha e copa do projeto original para a copa e sala de jantar, respectivamente. O volume anexo ao fundo do lote, originalmente térreo, ganhou um segundo pavimento, que abrigava um terraço, cujo acesso se dava por uma escada junto à parede limite da lateral direita do terreno. O espelho d’água existente no jardim frontal da edificação foi revestido com argamassa de cimento, preenchido com terra e plantas. No período entre 1972 e 1974, essa casa sofreu novas alterações – sob a orientação do engenheiro Michelli. Foi construído um novo abrigo para carros, em frente à antiga garagem que foi transformada em depósito. A cobertura da edificação, feita Figura 4: Residência Benedito Modesto, arquiteto João J. Coury, Foto atual: Arquivo da Pesquisa.

originalmente em laja plana, com tijolos Tambaú e nervuras de concreto armado nos dois sentidos foi recoberta com telhas de cimento amianto como forma de proteção contra as infiltrações.


Atualmente, a residência encontra-se em processo de demolição, fato que alerta para a necessidade de urgentes mecanismos de preservação dessa arquitetura. Outras residências projetadas por João Jorge Coury também sofreram com a falta destes mecanismos de preservação, sendo demolidas: Casa Waldemar Silva, de 1957 e Alexandre Fornari de 1959 que apresentamos a seguir. A primeira, situada à Rua Princesa Isabel7, apresentava um recuo frontal, com a presença de um pequeno espelho d’água. Desenvolvia-se em torno de um jardim interno, o qual possibilitava a integração entre os ambientes. A varanda frontal, protegida por brises, fazia parte do corpo da edificação e era voltada para o jardim, criando um espaço de estar entre a rua e a casa. Os fechamentos verticais em alvenaria não tocavam o solo e a casa era elevada por uma base em pedra. O acesso de veículo seguia até os fundos do terreno, onde havia uma edícula com uma segunda cozinha.

Figura 5: Residência Waldemar Silva, arquiteto João J. Coury, foto: Arquivo da Pesquisa.

7

Residência Waldemar Silva, disponível no site http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/html/cidades/UBERLANDIA/res_wald emar_silva.html

44


A planta configurava-se, praticamente, em forma de um quadrado, com programa definido por: sala de estar, copa, cozinha, três quartos e um banheiro.

Figura 6: Residência Waldemar Silva, planta (RIBEIRO, 1998).

No pátio interno o arquiteto inseriu um painel em mosaico de vidro com motivos abstratos, elaborado pelo artista plástico, atuante na cidade, José Moraes. A Residência Alexandre Fornari, já demolida, situava-se à Avenida Cesário Alvim à 25m da Rua Olegário Maciel, ao lado do edifício da Sociedade Médica. O projeto se caracterizava por uma composição volumétrica dividida em dois corpos, sendo um deles com dois pavimentos. A implantação acompanhava o perfil natural do terreno, o qual possuía um declive que colaborava com a definição dessa tipologia. O uso de dois blocos também resolvia o problema da distribuição espacial funcional. O Figura 7: Residência Waldemar Silva, Painel, artista plástico: José Moraes, foto: Arquivo Pessoal Profa. Dra. Patrícia P. A. Ribeiro.

bloco frontal era interligado ao pavimento superior do segundo bloco por uma rampa–corredor com 15% de inclinação que partia da sala de estar e levava até aos quartos e banheiro. Implantada em terreno muito pequeno a


edificação ocupava basicamente todas as divisas.

Figura 8: Residência Alexandre Fornari, arquiteto João J. Coury, planta, Arquivo Pessoal Profa. Dra. Patrícia P. A. Ribeiro.

No nível mais baixo da residência localizava-se a garagem, a lavanderia e as dependências de empregada. Não havia cobertura entre o corpo da residência e o setor de serviços. “Uma escada com viga central e degraus em balanço fazia essa ligação, e um jardim entrava sob o recuo do pavimento intermediário. O acesso à garagem, situado na parte posterior, cortava toda a extensão do terreno. Ao nível do passeio, sem recuo frontal, se definiam a sala, a copa e a cozinha.” RIBEIRO (2001). Havia uma integração entre esses espaços. Apenas a utilização de uma bancada, um armário e uma divisão em “eucatex” demarcavam seus limites. O projeto se estruturava plasticamente com ênfase na configuração de planos, definidos pelo balanço do pavimento superior, pelos pequenos recuos e pela textura no reboco ou pela presença de outros materiais como a pedra e o cobogó. A esquadria com desenho em “U” invertido na elevação principal, voltada para a rua, também, configurava um plano na alvenaria. Elementos vazados circulares colocados eqüidistantes facilitavam a ventilação e trabalhavam na composição harmônica da fachada. 46


Figura 9: Residência Alexandre Fornari, elevação frontal (RIBEIRO, 1998).

Em 1958, João Jorge Coury projetou a Residência Carlos Saraiva, à Rua Vigário Dantas, 405. A planta, composta por dois pavimentos, apresenta, no térreo: jardim frontal com espelho d’água, abrigo, escritório – quarto de costura, lavabo, salas de estar e jantar, copa e cozinha. A sala de estar apresenta grandes panos de vidro que se abrem para a varanda posterior da residência. No segundo pavimento, há uma suíte, três dormitórios e um banheiro. Nesses dormitórios há janelas contínuas voltadas para frente do lote.


Figura 10: Residência Carlos Saraiva, arquiteto João Jorge Coury, esquema volumétrico

Os recuos laterais formam corredores em ambos os lados da construção. O setor de serviço com lavanderia, quarto de funcionário e depósito forma um

volume

longitudinal

ao

terreno,

é

um

prolongamento do abrigo e da cozinha que se estende até o fundo do lote. Assim o corpo da residência possui implantação em “L”, com a parte frontal da edificação ocupando quase toda a

Figura 11: Residência Carlos Saraiva, arquiteto João Jorge Coury, foto atual: Arquivo da Pesquisa

largura do lote em dois pavimentos e um prisma retangular longitudinal, que desenvolve o serviço em um só pavimento.

48


Atualmente, a residência mantém praticamente a mesma divisão dos espaços, com poucas alterações. Na parte frontal, o espaço do jardim, agora é ocupado por um escritório de advocacia, tendo sido fechado o corredor da lateral esquerda do lote. Não há mais o espelho d’ água. Na parte posterior do lote foi construída uma piscina de 6 x 12m e um banheiro. Em 1959, mais dois projetos residenciais do arquiteto Coury merecem destaque: a Residência José Naves de Ávila e Sebastião Caparelli. O primeiro projeto é de uma residência unifamiliar térrea. O acesso frontal se faz por uma varanda que, como um hall ou mesmo uma ante-sala, distribui as portas para o escritório, copa e a estar. Nessa varanda frontal elementos vazados em louça protegem um pouco o olhar da rua e o sol da tarde.

Figura 12: Residência José Naves de Ávila, arquiteto João Jorge Coury, perspectiva da Elevação Frontal: Arquivo Pessoal Profa. Dra. Patrícia P. A. Ribeiro.

Um abrigo para carros é definido na lateral esquerda da edificação, sendo a garagem, no fundo do lote. Um muro em pedra se eleva acima da laje e na altura do telhado, na lateral esquerda do lote. Essa mesma solução foi utilizada pelo arquiteto em outras residências do mesmo período, como a residência Airton Borges que veremos mais abaixo.


Figura 13: Residência José Naves de Ávila, esquema volumétrico.

O programa de necessidades da casa é composto ainda por uma sala de estar, um lavabo, uma sala de jantar, cozinha, três dormitórios, uma circulação e um banheiro. Além de um jardim frontal, há um outro, interno que se situa próximo a copa, possui um belo painel em vidrotil do artista Geraldo Queiroz. Um grande pano de vidro faz os fechamentos da sala de estar. Janelas contínuas

Figura 14: Residência José N. de Ávila, foto atual: Arquivo da Pesquisa.

são propostas na parede que separa o abrigo do interior da casa. Nos fundos, há uma edícula com um dormitório, um banheiro e uma lavanderia. A estrutura foi feita em concreto armado com fechamento em alvenaria de tijolos cerâmicos. A edificação era elevada, por uma base em pedra aparente em resposta ao pequeno declive do terreno.

50


Essa residência passou por várias reformas. Atualmente o projeto original foi bastante modificado para atender às necessidades da função atual de edificação: restaurante. Foi mantida a varanda em sua entrada. Internamente várias paredes foram demolidas criando um único espaço, um salão ocupado por mesas. Na parte posterior, em outra reforma, foi construída uma piscina e uma varanda.

O

painel em vidrotil continua intacto e está voltado para o salão do Figura 15: Residência José Naves de Ávila, painel em vidrotil, artista Geraldo Queiroz

restaurante. A fachada foi também muito modificada, perdendo o jardim frontal e seu afastamento da calçada. Foi mantido o cobogó que separava o jardim frontal do corredor lateral direito. Para o projeto da residência Sebastião Caparelli, João Jorge Coury definiu um programa composto por varanda, sala, cozinha, copa, quatro dormitórios, um banheiro e uma área de circulação com rouparia no pavimento térreo.

Figura 16: Residência Sebastião Caparelli, arquiteto João Jorge Coury, planta.


No pavimento inferior, que acompanha o desnível do terreno, há um quarto de serviços também denominado de “passar roupa” , banheiro, lavanderia e salão de festas. O acesso a esse pavimento se dá através de duas escadas nas laterais do lote: uma serve aos serviços e a outra à área social da copa e da sala. Nesse último lado, existe um pergolado com um desenho definido por lâminas em “L” que se estreitam nas extremidades, junto à parede e ao piso. Com um jardim frontal a residência possui em sua fachada panos de vidros e cobogós. O corpo frontal da edificação ocupa a largura do lote e a área íntima é definida

linearmente

ao

comprimento

do

terreno,

Figura 17: Residência Sebastião Caparelli, pergolado, foto: Arquivo Pessoal Profa. Dra. Patrícia P. A. Ribeiro.

formando uma circulação-corredor, enfatizada pela janela contínua sobre o armário-rouparia em toda a sua extensão. O projeto apresenta, ainda, um jardim posterior, no pavimento inferior, escalonado junto ao muro com a presença de banco contínuo, com a laje do assento revestida em pastilhas cerâmica. Essa residência passou por uma reforma quando foi de propriedade do Sr.

Nilo

Rejane

e

hoje

como

comércio

está

descaracterizada.

Figura 18: Residência Sebastião Caparelli, foto atual: Arquivo da Pesquisa.

Para a Residência Airton Borges da Silva8, de 1960, João Jorge Coury, projetou o volume da edificação entorno de um jardim interno com pequeno lago, que se configura em elemento definidor da circulação, possibilitando a integração entre os ambientes. A visibilidade para a área de serviço é interrompida por elementos vazados (cobogós).

Figura 19: Residência Airton B. da Silva: jardim interno, foto: Arquivo Pessoal Profa. Dra. Patrícia P. A. Ribeiro.

8

Residência Airton Borges da Silva, ficha disponível no site http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/html/cidades/UBERLANDIA/res_airto n_borges.html

52


A residência apresenta um recuo frontal com jardim. A varanda está contida no corpo da casa. Um plano vertical, revestido em pedra “Pirenópolis”, separa a varanda frontal da entrada de veículos. Esse plano não toca a laje do teto, uma seqüência de tubos metálicos faz essa ligação. Há uma pequena escada, que dá acesso à varanda, com quatro degraus independentes, presos somente em uma das extremidades à viga lateral, revestidos em lajota cerâmica preta. O guarda-corpo da varanda é elevado aproximadamente quinze centímetros do piso por quatro tubos metálicos e é recoberto com pastilhas de porcelana de várias cores. A casa é elevada do solo, o piso avança sobre o limite da base proporcionando um balanço e realça a linha horizontal. No interior, há uma distribuição setorizada dos espaços. A sala e os quartos conservam o piso original em tacos e parquet de madeira formando losangos. Uma floreira atua como elemento inibidor da visão entre a sala e a circulação central. As esquadrias externas são em metalon pintado e vidro; as portas internas, em madeira. Há duas janelas contínuas junto da laje, na lateral esquerda da residência. A cobertura conserva as telhas originais em cerâmica, capa e canal, sobre laje plana horizontal. Hoje, mesmo adaptada para funcionar uma empresa de informática, a edificação mantém a grande maioria de suas características originais.

Figura 20: Residência Airton Borges da Silva, planta.


Ainda, em 1960, o arquiteto João Jorge Coury realizou o projeto para a Residência Gilberto da Cunha Machado à Avenida Cipriano Del Fávero, 140. Seu programa é composto por: abrigo, que segue até o fundo do lote onde se encontra a garagem e uma lavanderia. Essa configuração está presente

Figura 21: Residência Airton Borges da Silva, foto: Arquivo da Pesquisa.

também em outros trabalhos do arquiteto, como nas residências Airton Borges da Silva, Waldemar Silva e José Naves de Ávila. A partir do abrigo, situado na lateral esquerda do lote, a edificação se eleva por uma base em pedra. Subindo alguns degraus, há a varanda, que leva à sala e à copa. A casa de desenvolve entorno de um jardim interno central, que além de ser o elemento que configura a circulação,

proporciona

conforto

térmico.

Figura 22: Residência Gilberto da Cunha Machado, arquiteto João J. Coury, foto atual: Arquivo da Pesquisa.

Um

balcão separa a copa da cozinha. Uma circulação, com janelas voltadas para o jardim interno, leva aos três quartos e ao banheiro. Uma área coberta liga a cozinha a uma edícula no fundo do lote composta por: cozinha, copa e circulação com dois quartos e banheiro.

Figura 23: Residência Gilberto da Cunha Machado, planta.

54


Atualmente, a residência, como espaço comercial, apresenta algumas mudanças na configuração espacial do projeto original. O jardim interno foi transformado em um espaço fechado e juntamente com a copa, a sala e o quarto da frente forma um só ambiente. O piso da varanda, da circulação e dos quartos permanece original, assim como, os azulejos e as louças do banheiro. Tanto a cozinha quanto o banheiro mantêm os azulejos originais revestindo o teto. O jardim frontal deu espaço a um Figura 24: Residência José R. da Silva, arquiteto Flávio Almada, foto atual: Arquivo da Pesquisa.

estacionamento. Foi instalada uma grade até o teto, que separa a varanda do estacionamento. Em 1963, destacamos o projeto do arquiteto Flávio Almada para a Residência José Rodrigues da Silva, à Rua Goiás, 450. O terreno desta residência possui um grande desnível invertido com o caimento da rua. A casa foi então implantada estabelecendo como parâmetro dois níveis que se desenvolvem longitudinalmente. O pavimento superior, com acesso por uma

FUNDO DO LOTE

escada externa, é constituído por uma sala de estar, circundada

JARDIM DE INVERNO CORPO DE EDIFICAÇÃO GARAGEM NO PAV. INF. JARDIM FRONTAL COM ESCADA

ENTRADA DE VEÍCULOS RUA

Figura 25 – Residência José Rodrigues da Silva, esquema volumétrico.

por uma varanda, sala de jantar, cozinha, jardim de inverno, sala intima, quatro quartos e uma suíte. Ao nível do passeio, também no sentido longitudinal do lote, temos um abrigo para carro e o programa destinado ao serviço, lavanderia, despensa, adega, dois quartos e banheiro. Observamos, a partir do projeto original, que o terreno ao lado da edificação foi adquirido posteriormente para servir como estacionamento, e que a integração da fachada foi mantida.

Figura 26: Residência José R. da Silva, gárgula, foto atual: Arquivo da Pesquisa.


Atualmente, a residência mantém o recuo frontal com jardim. A sala de estar conserva panos de vidro e janelas contínuas na frente e em uma de suas laterais. Protegido por platibandas, o telhado se apoia sobre laje plana horizontal. Duas gárgulas com desenho bem estudado

se

encaixam

nessa

platibanda.

Foi

acrescentada ao projeto original, uma plataforma, atendendo às novas funções da edificação: Clínica Ortodôntica. A cozinha foi transformada em banheiro, também atendendo às necessidades da clínica. No piso inferior, podem ser encontrados, tanto na despensa como nos banheiros, o piso, as louças e os azulejos (inclusive no teto) originais do projeto. Ainda, foram mantidos dois fechamentos entre a garagem e o estacionamento em cobogó. Outro projeto que se destaca no ano de 1963 é o da

Figura 27: Residência Simão Carvalho Luz, esquema volumétrico

Residência Simão Carvalho Luz, do arquiteto Paulo de Freitas. Situada à Avenida Nicomedes Alves dos Santos, 240.v Seu programa era composto por: jardim frontal, abrigo para veículo, sala de estar, sala de jantar com jardim interno, cozinha, quatro dormitórios, banheiro, edícula na lateral direita do fundo do lote contendo um quarto de empregada, banheiro e lavanderia. Atualmente essa casa foi muito modificada para atender ao programa de

Figura 28: Residência Simão C. Luz, arquiteto Paulo de Freitas, foto atual: Arquivo da Pesquisa.

uma escola de natação. Em 1964, Paulo de Freitas realiza o interessante projeto para a Residência Robledo Zacarias, à Av. Getúlio Vargas, 1013. É uma edificação térrea com programa composto por: garagem, sala de estar, escritório, sala de refeições, pequeno jardim de inverno, hall, lavabo, cozinha, uma

Figura 29: Residência Robledo Zacarias, arquiteto Paulo de Freitas, foto atual: Arquivo da Pesquisa.

56


pequena escada que leva à uma circulação com três dormitórios e um banheiro. Nos fundos há lavanderia, rouparia, dormitório e banheiro de empregada. A sala de estar possui um pano de vidro que faz uma relação interior/exterior com o jardim frontal. Em sua lateral, janelas contínuas acompanham o caminho até a porta da entrada da residência. Um plano vertical revestido em FUNDO DO LOTE

EDÍCULA

CORPO DA EDIFICAÇÃO

JARDIM INTERNO

PERGOLADO GARAGEM

JARDIM FRONTAL

pedra marca a escada que leva até a garagem, na lateral direita do lote. Entre o caminho da calçada até a porta da entrada e a parede da garagem há uma separação com cobertura em pergolado, a qual também cobre o espaço entre a parede da sala de refeição e a parede de pedra da entrada da garagem.

RUA

Figura 30: Residência Robledo Zacarias, esquema volumétrico.

A residência sofreu algumas modificações em relação ao projeto original, dentre elas a construção de um banheiro configurando o dormitório maior em uma suíte. Atualmente, passa por mais uma reforma para se adequar ao seu novo uso: Consultório Oftalmológico. O pequeno jardim de inverno foi transformado em guichê de atendimento e a fachada recebeu uma grade alta. Os demais espaços mantiveram suas proporções de projeto e também muitos dos acabamentos originais, tais como, louças dos banheiros, pisos e revestimentos de paredes de banheiros, cozinha e edícula, portas, armários, janelas, etc. O projeto para a Residência Diogo de Oliveira Silva9, de 1964 e de autoria do arquiteto João Jorge Coury também merece destaque. Situada à Rua Quintino Bocaiúva, 862, a residência se caracteriza pela planta em “L”, que proporciona uma integração entre frente e fundo do lote e dois pavimentos na parte frontal.

Figura 31: Residência Diogo de Oliveira Silva, esquema volumétrico (Ribeiro, 1998)

9

Residência Diogo de Oliveira Silva, Ficha disponível no site:

http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/html/cidades/UBERLANDIA/Res_dio go_de_oliveira.html


A casa, através de um grande pano de vidro, cria uma relação interior/exterior com os fundos do lote. Essa área posterior se configura em espaço de lazer e de estar. A área de serviço se desenvolve lateralmente ao corpo da casa. A copa e a cozinha são integradas. O volume do pavimento superior se destaca do inferior pelo pequeno balanço e pela textura aplicada à parede. No pavimento superior há três suítes e uma pequena varanda voltada para o hall central. “Interessante observar que as portas da varanda se voltam para a

Figura 32: Residência Diogo de O. Silva, painel em pastilhas de vidro, foto: Arq. Pessoal Profa. Dra. Patrícia P. A. Ribeiro.

lateral, determinando o pano central em alvenaria revestido por lambril. A arte está presente em um painel em pastilhas de vidro com imagens de cisnes e flores assentado na fachada frontal, junto à porta de acesso” RIBEIRO (2001). Os jardins, formados por diferentes espécies vegetais criam uma volumetria com jogos de texturas e cores, que envolvem a edificação desenhando curvas no piso. A pavimentação, que se inicia no passeio, seguindo pelo recuo frontal até os fundos do lote, utiliza pedras portuguesas brancas e pretas, formando o mesmo desenho gráfico da Praça Tubal Vilela, projeto urbano do arquiteto João Jorge Coury em Uberlândia, no

Figura 33: Residência Diogo de O. Silva, arquiteto João J. Coury, foto: Arquivo Pessoal Profa. Dra. Patrícia P. A. Ribeiro.

mesmo ano desta residência. Na parte posterior do lote, ainda remetendo às praças do arquiteto e a seu projeto para a residência Sebastião Caparelli, de 1959, são utilizados bancos contínuos. Atualmente, a residência foi adaptada para tornar-se uma Escola Infantil. O último projeto analisado no presente trabalho é a Residência Dr. Duarte Ulhôa Portilho 10 , de 1965, também de autoria do arquiteto João Jorge Coury.

10

Figura 34: Residência Dr. Duarte Ulhôa Portilho, arquiteto João J. Coury, foto: Arq, Pessoal Profa. Dra. Patrícia P. A. Ribeiro.

Residência Dr. Duarte Ulhôa Portilho, ficha disponível no site: 58


Situada à Avenida Nicomedes Alves dos Santos a 36m da Rua Padre Anchieta, sua planta apresentava dois corpos interligados por um hall e pelo abrigo, separados por um jardim interno. No corpo frontal estavam os espaços destinados a receber pessoas: sala de visitas e estudos. Na parte posterior, a área mais íntima: sala de estar, copa, cozinha, quarto. Havia um grande jardim interno coberto por pérgulas longitudinais, em concreto armado, revestidas com pastilhas de porcelana. A sala possuía nível do piso rebaixado. A área de serviço situava-se em uma edícula, na lateral direita do lote.

Figura 35: Residência Dr. Duarte Ulhôa Portilho, esquema volumétrico.

O pavimento superior possuía três quartos, sendo um, suíte. Os fechamentos verticais em alvenaria não tocavam o solo e a casa era elevada por uma base em pedra. Atualmente, a edificação abriga um Centro

Odontológico,

tendo

passado

por

várias

alterações,

principalmente na fachada frontal, da qual foi retirado o gradil existente, que abriu espaço para um estacionamento. O plano vertical em pedra foi Figura 36: Residência Dr. Duarte Ulhôa Portilho, foto atual: Arquivo da Pesquisa.

revestido com placas de alumínio com o logotipo da empresa, e ao lado, foi colocado um grande pano em vidro espelhado. A edícula foi demolida.

http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/html/cidades/UBERLANDIA/Res_dua rte_ulhoa_portilho.html


4. CONCLUSÕES A partir desse conjunto de obras residenciais unifamiliares apresentadas, constatamos variáveis de projeto em relação à implantação da casa no lote; a organização espacial e a posição do jardim em relação ao corpo da residência. Essas características podem ser definidas em sete séries, citadas por Ribeiro, (2001).

Figura 37: Estudo das Implantações, (Ribeiro, 2001).

Até a década de 1950, os projetos residenciais unifamiliares de João Jorge Coury apresentavam a casa em bloco único, na divisa frontal do lote. A partir da daí, passam a se abrir para jardins, surgindo novas concepções de implantação, de organização e distribuição espacial dos espaços internos e volumetria dos blocos.

Figura 38: Série 1.

60


No início dos anos 50, percebe-se uma clara definição de frente e fundo do lote. Surge um pequeno afastamento da edificação em relação à rua, no qual é criado um jardim. A varanda frontal apresenta cobertura em laje plana, mais baixa que o corpo principal. Dessa varanda, uma única porta estreita se abre para o interior da casa, que se fecha à rua. Os quartos saem para a copa, demonstrando uma falta de preocupação com setorizações. Há uma integração da cozinha com a copa.

Figura 39: Série 2.

Numa terceira série, persiste o bloco único da residência, com a varanda frontal, mas essa apresenta um movimento em forma amebóide. A casa antes fechada para a rua, agora se abre, utilizando brises, treliças, cobogós para proteção solar ou como elementos que geram certa privacidade. A residência Benedito Modesto (1954) caracteriza essa tipologia.

Figura 40: Série 3.


A quarta série inova trazendo a varanda como elemento de transição entre a casa e a rua. Esta, primeiramente, surge como uma continuidade da edificação, e depois se solta até configurar um espaço aberto entremeado pelo jardim e, muitas vezes, há a presença de um pequeno espelho d’água. Há um aumento do recuo frontal. Continuam presentes os cobogós e os brises verticais de formas variadas.

Figura: 41: Série 4.

Na quinta série, a casa, ainda um bloco único se desenvolve em torno de um jardim interno, o qual possibilita uma integração entre os ambientes. É introduzida uma distribuição setorizada dos espaços. A varanda, ainda mantendo elementos de proteção solar, se incorpora à casa. A construção se eleva por uma base em pedra e seus fechamentos de alvenaria não tocam o solo. O acesso para automóveis segue pela lateral até o fundo do lote, onde se situa a garagem. Como exemplo desta tipologia podem ser citadas as residências de João Jorge Coury: Waldemar Silva (1957), José Naves de Ávila (1959), Airton Borges da Silva (1960) e Gilberto da Cunha Machado (1960).

62


Figura 42: Série 5.

Outra série engloba as residências que se dividem em dois corpos, um deles com dois pavimentos, interligados por uma rampa – corredor. Desníveis no terreno favorecem esse desenho. Outra característica que surge nesse momento é a posição da edícula (até então se localizada no fundo do lote), que se incorpora à edificação. A residência Alexandre Fornari (1959) se enquadra nesta série.

Figura 43: Série 6.


A última série traz dois blocos superpostos, formando um “L”, caracterizados pela integração que criam entre a frente e o fundo do lote. A sala se abre para um espaço externo posterior, até então reservado apenas aos serviços, e que passa então à função de espaço de lazer. Seguindo esta tipologia, podem ser citados os projetos das residências Carlos Saraiva (1958), Sebastião Caparelli (1959) e Diogo de Oliveira Silva (1964).

Figura 44: Série 7.

Dessa forma, pode-se obter um fragmento de como se desenvolveu a arquitetura residencial moderna em Uberlândia, sua importância e riqueza de conteúdo. A arquitetura moderna brasileira é de fundamental importância na estruturação das cidades, devido à sua extensão por todo o território nacional e também pelo desenvolvimento de novos produtos e técnicas. A ausência de uma documentação mais detalhada sobre o contexto em que surgiu e se consolidou esta arquitetura dificulta análises mais sólidas desta produção além de relegar ao esquecimento e mesmo à destruição muitos de seus exemplares. A importância da obra de arquitetos como João Jorge Coury, Paulo de Freitas, Flávio Almada, dentre outros, na consolidação da arquitetura moderna na região do Brasil Central justifica a realização desta pesquisa, que busca ampliar o conhecimento documental da arquitetura moderna na região, no período de 64


1950 a 1970, identificando condições, referências e nomes que a constituíram, contribuindo, assim, para a realização de estudos mais aprofundados e, também, visando a criação de mecanismos para a sua proteção e preservação.

5. AGRADECIMENTOS Ao PIBIC/CNPq pela bolsa de iniciação científica concedida.

6. REFERÊNCIAS ACAYABA, M. M., 1986, “Residências em São Paulo” 1947-1975, São Paulo: Projeto Editores Associados Ltda. ACAYABA, M. M. e FISHER, S., 1982, “Arquitetura Moderna Brasileira”, São Paulo: Projeto Editores Associados Ltda. ARGAN, G. C., 1970, “L’Arte Moderna – 1770/1970”, 13a Ed. Firenze: Sansoni Editore. BANHAM, R., 1979, “Teoria e Projeto na Primeira Era da Máquina”. 2a Ed. São Paulo: Perspectiva, Ed. Orig. The Architectural Press, Londres. BENEVOLO, L., 1976. “História da Arquitetura Moderna”, São Paulo: Editora Perspectiva. BRUAND, Y., 1981, “Arquitetura Contemporânea no Brasil”, São Paulo, Editora Perspectiva. CAMISASSA, M. M. dos Santos, 2006, “A preservação do Moderno e a formação dos futuros profissionais da Arquitetura e do Urbanismo”, in PÊSSOA, J., VASCONCELOS, E., REIS, E. e LOBO, M. (org.), Moderno e Nacional, Niterói: EDUFF, pp. 169 – 181. “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba”. Disponível em: http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/index_docomomo.html. FRAMPTON, K., 1987, “História Crítica da Arquitetura Moderna”, Barcelona: Ed. Gustavo Gili. GOODWIN, P. L., 1943, “Brazil Builds – Architecture New and Old 1652 – 1942”, New York: The Museum of Modern Art. GUERRA, M. E., 1998, “As Praças Modernas de João Jorge Coury no Triângulo Mineiro”, São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC – USP.


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ARQUITETURA MODERNA NAS CASAS DO TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA Raquel Beatriz Silva / Luiz Carlos de Laurentiz

Introdução A conservação do acervo moderno passou por processos em que inicialmente tombaram-se obras modernas recém concluídas e algumas já em estado de destruição, utilizando assim a legislação de proteção para garantir que o bem não fosse destruído ou descaracterizado11 . E depois na década de 80 novos tombamentos reabrem a discussão da preservação do moderno 12 , nesse momento tratava-se de reconhecer os marcos iniciais do movimento no país. Na década seguinte Brasília é inserida no livro de tombos e o que está protegido é o plano e suas regras urbanísticas. Em termos de reflexão atual verifica-se que o acervo moderno tombado nacionalmente é pouco diante da grande produção e de certa forma isso reflete a falta de política de identificação do acervo para uma posterior proteção do mesmo. (Pessoa, 2006) A pesquisa intitulada “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação” é o passo inicial da preservação do acervo moderno. O presente trabalho tem como objetivo demonstrar duas situações de arquitetura residencial encontradas: um estudo sobre a residência Marco Paulo Teixeira Paiva projetada por Elifas Lopes Martins em Uberlândia e as casas da Vila de Jaguara em Sacramento. Para construir tal paralelo o trabalho foi estruturado da seguinte forma: em um primeiro momento demonstra-se os materiais e métodos, os antecedentes históricos que abrangem a contextualização do moderno no Brasil e o desenvolvimento socioeconômico das cidades e por fim o paralelo arquitetônico demonstrando como ocorreu a introdução do moderno nas cidades e por fim a 11 Entre esses primeiros tombamentos se tem a estação de hidroaviões no Rio de Janeiro projetada por Atílio Correia Lima, Parque do Flamengo no Rio de Janeiro projetada por Afonso Eduardo Reidy e por Roberto Burle-Marx e a Catedral de Brasília em 1967. (PESSOA , 2006) 12 Dentre os projetos: residências de Warchavick, Associação Brasileira de Imprensa projeto dos Irmãos Roberto, conjunto de edifícios de Lucio Costa no Parque Guingle no Rio de Janeiro e Park Hotel em Nova Friburgo e por fim o Pavilhão de Óbidos em Recife projeto de Luis Nunes. (PESSOA, 2006) 68


exploração dos estudos de caso. Após tais etapas a conclusão do trabalho realizado demonstrando as análises dos estudos de caso apresentados e a importância da pesquisa enquanto instrumento inicial no processo de preservação.

A pesquisa tem como intuito realizar a documentação e análise de obras de arquitetura moderna na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. A escolha das cidades foi feita baseada no trabalho da Dra. Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale em sua pesquisa de doutorado intitulada: Arquitetura Religiosa do século XIX no antigo “Sertão da Farinha Podre”. As cidades são: Uberlândia, Uberaba, Prata, Ituiutaba, Araxá, Sacramento, Estrela do Sul, Monte Carmelo, Araguari, Patos de Minas, Monte Alegre, Tupaciguara, Campina Verde, Campo Florido, Frutal, Conquista, Conceição das Alagoas, Patrocínio, Coromandel e Rio Paranaíba.

A primeira etapa foi constituída por um levantamento bibliográfico sobre a arquitetura moderna e sobre as cidades da região. Posteriormente foram feitas visitas às cidades para identificar a arquitetura moderna local sendo que nas cidades de maior significado sócio-econômico optou-se por uma aproximação prévia de faculdades locais e órgão de preservação municipal facilitando assim o trabalho. Nas cidades menores a identificação foi realizada através do percurso pela cidade.

Após o levantamento realizou-se a seleção de quais obras seriam feitas as fichas de Inventário seguindo o modelo do DOCOMOMO (International Working Party

for

Documentation

and

Coservation

of

Buildings,

Sites

and

Neighbourhoods of Modern Movement), que é uma organização internacional, que no contexto nacional, tem o DOCOMOMO Brasil e os regionais, sendo este trabalho parte do levantamento de inventário do DOCOMOMO Minas.

A formação desse acervo é fundamental para a última etapa da pesquisa que será justamente a análise da produção arquitetônica e urbanística moderna nessa região de Minas Gerais e sua relação com a produção nacional.

Toda a pesquisa está sendo realizada em equipe: sendo que se dividiu as cidades entre quatro professores responsáveis pela orientação do trabalho dos


alunos de graduação contemplados com bolsa de Iniciação Científica13, com auxílio das instituições CNPq/ FAPEMIG e UFU.

Antecedentes históricos O moderno no Brasil Lúcio Costa ao definir as características da arquitetura moderna diz que esta; “busca a contraposição ao neoclassicismo visando à praticidade e economia, volumes simples, poucos elementos decorativos e estrutura aparente”.14 Essa alteração na forma de projetar relaciona-se com o momento histórico após a Primeira Guerra Mundial entre os anos de 1914 a 1918 em que as cidades européias se viram diante da necessidade de uma rápida reconstrução e passando por transformações políticas e sociais. Os arquitetos então se aliam a indústria e ao movimento operário acreditando que arquitetura e o urbanismo seriam importantes instrumentos para a reconstrução social. No período anterior a 2ª Guerra surgiram os nomes que afirmaram a arquitetura moderna: o franco-suiço Charles-Edouard Jeanneret conhecido como Le Corbusier, o americano Frank Lloyd Wright, os alemães Mies van der Rohe e Walter Gropius que é responsável pela criação da Bahaus; todos estes forneceram subsídios que seriam assimilados e transformados pelos arquitetos brasileiros. A trajetória do movimento moderno no Brasil tem como marco inicial a Semana de Arte Moderna essencial para instituir um clima receptivo a novos valores estéticos e artísticos. Foi essa condição que possibilitou que a arquitetura moderna pudesse ser instalada. (Bruand, 1991)

13

A equipe de professores orientadores é: Dra. Marilia Maria Brasileiro T, Dra. Maria Beatriz Camargo Cappello, Dr. Luis Eduardo Borda , Dr. Luiz Carlos de Laurentiz. Os orientandos: Henrique Vitorino Souza Alves, Ariel Luis Lazzarin, Natália Achcar Monteiro Silva, Raquel Beatriz Silva, Larissa Ribeiro Cunha, Flávio Medeiros Pereira, Karina Ribeiro. 14

XAVIER, A. org. (1987). Arquitetura Moderna Brasileira - Depoimentos de uma Geração. São Paulo, Editora Pini, Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Fundação Vila Nova Artigas, p. 38. 70


Esse período ainda nascente do movimento moderno encontrou entraves explicitados pela indiferença da opinião pública, alto custo de materiais industrializados e necessidade de se contornar a legislação. A publicação de manifestos de arquitetos como Rino Levi e Gregori Warchavchik contribuíram para que o público conhecesse os preceitos modernos 15

que vinham sendo praticados na Europa. Ambos tratam de

questões como: arquitetura norteada pela praticidade, economia, redução da decoração e síntese das artes. A “primeira” obra moderna é feita por Warchavchik que projeta sua residência na Rua Santa Cruz, na Vila Mariana em São Paulo. A residência era um volume branco e cúbico como deveria ser uma construção moderna, mas possuía contradições internas como: estrutura feita de tijolo que só na aparência externa era similar ao concreto e também preocupação formal. Em relação aos elementos de desenho postulados por Le Corbusier 16 , Warchavchik aplica apenas a janela horizontal devido a razões econômicas. (Bruand, 1991) O ponto de inflexão que trouxe significativas reverberações para a fixação do moderno foi a tentativa de reforma da Escola de Belas-Artes no Rio de Janeiro que ficou a cargo de Lúcio Costa contribuindo para que os alunos fossem influenciados pelas premissas do moderno. (Bruand, 1991) O momento decisivo foi sem dúvida a execução do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro (1937-1943), que contou com a consultoria de Le

15

O manifesto de Rino Levi intitula-se “A arquitetura e a estética das cidades” e foi publicado no jornal O Estado de São Paulo. E o de Warchavchik denomina-se “Acerca da arquitetura moderna 16

Os cinco pontos postulados pelo arquiteto franco suíço são:

- Pilotis: os pilares liberam o edifício do solo e tornam público esse espaço. - Terraço jardim: transformam as coberturas em espaços habitáveis. - Planta livre: é resultado da independência da estrutura e vedação o que possibilita maior flexibilidade na articulação dos espaços. - Fachada livre: permitida pela separação da estrutura e vedação e permitindo o uso de vidro. - Janela em fita: são aberturas longilíneas que permitem iluminação uniforme e vistas panorâmicas da área externa.


Corbusier, fator de extrema importância para toda a equipe17 de arquitetos brasileiros já que a partir daí a valorização plástica do edifício adquire maior importância. (Bruand, 1991) Foi o olhar “estrangeiro” de Le Corbusier que recomendou o uso: da palmeira imperial e de espécies locais18 ; do granito extraído das montanhas do Rio de Janeiro e dos azulejos portugueses, ou seja, elementos locais que contribuíram para a formação de uma expressão original e que ia de encontro ao momento de busca por uma identidade brasileira. (Bruand, 1991) Arruda (2004) define a “escola carioca” como um movimento liderado por Lúcio Costa da década de 30 até meados de 50 que baseava seus estudos nas realizações de Gropius e Mies van der Rohe e sobretudo Le Corbusier. A escola carioca foi influenciada pela inventividade plástica da arquitetura de Niemeyer fator que contribuiu para que muitos arquitetos se dedicassem a pesquisas sobre diversos temas enfatizando o aspecto plástico, em paralelo a Niemeyer, processo esse que contribui para que a produção brasileira adquirisse maior originalidade. A linguagem desta escola se dissemina por várias partes do país devido à ampla divulgação causando assim uma apropriação e aplicação da linguagem por parte dos profissionais ligados a construção, tendo-se exemplares com menor ou maior acerto. A década de 40 é marcada pelo reconhecimento internacional da arquitetura moderna brasileira, explicitada através da exposição realizada em 1942 no Museu de Arte Moderna de Nova York e que posteriormente resulta no livro “Brazil Builds”, este livro mostra quarenta projetos executados até aquele ano e destes trinta pertenciam a arquitetos formados pela Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro o que certifica a então capital do país como pólo irradiador da tecnologia do concreto armado e também de uma nova forma de ver a arquitetura. (Lemos, 1979)

17

A equipe era formada pelos seguintes arquitetos: Lucio Costa, Afonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcelos, Jorge Moreira e Oscar Niemeyer. 18

O uso de espécies locais para o paisagismo já vinha sendo trabalhado por Mina Warchavchik e posteriormente por Roberto Burle Marx. 72


A coletânea de projetos publicados envolve obras como o Ministério da Educação e Saúde e o prédio da Associação Brasileira de Imprensa dos arquitetos Milton e Marcelo Roberto projetado em 1936 e o Aeroporto Santos Dumont. A região nordeste foi representada por Luis Nunes. Aparecem também: Warchavchik, Rino Levi, Henrique Mindlin e Jacques Pilon e a ausência notável em tal coletanêa é de Afonso Eduardo Reidy responsável por projetos de grande envergadura social como: Conjunto Pedregulho (1947-1952) e Gávea (1954). Outra característica importante na arquitetura moderna brasileira foi a relação especial que ocorre entre a arquitetura e as artes plásticas através de nomes como: o paisagista Roberto Burle Marx, o pintor Cândido Portinari, o escultor Bruno Giorgi no projeto do Ministério da Educação e Saúde e em demais projetos com resultados de grande riqueza plástica de forma a realçar e completar a arquitetura. Tal reconhecimento internacional era importante enquanto elemento que fortalecia os arquitetos modernos no âmbito local e ao mesmo tempo incentivava a busca da originalidade da arquitetura brasileira. Lemos (1979) considera que por muito tempo em São Paulo só haveria alguns poucos arquitetos com personalidade frente a escritórios de maior porte e os pouco profissionais como Warchavckik e Flávio Carvalho não tiveram seguidores. E ressalta o projeto de Álvaro Vital Brasil pra o Edifício Esther é o primeiro realmente moderno da cidade. A situação começa a se modificar nos anos 40, período em que se verifica a formação de um grupo sólido de arquitetos devido à chegada de profissionais estrangeiros e pela instalação das Faculdades de Arquitetura, Mackenzie e Universidade de São Paulo. As figuras centrais desse cenário são Rino Levi e Oswaldo Bratke, a produção de ambos é marcada por concisão de formas, partiam de situações pré-existentes e tentavam resolve-las, ou seja, um pensamento marcado pela racionalidade. Os arquitetos estrangeiros que escolhiam São Paulo como destino; tinham o objetivo de buscar oportunidades de trabalho que no contexto da II Guerra Mundial se tornaram escassas podendo-se citar: o italiano Calabi, austríaco Bernard Rudofsky,a italiana Lina Bo Bardi e o alemão Adolf Franz Heep.


Outro profissional que foi essencial para definir os rumos da arquitetura paulista foi João Vilanova Artigas, cuja produção pode, de acordo com Bruand, ser analisada em três fases: organicismo, racionalismo brasileiro e por fim o brutalismo19, porém essa divisão para fins de estudo não quer dizer que a produção não tenha unidade, muito ao contrário o que se tem é uma processo no qual a visão social do arquiteto sobressai. Nos projetos do arquiteto percebem-se características como: uso do material puro, espaço interno unificado e organização racional, Lemos (1979) considera como projeto síntese a FAU- USP. (1961) No período de 1956-1960 ocorre a construção de Brasília que foi o apogeu da arquitetura moderna situando-se como uma experiência em que foi possível utilizar novos elementos de desenho urbano criando uma relação espacial totalmente diferente da cidade tradicional.20 Após a construção de Brasília ocorrem dois processos: num primeiro momento a disseminação da linguagem moderna para regiões distantes do eixo São Paulo e Rio de Janeiro e após a segunda metade da década de 60 inicia-se o desgaste da arquitetura moderna brasileira devido ao contexto político que se origina do golpe militar (1964) e se estende até os anos 80. Nesse segundo momento forma-se uma “segunda geração” de arquitetos modernos brasileiros. A principal característica da arquitetura após Brasília é a perda do caráter monumental e o planejamento urbano ganha maior destaque e passa a existir uma maior pluralidade de expressões arquitetônicas. (Acayaba; Fischer, 1982)

19

Bruand (1991) parte em busca das conceituações do brutalismo de Le Corbusier e de brutalismo inglês; o primeiro precede a invenção do termo e utiliza amplamente o concreto bruto e a segunda corrente surge como uma espécie de volta extremista ao princípios da década de vinte com uma estética que se volta para a essência do material, apresentação da estrutura e seus elementos ocultos mas ao contrário do brutalismo de Le Corbusier não havia uma escolha única de material. O brutalismo de Le Corbusier foi fundamental para Artigas. 20

Brasília da reta e do projeto possui elementos de desenho como: zoneamento por eixos viários, área residencial utiliza o conceito de superquadra tendo cinturão verde no perímetro e o interior destinado ao pedestre configurando uma cidade sem vida na rua. 74


Paralelo histórico: Uberlândia e Sacramento - MG Tecer paralelos sobre a produção arquitetônica moderna de duas cidades com características socioeconômica totalmente díspares como Sacramento e Uberlândia torna necessário a realização de uma breve contextualização histórica de ambas.

UBERLÂNDIA

SACRAMENTO O

Ilustração 01: Relação entre as cidades: Sacramento e Uberlândia. Fonte: maps.google.com.br

Uberlândia Adjetivos utilizados para caracterizar Uberlândia: “Cidade-jardim”, “metrópole do interior”, “Nova York no sertão”21 todos demonstram o tom progressista que sempre se vinculou a imagem da cidade. No início da década de 1920 as cidades do Triângulo Mineiro contavam com uma infra-estrutura de energia, transportes, telefonia e telégrafos que favoreciam a circulação mercantil propiciando a especialização de algumas cidades; caso de Uberlândia que a partir de 1912 começa a se firmar como entreposto comercial. (GUERRA; 1998). A Uberlândia dos “vazios urbanos” começa-se a formar na década de 30 quando surge a empresa imobiliária, principal agente para definir as áreas de valorização. (SOARES, 1988)

21

Laurentiz (2003) no ensaio “Olhando as arquiteturas do cerrado” inicia o texto discorrendo sobre os adjetivos associados à imagem de Uberlândia.


A construção de Goiânia no período de 1933/1937 é um elemento importante na dinamização do comércio já que Uberlândia passa a abastecer a cidade nascente. (GUERRA, 1988) A partir de 1940, apresenta um crescimento intenso, sendo que em trinta anos sua população urbana quintuplica enquanto que a população rural passa por um decréscimo. Esse fato tem enorme influência sobre a cidade que se expande de forma cada vez mais desordenada com maior ocupação das áreas periféricas. Esse crescimento urbano está intimamente ao contexto nacional de industrialização crescente, diversificação do comércio e a construção de Brasília; conjunção de fatores que estimulam o crescimento econômico de Uberlândia. (SOARES, 1988) Concomitante com o crescimento econômico ocorre um processo de ocupação de áreas periféricas pela população de baixa renda através das favelas, cortiços, conjunto habitacional e etc. O processo de expansão urbana intensifica-se na década de 50 e surgem novas estradas que ligam São Paulo e Brasília a Uberlândia e ao Sul de Mato Grosso fortalecendo ainda mais a atividade comercial. (SOARES, 1988) A implementação do Parque Industrial em Uberlândia no início da década de 60 está relacionada a abertura para o capital estrangeiro que intensificou a industrialização e introduziu novas tecnologias. (SOARES, 1988) Nesse momento Uberlândia começa a ter sua paisagem na área central modificada, os “arranha-céus” 22 e o asfaltamento das avenidas centrais configuram uma imagem moderna para a cidade. (RAMIRES; SOARES, 1993) A transferência da estação ferroviária em 1969 que se localizava próximo à área central de Uberlândia propiciou a criação da Avenida João Naves de Ávila e a continuidade das avenidas Cipriano Del Fávero, João Pinheiro possibilitando assim novos eixos de expansão urbana. (FONSECA; 2007).

22

A pesquisa realizou um levantamento de alguns desses de maior relevância arquitetônica como Edifício Tubal Vilela um empreendimento da Morse e Bierrenbach Engenheiros e Itaporã e Itacolomy projetados pelo arquiteto uberlandense Paulo de Freitas.

76


Em meados de 70 ocorre aceleração do fluxo migratório devido a instalação do Distrito Industrial e da Universidade Federal de Uberlândia.

O processo de adensamento da área central se seguiu na década de 80 com edifícios predominantemente residenciais. Ao mesmo tempo em que se iniciou o processo de descentralização da área central devido à criação de ambientes fechados como o shopping center.

Na década de 90 surge um novo vetor de expansão urbana composto por Carrefour, Centershopping, Centro de Convenções e Centro Administrativo próximo ao Campus Santa Mônica e outros sub-centros contribuem para diminuir a importância da área central. (FONSECA; 2007)

No decorrer dos anos o padrão de ocupação da área central em Uberlândia passa a ser cada vez mais popular devido a implementação do Terminal Central que facilita o acesso da população de baixa renda para a área central o que causou alterações no padrão comercial que passa a ter equipamentos como: lojas de venda de produtos de baixa qualidade,lojas de preço único, camelódromos e camelôs. (FONSECA; 2007)

Ao mesmo tempo o Bairro Fundinho local de origem da cidade passa a se destinar ao público de alta renda devido à introdução de serviços sofisticados como: lojas de roupa, de móveis, de objetos de decoração, galerias de arte, escritórios de profissionais liberais e restaurantes. (FONSECA; 2007)

O momento atual possui como característica predominante à proliferação dos condomínios residenciais fechados assim o centro e sua área de entorno tem cada vez mais deixado de ser a opção viável para as classes privilegiadas. (FONSECA; 2007)


Sacramento Sacramento é uma cidade de pequeno porte com uma população de 22.159 habitantes, segundo o Censo- 2007 realizado pelo IBGE. Sacramento é uma das cidades com povoação mais antiga de Minas Gerais ligado ao ciclo da extração aurífera, Desemboque, seu núcleo inicial foi ponto de partida de inúmeras expedições que contribuíram para a colonização do Sertão da Farinha Podre (atual Triângulo Mineiro) em meados do século XVIII.23 Posteriormente com o declínio das atividades mineradoras e dificuldade de locomoção para as igrejas mais próximas localizadas no Desemboque e em Uberaba fator que fez o Cônego Hermógenes24 pedir a Goiás autorização para fundar um oratório25 entre as duas localidades, nas terras do Ribeirão Borá formando assim o núcleo inicial da cidade de Sacramento. Em torno da capela do Santíssimo Sacramento com o Patrocínio de Maria, foram sendo construídas casas, casebres e em torno da igreja havia o cemitério. Esse núcleo hoje é a Zona de Proteção Histórica após a aprovação do Plano Diretor. Um fator importante para o desenvolvimento da cidade foi o plantio de café e a abertura de trânsito sobre o Rio Grande através da Ponte de Jaguara, em 1861 e posteriormente essa ponte foi utilizada pela Companhia Mogiana. A estação ferroviária de Jaguará foi inaugurada em 05 de março de 1888. Desde 1976 o transporte de passageiros entre a estação e Uberaba foi cancelado. As duas primeiras décadas do século XX foram de intensas melhorias para Sacramento, realizadas durante a administração de Cel. José Afonso de Almeida. Dentre essas podemos citar: restauração da Comarca de Sacramento, criação do Grupo Escolar Afonso Pena, instalação Empresa Elétrica Municipal, canalização de água potável e mudança antiga do cemitério (que se localizava

23

Dados retirados do Histórico do Inventário de Patrimônio Cultural realizado pela Prefeitura Municipal de Sacramento. 24

O Padre Hermógenes Cassimiro Brunswick, vigário de Desemboque por mais de 40 anos. Seu papel no desenvolvimento do Arraial e na colonização efetiva da região merece destaque e o coloca como figura de importância capital na história do Triângulo Mineiro. 25

Esse oratório transforma-se em capela curada em 1820. 78


em uma área próxima ao centro comercial) para o local onde hoje se encontra e instalação dos bondes elétricos os quais facilitavam o acesso a Estação de Jaguará. Na primeira década do século XX foi construído o primeiro Colégio Espírita do Brasil fundado por Eurípedes Barsanulfo, o qual atrai turistas até os dias atuais. As principais atividades econômicas estavam ligadas à pecuária e a agricultura. A década de 30 é caracterizada por melhorias na iluminação pública e remodelação da Praça da Matriz. O posto de higiene é instalado em meados de 40. No período de 50 as avenidas passam por alargamento e as ruas são calçadas. Outra modificação relevante foi o reservatório de água do Bairro Rosário. A década de 60 é marcada por intervenções na infra-estrutura da cidade como: a energia elétrica fornecida pela Cemig e Serviço de Abastecimento de água e Esgoto (SAAE) A construção da Escola Estadual Barão da Rifaina, Sinhana Borges e Seminário são datados no fim da década de 60. Em meados de 70 a cidade passa por investimentos na área de saúde com a construção do Centro de Saúde, iluminação a vapor e ampliação da rede elétrica e implantação da rede de água e esgoto. A execução da rodovia asfaltada para Uberaba e Conquista foi outra importante realização do período. Sacramento hoje possui algumas indústrias de maior destaque dentre essas podemos citar: Sak’s e o Laticínios Skala. Sacramento possui um potencial turismo religioso e ecoturismo (o município pertence ao Circuito da Canastra) os principais entraves ao exercício de tais vocações são a falta de investimentos e a infra-estrutura incipiente na cidade.


Estudos de caso: casa Elifas e casas da Vila Jaguara Os estudos de caso apresentados foram selecionados com o objetivo contrastar a produção de duas cidades com características diversas: Uberlândia como uma cidade-pólo no Triângulo Mineiro, a qual possuiu uma sólida atuação de arquitetos e Sacramento uma cidade de pequeno porte cuja produção arquitetônica não se vinculou a uma rede de profissionais e que somente em obras institucionais como a construção de um espaço planejado como a Vila Jaguara recebeu uma arquitetura de maior valor arquitetônico. Outro fator que norteou a escolha foi a proximidade temporal existente entre os projetos.

O moderno em Uberlândia A introdução do moderno em Uberlândia ocorre com a chegada de Jorge Coury em 1940; arquiteto formado na Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais26 e com grande influência de Le Corbusier. Na década de 40 em Uberlândia ainda existia o predomínio de uma arquitetura eclética e neocolonial. 27 A produção do arquiteto é divida em dois períodos: a produção da década de 40 em estilo eclético e a produção após 1950 com linguagem moderna. (AZEVEDO, 1998)

26

Azevedo (1998) destaca alguns estudantes contemporâneos a Coury como: Luiz Pinto Coelho, Virgilio de Castro, Shakespeare Gomes, Francisco Salomé de Oliveira, Edmundo Bezerril, Nicola Santolia, Vicente Buffalo, Euclides Lisboa, Celso Werneck de Carvalho. A geração posterior abrange nomes como: Sylvio de Vasconcellos, que possui obras em Uberlândia e Eduardo Mendes Guimarães. Azevedo (1998) ressalta que o arquiteto foi sempre participativo na Escola tendo inclusive redigido a revista do Diretório Acadêmico. 27

Bruand (1991) define como eclético a justaposição de todos os estilos que utilizam colunas, cornijas e frontões da Renascença italiana passando pelo Segundo Império francês e pelo neoclássico do final do século XIX. E o sobre o neocolonial foi introduzido como salienta Bruand (1991), pelo arquiteto português Ricardo Severo em São Paulo, o movimento teve como característica o emprego de elementos da arquitetura civil portuguesa dos séculos XVII e XVIII e foi importante por se constituir como sendo o primeiro momento em que houve uma tomada de consciência por parte dos brasileiros para o país e as possibilidades de sua originalidade. 80


Os motivos para essa alteração projetual, de acordo com Azevedo (1998) podem se relacionar: viagens de estudo, construção do Conjunto Pampulha em Belo Horizonte, Bienal de Arquitetura em São Paulo de 1951 e estudos de livros que abordam o moderno. Inúmeros desenhistas que passaram pelo seu escritório como Ivan Rodrigues Cupertino e Miguel Juliano tornaram-se mais tarde arquitetos. Laurentiz (1993) ressalta que posterior a Coury observa-se a atuação de Miguel Juliano com o projeto da Sociedade Médica de Uberlândia com elementos da escola carioca como: brises em concreto, fachadas cegas, vidros e pilotis. Os arquitetos “nativos”28: Paulo de Freitas com formação na escola Mackenzie em São Paulo no ano de 1955, Hélvio Felice e Natalino David Thomaz, ambos formados na Universidade Federal de Belo Horizonte (UFMG) nos anos de 1958 e 1960 passam a projetar com linguagem moderna. O início da atuação de Elifas Lopes Martins com formação na Universidade de Brasília e diplomado em 1968 é marcada por uma grande produção residencial com características diversas dos modernistas pioneiros. A sua atuação também abrange nos anos 80 a tipologia industrial. (LAUARENTIZ, 1993) Nos anos 7029 houve também um afluxo de jovens formados tanto em escolas consagradas como das particulares criadas e ainda recentes. A produção dos mesmos está mais relacionada mais com as disciplinas de projeto que receberam em suas escolas do que com as revistas com

posterior a Le

Corbusier. (LAUARENTIZ, 1993) A cidade recebe obras de arquitetos de outras cidades através de parcerias com arquitetos locais, como ocorreu com o concurso de arquitetura para o Centro Administrativo com projeto de Acácio Gil Borsói e o arquiteto local Milton Leite.

28

Termo utilizado por Laurentiz (1993) para designar os arquitetos nascidos em Uberlândia e que após a finalização de seus estudos retornam a cidade. 29

Foi nesse momento em que se funda o núcleo IAB de Uberlândia.


Verificou-se também a atuação de arquitetos de renome como: o mineiro Sylvio de Vasconcellos que projeta uma residência, Praça Sérgio projeto do paisagista Burle Marx e Igreja do Espírito Santo do Cerrado projetada por Lina Bo Bardi. O que se pode observar da produção local de Uberlândia é que diferente de outras cidades as obras modernas se vinculam a iniciativa privada. Sendo que o poder público somente se fez sentir nas remodelações de praças e na Cidade Industrial na década de 50. (AZEVEDO, 1988)

Caso 1: casa Elifas Após a explanação de como ocorreu o desenvolvimento do moderno em Uberlândia pode-se adentrar na obra de Elifas Martins Lopes; com um exemplar residencial localizado no Bairro Lídice, que segundo Soares (1988) surge na década de 70 sendo destinado a classe alta e ainda preserva as inúmeras residências modernas construídas durante seu período inicial de urbanização. O bairro Lídice possui outras residências projetadas por Elifas.

Fig.02: Residência Lopes Martins, localizada no bairro Lídice. Fonte: Lívia Marina de Andrade.

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Ilustração 03: Mapa Integrado de Uberlândia, o bairro 25 é o Lídice, nota-se a proximidade com a área central. Fonte:http://bastion.uberlandia.mg.gov.br/sedur/bairros/index.htm

A formação de Elifas ocorre na UNB concluída em 1968, no momento de formação do arquiteto a UnB caminhava em direção a uma escola de arquitetura revolucionária, cuja estrutura curricular abrangia dois anos voltados para artes e três anos para a área técnica e profissional, ele aponta que admira como ex-professores: João Filgueiras Lima em projeto, Athos Bulcão e Amélia Toledo na área artística e o então coordenador Oscar Niemayer. (JÚNIOR; CAPELLO, 2002; LAURENTIZ, 1993) E após sua graduação parte para Inglaterra onde realiza um curso sobre habitação e admite que seus projetos devam ter resquícios do brutalismo britânicos. (LAURENTIZ, 1993) Quando retorna da Inglaterra se estabelece em Uberlândia com uma produção inicialmente voltada para residências e posteriormente em 1974 a associação com a Granja Resende S/A possibilita a ele explorar a tipologia industrial. A sua linguagem aproxima-se do repertório paulista (LAURENTIZ, 1993). O projeto a ser abordado é a Residência Marco Paulo Teixeira Paiva (1972-1974).


Ilustração 04: Residência Marco Paulo Teixeira Paiva. Fonte: Arquivo da pesquisa. Ilustração 05: Elevação frontal, residência Marco Paulo Teixeira Paiva. Fonte: Arquivo da pesquisa.

A residência a princípio foi projetada para ocupar apenas o lote da esquina entre as ruas Johen Carneiro e Augusto César, porém os proprietários adquiriram o terreno ao lado durante a execução possibilitando a criação de um balcão na sala de jantar. O terreno que em que a casa foi construída possui grande declividade, fator utilizado pelo arquiteto na distribuição da área de serviço que ocupa o pavimento inferior. A cobertura é em telhas de fibrocimento oculta por platibanda, esta é o principal elemento estético por se transformar em brise-soleil para as janelas dos quartos e sala de jantar. A implantação é definida por um reduzido afastamento lateral e maior afastamento frontal definindo nestes os jardins. A construção é feita em concreto armado com fechamento externo em alvenaria de tijolo cerâmico pintadas na cor branca e bege com esquadrias na cor preta. Ainda mantém uso residencial e a configuração do projeto é ainda original sendo que somente alguns revestimentos internos foram trocados.

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Ilustração 06: Planta da residência Marco Paulo Teixeira Paiva. Fonte: Arquivo da pesquisa, modificado pela autora.

É possível identificar nesse projeto similaridades com a residência Elza Berquó (1967), projeto de João Vilanova Artigas. (KAMITA, 2000)

Ilustração 07: Fachada sudoeste da residência Elza Berquó. Fonte: Kamita (2000, p. 104)


Ilustração 08: Corte longitudinal e planta. Fonte: (Kamita, 2000, p.105)

Percebe-se uma similaridade na forma de tratar a distribuição dos ambientes. Em ambos os projetos a cozinha aparece como um ambiente retangular e de dimensões reduzidos associado à sala de jantar. Os quartos também são delimitados por interfaces diversas, mas que funcionam de forma semelhante: no projeto de Elifas a escada que sobe do térreo para o primeiro pavimento separam os quartos do corpo da casa assim como o jardim interno de Artigas. Alguns detalhes volumétricos apresentam também semelhanças como a abordagem da caixa de água como um elemento plástico de composição. No projeto de Elifas, a cobertura avança sobre o volume e deste descem placas recortadas que funcionam como brises, cujo desenho se assemelha ao projeto de Artigas, a fachada adquire dinamismo através desse dispositivo. 86


Elifas afirmava que conhecia as obras de Artigas pós-45, mas de acordo com Laurentiz (1993) não reconhecia a influência, mas observando-as tão de perto torna-se impossível não encontrar similaridades. O trabalho de Elifas é marcado por algumas características como: uso de concreto e tijolos aparentes, uso da topografia como elemento de projeto criando platôs que se transformam em jardins, usa de planos para ocultar os telhados e assim justificar o uso da linguagem moderna, flexibilidade espacial devido aos planos verticais e setorização funcional. (JÚNIOR; CAPELLO, 2002)

O contexto da Vila Jaguara Como já foi dito Sacramento não possui uma corrente de atuação consolidada; as obras modernas existentes no perímetro urbano estão vinculadas a instituições privadas ou públicas. A arquitetura residencial em grande parte apropria-se de elementos modernos. A construção da Vila de Operários de Jaguara se contextualiza com a necessidade da criação de uma política energética após a 2ª Guerra Mundial devido a crescente industrialização e urbanização do período que gerava maior consumo. (GUERRA; ALMEIDA, 2003) A crise energética foi tratada pelo Estado dentro do ideário nacionalista que se firmou após 1930. O segundo governo de Getúlio Vargas decidiu a presença estatal nos serviços de base principalmente no transporte e energia elétrica. (GUERRA; ALMEIDA, 2003) Após o golpe de 1964 verificou-se uma intensificação de investimentos na infra-estrutura e o setor de construção é um dos que mais se beneficiam. A construção da Usina de Jaguara e da Vila na década de 70 faz parte deste contexto. (GUERRA; ALMEIDA, 2003) De acordo com Guerra e Almeida (2003) as vilas construídas no Brasil se espelham na experiência norte americana realizada no vale do rio Tenesse na década de 1930 como a Radburn em New Jesey planejada por Clarence Stein e Henry Wright sob os princípios da Cidade-Jardim de Ebenezer Howard.


A cidade Radburn priorizava a circulação dos pedestres e o interior das quadras era planejada de forma a conter equipamentos para que a vida ocorresse no interior das mesmas.

Vila de Jaguara

Sacramento

Ilustração 09: Localização da Vila Jaguara e de Sacramento. Fonte: maps.google.com.br

Caso 2: Casas da Vila Jaguara

Ilustração 10: Foto área da Vila de Jaguara. Fonte: Google Earth

A Vila foi construída no início da década de 70, com princípios de projeto da cidade-jardim. A partir da década de 90 a empresa começa a incentivar seus empregados a se mudar para cidades próximas e em 2006 a empresa Borá Agropecuária Ltda comprou a vila para transformá-la em um Complexo Turístico. O acesso a Vila é feito através da Rodovia MG 428 Km 102, existe uma guarita que controla a entrada e saída de veículos. 88


A Vila Jaguara possui infra-estrutura completa fator que possibilitava aos moradores o total atendimento de suas necessidades. Os equipamentos são: Aeroporto, Casa de Visita, escola, ambulatório, clube, hotel, supermercado e igreja ecumênica e são localizados no perímetro da Vila, em tais projetos é possível identificar uma linguagem ligada ao brutalismo paulista devido a aplicação do material em estado bruto, estruturas pesadas e exploração da cobertura enquanto elemento gerador do espaço.

A característica de projeto marcante na implantação da Vila é o predomínio da área verde que conjugado com o afastamento frontal das residências propicia continuidade visual.

O sistema viário da Vila possui uma avenida principal que percorre no sentido longitudinal, desta saem ruas que possuem retornos em suas finalizações; configuração que se assemelha a espinha de peixe. A nomenclatura do sistema viário é referente a usinas ou subestações da empresa CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais).

As residências são implantadas com um grande afastamento frontal utilizado como área verde e acesso social. O acesso privado é feito na zona posterior onde se localiza a garagem.

As unidades residenciais possuem quatro tipos que possuem a mesma lógica espacial, mas alteram em número de quartos e área.

As residências são implantadas no centro da quadra com grande afastamento frontal configurando assim uma área verde continua de uso público.

A divisão dos lotes é feita por muros que individualizam a área de lazer e por serem recuados das habitações e do passeio não rompem com a continuidade espacial.


Ilustração 11: Implantação das residências. Fonte: Google Earth. Ilustração 12: Muro recuado da fachada frontal da residência e do passeio. Fonte: Arquivo da pesquisa. Ilustração 13: Garagens das unidades e detalhe do afastamento dos muros do passeio.

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As garagens ficam na parte posterior dos lotes. As casas embora tenham tipologias para se adaptar a diferentes números de pessoas por família são padronizadas. O acesso social é feito pela varanda frontal. Nas plantas das casas a separação do setor intimo dos quartos ocorre por meio da porta do corredor. Apenas a tipologia L130 liga a sala com a varanda dos fundos. O posicionamento da cozinha próximo a varanda dos fundos potencializa o uso da mesma para o convívio familiar assim como facilita os serviços domésticos. Na L2R têm-se a existência de um quarto reversível que pode se abrir para a varanda ou para o interior da casa. As residências são caracterizadas pela simplicidade construtiva com estrutura em concreto e vedação em tijolo mantido aparente do lado externo e a na parte interna é rebocado e pintado de branco.

Ilustração 14: Varanda original das casas. Fonte: Arquivo da pesquisa.

30

A nomenclatura utilizada é que está nos desenhos técnicos cedidos pelo Parque Náutico de Jaguára.


Ilustração 15 : Tipologia de residência L1 e L2. Fonte: Arquivo da pesquisa.

Ilustração 16: Tipologia L2R e L3. Fonte: Arquivo da pesquisa.

Ilustração 17: Tipologia L4. Fonte: Arquivo da pesquisa.

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A cobertura é de duas águas com telha de amianto e a caixa de água é mantida aparente. Na elevação frontal há um detalhe em madeira e as esquadrias são metálicas pintadas de branco. Assim como ocorre nas superquadras de Brasília o acesso dos automóveis é realizado na parte posterior dos lotes agrupando o fluxo motorizado priorizando assim o pedestre. A relação entre a casa e o espaço urbano da vila é a característica de maior valor no projeto, integrando-se às propostas modernas de planejamento urbano que buscavam um habitat coletivo e ao mesmo tempo a separação dos lotes pelo muro propicia um espaço de lazer privado mantendo assim um equilíbrio entre a esfera pública e privada. A padronização das unidades residenciais reflete essa utopia de coletividade e mescla de classes sociais, todos os funcionários independentes do posto moravam da mesma forma. Ainda que utopia, a manutenção do conjunto é importante enquanto testemunho de tais ideais.

Considerações finais Uma questão que se coloca como fundamental nos dois estudos de caso apresentados e em todo levantamento realizado sobre a produção moderna do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba é o fato de se tratarem de um acervo com proximidade temporal fator que interfere nas medidas protecionistas a serem tomadas e que também facilita o desaparecimento desse acervo na medida em que não são reconhecidos enquanto patrimônio a ser preservado. A região escolhida para o levantamento da arquitetura moderna tem como característica a polarização das cidades Uberaba – Uberlândia – Araguari, que detêm as obras de maior valor arquitetônico e urbanístico e nestas devido a existência ou proximidade com universidades e centros de pesquisa facilita o passo inicial para a proteção que é o reconhecimento do valor sociocultural impregnados em tais conjuntos. Nas cidades de menor porte que contém uma


arquitetura moderna de maior apropriação popular e que ocasionalmente como Sacramento, possuem acervos de maior valor arquitetônico e urbanístico estes ainda não são vistos como passiveis de proteção uma vez que não são sequer conhecidos pela sociedade. As situações escolhidas, dentre o acervo da Pesquisa, tiveram como objetivo apresentar o contraste que ocorre na difusão do moderno em cidade como Uberlândia que funciona como um pólo regional e Sacramento cuja maior singularidade está em sua importância histórica. Os projetos também se contrastam, uma vez que, a residência projetada por Elifas faz parte da situação convencional em que o cliente contrata o arquiteto e a casa faz então parte do contexto urbano já as unidades da Vila de Jaguara integram uma proposta urbanística planejada. Ambos, projetos são executados em período próximo um ao outro sendo possível identificar uma linguagem que tende a escola paulista. A contribuição da pesquisa por tanto reside no fato de que ao identificar, catalogar e disponibilizar esse acervo constituído por meio de um WEB Sitecontribui para o conhecimento por parte da sociedade do conjunto moderno existente da região do Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro.

Referências

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BRUAND, Y. (1981). Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva. 398 p.

GUERRA, M. E. (1998). As Praças Modernas de João Jorge Coury no Triângulo Mineiro. São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC – USP.

KAMITA, J. M. (2000). Vilanova Artigas. São Paulo: Cosac & Naify Edições. p. 102-105.

LAURENTIZ, L. (1993). Olhando as arquiteturas do cerrado. In: Projeto n.º 163, São Paulo, maio, pp. 75-91.

LEMOS, C. A. C. (1979). Arquitetura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos e Edusp.

PESSOA, J. L. C. Cedo ou tarde serão consideradas obras de arte. In: PESSÔA, J.; VASCONCELLOS, E.; REIS, E.; LOBO, M. (org.). Moderno Nacional. Niterói: EduFF, 2006.

SOARES, B. R. (1988). Habitação e Produção do Espaço em Uberlândia. São Paulo: USP/Departamento de Geografia.

XAVIER, A. org. (1987). Arquitetura Moderna Brasileira - Depoimentos de uma Geração. São Paulo, Editora Pini, Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Fundação Vila Nova Artigas.


COMPREENSÃO DA TÉCNICA CONSTRUTIVA UTILIZADA NAS EDIFICAÇÕES MODERNAS NAS CIDADES DO TRIANGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA Elisa Azevedo Ribeiro / Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale

Introdução Este artigo tem por objetivo apresentar os primeiros resultados da investigação sobre as técnicas construtivas utilizadas nas edificações modernas das cidades do Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba. Enquanto técnica subentende-se uma análise dos materiais utilizados, sistema construtivo, mão de obra, conforto térmico e as soluções de design adotadas; dando foco à linguagem construtiva, pretende-se estabelecer um paralelo entre a técnica aplicada nas construções dos edifícios e as premissas do Movimento Moderno. Assim, seus objetivos específicos compreenderam a análise dos aspectos formais e construtivos dos edifícios modernos, compreensão da tecnologia empregada nas construções modernas, suas conseqüências enquanto nova linguagem de construção (e seus vários usos), bem como a importância da difusão dessa técnica para a região, além de registrar, através da linguagem do desenho, os detalhes técnicos construtivos encontrados. Para isso, fez-se necessário estudar e compreender de que maneira a nova técnica desenvolvida pelo Movimento Moderno foi aplicada às edificações da região, considerando que o desenvolvimento de suas mais importantes cidades Uberlândia e Uberaba - assim como grande parte da região do Triangulo Mineiro, esteve intimamente vinculado à construção de Brasília. Através do entendimento e ênfase no desenho de detalhes técnicos construtivos, buscou-se colaborar para o entendimento da arquitetura como detentora do saber técnico, teórico e prático correspondente a uma época, além da criação de uma consciência sobre a importância deste patrimônio e a necessidade de sua preservação. Como um primeiro resultado, este trabalho apresenta as soluções técnicas e os materiais utilizados pelo arquiteto Oswaldo Arthur Bratke na Estação Ferroviária de Uberlândia (MG), inaugurada em 1972, já que este é um dos mais importantes edifícios modernos da cidade e região pelo contexto em que foi construído e pela qualidade do projeto. 96


O

trabalho

foi

organizado

em

três

partes.

A

primeira

consiste

na

contextualização da Estação em Uberlândia e resumo do projeto; a segunda descreve os elementos construtivos utilizados no edifício pelo arquiteto; a terceira, e ultima, estabelece uma reflexão sobre a importância do projeto para a região, compreendendo que em sua arquitetura reconhecemos premissas da Arquitetura Moderna comportando-se como um importante material de estudo e de essencial preservação.

Contextualização A Estação Ferroviária de Uberlândia, assim como a de Ribeirão Preto, foi projetada pelo arquiteto Oswaldo Arthur Bratke (1907 – 1997) em meados dos anos 1960 a serviço do plano de expansão e modernização das instalações de serviços da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Foi a terceira estação ferroviária construída pela Mogiana, em substituição à segunda que se localizava no final da atual Avenida Afonso Pena, onde hoje se encontra a Praça Sergio Pacheco que, até a década de 1930, definia o limite na direção Norte da malha urbana. Dentro desse raciocínio expansionista, esperava-se que a Estação induziria o desenvolvimento e crescimento da cidade, considerando o fluxo de mercadoria e pessoas inerente desse tipo de equipamento e sua ligação com a nova capital, Brasília. Em Uberlândia, sua instalação, propositalmente distante do núcleo adensado da cidade, foi parte de um projeto que visava determinar seu traçado, induzindo seu crescimento para uma determinada direção (a Leste), através da passagem de infra-estrutura, e impondo um outro limite físico. “A localização da nova estação ferroviária em Uberlândia foi definida conjuntamente pela Companhia Mogiana, o governo municipal e o arquiteto (SEGAWA & DOURADO), que prepuseram sua implantação em uma área periférica à malha urbana, no Bairro Custódio Pereira, localizado no setor Leste, próxima à Rodovia BR 050 - que liga São Paulo à Brasília - e ao aeroporto da cidade. Esta decisão contemplava o projeto de expansão do espaço urbano cogitado desde o início da década de 1950. A remoção da antiga Estação Ferroviária permitiu o prolongamento das avenidas centrais (Floriano Peixoto, Afonso Pena e Cesário Alvim), integrando a já área urbanizada depois dos trilhos à região mais antiga da cidade; a remoção dos trilhos e a pavimentação de seu


leito deram origem às avenidas João Naves de Ávila e Monsenhor Eduardo, que se converteram em importantes vias arteriais da cidade; a nova estação tornou-se importante elemento de orientação da expansão na direção Leste. ”(VALE, 2010)

Fig. 1: Mapa de Uberlândia indicando a localização da antiga Estação de Trens da Mogiana e a nova Estação no Bairro Custódio Pereira.

Entretanto, o declínio da produção de café vinculado a carência de investimentos nesse meio de transporte por parte do Governo Federal, levaram a decadência da Companhia Mogiana e conseqüente precariedade de seus serviços na década de 1930. Em 1952, a maioria de suas ações foi vendida para o Governo do Estado de São Paulo, que posteriormente foi incorporada à FEPASA- Ferrovia Paulista SA. Com o passar dos anos 1990, a linha férrea de Uberlândia começou a demonstrar mudanças de uso, refletindo o cenário nacional, diminuindo o trânsito de passageiros até extingui-lo definitivamente. Em 1998, a FEPASA foi incorporada à RFFSA – Rede Federal de Ferrovia, que em seguida, foi privatizada, estabelecendo um modelo de segmentação do sistema ferroviário em seis malhas regionais. A Ferrovia Centro Atlântica (FCA), adquiriu a concessão por 30 anos, mediante licitação, do segmento que inclui a Estação de Uberlândia. Devido a essa conjuntura, a movimentação urbana viva nas Estações Ferroviárias das cidades brasileiras, foi aos poucos cessando, e conseqüentemente a seu significado comercial perante a cidade. 98


O projeto da Estação de Uberlândia foi concebido sobre esse pressuposto urbanístico de que “as estações ferroviárias são importantes referências urbanas, indutoras de crescimento e desenvolvimento material nas áreas aos seus redores, sejam elas consolidadas anteriormente, ou originadas a partir da presença desses equipamentos.” (SEGAWA & DOURADO, 1997), por isso, o programa desenvolvido pelo arquiteto contemplava outros serviços.

Compreendendo as inúmeras atividades que ocorrem ao redor de estações, muitas vezes geradas por sua instalação, o arquiteto Oswaldo Bratke produziu um projeto diferente do padrão brasileiro, cujo programa se restringia exclusivamente aos serviços relacionados ao transporte e de apoio aos passageiros. Ele percebe que as estações poderiam obter retorno financeiro desses serviços terceirizados de comércio e destiná-los a sua manutenção. Dessa maneira, as Estações de Uberlândia e Ribeirão Preto se abrem para a produção comercial da cidade, criando uma espécie de shopping ligado a ela.

O projeto era dividido em dois blocos. O primeiro compreendia a infra-estrutura ferroviária - incluindo o pátio de manobras - e as dependências da estação, e o segundo bloco incluía a complementação das utilidades de apoio aos passageiros e compreendia um setor comercial e de serviços mais voltados para o bairro. Para viabilizar a construção desse projeto, o arquiteto prevê sua implantação em etapas: uma que corresponde à infra-estrutura ferroviária e dependências da estação; outra de complementação das atividades de apoio aos passageiros, e uma terceira que corresponde ao setor comercial/serviços voltado ao bairro. Em ambas as Estações (de Uberlândia e de Ribeirão Preto), apenas a primeira etapa do projeto foi executada.

Em coerência ao partido adotado, a arquitetura da ferroviária tinha que ter caráter flexível para assegurar viabilidade à construção. Podemos dizer, então, que esse projeto surgiu a partir do desenho da cobertura, que se define pela repetição de módulos de uma estrutura em concreto armado em forma de parabolóide hiperbólica. Por se definirem independentemente das construções ao nível do usuário, os módulos permitiam que as ampliações construtivas da estação pudessem acontecer em momentos distintos, sem prejudicar o funcionamento do que já estava implantado.


“Estes módulos encontram-se dispostos em três alinhamentos paralelos: os dois primeiros compreendem 11 módulos cada e o último alinhamento, que se posiciona próximo aos trilhos - constituindo a plataforma de embarque e desembarque propriamente dita - possui, além dos 11 módulos centrais, um prolongamento de três módulos à esquerda e outro de quatro módulos, à direita.” (VALE, 2010) De maneira geral, podemos definir o projeto como uma grande cobertura, configurada pela adição de módulos de estrutura independente e que, conseqüentemente, produzem uma planta livre para a implantação de quatro blocos de estruturas e usos independentes, que setorizam as funções. O pé direito alto da cobertura escancara a separação entre ambos (cobertura e programa) e facilitam a circulação de ar. Croqui esquematizando a circulação de ar entra a grande cobertura e as caixas. Desenho: Elisa Azevedo Ribeiro

Até na torre da caixa d’água observamos uma continuidade do projeto, pois seu desenho remete a forma dos módulos da cobertura. A caixa d’água, na foram da parabolóide hiperbólica quadrangular e seu apoio com base quadrada com altura maior que a dos módulos usados na cobertura.

Croqui da caixa d’água da Estação. Desenhos: Elisa Azevedo Ribeiro

Basicamente, o que diferencia os projetos de Ribeirão Preto ao de Uberlândia são justamente os materiais utilizados nos módulos que organizam os usos ao nível do usuário. Enquanto na primeira eles são vedados por alvenaria de tijolos 100


aparentes, no segundo, o arquiteto radicaliza na escolha dos materiais, utilizando de uma estrutura autônoma de concreto pré-moldado com 3,20 m de pé direito e chapas corrugadas de cimento amianto pré-moldados, fixados por parafusos.

Definição dos elementos que constituem o projeto A cobertura A cobertura é composta pelo agrupamento de módulos cuja estrutura é uma peça única formada por uma parabolóide hiperbólica quadrangular apoiada no meio por um pilar, moldado em concreto armado. A parabolóide mede 10,50m x 10,50 m e os pilares possuem 5,25m de altura com base quadrada de 0,65m, x 0,65m, sendo mais estreitos na junção com a laje. A água da chuva é conduzida pela própria forma da parabólica que desce por um condutor localizado dentro do pilar e que desemboca em uma canaleta aberta situada junto ao muro de arrimo da plataforma, ao lado dos trilhos. Para proteção da captação pluvial, a cobertura conta com os ralos tipo abacaxi. A junção dos módulos são preenchidas por peças de madeira de 4 cm de espessura e 25 cm de altura, protegidas com cumeeiras de amianto. Fig. 2. Forma Parabolóide hiperbólica quadrangular apoiada no meio por um pilar Fonte: Consiglieri, 1994.

A independência desse módulo de cobertura, possibilita uma liberdade na configuração da planta e da implantação das caixas/blocos de serviço ao nível do usuário, além de

criar um projeto de conjunto aberto, que pode se expandir e mudar de forma a qualquer tempo. Essa solução de cobertura também proporciona uma noção de ritmo e contigüidade, colaborando para a compreensão do projeto como um todo.


Desenhos: Elisa Azevedo Ribeiro

As caixas As caixas que setorizam o programa e se localizam sob a grande cobertura que têm estrutura autônoma, de concreto pré-moldado com 3,20 m de pé direito até uma segunda cobertura em telha trapezoidal em cimento amianto. As vedações se alternam dependendo da necessidade do programa. A maior parte delas é vedada por tijolos maciços de cerâmica revestidos por módulos de chapas corrugadas de cimento amianto pré-moldados, aparafusados

a

um

socos

de

madeira

engastadas nas alvenarias. Em outros blocos, como os de serviço, a vedação é feita por elementos vazados de concreto assentados verticalmente com juntas desencontradas na face

Fig. 3. Foto do elemento vazado da chapa corrugadas de cimento amianto pré-moldado. Fonte: Patricia Pimenta Azevedo Ribeiro

externa (voltado para a rua) e esquadrias de metalon na face interna.

102


Todas as esquadrias originais desse projeto foram desenhadas pelo arquiteto Bratke: as portas em madeira das caixas, as portas dos sanitários e as janelas. Por caixas subentende-se os blocos retangulares soltos, inseridos sob a grande cobertura. Através da utilização de materiais simples e de fácil manuseio, como o ferro em perfis chato, “L” e “T”, e metalon para caixilharia, o arquiteto se mostra preocupado em otimizar dos recursos e simplificar a construção, e obtêm soluções adequadas tecnicamente, tais como: escoamento da água da chuva na canaleta inferior da esquadria ou de caráter ergonômico, como os puxadores cujo sistema já é embutido no desenho da caixilharia. A abertura da janela próxima ao elemento vazado de concreto foi desenhada para pivotar para dentro do espaço interno do bloco, facilitando sua limpeza e garantindo abertura total do vão. Todos os elementos de caixilharia foram detalhados pensando no seu correto funcionamento e durabilidade. Dividida em duas peças de caixilho de vidro, seu mecanismo consiste em pivotar a peça superior e erguer e pivotar a peça inferior de maior comprimento presa a superior. Uma inicial reconstrução desse detalhamento seria:

Croqui esquemático do acionamento da janela basculante. Desenhos: Elisa Azevedo Ribeiro

Fig. 4. Foto da janela basculante de dentro das caixas. Fonte: Marília Maria B. Teixeira Vale


Canaleta – guia inferior da esquadria Croqui em vista esquemática da janela basculante com indicação dos cortes. Vista detalhe externo da caixa e braço escamoteável. As peças são soldados com rebites.

Croqui esquemáticos do funcionamento da porta com eixo de gravidade. Desenhos: Elisa Azevedo Ribeiro

104


O espírito inventivo do arquiteto Bratke é aplicado nas soluções dos sistemas de acionamento das esquadrias. A porta dos sanitários, chamada de porta com eixo de gravidade, é um desenho pensado especificamente para instalações sanitárias, mas que pode ser utilizada em outras circunstâncias. O detalhamento de um mecanismo presente no pivô da porta permite que a mesma esteja sempre fechada substituindo as dobradiças de molas ou ferramentas sofisticadas usuais. “A concepção geral do projeto aponta a busca de uma construção industrializada, de caráter racionalista, com reduzido número de materiais construtivos e de acabamentos, refletindo o esforço do arquiteto de possibilitar uma obra que moderasse os custos de construção

e

manutenção,

sem

comprometer

a

qualidade

arquitetônica. Várias das soluções adotadas por Bratke na Ferroviária de Uberlândia foram utilizadas pelo arquiteto em outras obras, revelando a estreita relação desta com o conjunto de sua obra, na busca de soluções eficientes tanto em relação aos aspectos formais quanto aos construtivos, traduzidos no uso de volumetrias regulares e o espírito industrial nelas presente.” (VALE, 2010)

O desenho da janela basculante e porta do banheiro é um exemplo dos elementos desenvolvidos pelo arquiteto que se repetiram em outros projetos. Uma derivação dessa janela aparece nos edifícios dos apartamentos de Engenharia Mecânica e Engenharia Metalúrgica da Escola Politécnica da USP, em São Paulo (inaugurados nos anos de 1960) o qual o raciocínio de funcionamento da esquadria é o mesmo, porém, ao inverter a aresta que corre na peça superior e substituindo o vidro pela veneziana, o arquiteto atribui outra função para ela: a de proteger da visibilidade externa, da chuva e da incidência Fig. 5. Janela basculante da Escola de Minas e Metalurgia da USP – corte esquemático do sistema de acionamento. Fonte: Elisa Azevedo Ribeiro Fig. 6. Janela basculante Estação Ferroviária de Uberlândia – corte esquemático do sistema de acionamento. Fonte: Elisa Azevedo Ribeiro

direta do sol. Uma imagem explicativa exemplifica a mudança de sistema.


Conclusão O projeto da Estação Ferroviária de Uberlândia é especialmente importante como referência de Arquitetura Moderna para a região, não somente pela configuração da planta, premissas e materiais utilizados, mas pelo empenho do arquiteto Oswaldo Bratke em produzir uma arquitetura como um objeto total “integralmente pensado e coerentemente resolvido” (SEGAWA & DOURADO, 1996), compromissado com as soluções das necessidades reais. Para a produção de uma arquitetura durável, Bratke se preocupava com a exeqüibilidade do projeto, aplicando seus conhecimentos técnicos na busca por soluções ideais. Assim, verifica-se a grande preocupação por parte do arquiteto no detalhamento de todos os aspectos do edifício,

para obter seu correto

funcionamento. O resultado final deste projeto é simples, já que sua forma é clara e condizente com a questão funcional. A cobertura se alonga em uma ortogonalidade ritmada e equilibrada, e o desenho modular, com planta livre e a verdade dos materiais trazem a este projeto identidade e originalidade. Ao longo dos anos, no entanto, o edifício tem sofrido diversas alterações indesejáveis, principalmente no que diz respeito á substituição de vedações, esquadrias e aberturas de vãos que colocam em risco sua integridade física e a preservação dos detalhamentos técnicos fundamentais para a concepção e coerência da obra.

Bibliografia CONSIGLIERI, Victor. A Morfologia da Arquitetura 1920 – 1970. Volume II. Lisboa, 1994. SEGAWA, Hugo. DOURADO, Guilherme Mazza. Oswaldo Arthur Bratke. São Paulo: ProEditores, 1997. SEGAWA, Hugo. Invenção como resposta às necessidades. Finestra/Brasil Ano2 nº7 Out/Dez 1996. 106


VALE, Marília Maria Brasileiro Teixeira. Conservação da Arquitetura Moderna – Estudo de Caso: A Estação Ferroviária de Uberlândia. Monografia de Conclusão de Curso de Especialização. CECI – ICCROM, 2010.


TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA: ARQUITETURA MODERNA E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO PÚBLICO Natália Achcar Monteiro Silva / Maria Beatriz Camargo Cappello

Introdução A arquitetura moderna brasileira teve início na década de 1920, mas seu auge nos grandes centros ocorreu a partir de 1950. Nas regiões interioranas essa prática se fortaleceu mais tardiamente na década de 1960, sendo este, o caso do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. Esta região foi muito influenciada pela construção de Brasília (1957-60), capital federal, trazendo a modernidade e o progresso, que não só foram incorporados no espaço, mas também no imaginário cultural da população dessas localidades. Novas técnicas construtivas, nova plástica, novos usos do espaço, essa arquitetura moderna produzida participou do rápido desenvolvimento urbano. As cidades receberam edifícios residenciais, clubes, instituições públicas e privadas, indústrias, praças, vilas que se implantaram no espaço e foram incorporados fortemente a identidade visual e histórica. Em vista da importância da arquitetura produzida neste período foi realizada uma seleção das edificações mais características e essenciais dentro da estruturação histórico-social e constituição das seguintes cidades da referida região mineira: Uberlândia, Uberaba, Araxá, Sacramento, Conquista, Conceição das Alagoas, Araguari, Patrocínio, Patos de Minas, Coromandel, Rio Paranaíba, Tupaciguara, Ituiutaba, Prata, Campina Verde, Campo Florido, Frutal, Estrela do Sul, Monte Carmelo e Monte Alegre. Uma ênfase especial se aplicou na percepção de como esses edifícios, com nova linguagem arquitetônica, se inseriram no espaço público. As relações, enquanto parte de um universo urbano mais amplo, ou seja, o diálogo com o entorno, as dinâmicas sociais, etc. O levantamento de dados, que engloba identificação, análise e catalogação da arquitetura moderna produzida no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, é feito através de fichas de inventário definidas segundo o modelo do DOCOMOMO 108


internacional, e busca constituir um acervo que possibilite uma caracterização da arquitetura moderna local, além de estimular a preservação dos exemplares mais significativos, ressaltando a importância arquitetônica e histórica que esses edifícios apresentam como elemento de identificação regional. O

DOCOMOMO

(International

Working

Party

for

Documentation

and

Conservation of Buildings, Sites and Neighbourhoods of Modern Movement) é uma organização internacional que busca difundir o conhecimento e reflexão sobre o Movimento Moderno, desenvolvendo levantamentos documentais e medidas de conservação e proteção da arquitetura, assim como de conjuntos urbanos e paisagísticos deste período. O inventário da arquitetura moderna nacional vem sendo realizado por diversas instituições interligadas pelo DOCOMOMO Brasil e suas unidades regionais, que no caso da região apresentada é o DOCOMOMO Minas. Para esta abordagem são exemplificados edifícios, praça e vila significativos no contexto de inserção de cidades como Uberlândia e Sacramento. Assim como também é colocado brevemente a atuação de arquitetos em Uberaba.

Material e Métodos O projeto foi desenvolvido em duas etapas realizadas em paralelo: a pesquisa teórica e o trabalho de campo. A etapa teórica compreendeu a pesquisa bibliográfica tanto da caracterização regional, como do movimento moderno em si, além da compreensão dos determinantes históricos que propiciaram a construção das edificações. Na etapa de campo, foram realizadas visitas às cidades selecionadas para a pesquisa, destacando as edificações características desse movimento, com o intuito de fazer uma investigação e um levantamento iconográfico, que dessem respaldo à catalogação. Com a intercalação desses dois momentos, os projetos selecionados passaram a ser catalogados em fichas de inventário, nas quais constam informações


específicas e extremamente relevantes sobre os edifícios, além de imagens, constituindo-se assim um acervo fotográfico da produção moderna da região.

Discussão e Resultados A arquitetura moderna se fez documental, sendo o projeto mais do que seu desenho e execução, constituindo-se por textos, discussões, história e crítica. Os arquitetos brasileiros tiveram influência, principalmente européia, na imagem de Le Corbusier, mas rapidamente seguiram um caminho próprio, e com isso a arquitetura adquiriu caráter nacional. A produção moderna brasileira recebeu destaque internacional, principalmente pelo desenvolvimento de inovadora técnica de controle de luz e calor, através do brise-soleil. Sua particularidade também estava no desenvolvido uso do concreto-armado e dos trabalhos em azulejos, desenhados por Cândido Portinari, Burle Marx, Anísio Medeiros, Athos Bulcão e outros artistas plásticos. A arquitetura se fez residencial, de lazer, etc., mas seu principal destaque estava nos edifícios institucionais, colocando a importância do cenário político de tal momento. Também foram definidos conjuntos habitacionais, como forma de proporcionar mais salubridade aos operários. A produção moderna foi, sem dúvidas, nacional, refletindo os artistas que a lançaram e recorrendo aos materiais disponíveis, assim como se ajustando ao clima. Em 1943, ocorreu a primeira importante publicação internacional sobre a arquitetura brasileira, intitulada “Brazil Builds”, escrita por Philip L. Goodwin e organizada pelo Museu de Arte de Nova York. Para a realização deste livro Goodwin, juntamente com G. E. Kidder Smith fizeram uma viagem aérea por todo o país, levantando os principais edifícios e estes foram apresentados na publicação, separados em Edifícios Antigos e Arquitetura Moderna. Tendo ênfase especial a segunda parte. 110


Os norte-americanos almejavam estreitar laços com os arquitetos brasileiros, a fim de desenvolver, principalmente o uso dos brise-soleils, como forma de proteção térmico-luminosa dos grandes panos de vidro. Outras publicações aconteceram como em 1965 de “Modern Architecture in Brazil”, de Henrique E. Mindlin, e em 1973, “L’architecture Contemporaine au Brésil31”, do francês Yves Bruand. Em 1974, Geraldo Ferraz publicou pelo MASP, “Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil: 1925 a 1940” e, em 1979 Lemos, “Arquitetura Brasileira”. Segundo Cappello (2005), o primeiro artigo sobre a arquitetura moderna no Brasil aparece na Cahier d’Art em 1931 “L’Architecture d’Aujour’hui dans l’Amérique du Sud”, do arquiteto Gregori Warchavchik. Após o livro Brazil Builds uma série de artigos e números especiais de revistas internacionais especializadas foram dedicados à arquitetura moderna no Brasil. É importante também destacar as análises em termos de preservação do patrimônio moderno. O 6º Seminário Nacional do DOCOMOMO, realizado em Niterói – RJ, em novembro de 2005, resultou na publicação intitulada “Moderno e Nacional”, a qual se faz essencial em tal abordagem, principalmente por levantar a problemática em se tratar de uma arquitetura que precisa ser preservada, mas que é temporalmente próxima. De acordo com Santos (2006) esta análise se inicia já com uma das mais particulares características da arquitetura moderna: sua rica documentação e detalhamento, o que possibilita que seja realizada uma restauração por completo ou um projeto ser executado, em um outro momento, de forma fiel ao original. Mas, até que ponto isto é viável? Em que condições deveria se lançar de tal recurso? Quem seria considerado o realizador/autor de tal proposta? Ainda faltam princípios éticos que tratem de tais questões, da mesma forma que falta um campo conceitual, no qual sejam desenvolvidas as justificativas de preservação do que já está construído, visto que a proximidade temporal dá um 31

Tese de doutorado de Yves Bruand apresentada a Universidade de Paris.


outro caráter ao edifício, gerando mais discussões sobre manter ou modificar certos aspectos. Outro ponto que Santos (2006) coloca, diz respeito ao tombamento ser a melhor forma de proteger a arquitetura moderna, já que o ato de preservar pode incluir qualquer ação do Estado que conserve a memória e os valores culturais, e o tombo acaba por resguardar o bem em si e não as relações e vínculos imateriais que ele proporciona, sejam elas afetivas, de uso, etc. Mais um questionamento, talvez o mais intrigante, diz respeito ao fato de muitos dos

arquitetos

realizadores

do

modernismo

encontrarem-se

ativos,

possibilitando uma idéia de tombar no bem, seu autor. Ou ainda de, o próprio arquiteto acreditar serem viáveis modificações em seus projetos, assim como verdadeiras demolições, criando um certo “mal-estar” com os órgãos de proteção e muitas vezes inviabilizando tombamentos. Pêssoa (2006) diz que as ações de preservação do moderno iniciaram-se em 1947, quando Lucio Costa pediu o tombamento da Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha, em Belo Horizonte. Projetada por Niemeyer, em 1943, a igreja já era tida como um dos ícones de inovação da arquitetura brasileira. Em 1947, três anos após sua entrega, já se encontrava em estado de abandono e má conservação, visto que a igreja católica se negava a ocupá-la. A proposta de tombamento veio então no intuito de impedir que uma obra tão significante ao período moderno desaparecesse, sem nem mesmo ter sido utilizada. Segundo Pêssoa (2006), como era um pedido totalmente a parte das realidades de tombo, Lucio Costa revestiu-o de um caráter excepcional nomeando-o de tombamento preventivo. Foi esta excepcionalidade que abriu caminho para que outros projetos modernos fossem tombados, como o Ministério da Educação e Saúde, e a estação de hidroaviões, ambos no Rio de Janeiro. Assim, nesta fase inicial, o tombamento correspondia a obras recém construídas, fazendo uso da legislação de proteção ao patrimônio artístico e 112


histórico, como forma de resguardá-las, em termos de sua constituição original, para que não fossem demolidas ou modificadas. Tal parecer foi utilizado para o tombamento em 1965 do Parque do Flamengo, projetado por Roberto Burle Marx e Afonso Eduardo Reidy, antes mesmo de sua finalização, devido à incerteza de que as administrações futuras dariam continuidade ao projeto original. Em 1967, foi tombada a Catedral de Brasília, para a qual desde 1962 já havia sido feito este pedido, com o intuito de arrecadar fundos para a construção da mesma. Proposta a qual Lucio Costa se opôs, já que não havia fundamentos para se tombar algo que nem mesmo existia. De qualquer forma, o tombamento foi feito antes de sua conclusão, que só ocorreu três anos depois, em 1970. Neste momento encerrou-se a primeira fase de tombamento da arquitetura moderna, marcado pela presença de Lucio Costa à frente da Diretoria de Estudos

e

Tombamentos

do

DPHAN

e

pelo

citado

caráter

de

excepcionalidade das obras tombadas, que representavam o patrimônio histórico do futuro (PÊSSOA, 2006). Somente na década de 1980 outros edifícios modernos passariam por processo de tombamento. Em 1983, foi pedido para a sede da Associação Brasileira de Imprensa, projeto dos irmãos Roberto, sendo aceito no ano seguinte. Em 1986, um conjunto de três residências de Warchavichik, na Vila Mariana – SP, foi tombado, marcando o primeiro tombamento de projetos fora da escola carioca. Estes dois projetos citados, juntamente com o Pavilhão de Óbidos do Recife marcaram o período de tentativa de preservar projetos singulares, que restaram das primeiras obras modernas do país. Na década de 1990, técnicos do IPHAN de Minas Gerais propuseram o tombamento do conjunto de edificações de Oscar Niemeyer na Pampulha. Assim como 11 edifícios, de diversos arquitetos cariocas na cidade de Cataguases, um caso excepcional, visto que na década 1940, estes ainda jovens profissionais foram contratados para fazer uma série de projetos, com o intuito de construir a cidade. O mais surpreendente é que 50 anos depois, tais


construções residenciais encontravam-se integralmente originais até no mobiliário. Inovador foi o tombamento de Brasília, em 1990, já que, o que se protegeu foi o plano, ou seja, as regras urbanísticas de ocupação, e não os edifícios em si. Esse tipo de tombamento aponta para um olhar diferenciado, no qual a cidade, objeto a ser tombado, deixa de ser pensada enquanto conjunto arquitetônico para ser vista como documento vivo, resultado das idéias urbanísticas do seu tempo e história. O acervo de patrimônio moderno é muito pequeno diante da produção que se realizou, e falta uma política de identificação dos exemplares mais significativos, que devem ser protegidos. Ainda segundo Pêssoa (2006) tombar um edifício recentemente finalizado é algo inovador, que proporcionaria proteger um monumento tal como ele foi projetado e construído. Mas esse tipo de tombamento incide sobre o fato de o arquiteto que realizou o projeto estar vivo, como já foi mencionado, o que pode gerar oposições entre estes autores e as instituições de preservação, principalmente, no que diz respeito a realizar modificações no edifício. A conservação do patrimônio moderno, enquanto projeto original é tida, quase como fixação, ainda mais fortalecida pela pequena distância temporal, assim como pelo vasto material documental e fotográfico, que possibilita retornar a proposta original. Tal fato faz com que se desconsiderem as modificações, que muitas vezes são inevitáveis nos processos de ocupação. A preservação da arquitetura moderna ainda está em fase de formação, sendo necessárias discussões sobre a idéia de voltar/manter o projeto original e a importância das transformações que ele adquire com uso e ocupação. Se uma obra é tombada muito cedo, fica o próprio tempo responsável por dar a ela suas condições de patrimônio cultural. O fato é que, a arquitetura moderna é parte de um passado recente que merece ser mantido e respeitado. E a grande problemática quanto a sua preservação está na pouca discussão e falta de aspectos conceituais e éticos.

114


A arquitetura moderna do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba A linguagem moderna foi iniciada em Uberlândia, na década de 1950 com o arquiteto João Jorge Coury32, que é considerado o difusor de tal arquitetura na região. Nascido em Abadia dos Dourados/MG em 1908, formou-se em 1937 pela Escola de Arquitetura de Belo Horizonte (EABH). Iniciou sua carreira em Goiandira e Catalão, no Estado de Goiás. Posteriormente, em 1940, dirigiu-se para Uberlândia onde traçou uma bela produção em termos residencial, comercial, urbanístico, hospitalar e industrial. Sua arquitetura associava os elementos modernos ao caráter regional, com uso de lajes planas, brises, cobogós conciliados à fitocerâmica, os seixos rolados, a granitina, a pedra portuguesa, etc. (AZEVEDO, 1998).

Fig. 01: Residência Benedito Modesto de Sousa, Uberlândia _ Arquiteto João Jorge Coury Foto: arquivo da pesquisa

Era em seu atelier que os intelectuais se reuniam, valendo também de destaque no contexto político da época (GUERRA, 1998). Coury foi uma espécie de arquiteto-discípulo, estimulando o interesse de jovens como Paulo de Freitas, Hélvio Felice, Natalino David Thomaz, Milton Leite Ribeiro, Ivan Cupertino, João Alves Pimenta, Fernando Galvão e Miguel Juliano, cada um atuando em diferentes cidades, entre elas Uberlândia, Belo Horizonte, Goiânia, São Paulo.

32

Na década de 1940 Coury teve sua produção voltada para o eclético, com forte uso de elementos neocoloniais (AZEVEDO, 1998).


Fig. 02: Sociedade Médica, Uberlândia _ Arquiteto Miguel Juliano Foto: arquivo da pesquisa Fig. 03: Residência Laerte Alvarenga de Figueiredo, Uberlândia _ Arquiteto Ivan Cupertino Foto: arquivo da pesquisa Fig. 04 e 05: Perspectivas tratadas do projeto do arquiteto Ivan Cupertino para a residência Laerte Alvarenga de Figueiredo Foto: arquivo da pesquisa

116


Dentre os citados foi destacado na pesquisa o arquiteto Paulo de Freitas, que segundo Laurentiz (1993) é da chamada geração intermediária. Paulo se formou em 1959 pelo Mackenzie, permanecendo na capital paulista por mais quatro anos, vindo depois para Uberlândia, onde se destacou

principalmente

pelos

projetos

de

edifícios

verticais,

importantes na constituição física-social do centro da cidade. Além disso, foi por mais de 20 anos professor da Escola de Decoração da Universidade Federal de Uberlândia, tendo também colaborado na criação dos cursos de música, artes e comunicação visual. Fig. 06: Edifício Itaporã, Uberlândia _ Arquiteto Paulo de Freitas Foto: arquivo da pesquisa

Ainda de acordo com Laurentiz (1993) a terceira geração é encabeçada por Elifas Lopes Martins, que se formou arquiteto em 1968 pela Universidade de Brasília. Após a conclusão da faculdade, ficou por dois anos na Inglaterra, onde fez especialização na área habitacional, a qual influiu muito em seus projetos. Retornou ao Brasil, atuando em Uberlândia e região nas décadas de 1970-80, tendo sua produção muito voltada para o caráter residencial e industrial.

Fig. 07: Residência Nelson Vasconcelos, Uberlândia _ Arquiteto Elifas Lopes Martins Foto: arquivo da pesquisa

Há um considerável número de residências de sua autoria, localizadas no Lídice, bairro que pode ser tido como essencialmente de arquitetura moderna. Com

relação

às

indústrias,

principalmente

projetou

edificações para a Granja Resende, compondo um conjunto estético e funcionalmente bem elaborado.

Fig. 08: Incubatório da Granja Resende, Uberlândia _ Arquiteto Elifas Lopes Martins Foto: arquivo da pesquisa


Sua arquitetura é marcada pelo uso de concreto e tijolo aparentes, lajes inclinadas e telhados em platibanda, aproveitamento da topografia definindo platôs ajardinados, espaços internos com grande organicidade, etc. (SILVA JÚNIOR, A. P.; CAPPELLO, M. B. C., 2002).

Fig. 09: Residência Antônio Jorge Tannus, Uberlândia _ Arquiteto Elifas Lopes Martins Foto: arquivo da pesquisa Fig. 10: Residência Oscarino Martins da Silva, Uberlândia _ Arquiteto Elifas Lopes Martins Foto: arquivo da pesquisa

Em Uberaba o destaque fica com Germano Gultzgoff (1922-2007), principalmente por seus primeiros projetos, que possuíam grande caracterização modernista. Ao longo de sua carreira afastou-se destes princípios mantendo somente a planta moderna. O arquiteto estudou no Mackenzie, formando-se em 1950. Nessa época foi estagiário de Oswaldo Bratke, conhecido arquiteto moderno com escritório na cidade de São Paulo.

Fig. 11: Ed. Chapadão, Uberaba _ Arquiteto Germano Gultzgoff Foto: arquivo da pesquisa Fig. 12: Ed. Pedro Salomão, Uberaba _ Arquiteto Germano Gultzgoff Foto: arquivo da pesquisa

118


Fig. 13: Residência Dr. Albano Bruno, Uberaba _ Arquiteto Wagner Schroden Foto: arquivo da pesquisa

Wagner Schroden também atuou em Uberaba constituindo grande produção principalmente residencial no centro da cidade. Seus projetos têm destaque no contexto urbano, possuindo cada um particularidades, que os tornam exemplares únicos. Diferentemente da produção moderna dos grandes centros, a qual se fez principalmente institucional pública, no Triângulo Fig. 14: Residência Edmundo Chapadeiro, Uberaba _ Arquiteto Wagner Schroden Foto: arquivo da pesquisa

Mineiro e Alto Paranaíba estava muito vinculada ao capital privado da emergente burguesia, ficando a cargo do Município e Estado principalmente alguns projetos de praças, escolas e demais instituições.

Para compor a relação sócio-espacial que tal produção exerceu no imaginário do período, assim como continua mantendo nos dias atuais, foram selecionadas algumas edificações, uma praça e uma vila, que fazem parte da catalogação elaborada no projeto de pesquisa, para exemplificar tal contextualização.

A vila analisada está em Sacramento, enquanto os demais projetos estão em Uberlândia, na qual primeiramente será abordada, a Praça Tubal Vilela.

Até 1937, esta se chamava Praça da República, adquirindo a partir de então o nome de Benedito Valadares e somente em 1958 recebendo seu nome atual.


Guerra (1998) coloca que no início de 1959, a cidade era palco de manifestações, que cobravam

da

gestão

municipal

maior

cuidado com os espaços públicos, que se encontravam

em

péssimo

estado

de

conservação, e entre eles estava a Praça Tubal Vilela. Nesse momento, o prefeito Geraldo Ladeira convidou João Jorge Coury para realizar o projeto de remodelação, em que a praça

Fig. 15: Foto aérea da Praça Tubal Vilela, Uberlândia _ Arquiteto João Jorge Coury Foto: Prefeitura Municipal de Uberlândia

adquiriu caracterização moderna. Como colaboradores Coury contou com o arquiteto Ivan Cupertino e os Engenheiros Rodolfo Ochôa, Roberto Ochôa e Sebastião da Silva Almeida. A inauguração aconteceu no aniversário de Uberlândia, em 31 de agosto de 1962. Segundo Guerra (1998), a proposta do arquiteto foi de desenvolver um local de convivência, sociabilidade e manifestações, no qual as diferenças étnicas, ainda demasiadamente discriminatórias, fossem sanadas em função do bem-estar social e da cidadania. A presença da Concha Acústica para eventos políticos, culturais, assim como os bancos coletivos integradores fazem parte do programa de equipamentos comunitários. Ao longo de mais de 40 anos, a praça passou alteraram

por

várias

modificações

consideravelmente

o

que

projeto

original de Coury. Ainda nos dias atuais é referência urbana, tida como o ‘coração’ da cidade. As manifestações agora são ditas populares, na imagem do transporte coletivo, do comércio

informal,

da

música,

de

expressões religiosas, artísticas, etc., que

Fig. 16: Foto atual da Praça Tubal Vilela, Uberlândia _ Arquiteto João Jorge Coury Foto: Pedro Alberto Gomide

proporcionam movimento e dinâmica.

120


Em 2004, foi tombada como patrimônio histórico municipal pelo decreto nº 967633. Essa região central da cidade possui um conjunto de edificações importantes, salientando o Edifício Tubal Vilela, que se localiza no encontro da Av. Afonso Pena com a Rua Olegário Maciel. Construído em 1957, pela “Empresa Uberlandense de Imóveis”, de propriedade do então prefeito Tubal Vilela, foi o primeiro arranha-céus da cidade (AZEVEDO, 1998). O projeto é do arquiteto de Belo Horizonte, Ulpiano Muniz e a construção foi realizada pela construtora paulista Morse e Bierrenbach. A edificação não tem afastamentos, estando alinhada à calçada. Seu uso é misto, destinando os primeiros pavimentos para comércios e serviços e os demais para apartamentos, com 1 ou 2 quartos, remetendo a tipologia da unidade mínima. O alinhamento na calçada não prejudica as relações estabelecidas com os pedestres que percorrem o espaço, visto que a utilização deste térreo para comércio, na verdade, é convidativa e aproxima os usuários a utilizá-lo.

Fig. 17: Edifício Tubal Vilela, Uberlândia _ Arquiteto Ulbiano Muniz Foto: arquivo da pesquisa Fig. 18: Sacada do pavimento comercial do Ed. Tubal Vilela, Uberlândia _ Arquiteto Ulbiano Muniz Foto: arquivo da pesquisa 33

Apud Praça Tubal Vilela. Disponível em:

<http://www3.uberlandia.mg.gov.br/cidade_patrimonio.php?id=632>.


O segundo andar, de serviços e uso também comercial, tem uma sacada que permeia as duas fachadas voltadas para as vias e Praça Tubal Vilela, proporcionando continuidade entre os espaços privado e público. Pode-se dizer que atua quase como uma calçada elevada do chão. Azevedo (1998) diz que a estruturação em concreto armado independente foi algo inovador para a época e o uso de revestimentos em pastilhas e granitina fortaleceram sua linguagem moderna. As fachadas voltadas para a praça têm um jogo volumétrico que marca fortemente as linhas horizontais, através das janelas panorâmicas e das sacadas, tendo quebras verticais proporcionadas pelos volumes que saltam do alinhamento e pelo grande paredão em cor terracota, que percorre praticamente todo o edifício. Este foi um empreendimento bem aos moldes do que era almejado: a modernidade e o progresso definindo, através da arquitetura, uma imagem de desenvolvimento social. Ainda nesta área central está o Edifício Itacolomi, projetado por Paulo de Freitas na década de 1960, o qual se insere em um contexto de verticalização da cidade. Para este projeto o arquiteto lançou mão do uso de cobogós, proporcionando ventilação e iluminação naturais no interior, assim como desenvolveu uma diversidade

de

tipos

de

plantas

para

os

apartamentos, os quais poderiam atender a um público amplo. A volumetria também é peculiar, fugindo aos padrões de linhas geométricas retilíneas. Em forma de “J” e por estar em uma esquina, define perspectivas variadas conforme a posição do observador.

Fig. 19: Edifício Itacolomi, Uberlândia _ Arquiteto Paulo de Freitas Foto: arquivo da pesquisa

122


Além disso, possuía uma particular implantação: seu térreo era composto por uma área aberta destinada ao uso público e circulação livre, mas esta foi gradeada e tornou-se estacionamento para os moradores. Esta é uma tendência de constituição das cidades de médio a grande porte, as quais perdem em qualidade de espaços, devido Fig. 20: Estacionamento Ed. Itacolomi, Uberlândia _ Arquiteto Paulo de Freitas Foto: arquivo da pesquisa

à necessidade de destinar, boa parte deles, aos veículos. Dentre os projetos abordados um dos mais diversos é o Uberlândia Clube Sociedade Recreativa, por ter sido um marco para a cidade, representando, através da imponência de seu edifício, mais um avanço em termos de desenvolvimento sócio-econômico e progresso. Com relação a sua implantação tem a especial característica de um grande recuo da fachada frontal, o qual é recoberto pelo pavimento superior, que atua como marquise estruturada por pilotis, remetendo as loggias dos edifícios clássicos italianos. Esta constituição define uma composição urbana, na qual o pedestre é privilegiado por um espaço de passagem gentilmente protegido.

Fig. 21: Edifício Uberlândia Clube, Uberlândia _ Engenheiro Almôr da Cunha Foto: arquivo da pesquisa

Em uma cidade com intenso calor como Uberlândia, esta prática deveria ser freqüentemente utilizada, permitindo ao usuário do espaço público maior conforto em relação ao clima, assim como as dinâmicas sociais, o movimento, o barulho, o trânsito, etc. A região central da cidade não possui outras áreas agradáveis de passagem, a não ser àquelas proporcionadas pelas praças. O projeto, construído em 1957, é do engenheiro Almôr da Cunha e foi criado, por iniciativa privada, para ser um espaço comercial e de recreação inovador para a cidade. A decoração, de estilo Art

Fig. 22: Painel de gesso no foyer do primeiro piso, Uberlândia Clube _ Artista Plástico Sérgio de Freitas Foto: Pedro Alberto Gomide

Decó ficou a cargo do artista plástico Sérgio de Freitas. No edifício foram empregados alguns elementos de linguagem moderna, até então pouco utilizados localmente, como o

brise-soleil, o terraço-jardim e os pilotis, mostrando, mais uma vez, a intenção de trazer por meio da arquitetura, modernidade à região.


A constituição interna se mantém, com o conjunto mobiliário

(também

moderno),

os

painéis,

revestimentos e adornos originais. Seus salões são alugados para festas e eventos diversos,

a

parte

comercial

continua

sendo

utilizada, além do Teatro Rondon Pacheco. Seu tombamento como patrimônio histórico municipal ocorreu em 2006, pelo decreto nº 1022334.

Fig. 23: Detalhes decorativos e mobiliário de um dos salões, Uberlândia Clube _ Artista Plástico Sérgio de Freitas Foto: Pedro Alberto Gomide

Outro importante projeto é a Igreja Espírito Santo do Cerrado, da arquiteta Lina Bo Bardi, o único exemplar em Minas Gerais de sua produção.

Fig. 24: Painel de pastilha no hall de entrada, Uberlândia Clube _ Artista Plástico José Machado de Moraes Foto: arquivo da pesquisa

Fig. 25: Igreja Espírito Santo do Cerrado, Uberlândia _ Arquiteta Lina Bo Bardi Foto: arquivo da pesquisa 34

Apud Uberlândia Clube Sociedade Recreativa. Disponível em:

<http://www3.uberlandia.mg.gov.br/cidade_patrimonio.php?id=628>. 124


Em 1975, o Frei Egydio Parisi convidou Lina para realizar o projeto de uma igreja franciscana em um pequeno terreno, localizado no humilde bairro Jaraguá. A obra foi construída pelos próprios moradores em mutirões, e utilizando materiais característicos da região, angariados por doações. Também foi essencial a ajuda vinda da organização alemã Adveniat. O conjunto se distribui em quatro platôs compostos cada Fig. 26: Vista aérea da Igreja Espírito Santo do Cerrado, Uberlândia _ Arquiteta Lina Bo Bardi Foto: Laura Fernandes Miguel

um, respectivamente pela capela, a casa para três religiosas e um salão, assim como o campo de futebol (agora cimentado). Os dois primeiros ambientes são em

tijolos aparentes, assentados com barro, tendo concreto armado onde se fez necessário e no caso da capela, seu interior é estruturado por toras de madeira (aroeira lavada). O salão remete a uma oca indígena, tendo fechamento em bambu. A composição além de aludir aos materiais da região ainda representa, através da arquitetura, a cultura popular. Este projeto além de estar fora do perímetro central e de seu entorno próximo, onde o moderno foi mais fortemente realizado, ainda teve a particularidade de não utilizar de recursos financeiros da burguesia local ou do poder público, além de destinar-se ao uso de uma população carente.

Fig. 27: Interior da capela, Igreja Espírito Santo do Cerrado, Uberlândia _ Arquiteta Lina Bo Bardi Foto: Laura Fernandes Miguel Fig. 28: Fechamento do salão, Igreja Espírito Santo do Cerrado, Uberlândia _ Arquiteta Lina Bo Bardi Foto: arquivo da pesquisa


Atualmente o bairro é composto também pela classe média, que continua utilizando o espaço para as práticas religiosas. Em maio de 1997, a igreja foi tombada como patrimônio histórico estadual pelo IEPHA (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado de Minas Gerais) e apesar disso, freqüentemente sofre descaracterizações, muito ocasionadas

pela

falta

de

adequada

manutenção. Como última análise na cidade de Uberlândia está a residência Geraldo Migliorini, projeto do arquiteto mineiro Fernando Graça. Elaborado em 1958, este foi o segundo projeto do arquiteto, sendo que ele ainda nem havia finalizado o curso de arquitetura pela Universidade

Federal

de

Minas

Gerais

(UFMG), o que só veio a ocorrer em 1959.

Fig. 29: Residência Migliorini, Uberlândia _ Arquiteto Fernando Graça Foto: arquivo da pesquisa

A construção foi executada sem nenhuma modificação em relação à proposta original, e o programa de necessidades foi definido juntamente com a esposa do proprietário, D. Yovette Migliorini. A obra durou um ano e meio, sendo inaugurada em 1960. Grande parte dos materiais foi adquirida na própria cidade. A residência tem elementos que foram exclusivamente desenhados pelo arquiteto para ela, como por exemplo, os azulejos do piso e os painéis interiores (FARIA, R. R. et al.).

Fig. 30: Mobiliário e piso da residência Migliorini, Uberlândia _ Arquiteto Fernando Graça Foto: arquivo da pesquisa

De caracterização moderna compõe-se por lajes planas, jogos volumétricos, grandes panos de vidro, painéis decorativos e uso de materiais como tijolo a vista, pastilhas, azulejos. 126


Tem

consideráveis

afastamentos

em

todas

as

fachadas

do

terreno,

implantando-se diversamente ao contexto de entorno, composto por edifícios verticais e arquitetura principalmente colonial, na qual a edificação explora os alinhamentos frontal e laterais. Seus elementos construtivos também diferem e sua relação com o espaço público é fortalecida pelo baixíssimo muro na frente da edificação. Por este projeto Graça recebeu vários prêmios, sendo que um deles ficou a cargo do IAB de Minas Gerais em 1958. Geraldo Migliorini era um político influente, sendo que sua residência Fig. 31: Interior da residência Migliorini, Uberlândia _ Arquiteto Fernando Graça Foto: arquivo da pesquisa

foi palco de eventos importantes no contexto social da cidade. Assim como recebeu visitantes ilustres do âmbito nacional.

Recentemente D. Yovette faleceu e a família optou por vender a residência. Membros da área de preservação na cidade pediram o tombamento do projeto, em virtude de sua importância histórica, parte da memória e identidade de Uberlândia. Infelizmente o atual proprietário, um empresário de outra cidade, mesmo sendo informado do valor do edifício, optou por demoli-lo. Este só possuía um alvará, que permitia pequenas reformas, estando impedido de tal ato realizado. A multa a ser paga por ele é irrisória em comparação a perda de um patrimônio dessa qualidade. Fica também a dúvida quanto ao poder público, na imagem das Secretarias de Cultura e de Planejamento Urbano, que em nada impediram tal descaso. Sacramento é uma das mais antigas ocupações do estado de Minas Gerais, caracterizando-se por uma constituição urbana voltada para os estilos colonial e, principalmente, eclético. O moderno foi incorporado somente em alguns elementos Fig. 32: Foto aérea da Vila de Jaguara, Sacramento _ Projeto da Usina Hidrelétrica de Jaguara Foto: Google Earth

construtivos, sendo a Vila de Jaguara seu grande símbolo modernista.


Construída na década de 1970, era parte do programa de implantação da Usina Hidrelétrica de Jaguara e tinha o intuito de proporcionar moradia e infra-estrutura necessária aos funcionários da empresa, constituindo-se por residências, escola, supermercado, clube, casa de visitas, hotel, igreja ecumênica, ambulatório e pista de pouso e decolagem. Os equipamentos estão distribuídos na área perimetral do conjunto, às margens da represa, com exceção da pista, que se loca em conformidade a legislação de transporte aéreo. As residências estão na área central. O acesso a vila é feito pela rodovia MG 428 e a entrada é restrita, devido à presença da guarita de Fig. 33: Escola _ Vila de Jaguara, Sacramento Foto: arquivo da pesquisa

segurança. O traçado das vias é ortogonal, com uma avenida ao centro, que atua como espinha dorsal, definindo a circulação de todo o complexo. As demais ruas só são acessadas por esta principal. Os

lotes

possuem

uma

dimensão

bastante

considerável, permeando todo o quarteirão, o que possibilita dois acessos aos terrenos, um em cada via. Uma particularidade é o fato de todas as fachadas (compostas

frontais por

das jardim

residências e

varanda)

estarem voltadas para a entrada da vila, conformando uma grande área verde aos fundos, por onde se chega a garagem. Fig. 34: Residência da Vila de Jaguara, Sacramento Foto: arquivo da pesquisa

128


Estas residências são padronizadas, com pequenas alterações de planta, ressaltando que as diferentes hierarquias de poder na hidrelétrica não definiam diferenças de convívio na vila, a qual se pretendia coletiva. A estruturação é em concreto, o fechamento em tijolos, que são aparentes no exterior e a cobertura em duas águas. Fig. 35: Supermercado _ Vila de Jaguara, Sacramento Foto: arquivo da pesquisa

A igreja é a edificação mais exuberante, possuindo uma forma triangular em concreto aparente. A ambiência que se constitui é

propicia a meditação, a qual se potencializa ainda mais devido à implantação afastada do restante do conjunto.

Fig. 36: Exterior da Igreja Ecumênica _ Vila de Jaguara, Sacramento Foto: arquivo da pesquisa Fig. 37: Interior da Igreja Ecumênica _ Vila de Jaguara, Sacramento Foto: arquivo da pesquisa

Cada equipamento tem sua particularidade, sendo freqüente o uso de concreto e tijolos aparentes. Atualmente a vila está praticamente desocupada, com exceção do hotel. Há pouco tempo foi vendida a um empresário da cidade, o qual pretende transformá-la em um complexo turístico. A localização fora do perímetro urbano contribuiu muito para a falta de conhecimento dos moradores sobre sua existência.


Este conjunto necessita de medidas de preservação,

salvaguardando

sua

constituição, que ainda se mantém bastante original, e a qual é possivelmente adaptável a novos usos, como o que será dado.

Conclusão A

arquitetura

importantíssima

moderna na

brasileira

contextualização

é das

cidades, principalmente porque a produção foi nacional, com desenvolvimento de técnicas inovadoras, como o brise-soleil, o concreto armado, etc. No caso do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba este período marcou o grande crescimento da região e a arquitetura, o urbanismo e o paisagismo eram tidos como a forma de

Fig. 38: Hotel _ Vila de Jaguara, Sacramento Foto: arquivo da pesquisa Fig. 39: Ambulatório _ Vila de Jaguara, Sacramento Foto: arquivo da pesquisa

registrar a imagem desenvolvimentista e o progresso. As construções, com suas inovações, volumetria, formas, elementos e materiais, representavam os avanços e a modernidade. A produção moderna teve, então, papel primordial na formação imagética da população e nos dias atuais já é parte da identidade e memória histórica desses locais. Em cidades como Uberlândia, Uberaba e Araguari, todas acessadas pela BR 050, que interliga São Paulo à Brasília, os projetos modernos tiveram maior destaque, resultando em um grande acervo, ainda existente, mas passível de descaracterizações ou demolições, devido à falta de políticas protecionistas. Infelizmente ainda é insipiente a cultura de preservação, já que a arquitetura moderna continua não sendo vista como patrimônio a ser preservado, principalmente em virtude de sua proximidade temporal. 130


Como pôde ser observado, em uma cidade do porte de Uberlândia, existem somente três projetos modernos protegidos por lei, o que é irrisório, perto da produção que se teve, e principalmente em virtude da variedade de tipologias e usos. A pesquisa desenvolvida é então muito importante, principalmente enquanto produção documental, pois a catalogação dos projetos em fichas de inventário é o passo inicial para a preservação. O levantamento também é amparado pelas discussões do grupo, definindo a percepção crítica e as análises sobre a melhor forma de proteger tal patrimônio.

Agradecimentos À FAPEMIG por financiar e incentivar o projeto científico. Ao CNPq pela bolsa de iniciação e à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia, em especial ao núcleo de História, idealizador da produção.

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GERMANO GULTZGOFF E O MOVIMENTO MODERNO EM UBERABA Ariel Luis Lazzarin / Henrique Vitorino Souza Alves / Maria Beatriz Camargo Cappello

Este trabalho é fruto do projeto de pesquisa “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação”, desenvolvido pelo Núcleo de História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia. Esta investigação tem como objetivo estabelecer uma base documental consistente para a avaliação da produção projetual da Arquitetura Moderna na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, estado de Minas Gerais. Com o produto desta investigação é possível traçar um panorama referente a consolidação do Movimento Moderno na arquitetura produzida em uma região ainda carente de estudos pela historiografia nacional. As décadas de 1960 e 1970 abarcam o período de estabelecimento de princípios modernos na construção regional; o que denuncia o processo de apropriação dessa leitura de espaço desenvolvida primeiramente nos grandes centros pelos autores desses projetos, antes do exercício local. Neste período a região experimentava grande desenvolvimento, principalmente as cidades de Uberlândia e Uberaba, impulsionado pela construção de Brasília e a intensificação das rotas comerciais do interior brasileiro. O processo de consolidação do centro dessas cidades, propício para as novas possibilidades de verticalização e adensamento, e o crescimento urbano associados ao espírito de modernidade traçaram a nova imagem destas cidades. Algumas com a conservação de sua configuração urbana de escala e ocupação e outras, de maior desenvolvimento, com a sobreposição de edifícios, redesenhos espaciais e deslocamentos de centralidades e interesses. A partir do registro e documentação da produção arquitetônica investigada, é possível identificar características de práticas desenvolvidas na região por uma classe de engenheiros e arquitetos e urbanistas graduados nos grandes centros urbanos do país. Estas experiências de formação acabam por determinar o ponto de partida para uma atuação frente aos problemas locais, as quais permitem situar a obra moderna regional no contexto nacional. 134


Entre a produção identificada nas 21 cidades de estudo, é destaque a obra do Arquiteto Germano Gultzgoff, identificado como autor de significativos edifícios na cidade de Uberaba, onde dedicou maior parte de sua profissão. Os avós do arquiteto Germano Gultzgoff saem da Rússia, fugindo da revolução e encontram-se na Grécia, de onde partem para a Córcega e para Lyon, na França. O passo seguinte foi a vinda para o Brasil, onde o avô do arquiteto trabalha como atuário. A família se estabelece em São Paulo, onde nasce Germano, que parte para Minas Gerais em sua juventude, estudando por 3 anos na escola de Minas em Ouro Preto, antes de ingressar na escola Mackenzie, em São Paulo. Nesta cursou o básico de Galeria Fausto Salomão, Uberba – arq. Germano Gultzgoff, 1972

Engenharia Civil e diversas cadeiras de Arquitetura, totalizando 6 anos de estudo. Isto lhe deu, nas palavras de seu filho, grande qualidade para seu desenho e muito conhecimento estrutural; com relação a este último, ele cita seu pai, que sempre dizia ‘arquiteto de hoje não sabe nada de estrutura, arquitetura virou corte e costura’. Importante sobre sua formação foi seu período de estágio no escritório do arquiteto paulista Oswaldo Bratke.

Edifício de apartamentos Pedro Salomão, Uberaba – Arq. Germano Gulzgoff, 1964. Homenagem ao mestre com desenho inspirado na residência Morumbi em São Paulo, de Oswaldo Bratke.


Após graduar-se em São Paulo – ano de 1950, turma de 18 alunos – recebe convite para projetar uma reforma numa casa em Uberaba/MG, do pai de um amigo

da

Chegando

época à

de

cidade,

Ouro

Preto.

recebe

outro

encargo, desta vez uma fábrica de papel cujo proprietário era Edgar Rodrigues da Cunha – atualmente a fábrica não existe mais, tendo sido demolida recentemente.

Res. Maurício Cunha Campos de Moraes e Castro, Uberaba – Arq. Germano Gulzgoff, 1950. Primeiro encargo na cidade, uma reforma.

Com isso, outros projetos surgiram e o arquiteto acabou por se estabelecer na cidade, onde realizou a maior parte de seu trabalho. Surgiram oportunidades de trabalho em Brasília,

mas que não

puderam ser aceitas devido à gravidez de sua esposa. Seu primeiro importante projeto foi o Hospital Hélio Angotti, financiado pela Associação de Combate ao Câncer do Brasil Central, sob a denominação de

Residência Hélio Angotti, Uberaba – Arq. Germano Gulzgoff, década de 1950.

Hospital de Clínicas Mário Palmério, então deputado federal que deu todo apoio à instituição. A inauguração se deu em 4 de maio de 1958, sendo que a data do projeto é desconhecida. Germano Filho comenta ainda que o projeto estrutural da cúpula do hospital – não mais existente – foi realizado pelo engenheiro

calculista

Victor

Neciporenko, mesmo autor do projeto estrutural da cúpula do Ibirapuera. Entre 1964-1965 Germano vê um de seus primeiros

edifícios

de

Edifício de apartamentos Pedro Salomão, Uberaba – Arq. Germano Gulzgoff, 1964. Interior do apartamento do arquiteto.

apartamentos 136


construído, provavelmente um dos primeiros da cidade: o edifício Pedro Salomão, com 13 pavimentos e lojas no térreo. Seu desenho teve como objetivo homenagear seu mestre Oswaldo Bratke, em específico tomando como referência a casa Morumbi – as referências são diversas: o desenho das elevações, a utilização dos materiais, os interiores etc. Além deste, outros importantes projetos de Germano estão distribuídos pela cidade: o edifício comercial e de garagens Chapadão, outra galeria comercial, edifícios residenciais, casas, reforma no prédio dos Correios em Uberaba e em diversas cidades da região, algumas obras em Brasília – Residência para Delfim Neto, Centro Comercial Urbano Salomão e Granja Riacho Fundo. A década de 1970 foi de intenso trabalho, com muitos projetos chegando à sua prancheta no escritório que estabeleceu junto à construtora Urbano Salomão até o fim de sua carreira. Na década de 1980 Germano se envolve com a vida política de Uberaba: trabalha na secretaria de obras, se candidata à prefeito (com 237 votos), funda o Partido Verde na cidade. Ainda, auxilia Mário Palmério a criar a FIUBE (atualmente UNIUBE), realizando muitos dos projetos dos prédios da universidade – embora tenham sido muito descaracterizados. Nesta universidade ainda não havia curso de arquitetura e Germano leciona então arquitetura no curso de engenharia. Por motivos desconhecidos, ele abandona a carreira de professor – talvez desgostado com os alunos –, após 20 anos de sala Edifício Chapadão , Uberaba – Arq. Germano Gulzgoff, 1975.

de aula. Com sua saída, a escola continuou a pagar seu salário, mesmo não indo trabalhar, uma vez que era mais barato isso do que pagar a indenização para um dos fundadores da instituição. Nesta situação ele fica durante 30 anos, até seu falecimento em 2008. A virada da década de 1970 para a de 1980 representou não apenas uma intensificação da atividade política do arquiteto na cidade, mas também um redirecionamento em sua trajetória profissional. Após seus primeiros anos fincados no exercício da linguagem formal e do modo de projetar instituídos pelo Movimento Moderno, Gultzgoff

Faculdade de Talentos Humanos, Uberaba – Arq. Germano Gulzgoff, década de 1970.

passou a realizar projetos onde estes dois aspectos não eram mais indissociáveis. Deste modo, seu rigor inicial foi substituído por um


desapego ao racionalismo e ao abstracionismo modernos – interessante notar que foi justamente na década de 1970 que o Movimento Moderno alcança sua popularização nas cidades da região, principalmente Uberlândia, Uberaba, Araxá

e Araguari.

Os

trabalhos

deste

período

em

diante mostram,

progressivamente, um distanciamento da linguagem moderna, em favor dos desejos de sua clientela: se o pedido era um castelo medieval, o projeto o era, embora de ‘planta moderna’, nas palavras do arquiteto. Assim, embora muitas obras do período se aproximavam do pós-modernismo historicista, uma análise mais atenta demonstra que, acima de tudo, a mudança se deu em função da aceitação pelo arquiteto do hedonismo e das fantasias de seus clientes. Seu filho, desenhista do pai entre seus 15 e 20 anos, ainda conta que o pai gostava muito de história, que era um militar frustrado e que desejava muito que o filho fosse militar – o que não aconteceu; e cita uma frase de seu pai: ‘Profissão que lida com desgraça é a que dá dinheiro, profissão que lida com sonho, não’. Assim ele comparava os médicos

aos

completava:

arquitetos,

‘sempre

gostei

mas do

Hospital Santa Lucia, Uberaba – Arq. Germano Gulzgoff, década de 1970. Este é um dos primeiros exemplares onde o arquiteto se distancia da linguagem moderna, com referências diretas à história ou à tradição vernacular.

sonho’. Carente de um estudo acadêmico aprofundado, a obra de Germano Gultzgoff é protagonista do desenvolvimento e consolidação do Movimento Moderno em Uberaba e região, tendo desempenhado papel pioneiro semelhante ao de João Jorge Coury em Uberlândia.

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A LÓGICA DA SUPERFÍCIE: ANÁLISE FORMAL DA RESIDÊNCIA MIGLIORINI Luis Eduardo Borda / Larissa Ribeiro Cunha

Introdução Tendo tido um desenvolvimento econômico e urbano considerável durante os anos 60 e 70, a região do Triângulo e Alto Paranaíba registrou a produção de um significativo acervo arquitetônico de matriz moderna. Tal produção vinculou-se à implantação da capital federal (situada a menos de 500 Km da região do Triângulo) e à divulgação dos idéias modernos em várias regiões brasileiras deste período. A pesquisa intitulada Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação teve por finalidade registrar tal produção, produzindo um material que servisse para a reflexão acerca desta arquitetura, bem como de suporte para ações ligadas à sua preservação. Tal pesquisa teve coordenação da Profª Drª M. Beatriz Cappello e participação dos professores Dr. Luiz Carlos de Laurentiz, Drª Patrícia Ribeiro, Drª Marília Vale, Ms. Flávia Ballerini e Dr. Luis Eduardo Borda, todos professores da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal de 140


Uberlândia (UFU), além de vários estudantes do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFU. Este texto é o registro da experiência de documentação e análise da Residência Migliorini, expressivo exemplar de residência modernista construída em Uberlândia. A análise da residência foi realizada pela estudante Larissa Ribeiro Cunha, do curso de Arquitetura e Urbanismo, sob orientação do professor Dr. Luis Eduardo Borda. Ambos são autores deste artigo. O foco da análise é o problema do plano ou da superfície, questão que, estando presente na pintura e na escultura modernas, constituiu um dos elementos conceituais importantes vinculados à definição do espaço moderno.

Material e métodos Pesquisa de caráter documental, o trabalho implicou inicialmente o estudo da referência bibliográfica vinculada à Arquitetura Moderna e a aspectos ligados à sua preservação, além de discussões sobre alguns textos considerados fundamentais para o entendimento das questões conceituais referentes à pesquisa. Um segundo passo foi o trabalho de campo nas cidades designadas para cada pesquisador. Coube a cada um fotografar e buscar informações sobre as construções identificadas nas várias cidades cobertas pela pesquisa. Isso levou à elaboração das fichas de identificação de tais bens, as quais seguiram o modelo adotado pelo DOCOMOMO Internacional.

Discussão e resultados 1.A questão planar na pintura e na escultura A questão planar esteve presente na Arte Moderna e influenciou poderosamente a arquitetura. Embora a ênfase conferida ao plano já ocorresse em telas como


as do pintor Paul Cézanne (França, 1839-1906), foi o Cubismo que colocou definitivamente em questão a planaridade da tela. A questão do plano decorreu, primeiramente, do fato dos pintores Pablo Picasso e Georges Braque terem abandonado a perspectiva como o único modo possível de representação. O que fizeram foi substituir a perspectiva por diferentes visadas do mesmo objeto, visadas que eram trazidas de modo fragmentado para o espaço da tela. A tarefa do observador seria reconstituir mentalmente o objeto a partir destes fragmentos visuais.35 Em termos plásticos, o resultado foi a transformação da tela numa espécie de trama: uma estrutura ou malha onde cada ponto passava a ter a mesma importância e onde se eliminava a clássica distinção entre figura e fundo. Ao invés do espaço ilusionista dado pela perspectiva, tinha-se agora uma estrutura

planar

constituída

por

inúmeros

fragmentos

de

objetos

representados.36 Até mesmo a paleta de cor passou a articular-se a essa tendência em enfatizar o caráter plano da tela. Nessa primeira fase cubista, denominada de Cubismo Analítico, os pintores restringiram tremendamente a gama de tons utilizados. Limitaram-se aos beges, marrons e acinzentados, evitando qualquer outra cor ou tom mais intenso. A razão disso era evitar que algum elemento da tela, pintado com uma cor mais saturada ou intensa, saltasse aos olhos do observador, produzisse um efeito de profundidade e rompesse assim o efeito chapado que buscavam. (Fig. 1). Na fase seguinte, chamada de Cubismo Sintético, as figuras representadas tornaram-se silhuetas, elementos chapados, colocados uns a frente dos outros, determinando um sentido de profundidade não mais produzido pelas regras da perspectiva e sim pela lógica da sobreposição das formas. É o caso da tela Os Três Músicos (1921. Figura 2), de Pablo

35

As pesquisas de Picasso e Braque foram desenvolvidas nas primeiras duas décadas do século XX. 36

Uma vez que tais fragmentos retinham ainda certo caráter tridimensional, o resultado foi uma imagem que se assemelhava a um baixo-relevo.

142


Picasso. Tratava-se de uma articulação de elementos planos e paralelos à superfície da tela, algo que anunciava uma possibilidade plástica que seria usada na Arquitetura Moderna. Do mesmo modo que a pintura, a escultura passou a incorporar o plano como uma nova possibilidade de resolução da forma. É o que se pode ver na obra Corner Relief (1915. Figura 3), de Vladimir Tatlin. Diferente do desbaste da pedra, do entalhe da madeira ou da modelagem da argila, o que se tem aí é a ação Figura 2 - Picasso, Pablo – Os Três Músicos, 1921.

de cortar, articular, soldar, aparafusar, procedimentos muito mais próximos da engenharia do que dos processos clássicos vinculados à escultura. Outro aspecto é o que concerne à espacialidade gerada. O Corner Relief não é uma forma densa, não se vincula à noção clássica da escultura, nem implica uma rígida distinção entre forma e espaço. É, ao contrário, uma composição onde o vazio adquire um valor positivo. Constituindo uma composição assimétrica, o Corner Relief demanda ademais que o observador se desloque, retenha na memória cada ângulo percebido e depois reconstrua mentalmente o espaço da obra. Ora, quando a arquitetura passou a incorporar a questão do plano, essas mesmas questões tornaram-se aspectos do espaço arquitetônico. É o que veremos a seguir. 2. A questão do plano na arquitetura

Figura 1 - Braque, Georges - Violin and Pitcher, 1909-1910

Em 1925, Theo van Doesburg escreve “Os dezessete pontos da arquitetura neoplástica.” Neste texto, escrito em forma de Manifesto, propõe várias diretrizes para a arquitetura moderna e explica que o espaço moderno deveria resultar de uma articulação de planos. Na obra Articulação de Planos no Espaço (1923. Fig. 4) Doesburg esclarece que o seria um espaço gerado através de

Figura 3 - Tatlin, Vladimir – Corner Relief, 1915

planos. Isso é mostrado através de um desenho semelhante ao


Corner Relif, de Tatlin. A diferença é que, enquanto Tatlin realizou uma articulação com planos curvos, Doesburg propôs planos retos e uma organização plástica ortogonal. A proposição de Le Corbusier referente à planta livre também seria coerente com a questão dos planos; trata-se de um sistema de pilares e lajes, onde os planos verticais (paredes) acontecem livremente. Isso é possível porque as paredes funcionam como vedação apenas, deixando de desempenhar uma função de sustentação do edifício. Ora, como mostraremos a seguir, a concepção arquitetônica da Residência Migliorini busca aproximar-se dessa lógica dos planos e da idéia de que são as superfícies as geratrizes do espaço.

Figura 4 - Doesburg, Theo – Articulação de Planos no Espaço, 1923.

3 histórico da residência Migliorini A residência situava-se na Praça Coronel Carneiro, n° 112, Bairro Fundinho, setor central de Uberlândia (MG). O projeto é de 1950 e foi realizado para um terreno onde havia uma antiga construção. Conhecida como a Casa do Coronel Carneiro, tal construção foi demolida para dar lugar à nova moradia. 37 A proposta arquitetônica foi

37

A casa havia sido adquirida em 1948 pelo Comendador Geraldo Migliorini.

144


encomendada pelo Comendador Geraldo Migliorini ao então estudante de arquitetura Fernando Graça38. A residência abrigou reuniões de renomados políticos da época, como também pessoas da sociedade uberlandense. Há algum tempo, com o falecimento de D. Yovette Migliorini, os seus filhos resolveram colocar a casa à venda. A residência foi demolida em 19 de julho de 2008 para dar lugar a um centro comercial, não obstante os protestos de arquitetos, estudantes e membros da comunidade uberlandense que compreendiam seu valor enquanto patrimônio arquitetônico moderno.

4. Preocupações funcionais e disposição geral dos ambientes O projeto de Fernando Graça revela preocupação com funcionalidade, boa articulação espacial e com a privacidade dos setores (social, íntimo e de serviço). Modulou a planta com cerca de dois metros no sentido transversal do terreno e cerca de quatro metros no sentido longitudinal, princípio de racionalidade que facilitou a execução da estrutura e o desenho das esquadrias.39 (Figura 5). Para atender o amplo programa da residência e também liberar o máximo de área livre no terreno F. Graça desenvolveu o projeto em dois pavimentos: situou o setor social e o de serviço no térreo, levando o setor íntimo para o pavimento superior.

38

Arquiteto natural de Carangola, MG. Quando desenvolveu o projeto da residência Migliorini, Fernando Graça cursava o 4º ano como estudante de arquitetura da UMG (hoje UFMG). Para o desenvolvimento da proposta seguiu a orientação de D. Yovette Migliorini, esposa do comendador.

39

A medida de dois e quatro metros é aproximada já que aferida pela observação das fotos.


Definiu afastamentos e pátios com vegetação em todos os lados da construção, de modo a garantir o máximo de ventilação, iluminação e integração entre construção e área verde. 40 A garantia de privacidade conseguida nos setores íntimo e de serviço deve-se à criação de um vestíbulo social; deve-se também ao fato de que a área da escada funciona como um vestíbulo íntimo, ligando os dormitórios à cozinha e às demais dependências de serviço.41 5. Análise da residência migliorini a partir da questão do plano Fernando Graça opta por uma volumetria caracterizada por prismas retangulares. Articula tais prismas a uma composição assimétrica e marcada pelo forte caráter de horizontalidade. Confere certo destaque à estrutura. Faz questão de deixar evidenciadas as vigas que estruturam a construção; elas aparecem de modo marcante na fachada e fazem parte de um jogo compositivo onde cada elemento tende a comparecer de modo independente e plasticamente marcado. (Figura 5). É a este jogo compositivo que se articulam os planos (as paredes) da residência. Veja-se, por exemplo, as superfícies que definem a fachada principal; podem ser identificadas uma a uma. Há, por exemplo, o amplo plano envidraçado do estar, as duas superfícies de tijolo à vista, no hall

e no

estacionamento, e, para não citar todos os planos, a parede azulejada que delimita o escritório. (Figura 5) São elementos independentes, cada qual revestido de um material distinto; têm sua autonomia assinalada a partir do contraste cromático com os demais componentes da composição. Mas não só isso. A independência plástica de cada superfície é salientada pela sua posição no jogo compositivo e também pelo formato pregnante 42 : tais planos são 40

Explorou, aliás, diferentes paginações nos pátios e áreas livres, conferindo identidade a cada um.

41

O pavimento superior é formado pela área íntima, composta por uma suíte, quatro quartos, dois banheiros e um terraço.

42

Segundo a Teoria da Gestalt, formas pregnantes são aquelas que tem um formato facilmente reconhecível, podendo adquirir em função disso certo peso visual (capacidade de despertar nossa atenção). ARNHEIM, R e GOMES FILHO,J. 146


retângulos perfeitamente definidos, por vezes recuando em relação ao limite do volume, por vezes avançando.

Outro aspecto que reforça a integridade desses planos é o fato de que não ultrapassam o limite das vigas. Veja-se, por exemplo, a superfície azulejada que comparece na fachada. Neste caso, a integridade plástica deste elemento é salientada não só pelo fato de não ultrapassar a linha da estrutura; resulta do fato de que avança horizontalmente em relação ao limite da viga; tal independência plástica decorre também do fato de que possui uma textura e cor distintas dos demais elementos da composição (vigas e esquadrias).

No restante da residência, o mesmo raciocínio formal é utilizado. As venezianas dos dormitórios, por exemplo, constituem um amplo plano de madeira que se estende ao longo de todo o andar superior; ganham destaque em função do contraste com o branco das paredes e da laje de cobertura. (Ver Figura 6).

No interior da residência, chama à atenção a parede de madeira que separa dois setores do estar. O fato desta superfície se deter sob a viga reforça ainda mais sua integridade formal e faz com que apareça mais claramente enquanto uma superfície plasticamente autônoma.

Há também o plano azulejado que estrutura a escada. Trata-se de um elemento perfeitamente identificado: uma superfície plasticamente independente e que comparece como uma peça no jogo compositivo proposto por F. Graça.

Há ainda a superfície azulejada que organiza a circulação da área de serviço. Igual a outras paredes da composição, não ultrapassa a linha da viga, além de avançar em relação ao limite da fachada.


Figura 5 – Res. Migliorini: planta do térreo, reconstituída pelos autores a partir das fotos e com proporções aproximadas. Legenda: 1.Hall de entrada; 2.Estar social; 3.Estar íntimo; 4.Jantar; 5.Cozinha; 6.Área de serviço; 7.Dormitório de empregada; 8.Banheiro; 9.Escritório;10.Dormitório;11.Estaci onamento; 12.Varanda.

148



Figura

7

Residência

Migliorini.

Parede

revestida de azulejo, junto à área de serviço. Foto Luis E. Borda Figura 8 – Residência Migliorini. Parede revestida de madeira: estar íntimo no térreo. Foto Luis E. Borda. Figura 9 – Residência Migliorini. Azulejos utilizados no estar íntimo e nas varandas. Foto Luis E. Borda.

Por fim, há o revestimento de lambri especificado para a circulação do pavimento térreo (Figura 8). Funciona enquanto uma extensa superfície de madeira; rompe a idéia de volume, sensação que seria produzida se todas as paredes internas ao ambiente fossem da mesma cor e textura. Se até aqui analisamos de como modo a questão do plano comparece enquanto elemento da linguagem arquitetônica, resta considerar o resultado espacial da utilização da superfície enquanto recurso de projeto. Vê-se, nesse sentido, que é no térreo onde Fernando Graça explora de modo mais rico e contundente as possibilidades espaciais propiciadas pelos planos (paredes). Essas situações espaciais de maior riqueza são geradas junto à 150


parede de madeira do Estar e junto ao plano azulejado que F. Graça cria na área de serviço. A parede de madeira do Estar determina um circulação fluída, já que é um elemento solto no espaço da sala. É uma situação semelhante ao que se vê no Pavilhão de Barcelona (Mies van der Rohe, 1929), onde os planos geram um espaço fuído, sendo ao mesmo tempo elementos plasticamente autônomos. O mesmo acontece na parede azulejada que se vê na área de serviço. É um elemento que organiza a circulação, separa dormitórios e cozinha, ao mesmo tempo em que garante uma trânsito fluido. O fato de avançar em relação ao limite do volume acrescenta interesse plástico a esse elemento construtivo, ao mesmo tempo em que o destaca enquanto uma peça na composição. De modo mais contundente, vê-se esse mesmo raciocínio utilizado por Mies van der Rohe (Casa de Campo de Tijolos, 1923), quando cria grandes planos que avançavam para além dos limites do volume e geram diferentes áreas externas. No pavimento superior da Residência Migliorini as superfícies já não têm a mesma contundência espacial que no andar térreo. Por fim, vale considerar que um aspecto interessante do projeto da residência Migliorini é o fato de que a questão do plano é também levada para o desenho das cerâmicas de parede e piso. Fernando Graça optou por padronagens diversas, cada qual emprestando determinada identidade aos vários ambientes. Há por exemplo a cerâmica azul e branca que comparece na circulação do térreo e nas varandas. (Figura 9). Trata-se de uma forma plana, sinuosa, sobreposta a um fundo azul. Lembra os recortes realizados por Matisse nos anos 50, entre eles os da série Jazz (1947). Num dos banheiros do andar superior, F. Graça utiliza a idéia cubista da sobreposição dos planos.43 (Figura 6). São quadrados e retângulos de vários tons de azul: elementos planares, paralelos entre si e que criam uma idéia de profundidade não em função de perspectiva mas pelo fato de se situarem uns à frente dos outros.

43

Trata-se de um procedimento típico do Cubismo Sintético.


Por fim há a cerâmica marrom e branco que comparece no piso de um banheiro do andar superior. Neste caso F. Graça utiliza um desenho que, primando pela idéia de planaridade, resulta num efeito ótico de ambiguidade: as formas marrom ora são figura ora são fundo.

Conclusão Presente na arte e na escultura moderna, a questão do plano (ou da superfície) significou possibilidades plásticas que levaram não só a uma renovação da linguagem quanto a uma arquitetura espacialmente mais rica e complexa. Tendo por base as experiências pioneiras referentes a essa questão o então estudante de arquitetura Fernando Graça desenvolveu o projeto da residência Migliorini. O projeto revela que, para além das preocupações com a funcionalidade e a racionalidade do espaço, F. Graça explora a linguagem dos planos, investigando dentro disso as possibilidades expressivas dos vários materiais e texturas utilizados. O projeto não tem a contundência espacial que se vê em obras como as de um Mies van der Rohe. Contudo, tem qualidades inequívocas; revela um jogo compositivo marcante, de grande clareza e racionalidade tectônica, articulado ademais às possibilidades plásticas trazidas pelo plano moderno. Para além da qualidade arquitetônica do projeto, a virtude da proposta foi ter sido também uma das experiências pioneiras que trouxeram para a região do Triângulo e Alto Paranaíba as ricas possibilidades vinculadas ao desenho moderno. Resta considerar, por fim, que, se a preservação desta arquitetura não possível, acredita-se que o registro e a análise que aqui foram feitos sejam de interesse no sentido de pensar o desenvolvimento da arquitetura moderna na região em questão, bem como conduzir à preservação de obras modernas ainda existentes e de reconhecido valor cultural. Referências bibliográficas 152


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IGREJA ESPÍRITO SANTO DO CERRADO: A EXPERIÊNCIA DE LINA BO BARDI EM MINAS GERAIS Ariel L Lazzarin, Henrique V. S. Alves, Luiz C. Laurentiz, , Maria B. C. Cappello

Introdução

Na década de 1970 a cidade de Uberlândia já ultrapassava os 200 mil habitantes, apresentando um crescimento bastante desigual entre a área central e sua periferia, fruto de um desenfreado processo de especulação imobiliária. Este crescimento se deu principalmente através de um grande fluxo de imigração das cidades vizinhas para Uberlândia, surgido em decorrência do próspero desempenho econômico da cidade. A Igreja Espírito Santo do Cerrado se localiza no bairro Jaraguá, uma das diversas periferias pobres nascidas com a chegada destes imigrantes regionais.

Durante uma estada em Uberlândia a arquiteta Lina Bo Badi é convidada por Edmar de Almeida, Frei Egydio Parisi e Frei Fúlvio Sabia, em 1975, para desenvolver o projeto de construção de uma capela que atendesse à comunidade do bairro e às ordens dos Franciscanos e das Carmelitas de Pés Descalços. Sua construção foi fruto do trabalho coletivo da comunidade – através da criação de seu Conselho de Construção, eleito pelos moradores - e dos profissionais envolvidos, em regime de mutirão, inaugurando a igreja em 1981, toda executada com materiais e técnicas da região. Este modo de colaboração e diálogo entre os saberes erudito e popular, bastante recorrente no pensamento da arquiteta, aconteceu de modo bastante intenso se comparado às suas outras realizações pelo país, onde tal relação se deu em menor grau.

Nesta igreja Lina Bo Bardi realizou, a partir da própria História da Arquitetura e das necessidades dos habitantes do bairro, uma transformação no espaço sagrado, acompanhando a evolução da igreja com a nova colocação do espaço comunitário no corpo do edifício.

154


Documentação da Forma Arquitetônica O processo de catalogação das obras adotado pelo projeto de pesquisa supracitado inclui visitas aos edifícios e acesso a documentos históricos e trabalhos anteriores referentes aos projetos. Neste caso, pela importância do edifício, existe uma base documental satisfatória no que diz respeito ao projeto original, sendo possível organizar as informações necessárias para seu registro nos moldes propostos pelo grupo de pesquisa, possibilitando ainda o estabelecimento de comparativos com as condições atuais da igreja. O conjunto da Igreja é organizado em quatro cotas: a mais alta guarda a área de celebração, localizado na esquina entre a Avenida dos Mognos e Rua das Mangabeiras; no segundo nível foi implantada uma moradia para três religiosas e a administração; no terceiro, um salão para festividades e reuniões e no quarto nível, a quadra de futebol, que está localizada na esquina entre a Avenida dos Ipês e Avenida dos Mognos. Esta diferença de cota entre os três volumes e funções do edifício faz com que seja estabelecida Figura 1: Vista frontal da Igreja Espírito Santo do Cerrado Fonte: Arquivo Núcleo de Pesquisa em História da Arquitetura – FAURB UFU

uma hierarquia, onde a igreja está na cota mais elevada e com o maior volume. (Figura 1)

O programa é organizado em três volumes, conectados e em partido circular, acompanhando o desnível do terreno e criando movimento na fachada. O acesso à Igreja acontece pela Avenida dos Mognos, onde uma entrada principal distribui o fluxo para os três níveis. O volume central, onde se localiza a moradia das religiosas possui um pequeno claustro, para onde estão voltadas as janelas dos quartos (Figura 2). Na porção mais alta do terreno está localizado o campanário, no lado “leste” do corpo da igreja. Com a implantação do edifício em uma área limítrofe ao centro e em função da topografia local, obteve-se uma relação visual direta com parte da área central da cidade, a qual é avistada a partir do edifício. Esta situação, nos primeiros anos, ressaltava o distanciamento da periferia e o centro progressista de então. Hoje, após quase três décadas, esta paisagem distante se aproximou do contexto local, pois a expansão da periferia da cidade para sítios ainda mais


distantes transformou o bairro Jaraguá – onde é situada a igreja -, não mais sendo caracterizado como periferia, mas como região intermediária entre a área central e as bordas da cidade. Alguns

aspectos

do projeto

original

eliminados na execução ou durante a vida do edifício - evidenciavam a contextualização do edifício ao local, como a jardineira que circunda o telhado da igreja, que reservava lugar à vegetação do cerrado. Apesar das interferências, alterações, supressões ou mesmo da incompletude da execução do plano original, o conjunto mantém suas principais características arquitetônicas e programáticas.

Figura 2: Pátio interno da Igreja Espírito Santo do Cerrado Fonte: Arquivo Núcleo de Pesquisa em História da Arquitetura – FAURB UFU

O sistema construtivo utilizado para a edificação do conjunto é misto de alvenaria estrutural, concreto armado, madeira e aço. Foram utilizados materiais do próprio local: tijolo de barro e estrutura portante de madeira - aroeira da região. No interior da Igreja, sustentando a cobertura, foi adotado o sistema de estrutura de madeira em forma de pórtico e para o fechamento do edifício estrutura em concreto armado. A vedação é em tijolo maciço sem acabamento especial e sem reboco, a cobertura é de telha de barro do tipo “capa canal”, assentada sobre engradamento de madeira, e telha translúcida de vidro na região do altar-mor. O piso é em calçada portuguesa de um granito de cor avermelhada. A casa paroquial está edificada em alvenaria estrutural, o piso é em tabuado corrido e cimento queimado, as paredes internas receberam reboco pintado de branco. No salão de festa foi também adotado o sistema estrutural em madeira para a cobertura e bambu (substituído por aço e madeira) no fechamento e o piso em chão batido foi substituído por cimento queimado.

156


TRANSFORMAÇÕES Ao longo dos anos a estrutura da igreja sofreu uma série de intervenções, por razões de segurança, conservação, uso ou ainda alterações por motivações estéticas. Não existem registros documentais destas intervenções, as quais foram identificadas a partir de análises comparativas com o projeto original e relatos. Para melhor compreensão destas alterações, a análise se deu a partir da organização de três grupos, referentes a cada uma das áreas principais do edifício. No interior do espaço da nave foi aplicada massa sobre os tijolos aparentes e estes foram pintados de branco; foram fechadas as aberturas de ventilação e iluminação em toda a extensão da parede; foi construído um cômodo atrás do altar a partir do acréscimo feito no painel de tijolos ao fundo, revestido em massa e pintado com tinta branca; o piso foi pintado; o piso do altar de tijolos foi revestido com cimento queimado; houve instalação de luminárias; aplicação de placas de madeira na porta principal, antes treliçada; colocação de pilares em madeira para escoramento da cobertura que apresentava rachaduras e instabilidade estrutural (no inicio de 2008 foi realizada a substituição de peças da estrutura da cobertura e a retirada deste escoramento); instalação de caixas de som (Figura 3).

Figura 3: Interior da Igreja Espírito Santo do Cerrado Fonte: Arquivo Núcleo de Pesquisa em História da Arquitetura – FAURB UFU

A moradia, o volume central do edifício, teve seu uso substituído para administração da igreja, o que acarretou uma série de adequações nos espaços: a substituição da porta da administração; instalação de forro em madeira; colocação de divisórias na atual secretaria; novas instalações elétricas e adequação do subsolo. No salão foi feita a substituição do fechamento a meia altura de bambu por madeira roliça - do piso ao teto - e aço; o piso em chão batido foi revestido por cimento queimado. O campo de futebol teve a grama do campo substituída por piso em placas de concreto; houve o fechamento do terreno com muro e grade desde o antigo campo até o acesso principal; foi instalado guarda-corpo desde


o nível mais elevado até o acesso principal; a antiga entrada de serviço ao lado do campanário passou a ser utilizada como depósito e ainda, houve a construção de uma cobertura na área externa no nível do salão. Recentemente foi retirada toda a vegetação localizada no entorno do edifício.

A igrejinha hoje A mobilização pró-preservação e recuperação da Igreja Espírito Santo do Cerrado começou em 1994 a partir de estudos realizados pelos alunos do então Departamento de Artes Plásticas da Universidade Federal de Uberlândia, sobre a obra de Lina Bo Bardi, detectando que a Paróquia Divino Espírito Santo pretendia fazer uma reforma no conjunto arquitetônico e que o projeto já se encontrava nas mãos de um arquiteto da cidade. Após esses relatos, o Departamento de Artes entrou em contato como Instituto Lina Bo Bardi e P. M. Bardi propondo a vinda para Uberlândia da exposição de arquitetura de Lina Bo Bardi, na intenção de conscientizar a população do valor de sua obra na cidade e dar assim início, juntamente com o IAB - Núcleo Uberlândia, ao processo de tombamento da obra. A exposição aconteceu em 1995, realizando em sua abertura uma mesa redonda da qual participaram membros da comunidade, do IEPHA, do IAB – núcleo Uberlândia, do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi e da Universidade Federal de Uberlândia. Na ocasião foi ressaltada a importância da obra de Lina Bo Bardi na cidade. O tombamento foi oficializado pelo IEPHA/MG em 18 de março de 1997. Em 18 de março de 1996 foi realizado pelo Instituto Lina Bo Bardi juntamente com o pároco Rui Vieira, um documento contendo a discussão das seguintes propostas: projeto do salão paroquial para atender as necessidades do novo uso, ajuda do Instituto para o conserto dos telhados e estruturas de madeira e reconstituição do projeto original. O bairro Jaraguá não é mais o mesmo de quando a igreja foi construída. Muitos moradores são novos, as ruas possuem trânsito de veículos cada vez mais intenso e o projeto de Lina Bo Bardi permanece como centro de reuniões comunitárias. A igreja possui uma abrangência local forte, atendendo aos moradores e festividade do bairro. As celebrações continuam ocorrendo periodicamente, as três celas não são mais utilizadas como dormitórios. O campo é pouco utilizado para o esporte e isso se deve, em grande parte, à troca 158


da grama por piso. A maior parte das intervenções agride esteticamente o edifício, além de enfraquecer o caráter público e aberto original com as grades e muros. Após uma série de intervenções, a Igreja passou recentemente por um processo de restauração de sua estrutura, com a substituição de peças da estrutura de madeira da cobertura, acompanhada pelo órgão responsável (IEPHA). Atualmente, mesmo com seu tombamento, homologado em 09/05/97 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado de Minas Gerais IEPHA, a igreja vem sofrendo diversas alterações – descaracterizando seu projeto original – geralmente oriundas das transformações de seu uso e de seu entorno. Ainda, a ausência de uma manutenção adequada ao longo dos anos ocasionou diversos problemas construtivos, chegando a por em risco sua integridade física. Após reparos em sua estrutura, estuda-se a viabilidade da execução de um projeto para um anexo à obra desenvolvido pelos arquitetos Marcelo Ferraz e André Vainer, que estiveram envolvidos com o projeto original e construção da obra, uma vez que certos elementos nunca chegaram a ser construídos. Pretende-se assim, com este trabalho, identificar as transformações do edifício a partir do projeto original, da obra construída e das possíveis intervenções em desenvolvimento. É a conservação da espacialidade, materialidade e uso deste espaço que garante o cumprimento de sua função na comunidade. Análise O pequeno distanciamento histórico existente entre a contemporaneidade e o Movimento Moderno na arquitetura regional não exclui seu entendimento enquanto patrimônio histórico. Possibilita o estabelecimento de contatos com informações e referências importantes para a constituição de um banco de dados e entendimento deste processo na construção das cidades em estudo. Este registro de arquitetura a partir de um método de catalogação proporciona uma análise deste movimento em âmbito regional e consequentemente um estudo destas cidades no contexto nacional. No caso da Igreja Espírito Santo do Cerrado, sua inclusão nesse método faz com que seja estabelecida uma relação com o contexto da construção local


quando da sua elaboração. Desta forma podem ser verificadas, a partir do registro especificado, o impacto da obra naquele contexto, bem como a posição da sociedade e do “arquiteto” diante daquele momento histórico. São as análises de contexto, social, material e estética que determinam juntas o verdadeiro sentido da arquitetura e sua relação com o local e servem como base documental para o exercício da conservação da arquitetura enquanto documento histórico e agente de identificação cultural e social. Neste processo de levantamento de dados surgem diversos aspectos relevantes para uma análise crítica do processo de criação de vínculos com o determinado objeto de estudo, onde se encontram significativas condições para o momento atual da obra. Entre as ações desenvolvidas hoje e que possuem o edifício de estudo como acervo, se destacam produções de arte, as quais utilizam meios de expressão para apontamentos pertinentes a essa referência espacial na cidade de Uberlândia. Em um trabalho de performance, a artista Ana Reis encontra um universo de investigação sobre as tensões existentes frente ao espaço da Igreja Espírito Santo do Cerrado. Convertendo os registros do trabalho em vídeo, a artista levanta questionamentos junto ao depoimento de moradores do bairro em um processo de construção artística no próprio espaço investigado, o “Trajeto com Beterrabas” (2009). No vídeo de registros Ana Reis apresenta uma seqüência de moradores do entorno exteriorizando suas impressões sobre este lugar, considerando desde aspectos históricos até referentes ao uso contemporâneo do edifício. Seu Hélio, por exemplo, destaca a ausência do sino na estrutura sempre existente. Flávia, uma jovem, diz não conhecer uma história da Igreja, enquanto Denise, outra jovem relata a existência de um Padre e de um mutirão de construção, sem definições específicas de autores ou datas. Marília, não identificou nenhuma transformação no edifício ao longo dos anos. Dona Cícera, que viu a construção da Igreja, se conforma com o edifício construído, apesar de tantas outras igrejas “mais bonitas” existentes. Segundo ela, pela quantidade de madeira empregada na obra, se parece com uma “casa de índio”. Esta mesma senhora também relata não poder “pregar nenhum prego” dentro da igreja, afirmando que o local deve ser mantido em seu estado atual “para sempre”. Dona Lindalva relembra o início dos trabalhos em 11 de janeiro de 1978 e sua participação na limpeza do lugar. Esta mesma senhora afirma em 160


tom bem humorado que: “Aqui nós não reza é porque não quer viu. Falta de Igreja não é não.” Beth conta ter perdido a visão voltando da Igreja e afirma a existência de modificações realizadas naquele lugar. Relatos como esses existentes na obra de Ana Reis, contribuem diretamente para a construção de um panorama das condições atuais da Igreja, não somente no âmbito material, mas também das forças sociais agentes sobre esta obra que coexiste às significações do imaginário coletivo local. Este trabalho, ao relatar o desenvolvimento desta obra, discute a existência da igreja não apenas como objeto de valor arquitetônico exemplar, mas sim como elemento estruturador de uma realidade histórica específica. Embora a discussão sobre a necessidade de seu restauro seja de suma importância para sua preservação e para o estudo da obra de sua autora, ainda mais delicadas são as relações entre a edificação e seu entorno atual, suas contradições e as demandas sociais dos diversos agentes envolvidos em sua história – comunidade, Igreja Católica, arquitetos e órgão públicos de cultura e preservação. Se a própria preservação depende destas relações, até que ponto a busca pelo projeto original é vital para a conservação do edifício? Ainda, em face do iminente restauro - onde certos caracteres perdidos serão reconstruídos e outros serão construídos pela primeira vez – é de suma importância a discussão sobre onde se localizam as fronteiras do patrimônio histórico e artístico, suas relações internas e as relações entre o objeto e a sociedade que o produziu.

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A DESCARACTERIZAÇÂO DE EXEMPLARES DA ARQUITETURA MODERNA NA CIDADE DE UBERLÂNDIA Maria Fernanda Zumpano França / Maria Beatriz Camargo Cappello

Introdução Em 1947, pela primeira vez no mundo, foi garantida a preservação através da tutela legal de uma obra da arquitetura moderna, a Igreja de São Francisco da Pampulha,44 em Belo Horizonte, obra do arquiteto Oscar Niemeyer. Com os tombamentos nasceu a preservação do patrimônio moderno no Brasil e a certeza de que, com isso, esses monumentos históricos não seriam desfigurados para as gerações futuras. (PESSOA, 2006) A primeira fase de tombamento de obras modernas tinha por objetivo salvaguardar edifícios ameaçados de destruição45, enquanto a fase posterior tinha o intuito de reconhecer os marcos iniciais da arquitetura moderna brasileira46. Ainda assim, com o tombamento de alguns exemplares modernos, o patrimônio protegido é muito pequeno diante da produção da arquitetura moderna no país. (PESSOA, 2006) O presente trabalho tem como objetivo mostrar como parte do patrimônio moderno da cidade de Uberlândia foi desfigurado, graças a sua falta de proteção e a falta de conscientização dos proprietários dessas obras modernas e dos arquitetos responsáveis pelas reformas, que não entenderam a importância das características dessa obras, entendendo que o projeto ficaria melhor de outro modo. O intuito é analisar as mudanças feitas, devido a um mal projeto de reforma, que pioraram a obra e sua imagem na cidade, sem necessidade.

44

A primeira proposta de tombamento de obra moderna já havia sido feita, em 1944, para o prédio do Ministério da Educação e Saúde. Com o tombamento da Igreja São Francisco foi autorizado o andamento do processo e o conseqüente tombamento do Ministério. (PESSOA, 2006) 45

Exemplos dessa primeira fase são: a Igreja de São Francisco da Pampulha, em Belo Horizonte; o prédio do Ministério da Educação e Saúde e a estação de hidroaviões, ambos no Rio de Janeiro; entre outros. (PESSOA, 2006) 46

Exemplos dessa segunda fase são: o conjunto de edificações de Oscar Niemeyer na Pampulha, em Belo Horizonte; o Plano Piloto de Brasília; entre outros. (PESSOA, 2006) 164


Para cumprir com seu objetivo, o trabalho foi estruturado da seguinte maneira: em um primeiro momento são mostrados os materiais e métodos que tornaram esse trabalho viável; em um segundo momento são apresentadas as discussões e os resultados dessa pesquisa. Nesse segundo momento é apresentada uma contextualização histórica do modernismo na cidade de Uberlândia que possibilita entender como se deu o processo de inserção da arquitetura moderna na cidade e quais foram os agentes desse processo. Posteriormente, são

apresentadas

algumas

dessas

obras

que

foram

claramente

descaracterizadas devido a falta de conservação e entendimento de como o projeto foi pensado e os valores que trazem esses projetos modernos, dos arquitetos: João Jorge Coury, Elifas Lopes Martins e Sylvio de Vasconcelos. As obras são analisadas mostrando um paralelo entre o projeto original e a situação atual de cada uma delas. Por fim, é apresentada a conclusão do trabalho, mostrando uma análise geral dos projetos analisados e a importância da pesquisa como parte do processo de documentação da arquitetura moderna e de conscientização do seu valor.

Materiais e Métodos A pesquisa realizada tem como objetivo mostrar como algumas edificações modernas foram sendo alteradas ao longo dos anos descaracterizando o conjunto arquitetônico da cidade que passa de uma linguagem da arquitetura moderna para uma não arquitetura.. A idéia não é mostrar um patrimônio depredado fisicamente, mas sim um patrimônio que perdeu sua essência arquitetônica baseada no conceito moderno e como as mudanças poderiam ter sido feitas de outra maneira baseando-se num bom projeto de reforma. Essa pesquisa faz parte de outra ainda maior relacionada a documentação e análise de obras da arquitetura moderna na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba47. Essa ampla pesquisa está sendo realizada ao longo de dois anos por uma equipe de professores e alunos de graduação orientados por eles e

47

Pesquisa: “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação”, desenvolvida pelo Núcleo de teoria e história da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – UFU. Web site para acesso: http://www.faurb.ufu.br/doc_moderno/index_docomomo.html.


contemplados com bolsa de Iniciação Científica, com auxílio das instituições CNPq, FAPEMIG e UFU. Na primeira etapa dessa pesquisa foi feito em reconhecimento da arquitetura moderna na cidade de Uberlândia48 e estudos sobre a arquitetura moderna, em geral. Posteriormente, foi feita uma identificação dos exemplares modernos da cidade que se encontram descaracterizados, e então, foram selecionados alguns mais relevantes. A seleção foi feita baseada na observação das obras de arquitetos importantes para cidade, que tiveram destaque na inserção do movimento moderno e na formação de uma identidade arquitetônica moderna na região. Através das comparações de alguns projetos originais com a situação na qual se encontram atualmente, foi possível perceber como pequenas modificações ao longo de vários anos Podem resultar numa alteração total da linguagem pensada para o projeto.

Resultados e Discussões - Contextualização histórica: O modernismo na cidade de Uberlândia e seus precursores A cidade de Uberlândia encontra-se num ponto privilegiado do território nacional, conta com uma malha rodoviária e ferroviária que liga as regiões Sul, Norte e Nordeste ao Centro-Oeste do país, o que a tornou um ponto de passagem obrigatório e garantiu seu desenvolvimento econômico nas primeiras décadas do século XX49. Nesse período a cidade se mostrava para o restante do país, caracterizando-se como uma cidade moderna e bem desenvolvida. Com esse discurso

48

O reconhecimento foi feito através de leitura sobre bibliografia específica, levantamento em arquivos, visitas nas cidades, passeios pela cidade de Uberlândia e através da elaboração do web site desenvolvido pela pesquisa de documentação e análise de obras da arquitetura moderna na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. 49

Em 1957, Uberlândia viveria um crescimento ainda mais significativo com a implantação da nova capital do país, quando passaria a fazer parte da rota de ligação de Brasília com São Paulo e Rio de Janeiro. (AZEVEDO; 1998) 166


progressista, Uberlândia chamou a atenção de grandes investidores que acabaram indo para a cidade. Com essa imagem de cidade promissora Uberlândia recebe, na primeira década do século XX, grande quantidade de construtores e, a partir de então, se estabelece economicamente. A construção civil passa a ser fonte de riqueza da cidade, juntamente com o comércio. A primeira empresa a instalar-se na cidade foi a “Empresa Uberlandense de Imóveis”, do empresário Tubal Vilela da Silva50. Em 1957, essa empresa constrói o primeiro arranha da cidade, o Edifício Tubal Vilela. Segundo AZEVEDO, a proposta do Edifício “responde ao conceito de moderno e progressista imposto pela cidade”. “A proposta de estrutura independente em concreto armada, foi inovadora para a região. Os materiais de acabamentos utilizados, pastilhas, granítica, fazem parte do vocabulário moderno”. Uma vez que a cidade estava em desenvolvimento e se expandindo pelo seu território, a arquitetura e o urbanismo ganharam espaço de expressão. Com a vinda de João Jorge Coury para a cidade, em 1940, essa expressão passa a ter uma linguagem moderna. João Jorge Coury foi uma figura importante para a cidade, nasceu em Abadia dos Dourados, MG, em 25 de novembro de 1908. Coury era um intelectual e mantinha contato com intelectuais, seu escritório era um ponto de encontro, de discussões acerca de questões políticas, sociais e culturais. O arquiteto tem uma produção extremamente diversificada, tanto em tipologia quanto em locais e cidades, além disso, teve uma grande atuação no espaço urbano. Inseriu uma arquitetura moderna numa sociedade que ainda não a reconhecia e com isso, acabou despertando o olhar de muitos para a profissão. A residência Alfredo Fonseca Marquez, analisada nessa pesquisa, é projeto do arquiteto. Outro mineiro de destaque para a cidade foi Sylvio de Vasconcelos, engenheiro-arquiteto, nascido em Belo Horizonte, MG, em 1916, e formado em 1944, na mesma escola de Coury, a Escola de Arquitetura de Belo Horizonte, com medalha de ouro por média excepcional. Sylvio esteve sempre presente e 50

Em 1950, o empresário torna-se prefeito da cidade e incentiva seu crescimento urbano. (AZEVEDO; 1998)


atento a todo o movimento de afirmação da arquitetura moderna no país. Em Belo Horizonte ele foi um de seus grandes defensores, juntamente com nomes como os de Eduardo Mendes Guimarães Jr., Raphael Hardy Filho e outros. Destacou-se em suas atividades como professor, pesquisador e ensaísta, mas também elaborou um número significativo de projetos, em sua maioria residências, alguns edifícios de apartamentos e outros projetos construídos em Belo Horizonte e em cidades próximas. Como estudo de caso dessa pesquisa, temos a Residência Bolivar Carneiro, de sua autoria. Além dos preceitos modernos, sua carreira foi influenciada de forma marcante pela sua formação histórica, o gosto pelo nosso passado, pelas coisas de Minas, o conhecimento da nossa arquitetura colonial; traduzindo todas essas influências nos seus projetos, que emanam clareza, demonstram o seu talento, a riqueza de idéias criativas, que dão um ar todo particular à sua arquitetura. Alguns jovens da cidade que se tornaram arquitetos graças à influência de Coury, retornaram para Uberlândia e também tiveram um papel relevante na construção arquitetônica da cidade e na sua difusão. Um desses exemplos é Paulo de Freitas, que estudou na Faculdade de Arquitetura de Mackenzie, em São Paulo, por quatro anos e depois retornou para Uberlândia, no início dos anos 60. De volta à cidade, Paulo de Freitas teve o interesse e a iniciativa de desenvolver

o

ensino

de

arquitetura

na

cidade

51

,

além

de

atuar

profissionalmente através da produção de alguns exemplares modernos. Seus projetos destacam-se na paisagem urbana e reafirmam os princípios modernos. De acordo com LAURENTIZ, “Em sua temporada paulista, como recém – formado, Paulo de Freitas só fez arquitetura residencial uni familiar. Quando estudante teve estreita ligação com o ideário e o repertório das primeiras gerações modernas nos três anos de estágio com o arquiteto tcheco Adolf Franz Heep. Era também freqüentador de papos e rodas com os estudantes da FAU/USP e os mestres Vilanova Artigas e Eduardo Corona”. Nos anos 70, outro nome se destaca no cenário arquitetônico Uberlandense, o nome de Elifas Lopes Martins, arquiteto goiano formado em 1968 pela Universidade de Brasília, mas que só começou a atuar na cidade em 1970, após 51

Com a ajuda de outros nomes como Harley Simão e Paulo Henrique Carrara Arantes, o arquiteto fundou o curso de artes na Universidade Federal de Uberlândia, em 1972. (LAURENTIZ; 1993) 168


um período de estadia na Inglaterra. A obra desse arquiteto diferencia-se das dos pioneiros João Jorge Coury e Paulo de Freitas, aproximando-se mais da linguagem arquitetônica moderna paulista. (LAURENTIZ, 1993) Segundo AZEVEDO, “Historiar o contexto uberlandense, através dos seus arquitetos, é fazer um conto da cidade de todos os cantos. Uma cidade que recebeu arquitetos formados em várias localidades do Centro-Sul”. Apesar disso, Uberlândia conseguiu criar uma identidade cultural própria e por isso descaracterizar as obras modernas da cidade é o mesmo que desvalorizar sua identidade cultural. O arquiteto da cidade deve manter “um olho no passado, outro no futuro e o pensamente no presente” (LAURENTIZ, 1993, p. 84). Dessa forma, a arquitetura moderna será preservada e a identidade de uma época afirmada.

Análises das Residências Modernas Residência Bolivar Carneiro (1956) Projetada em 20 de julho de 1956, pelo arquiteto Sylvio de Vasconcellos, a Residência Bolivar Carneiro situa-se na Avenida João Pinheiro, 573, na cidade de Uberlândia, Minas Gerais. Inserida em um terreno de 924,00 m 2, em sua proposta original a residência ocupava apenas 190,14m2 do mesmo e possuía uma área total de projeto de 307,34m2. A implantação da residência foi feita com afastamentos de todos os lados, sendo o frontal de 8 metros e apenas a laje de cobertura do abrigo, situada na lateral direita, toca o muro limite. (Figura 01)

Figura 01: Fachada Original – Res. Bolivar Carneiro Fonte: Cíntia Lopes


A residência é o único exemplar edificado

de

Vasconcellos

na

Sylvio

de

cidade.

No

projeto, o arquiteto “utiliza um conceito e uma linguagem plástica moderna, um partido de planta funcional,

com

volume

frontal

marcando toda a extensão lateral do terreno”. (AZEVEDO, 1998, p. 63). O partido de planta funcional é claramente

notado

Figura 02: Planta Original – Res. Bolivar Carneiro Fonte: Cíntia Lopes

pela

organização dos espaços: a área íntima é isolada devido a utilização de um volume superior fragmentado; os ambientes são interligados proporcionando uma ampliação e melhor articulação dos espaços; a circulação é solucionada de forma a permitir a setorização dos espaços; a relação interior-exterior é enfatizada pelo uso de grandes panos de vidro; (Figura 02) e os planos verticais com revestimento de pedra fazem a ambientação, no caso do plano frontal exterior, funciona como elemento estético inibidor da visibilidade. Cada detalhe do projeto foi bem planejado, destacam-se os lustres, que foram desenhados pelo autor e diferenciam-se um dos outros, além dos puxadores do armário e dos degraus da escada, que foram detalhados pelo arquiteto. Os degraus foram pensados de forma que a escada ocupasse menos espaço, característica de uma racionalização dos espaços presente na arquitetura moderna. (Figura 03) Esse detalhamento da obra é características da forma de projetar

de outros arquitetos modernos,

preocupados com a execução da obra e detalhes de acabamento.

Figura 03: Detalhe – Lustre, Puxador do Armário e Degrau da Escada – Res. Bolivar Carneiro Fonte: Maria Fernanda Zumpano

170


Quanto a sua volumetria, o projeto da residência apresenta uma planta térreo em forma de “L”, estando nesse pavimento as áreas de serviço e social e um pavimento superior, em apenas um dos corpos que compõe o “L”, que se desloca um pouco à frente em relação ao pavimento superior, onde se encontra a área íntima da residência. (LOPES, 2002).

Com relação ao sistema construtivo, a residência foi construída em concreto armado, formada por uma malha de pilares, vigas e lajes, nesse material, além do fechamento em alvenaria. O construtor responsável pela obra foi o Engenheiro Luiz Antônio Rocha e Silva e o executor do projeto de cálculo foi o engenheiro Haroldo Campos.

Todas as características citadas fazem dessa obra, uma arquitetura moderna, no entanto, parte delas foi perdida ao longo dos anos. Além disso, o projeto executado se distingue do planejado. Acredita-se que o arquiteto tenha realizado

o

projeto

sem

visitar

o

local

e,

conseqüentemente, sem ter o conhecimento da topografia do terreno. Logo, como o terreno apresenta grande desnível e o projeto foi pensando baseando-se num terreno plano, foi necessária a construção de um novo volume, abaixo do nível térreo. O acesso à esse pavimento se dá por uma escada edificada na lateral esquerda, onde encontra-se a lavanderia, o depósito e uma porta de acesso ao estacionamento, localizado ao fundo do Figura 04: Planta Projeto Construído – Res. Bolivar Carneiro Fonte: Cíntia Lopes

terreno. Ao lado deste, no mesmo nível inferior, foi criado um caramanchão, abaixo do qual foi construída uma mesa de alvenaria para refeições ao ar livre. (Figura 04)

A diferença entre projeto original e projeto construído já se mostra como uma pequena descaracterização da obra, uma vez que o subsolo construído não possui as características próprias de Sylvio de Vasconcellos, configurando-se como um espaço fechado, com ventilação e iluminação inadequadas, sem um cuidado espacial e plástico. Além disso, o acesso ao subsolo utiliza de materiais diferentes dos utilizados no restante da residência.


Outra alteração no momento de construção da residência, também causada devido a declividade do terreno, foi a criação de um terraço no pavimento térreo. Essa intervenção segue o partido do restante da residência, mantendo a relação interior-exterior presente no projeto. (Figura 05) No que diz respeito ao uso do espaço, temos que a obra foi construída

para

ser

uma

habitação

unifamiliar

e,

atualmente, abriga um espaço comercial. Desde agosto de 1998, o imóvel está alugado para a empresa de consultoria imobiliária, Módulo Imóveis. Devido a isso, para adaptação de uso, foram feitas algumas alterações na planta,

Figura 05: Imagens terraço – Res. Bolivar Carneiro Fonte: Maria Fernanda Zumpano

alterando a função dos espaços e até mesmo criando novas áreas. No pavimento térreo, a maioria dos espaços tornou-se áreas de atendimento aos clientes da empresa. Para integração de todos esses espaços foram retiradas duas paredes internas, uma que dividia escritório e sala de estar, e outra que dividia sala de jantar e copa. A parede de pedra que dividia sala de jantar e sala de estar foi retira em parte. (Figura 06) O plano vertical com revestimento de pedra na fachada frontal foi retirado. A visibilidade que, num primeiro momento, deveria ser obstruída, por se tratar antes de uma residência, agora deveria ser permitida, uma vez que, por se tratar de uma empresa, ela é necessária para atração de clientes. Outra alteração na fachada foi a colocação de brises horizontais metálicos nas janelas do pavimento

Figura 06: Planta mostrando as paredes internas retiradas, destacando em foto a área da antiga sala de jantar e da antiga copa, com a divisão atual – Res. Bolivar Carneiro Fonte: Cíntia Lopes e Maria Fernanda Zumpano

superior. (Figura 07) O jardim frontal presente no projeto original foi retirado, em seu lugar foi implantado um estacionamento e o desnível, antes suave, agora é reforçado. Dado a implantação desse estacionamento, a mureta e o gradil, elementos de delimitação do lote em relação à rua, foram retirados. (Figura 08) 172


Outra intervenção marcante foi no que diz respeito ao acesso ao pavimento superior, que antes era possível de duas maneiras, um acesso pela sala de estar e outro acesso pela copa. Atualmente, esse acesso se dá apenas pelo espaço onde era a copa, uma vez que o outro acesso foi tampado com alvenaria. O acesso duplo era um fator bem planejado pelo arquiteto, permitia que os moradores e empregados da residência pudessem acessar o pavimento superior sem ter que passar pela área social, fator esse que perde o sentido, se tratando agora de um espaço empresarial bem integrado. Figura 07: Comparação – Fachada original e fachada atual – Res. Bolivar Carneiro Fonte: Patrícia Pimenta e Maria Fernanda Zumpano

(Figura 09) Em 2000, foram criados dois volumes anexos à lateral direita da edificação, nos fundos e no mesmo nível do pavimento inferior. Esses volumes abrigam a sala de manutenção e um banheiro, e não dialogam com o restante da residência. Com esse novo elemento, a volumetria geral da edificação foi prejudicada, a planta em “L” foi desfigurada, além disso, o gabarito, a implantação, o acesso e a estética desse anexo se diferenciam do observado no projeto. O terraço no nível térreo, que antes dava uma vista privilegiada ao pátio dos fundos, agora, tem parte dessa vista bloqueada pela cobertura do anexo criado.

Figura 08: Comparação – Jardim frontal original e como se encontra atualmente – Res. Bolivar Carneiro Fonte: Patrícia Pimenta e Maria Fernanda Zumpano

A residência recebeu modificações que poderiam ter seguido a mesma linguagem do restante da obra, ou até mesmo, poderiam ter sido evitadas. A parede de pedra da fachada poderia ter permanecido ali, pois permitia a visibilidade de parte da área interna do imóvel. O acesso duplo ao pavimento superior também poderia ser preservado, uma vez que a presença de funcionários em todas as áreas dá edificação permite um controle de quem acessa a área superior, sem que seja necessário o bloqueio desse acesso. Os anexos criados eram necessários, no entanto, não dialogam com o restante da residência, o que poderia ser conseguido com um projeto bem elaborado através de estudos da obra. Essa residência, assim como as demais que serão analisadas, continha características importantes para a constituição da arquitetura moderna na

Figura 09: Comparação – Acesso ao pavimento superior pela sala de estar e acesso único atual. Fonte: Patrícia Pimenta e Maria Fernanda Zumpano

cidade o da arquitetura moderna, pois seus elementos eram características desse conceito e fazem parte do modo de projetar do arquiteto.


Residência Alfredo Fonseca Marquez (1956) A Residência Alfredo Fonseca Marquez é obra do arquiteto João Jorge Coury e foi projetada em 16 de novembro de 1956. A obra localiza-se na Avenida João Pinheiro, implantada num terreno de 229,67m2, ocupando 154,25m2 desse. A construção da edificação também ficou a cargo do arquiteto. (Figura 10)

Figura 10: Croqui Fachada Original – Res. Alfredo Fonseca Fonte: Maria Fernanda Zumpano

Como já foi dito, João Jorge Coury foi uma figura importante para a inserção da arquitetura moderna na cidade de Uberlândia, e a Residência Alfredo Fonseca Marquez é parte dessa arquitetura. O projeto original possui uma planta funcional bem definida, a área social encontra-se no pavimento térreo, enquanto a área íntima é isolada no pavimento superior. Na área social há um elemento de destaque no projeto original, uma área de refeição ao ar livre com um painel decorativo. O nível térreo não é plano, sendo que a distribuição dos espaços se dá ao longo de uma rampa que dá acesso também ao nível superior. (Figura 11) Há o uso de elementos vazados na fachada, que possui pequenas aberturas, proporcionando a relação visual interior-exterior da sala com o jardim frontal, e acessos do dormitório e do hall a varanda do pavimento superior. Além disso, destaca-se na fachada a vegetação presente ao longo de toda essa varanda que se mistura com as plantas de médio porte presentes no jardim frontal. 174


Figura 11: Croqui Planta Original – Res. Alfredo Fonseca Fonte: Maria Fernanda Zumpano

A residência, em seu projeto original, possui dois volumes retangulares distintos, um maior, no nível térreo, e outro menor, no nível superior. Essa diferença de tamanho dos dois volumes permite que haja uma relação visual interior-exterior de dois dormitórios com a área de refeição ao ar livre. Ao longo dos anos várias alterações ocorreram no projeto da residência. A mudança de uso da edificação foi o principal fator que levou a essas mudanças. Atualmente, a edificação é utilizada como uma escola, a Universidade Corporativa, portanto a maioria dos cômodos funciona como salas de aula. Além das alterações no projeto original, é importante destacar que houve o acréscimo de um pavimento na edificação. O acesso a esse pavimento é independente e o seu uso não está relacionado ao restante da edificação. A grade que existia no limite entre lote e calçada, protegendo o jardim frontal, foi retirada, e esse jardim, também já não existe mais. A volumetria foi alterada devido à implantação de um novo pavimento e muito se perdeu na fachada com a retirada da vegetação, tanto do jardim quanto da varanda do segundo pavimento. (Figura 12)


Com relação à área interna, o abrigo foi fechado e se tornou uma recepção. A sala da residência se tornou sala de espera, o acesso a esse espaço, que antes se dava de duas formas, atualmente é dado apenas pela recepção, sendo que o outro acesso encontra-se bloqueado com vedação em vidro fixo. Esse outro acesso era feito pela copa, que atualmente funciona como um laboratório de computadores. O acesso à copa, feito no projeto original pelo abrigo, foi bloqueado com alvenaria. Atualmente, a recepção dá acesso a um pequeno corredor que

Figura 12: Fachada Atual – Res. Alfredo Fonseca Fonte: Maria Fernanda Zumpano

leva ao laboratório de computadores, aos banheiros 52 e à rampa. Havia, no projeto original, apenas meia parede que dividia copa e cozinha. Essa parede foi totalmente preenchida, tornando o espaço da cozinha inutilizável e um dos acessos a essa área, dado por uma porta criada nessa parede, encontra-se bloqueado por um mobiliário. A alteração mais significativa nessa residência foi na área de refeições ao ar livre. Essa área foi coberta e o painel que integrava esse ambiente deixou de fazer parte dessa área para fazer parte de um pequeno corredor criado nesse espaço. A integração das artes é uma das características de destaque da arquitetura defendidas

moderna pelos

nossos

brasileira, arquitetos

modernos, como Lucio Costa, Niemeyer, Rino Levi e outros, observada nessa residência. O corredor criado, onde se encontra o painel, se divide em dois espaços e assim, sem nenhum respeito pela obra de arte ali encontrada, foi colocada uma parede danificando o painel e dividindo-o ao meio. Dessa área coberta se tem acesso a área da antiga cozinha, como já dito, não utilizada atualmente e a um banheiro criado nessa

Figura 13: Croqui Planta Atual – Res. Alfredo Fonseca Fonte: Maria Fernanda Zumpano

área. (Figura 13)

52

O banheiro que existia na copa foi dividido em dois. 176


No segundo pavimento, o hall foi fechado e se tornou uma sala. Todos os dormitórios tornaram-se salas de aula e em um deles foi criado um banheiro. Os dois banheiros desse pavimento se diferenciam bastante no que diz respeito ao tipo de revestimento usado. Fica claro que um deles foi construído Figura 14: Banheiro original do pavimento superior – Res. Alfredo Fonseca Fonte: Maria Fernanda Zumpano

posteriormente. (Figura 14) Como alteração marcante no projeto, vale destacar também, a pintura da fachada, que foi alterada várias vezes ao longo dos anos. A residência, assim como a maioria das obras modernas, tinha sua fachada pintada numa cor clara. Devido à mudança de uso e a necessidade de atração de clientes, essa cor foi alterada e a fachada recebeu cores mais vibrantes. (Figura 15) As alterações mais significativas nessa residência poderiam ter sido evitadas se tivessem feito um projeto de reforma consciente em relação às características preexistentes. A vegetação existente na varanda do segundo pavimento poderia ter sido mantida, em seu lugar há apenas o logotipo da escola, que poderia ocupar outra área da fachada. A recepção, um espaço antes aberto, poderia ter seu acesso com esquadrias semelhantes ao restante da residência para que seguisse uma mesma linguagem de projeto. O laboratório de computadores que ocupa o espaço da antiga copa, deixando o espaço da cozinha inutilizável, poderia ocupar toda a área. A implantação do terceiro pavimento foi pensada de uma forma que sua

Figura 15: Comparação – Fachada original e fachada no ano de 2008. Fonte: Patrícia Pimenta e Maria Fernanda Zumpano

volumetria se encaixasse na do segundo pavimento, portanto seria possível que a área de refeições ao ar fosse mantida descoberta. Além disso, o painel poderia continuar a fazer parte dessa área, mesmo coberta, afinal o corredor criado nessa área, onde está o painel, não tem nenhuma função. Com relação ao segundo pavimento, seria possível a mesma disposição de ambientes da habitação para a escola, não sendo necessário o fechamento do hall, nem mesmo a implantação de um banheiro, dentro da sala de aula. As modificações nessa residência, assim como na residência Bolivar Carneiro já analisada, ambas localizadas na Avenida João Pinheiro, descaracterizam uma avenida da cidade que teve vários exemplos da arquitetura moderna na cidade.


Residência Nelson Vasconcelos (1970) Construída em 1970 por Elifas Lopes Martins, a Residência Nelson Vasconcelos caracteriza-se pela composição a partir de volumes retangulares integrados. Localizada na Rua Olegário Maciel com a Rua Johen Carneiro, em um terreno de 224,42m2, ocupando 150.95m2 dele, a residência acontece em dois níveis, aproveitando o desnível do terreno. (Figura 16)

Figura 16: Fachada Original – Res. Nelson Vasconcelos Fonte: Núcleo de pesquisa em teoria e historia da arquitetura e urbanismo da FAUeD – UFU

Em seu projeto original, a planta da residência configura-se da seguinte forma, o acesso principal à área social, no nível superior, dá em um pequeno hall que leva a uma sala, a copa e a cozinha. Da cozinha se tem acesso ao corredor de circulação, que leva aos três dormitórios, ao banheiro, à área externa e à um acesso ao nível inferior. Também se tem acesso direto ao pátio da residência, na área externa, pela cozinha. No nível inferior há uma área de serviço, uma sala de costura, um banheiro e uma garagem, cuja entrada se dá pela Rua Johen Carneiro através de um portão. (Figura 17) Apesar de o terreno ser pequeno, Elifas conseguiu elaborar um espaço bem resolvido, com um arranjo de ambientes

que

proporcionaram

uma

integração entre eles. Além da organização espacial dessa residência, é importante destacar a sua escala. Todos os objetos que a compõem seguem a escala do homem deixando tudo ao alcance fácil das mãos do usuário da casa com espaços funcionais e equipamentos domésticos

Figura 17: Croqui Planta Original – Res. Nelson Vasconcelos Fonte: Maria Fernanda Zumpano

bem resolvidos como armários. O destaque dessa obra é a sua volumetria que proporciona uma composição de fachada clara com seis volumes e às esquadrias que se apresentam 178


discretamente com desenho próprio para o edifício e localizadas em pontos que permitem entrada de luz e conforto térmico adequado. Esses volumes puros e fechados se fecham para fora e se abrem para dentro da residência, criando uma diferente forma de contato com o seu entorno. Com relação ao sistema construtivo, a residência foi construída em estrutura de concreto com vedação em alvenaria, esquadrias metálicas com um desenho exclusivo e cobertura em platibanda. (Figura 18) Além do detalhe da esquadria, destaca-se também o projeto de armários embutidos nos quartos e cozinha que influenciam na forma do edifício e propiciam o uso racional e funcional do espaço interno, caracterizado pela articulação de funções bem resolvidas. (Figura 19)

Figura 19: Detalhe – Esquadria e Armário – Res. Nelson Vasconcelos Fonte: Núcleo de pesquisa em teoria e historia da arquitetura e urbanismo da FAUeD – UFU

Figura 18: Volumetria Original – Res. Nelson Vasconcelos Fonte: Núcleo de pesquisa em teoria e historia da arquitetura e urbanismo da FAUeD - UFU

A residência recebeu, há aproximadamente dez anos, um novo uso, abriga desde então os escritórios de duas agências de comunicação. Com essa mudança, ocorreram algumas alterações na edificação. A mais expressiva delas foi a troca da cobertura com a inserção de um telhado aparente, com telhas de fibrocimento, e aumento da platibanda, o que gerou “uma conseqüente mudança na fachada com o rompimento da volumetria pura que é uma das principais características do projeto”. Segundo o atual proprietário da residência, essa mudança foi necessária devido a problemas de infiltrações que vinham ocorrendo. (Figura 20) Figura 20: Simulação fachada com cobertura original e fachada atual – Res. Nelson Vasconcelos Fonte: Maria Beatriz Camargo e Maria Fernanda Zumpano


Houve alterações no espaço da cozinha, ele deixou de ser interligado ao espaço da copa, sendo colocada entre esses espaços uma porta de MDF com fórmica. A cozinha também perdeu alguns dos elementos fixos que compunham esse espaço, como a bancada e a pia. A área da cozinha foi aumentada, sendo anexado a ela, o espaço da antiga entrada de serviço, que não funciona mais como um acesso, uma vez que passou a fazer parte da área interna da residência. (Figura 21)

Figura 22: Fachada atual com destaque nas alterações descaracterizantes – cobertura, vedação do acesso, inserção de ar condicionado e luminárias – Res. Nelson Vasconcelos Fonte: Maria Fernanda Zumpano

Figura 21: Comparação – Área copa/cozinha original e atualmente – Res. Nelson Vasconcelos Fonte: Maria Fernanda Zumpano

A alteração da cobertura e a vedação do acesso exterior à cozinha, juntamente com a inserção de um ar condicionado na área da cozinha e de luminárias fixadas na parede externa da residência, desconfiguraram a fachada frontal, afinal, os dois planos puros já não se caracterizam como tal. (Figura 22) Essa desconfiguração também ocorre na fachada da Rua Johen Caneiro. Nessa, a cobertura e a inserção de alguns ares

Figura 23: Comparação – Fachada Rua Johen Carneiro original e como se encontra atualmente – Res. Nelson Vasconcelos Fonte: Maria Fernanda Zumpano

condicionados nas áreas dos dormitórios são, mais uma vez, os responsáveis pela descaracterização. (Figura 23) A garagem, mostrada nessa fachada como uma possibilidade de acesso, encontra-se vedada interiormente por uma parede, e funciona atualmente como um estúdio. (Figura 24) Figura 24: Garagem vedada interiormente – Res. Nelson Vasconcelos Fonte: Maria Fernanda Zumpano

180


No nível inferior, além da mudança de uso da garagem, que se tornou um estúdio, o banheiro funciona como depósito e a lavanderia como uma sala, sendo retirados desses ambientes os elementos fixos que os compunham. (Figura 25) No nível superior, o banheiro da área social também funciona atualmente como depósito.

Figura 25: Comparação – Nível Inferior original e atualmente – Res. Nelson Vasconcelos Fonte: Maria Fernanda Zumpano

Além das alterações citadas que mostram o desinteresse com a conservação do imóvel e com a linguagem anterior proposta pelo arquiteto, há uma despreocupação com a manutenção e conservação do funcionamento e técnica original da casa. Essa falta de preocupação mostra o não reconhecimento do valor arquitetônico da obra, fazendo com que o projeto se descaracterizasse por completo interferindo também na linguagem de um dos bairros residenciais da cidade, onde se concentra o maior numero de residências com características da arquitetura moderna, marcando a linguagem predominante da cidade na época de sua construção.

Residência José Geraldo Miguelleto (1970) Aprovado em 2 de outubro de 1970, o projeto de Elifas Lopes Martins de uma residência para a família de José Geraldo Miguelleto situa-se na Avenida Nicomedes Alves dos Santos, em um terreno de 360m2, com uma área total de projeto de 228m2. (Figura 26)


Figura 26: Croqui Fachada Original – Res. José Geraldo Miguelleto Fonte: Maria Fernanda Zumpano

A obra se resume em um jogo de volumes retangulares puros. O desnível do terreno proporciona a criação de níveis desencontrados, reafirmando a proposta de uma composição de volumes, presentes em outras obras do arquiteto na cidade e até mesmo nesse bairro. A planta proposta por Elifas se desenvolve em vários níveis, o que facilita uma setorização do espaço, separando a área íntima da social. O acesso principal se dá no nível superior e leva ao hall de entrada que distribui quatro ambientes, um lavabo, o living, a copa e um corredor de acesso ao nível intermediário da residência. Da copa se tem acesso à cozinha e ao jardim externo. No nível intermediário há quatro dormitórios e dois banheiros, desse nível se tem acesso ao inferior, onde se encontra a lavanderia, um quarto e um banheiro e duas garagens. (Figura 27)

Figura 27: Croqui Planta Original – Res. José Geraldo Miguelleto Fonte: Maria Fernanda Zumpano

182


A volumetria proposta no projeto fica clara nas fachadas. Na frontal se vê dois planos verticais sem aberturas, enquanto na secundária há vários planos seguindo o desnível do terreno, esses com algumas aberturas, permitindo a entrada de luz e ventilação. A escolha por uma cobertura em platibanda deixa esses planos em mais evidência e puros. Assim como a outra residência analisada do arquiteto Elifas (Residência Nelson Vasconcelos), essa residência explora a topografia do terreno, utiliza planos escondendo os telhados para justificar formas geométricas e coberturas planas características da linguagem da arquitetura moderna e possui uma setorização dos espaços que garante uma forma racional e funcional do uso do espaço. Atualmente, a Residência José Geraldo Miguelleto funciona como um laboratório de exames genéticos. Os espaços receberam diferentes funções e foram adaptados para isso. A copa da residência tornou-se uma sala de recepção e o living, uma sala de espera. O lavabo foi dividido em dois banheiros menores e a cozinha teve seu espaço diminuído para a criação de uma sala que ocupa parte da área externa da residência, a qual se tinha acesso pela copa. No nível intermediário, os dormitórios tornaram-se sala de gerência e laboratórios, e um dos dois banheiros desse nível tornou-se uma sala para cadastro mudando seu acesso, agora pelo corredor de circulação. No nível inferior o quarto e a lavanderia tornaram-se salas e as garagens, laboratórios. Além disso, foram criados outros espaços, anexos. Uma lavanderia, uma área de depósito, uma pequena sala e um pátio coberto. (Figura 28) Com essas mudanças de uso dos espaços foram feitas algumas alterações físicas na edificação. A porta de acesso do living a área externa da residência foi retirada tornando-se uma janela e essa área externa tornou-se um estacionamento. (Figura 29) A parede existente entre o hall e a copa necessária no caso desses usos, e outra entre o hall e o corredor de acesso ao nível intermediário, foram retiradas, criando um contato visual entre a entrada e a sala de recepção. (Figura 30) Para criação de uma nova sala, como já foi dito, o espaço da cozinha foi reduzido e parte da área externa da residência foi incorporada a parte interna, com isso a porta da copa que dava acesso a área externa tornou-se uma janela, e mesmo assim, não é utilizada como tal, pois foi vedada no interior da sala. (Figura 31) Com a redução do espaço da cozinha o seu acesso tornou-se o acesso a nova sala, portanto, no corredor que leva ao nível intermediário, foi criada uma nova porta


de acesso a cozinha, que teve parte de seus elementos fixos alterados. Também foi criada uma porta nesse corredor impedindo o contato visual entre os clientes e a área dos laboratórios, o que poderia ter sido evitado se fosse mantida a parede existente entre o hall e o corredor. (Figura 32)

Figura 28: Croqui Atual Original – Res. José Geraldo Miguelleto Fonte: Maria Fernanda Zumpano

Figura 29: Janela da atual sala de espera e estacionamento visto por essa janela – Res. José Geraldo Miguelleto Fonte: Maria Fernanda Zumpano

Figura 30: Área do antigo hall, agora sem paredes e atual recepção – Res. José Geraldo Miguelleto Fonte: Maria Fernanda Zumpano

Figura 31: Janela da antiga copa, atualmente vedada interiormente e nova sala criada – Res. José Geraldo Miguelleto Fonte: Maria Fernanda Zumpano

Figura 32: Detalhe – Porta de acesso aos pavimentos inferiores criada em 2006 – Res. José Geraldo Miguelleto Fonte: Maria Fernanda Zumpano

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A alteração mais impactante nesse projeto foi a criação de aberturas na recepção, na sala de espera e nos banheiros. Essas aberturas e o acesso criado à área externa da residência, desconfiguram a fachada frontal, uma vez que rompe os planos verticais, parte da linguagem moderna da residência. Além Figura 33: Fachada atual – Av. Nicomedes Alves dos Santos – Res. José Geraldo Miguelleto Fonte: Maria Fernanda Zumpano

disso, a razão da criação dessas aberturas não é válida. Elas não se abrem, portanto não permitem a entrada de ar, e o vidro utilizado é escuro, evitando, em parte, a entrada de radiação, ou seja, não tem função nenhuma de janela já que internamente tudo funcional com iluminação e ventilação artificial (Figura 33) Na fachada secundária as alterações se deram através da criação de janelas no espaço onde era a garagem da residência e da inserção de ar condicionados nessas janelas criadas e nas dos dormitórios. Além disso, o estacionamento, o acesso criado ao fundo do terreno e uma área de despejo de resíduos criada ao lado desse acesso dão uma nova configuração à fachada, que perde parte da leveza que possuía com o jogo de volumes puros. (Figura 34) O jardim frontal que, provavelmente, era parte do projeto dessa residência,

Figura 34: Fachada atual – Rua Vital José Carrijo – e detalhe – acesso ao fundo do terreno e área de despejo de resíduos – Res. José Geraldo Miguelleto Fonte: Maria Fernanda Zumpano

funciona como um estacionamento e a fachada, que originalmente era em tijolinho a vista, teve sua pintura alterada e uma massa foi aplicada para esconder a presença dos tijolos. A cor branca da platibanda se diferencia da cor usada no restante da fachada, beje com grafiato, puro pastiche de um projeto sem arquitetura. (Figura 35)

Figura 35: Detalhe – Estacionamento na área do antigo jardim frontal e pintura atual com grafiato – Res. José Geraldo Miguelleto Fonte: Maria Fernanda Zumpano

A maioria das alterações nessa residência não se justifica, uma vez que não levam a um maior conforto do usuário nem mesmo a uma melhor otimização do espaço. Dessa forma, entende-se que foram realizadas apenas visando uma adaptação do imóvel ao momento atual com a utilização de materiais “contemporâneos”, piorando e muito a qualidade da linguagem do e da linguagem do projeto que faz parte de uma avenida e de um bairro na cidade


que foi constituído em sua maioria por residências ligadas a arquitetura moderna descaracterizando assim também, a linguagem desse bairro e o patrimônio moderno da cidade.

Conclusão As residências estudadas são exemplos de algumas obras que poderiam fazer parte da arquitetura moderna na cidade, mas que foram descaracterizadas. Essa descaracterização se deu através da mudança de uso da edificação. Como uma das premissas da arquitetura moderna se baseia na “forma segue a função”, essas residências foram criadas baseando-se numa planta racional e funcional para a função de uma habitação. Com a alteração de uso a planta livre moderna se adapta ao novo uso e se desconfigura do projeto original com facilidade. As obras da arquitetura moderna são relativamente novas, comparadas as obras de outros períodos, e são muito cedo consideradas obras de arte. Com o tempo e com a mudança de uso, as alterações são inevitáveis, e podem até ser positivas no sentido de dar a essas obras o destaque necessário para serem vistas como uma obra de arte, no entanto, a sua linguagem deve ser respeitada. Respeitar a linguagem da obra não significa se prender ao projeto original, numa visão reducionista e desconsiderar as modificações inerentes aos processos de ocupação, significa, simplesmente, evitar a perda de identidade da obra e valor histórico de uma época. Várias obras pertencentes a outras épocas recebem proteção por terem seu valor reconhecido, obras como as do período colonial e eclético, por exemplo. Já as obras modernas ainda não são valorizadas talvez por serem mais recentes ou mais presentes, mesmo sem a proteção devida. As obras da arquitetura moderna, além do seu valor como representantes da forma de projetar de uma época, carregam consigo uma riqueza de dados e informações sobre essa arquitetura, uma vez que conserva documentos e projetos desenhados com um alto nível de detalhamento, o que possibilita uma maior compreensão da obra e facilita sua conservação. 186


Os exemplos mostrados tiveram modificações na sua linguagem, seja através da alteração da fachada, da planta, da cobertura, ou até mesmo de todos esses elementos. A maioria das alterações observadas nessas obras poderiam ser realizadas sem a conseqüente descaracterização das mesmas, muitas delas foram

feitas

apenas

para

uma

“modernização”

da

obra,

tornando-a

esteticamente mais “contemporânea”, sem qualquer justificativa prática. Mesmo a mudança de uso sendo uma justificativa para as alterações, ela não é válida, uma vez que havia outras soluções para o novo uso que preservariam as características modernas da obra. Afirmar que estas obras devem ser conservadas não significa propor o seu tombamento. Há outras formas de proteção de um patrimônio que podem ser aplicadas a essas residências, inclusive a análise dela e, conseqüente documentação de suas características, já é uma forma de proteção. No entanto, para que cada obra moderna receba algum tipo de proteção, é necessário que haja um reconhecimento dessa arquitetura como uma arquitetura de valor por parte dos usuários e dos próprios profissionais arquitetos, para que as verdadeiras arquiteturas existentes na cidade não se tornem uma “não – arquitetura” deixando cada vez mais nossas cidades sem história de uma época.

Referências

AZEVEDO, P. A Difusão da Arquitetura Moderna em Minas: O Arquiteto João Jorge Coury em Uberlândia. São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC – USP, 1998. GUERRA, M. E. As Praças Modernas de João Jorge Coury no Triângulo Mineiro. São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC – USP, 1998. LAURENTIZ, L. (1993). Olhando as arquiteturas do cerrado. Projeto, São Paulo, maio, n. 163, p 75-91, 1993. PESSOA, J. L. C. Conservação no DOCOMOMO: modernidade em busca de preservação ou preservação em busca de modernidade? In: PESSOA.


PESSOA, J. L. C. Cedo ou tarde serão consideradas obras de arte. In: PESSOA. BRUAND, Y. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981. 398 p. LOPES, C. M. C. Espaço Arquitetura – projeto requalificação de uma edificação moderna de Sylvio de Vasconcelos em Uberlândia. Uberlândia, Monografia (Trabalho Final de Graduação), FAURB – UFU, 2002. AZEVEDO, P.; LOPES, C. M. C. - Banco de Obras – Arquitetura Moderna em Uberlândia, 2001, Uberlândia. 1 CD-ROOM.

188



EDIFÍCIOS DA ARQUITETURA MODERNA COM USO COMERCIAL NO TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA Flávio Medeiros Pereira / Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale

Este trabalho se propõe a analisar os edifícios da arquitetura moderna de uso comercial identificados nas cidades do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, considerando-os sob diferentes aspectos - formais, técnicos, construtivos e implantação, dentre outros - assim como a identificação de seus autores, buscando colaborar para a melhor compreensão da produção arquitetônica desse período. Teve como base para sua realização, o inventário sobre a arquitetura moderna realizado no âmbito da pesquisa de documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação.

Os Edifícios Comerciais Modernos Considerando os edifícios inventariados até o momento (agosto de 2011), foi possível identificar vinte e seis imóveis53 de uso comercial construídos de acordo com os valores da Arquitetura Moderna em apenas oito 54 das vinte e uma cidades da região que foram selecionadas para estudo. Nas demais cidades não houve a identificação de nenhum imóvel construído com este uso. A partir da análise desses exemplares é possível apontar que o primeiro edifício construído para uso comercial com vocabulário moderno foi a Casa São Jorge, em Araxá, com projeto de autoria do arquiteto Ítalo Pezzutti, datado de 1954. O edifício e Galeria Central, em Uberlândia, foi o último construído dos edifícios

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Edifício Araguari, Casa São Jorge, Cine Capitólio, Edifício Jockey Clube, Edifício Alvorada, Galeria São Geraldo, Mercado Municipal de Patos de Minas, Patos Social Clube, Edifício Modelo de Patos de Minas, Centro Comercial da Vila Operadora de Jaguará, Conjunto Comercial de Uberaba, Edifício Chapadão, Edifício Everest, Edifício Geraldino Rodrigues da Cunha, Edifício Leopoldino de Oliveira, Edifício Pedro Salomão, Edifício Rio Branco, Edifício Rio Grande, Edifício Rio Negro, Galeria Fausto Salomão, Edifício Galeria Central, Edifício Itaporã, Edifício Tubal Vilela, Shopping Center Norte, Shopping Center Sul e Edifício Uberlândia Clube. 54

Araguari, Araxá, Ituiutaba, Patos de Minas, Sacramento, Tupaciguara, Uberaba e Uberlândia. 190


inventariados, já na década de 1980. No entanto, observa-se que a maioria dos edifícios analisados datam da década de 1960.

Figura 01: Casa São Jorge, Araxá – MG, Arquiteto: Ítalo Pezzuti Ano de inauguração: 1954 Fonte: Arquivo da Pesquisa Figura 02: Edifício Galeria Central, Uberlândia – MG, Arquiteto: Paulo Cazé Período de inauguração: out/1960 Fonte: Arquivo da Pesquisa

Esses dados confirmam a hipótese levantada pela pesquisa de que a produção da Arquitetura Moderna nessas regiões ocorreu a partir da década de 1950. Esta observação nos permite afirmar também que o vocabulário arquitetônico foi introduzido tardiamente em comparação com os grandes polos brasileiros, tais como São Paulo e Rio de Janeiro, nos quais se verifica a presença da Arquitetura Moderna desde a década de 1930, em edifícios como o Palácio Gustavo Capanema e a casa da rua Santa Cruz, nesta e naquela cidade, respectivamente.


Além disso, essas informações confirmam ainda que a construção de Brasília, concluída em 1960, foi um importante fator de disseminação desse vocabulário na região, uma vez que a data da construção da nova capital federal coincide com o período de maior utilização desse vocabulário arquitetônico na região. Podemos induzir que essa situação se deu pelo fato da área da nova capital federal ser próxima do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba e ainda pelo fato destas regiões terem sido rota de passagem de pessoas e dos materiais das regiões pólos brasileiras para o distrito federal, facilitando a consolidação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. A partir dos imóveis analisados, percebemos que as cidades que apresentam maior número de edifícios modernos com uso comercial são Uberaba, com dez edifícios, e, em seguida Uberlândia, com seis. Entre as cidades analisadas, estas são as de maior porte, e apresentaram nesse período um forte crescimento econômico e populacional, com uma grande demanda pela construção de novos edifícios de vários usos, entre eles os comerciais. Vale destacar que a introdução da arquitetura e urbanismo modernos trouxeram transformações profundas nas áreas em que se inseriram devido a novas formas de inserção do edifício no lote, na relação entre o espaço público e o privado, e na utilização de novos materiais, gerando mudanças no modo de vida da população e se inserindo rapidamente no consciente da população como o símbolo da chegada do “tão esperado progresso”. Os arquitetos identificados envolvidos na construção da Arquitetura Moderna nas regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba foram: Alcegan Monteiro, com atuação em Araguari; Ítalo Pezzuti, em Araxá; Germano Gultzgoff, Wagner Schröden e o escritório Pontual Arquitetos Associados com trabalhos em Uberaba; Paulo de Freitas, Paulo Cazé, Ulbiano Muniz, o engenheiro Almôr da Cunha e a CEGES – Companhia Empreiteira Gerais do Brasil em Uberlândia; e por fim a CEMIG a partir do seu Departamento de Engenharia Civil com o projeto dos edifícios da Vila Operadora de Jaguara, em Sacramento. Entre estes arquitetos, Ítalo Pezzuti, Wagner Schröden e Paulo de Freitas são profissionais com origem nas cidades onde desenvolveram seus trabalhos, mas que se graduaram nas capitais brasileiras, retornando posteriormente para suas cidades natais. Almôr da Cunha, o único engenheiro desse grupo, por sua vez, era natural de Uberlândia e se graduou no Rio de Janeiro, retornando 192


posteriormente a sua cidade natal. Germano Gultzgoff por outro lado, originário de São Paulo, onde graduou-se pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; após desenvolver um trabalho em Uberaba, resolveu nela se estabelecer, criando o primeiro escritório de arquitetura da cidade. Wagner Schröden, natural de Uberaba, estudou em Belo Horizonte, onde montou um escritório e lecionou arquitetura e urbanismo, retornando posteriormente a sua cidade de origem. Os demais arquitetos não possuíam vínculos com a região, sendo que sua formação havia se dado nos grandes centros urbanos brasileiros, onde também residiam, como por exemplo, Paulo Cazé; que vivia no Rio de Janeiro. Por fim, os demais edifícios foram desenvolvidos por profissionais de grandes escritórios, como o da CEMIG, a partir do seu Departamento de Engenharia Civil. Em suma, esses dados nos revelam que os edifícios modernos da região foram elaborados por profissionais que se graduaram nos grandes centros urbanos do país, retornando posteriormente para suas cidades de origem para exercerem sua profissão ou apenas desenvolvendo trabalhos nessas cidades sem maiores vínculos com elas.

A análise dos dados também aponta que quase todos os edifícios foram construídos nas áreas centrais das cidades. A exceção se dá apenas com os Shoppings Norte e Sul (figuras 03 e 04, respectivamente), construídos em Uberlândia, fora da região central da cidade. Essa informação reforça primeiramente a vocação que as áreas centrais das cidades possuíam em abrigar atividades comerciais e de recreação. Posteriormente, analisando as atividades e os usuários desses edifícios, percebemos que os imóveis se configuram em equipamentos importantes para toda a cidade, como por exemplo, o Uberlândia Clube (figura 05), que comporta o principal teatro uberlandense, o que revela a outra vocação que as áreas centrais das cidades nesse momento agregavam que era a de abrigar a maioria dos equipamentos de grande importância para toda a comunidade. Além disso, a construção desses edifícios mostra a demanda que existia pela construção de imóveis com esse caráter nessas regiões, principalmente pelo crescimento econômico e populacional mencionados anteriormente, que estas cidades vinham passando.


Figura 05: Edifício Uberlândia Clube, Uberlândia – MG, Engenheiro: Almôr da Cunha Data de inauguração: 26/01/1957 Fonte: Arquivo da Pesquisa Figura 04: Shopping Center Sul, Uberlândia – MG, Projeto desenvolvido por arquitetos do CEGES – Companhia Empreiteira Gerais do Brasil Fonte: Arquivo da Pesquisa Figura 03: Shopping Center Norte, Uberlândia – MG, Projeto desenvolvido por arquitetos do CEGES – Companhia Empreiteira Gerais do Brasil Fonte: Arquivo da Pesquisa

Os Shoppings Centers Norte e Sul de Uberlândia foram os únicos construídos fora da área central das cidade estudadas, configurando a única situação encontrada nas regiões de criação de subcentros comerciais naquele momento. Essa situação ocorreu devido ao acelerado crescimento demográfico e territorial que Uberlândia apresentava no período, propiciando o surgimento de novos centros comerciais fora da área central para atender a população que morava nessas regiões. 194


Em

relação

ao

uso

que

esses

edifícios

apresentam,

percebemos que há edifícios com uso exclusivamente comercial (envolvendo atividades comerciais e de serviços), como o Conjunto Comercial de Uberaba (figuras 06 e 07), prevalecendo edifícios de uso misto. Entre estes há os que apresentam atividades residenciais e comerciais, como por exemplo, o edifício Jockey Clube de Ituiutaba (figura 04), e Figura 06: Conjunto Comercial de Uberaba, Uberaba – MG, Arquiteto: Germano Gultzgoff Fonte: Arquivo da Pesquisa

ainda os que apresentam atividades recreativas e comerciais, como o Uberlândia Clube (figura 05), em Uberlândia. Vale destacar que os edifícios que mesclam atividades recreativas

e

comerciais

são

a

minoria,

apresentando

atualmente apenas dois imóveis em toda a região, sendo um em Patos de Minas – Cine Capitólio (figura 09) – e o outro em Uberlândia – Uberlândia Clube (figura 05). Por outro lado, atualmente há um número igual de edifícios com uso misto Figura 07: Conjunto Comercial de Uberaba, Uberaba – MG, Arquiteto: Germano Gultzgoff Fonte: Arquivo da Pesquisa

(comercial e residencial) e de edifícios com uso comercial (comércio e serviços), com doze imóveis cada, distribuídos pelas cidades da região. Há ainda alguns edifícios que foram construídos com a proposta de possuírem uso misto, mas que passaram posteriormente a abrigar uma única função, como, por exemplo, a Casa São Jorge de Araxá (figura 01), que foi projetada inicialmente para abrigar atividade comercial em seu pavimento térreo e residencial nos pavimentos superiores e o edifício Cine Capitólio, em Ituiutaba (figura 09), com cinema no térreo e lojas nos demais pavimentos; atualmente, cada um desses edifícios abriga uma única loja que ocupa todos os pavimentos do edifício.

Figura 08: Edifício Jockey Clube, Ituiutaba – MG, Arquiteto não identificado Fonte: Arquivo da Pesquisa


Figura 09: Cine Capitólio, Ituiutaba – MG, Arquiteto não identificado Fonte: Arquivo da Pesquisa

Observa-se ainda que os edifícios analisados apresentam uma configuração básica, nas quais as atividades comerciais geralmente são desenvolvidas no pavimento térreo, enquanto os demais pavimentos são destinados a atividades recreativas ou residenciais. Dessa forma, essa setorização do edifício, com o comércio nos pavimentos térreos gera um conjunto de atividades que atendem a toda cidade, sem se restringir aos moradores do próprio edifício e sem ser desenvolvida necessariamente por eles, mostrando assim uma distinção entre os edifícios de uso misto da arquitetura tradicional, predominante na região até o início do século XX, na qual o morador do imóvel geralmente era o mesmo responsável pelo desenvolvimento da atividade comercial nas proximidades de sua moradia. Há uma grande variedade quanto ao número de pavimentos nos edifícios encontrados, que possuem entre um e dezenove pavimentos. Observamos quatorze edifícios com até seis pavimentos e treze com mais de seis pavimentos. Entre todos, o único com apenas um pavimento é o Centro Comercial de Jaguara (figuras 12 e 13), em Sacramento, que envolvia o supermercado e um conjunto de lojas da Vila Operadora da Hidrelétrica de Furnas. 196


Figura 10: Centro Comercial da Vila Operadora de Jaguara, Sacramento – MG, Projeto desenvolvido por arquitetos do Isvaú – Departamento de Engenharia Civil da Cemig Fonte: Arquivo da Pesquisa Figura 11: Vista Lateral do Centro Comercial da Vila Operadora de Jaguara, Sacramento – MG, Projeto desenvolvido por arquitetos do Isvaú – Departamento de Engenharia Civil da Cemig Fonte: Arquivo da Pesquisa

Observamos assim, que estes edifícios tiveram uma expressiva participação no processo de verticalização das cidades da região, principalmente nas áreas centrais, onde essa arquitetura se inseriu mais expressiva e quantitativamente. A partir disso verificamos que não por acaso, o processo de verticalização dessas cidades analisadas teve início na década de 1960. Como exemplo temos os edificios Tubal Vilela em Uberlândia (figuras 12 e 13), o Edifício Pedro Salomão em Uberaba (figura 14) e o Edifício Alvorada em Patos de Minas (figura 15), todos pioneiros no novo modo de viver em habitações verticalizadas. A exceção se dá apenas com os Shoppings Centers Norte e Sul de Uberlândia (figuras 03 e 04) que se localizam fora dessa região central, mas que da mesma forma contribuíram para a verticalização dos locais em que se inserem.


Figura 14: Edifício Pedro Salomão, Uberaba – MG, Arquiteto: Germano Gultzgoff Ano de inauguração: 1964 Fonte: Arquivo da Pesquisa Figura 13: Detalhe do Pavimento Térreo (Comercial) do Edifício Tubal Vilela, Uberlândia – MG, Arquiteto: Ulbiano Muniz Data de inauguração: out/1960 Fonte: Arquivo da Pesquisa Figura 12: Edifício Tubal Vilela, Uberlândia – MG, Arquiteto: Ulbiano Muniz Data de inauguração: out/1960 Fonte: Arquivo da Pesquisa Figura 15: Edifício Alvorada, Patos de Minas – MG, Arquiteto não identificado Período de construção: década de 1960 Fonte: Arquivo da Pesquisa

198


A partir dessas análises, podemos perceber que havia uma demanda por uma otimização do espaço no centro das cidades, principalmente daquelas que já revelavam uma expansão horizontal acelerada como Uberaba e Uberlândia, ao mesmo tempo em que se mostrava uma crescente disponibilidade tecnológica e de novos materiais que permitiam a construção com elevados gabaritos que começavam a chegar à região e que possibilitaram o processo de verticalização. Vale ressaltar que essa demanda se mostra principalmente pelo número de pavimentos dos edifícios construídos, mas também pela utilização em larga escala das sobrelojas ou mezaninos, encontrados em grande número dos imóveis. É possível considerarmos ainda que essa intenção de verticalização se apresenta mesmo nos edifícios de poucos pavimentos, como os Shoppings Centers Norte e Sul de Uberlândia (figuras 03 e 04, respectivamente) que, apesar de possuírem somente dois pavimentos, apresentam um elevado pé direito, com uma estrutura bem demarcada e grandes vãos que buscam realçar essa verticalidade. Há imóveis como o Edifício Araguari (figura 16), nesta cidade da qual adotou o nome, que apresentam lojas em seu pavimento térreo com uma relação direta com a calçada e a via de trânsito à sua frente. Porém, há alguns edifícios como o Galeria Central (figura 26) e o Edifício Uberlândia Clube (figura 05), em Uberlândia, o Edifício Jockey Clube (figura 08) em Ituiutaba, o Edifício Rio Negro (figura 18), em Uberaba e a Galeria São Geraldo (figuras 19 e 20) em Patos de Minas, que além dessa relação das lojas voltadas diretamente para a via pública, apresentam também uma galeria interna; chegando às vezes a apresentarem mais de um pavimento destinado a estas atividades. Figura 16: Edifício Araguari, Araguari – MG, Arquiteto: Alcegan Monteiro Data inauguração: 18/10/1969 Fonte: Arquivo da Pesquisa

Assim, podemos considerar que há mais de uma maneira nas relações que esses edifícios desenvolvem com o espaço público gerada a partir dos seus elementos arquitetônicos, uma vez que

todos os imóveis apresentam uma relação direta entre o interior do prédio e o espaço público em seu entorno por meio de suas lojas. Mas, além disso, há ainda edifícios que apresentam também galerias de circulação interna com uma


diversidade de percursos em seu interior, criando espaços semi-públicos que enriquecem a diversidade dos espaços e das relações desenvolvidas nas áreas urbanas em que se inserem.

Geralmente essa galeria interna é coberta, como por exemplo, no Uberlândia Clube

(figura

05),

que

apresenta

duas

galerias

que

penetram

perpendicularmente no interior do edifício levando às lojas e ao teatro, e ainda um grande recuo na sua fachada frontal no pavimento térreo, criando uma contínua faixa de circulação coberta pela projeção do pavimento superior, alargando assim o espaço público da calçada. Já a galeria do Mercado de Patos de Minas (figura 17) por sua vez, apresenta um formato diferenciado uma vez que suas extremidades são ovais, facilitando a circulação em seu interior, apresentando ainda pé direito mais elevado que o das lojas em suas laterais, recebendo iluminação e ventilação naturais por meio de aberturas laterais zenitais. A galeria do Edifício Rio Negro (figura 18), em Uberaba por outro lado, constitui um percurso retilíneo que atravessa o edifício ligando as duas vias que o margeiam. Por fim, a Galeria São Geraldo em Patos de Minas (figuras 19 e 20) é a única que apresenta parte de sua galeria descoberta, uma vez que apenas a parte inicial e mais antiga do edifício apresenta cobertura.

Figura 17: Mercado Municipal, Patos de Minas – MG, Arquiteto não identificado Ano de inauguração: 1958 Fonte: Arquivo da Pesquisa

200


Figura 20: Interior da Galeria São Geraldo, Patos de Minas – MG, Arquiteto não identificado Fonte: Arquivo da Pesquisa Figura 19: Galeria São Geraldo, Patos de Minas – MG, Arquiteto não identificado Fonte: Arquivo da Pesquisa Figura 18: Edifício Rio Negro, Uberaba – MG, Arquiteto não identificado Fonte: Arquivo da Pesquisa

Com respeito aos materiais construtivos e de revestimentos empregados observamos que há uma variedade entre os edifícios estudados. Primeiramente observa-se que a estrutura em concreto armado e as aberturas em caixilharia metálica com vidros são empregadas em todos os imóveis analisados. Além disso, é comum encontrarmos o concreto armado utilizado também em brises


que geralmente seguem um formato retilíneo nas fachadas dos edifícios, como no Edifício Rio Negro em Uberaba (figura 18). Percebe-se ainda, que quando há a utilização de lajes impermeabilizadas, elas apresentam diversos formatos, como nos mostra o Centro Comercial de Jaguara (figuras 10 e 11) e o Edifício Everest (figura 21) em Uberaba. Também apontamos a utilização de elementos de sombreamento que atuam ao mesmo tempo como elementos de valorização plástica, como o cobogó utilizado no Conjunto Comercial de Uberaba (figuras 06 e 07), as marquises do Centro Comercial de Jaguara (figuras 10 e 11) e do Edifício Everest em Uberaba (figura 21), sendo que este recurso, como sabemos, foi bastante utilizado

Figura 21: Edifício Everest, Uberaba – MG, Arquiteto não identificado Fonte: Arquivo da Pesquisa

na Arquitetura Moderna brasileira. Além disso, sabemos também que o Movimento Moderno buscava uma integração das artes, com pinturas e esculturas trabalhadas em composição ao edifício. No Uberlândia Clube (figura 05), por exemplo, percebemos um grande vitraux da fachada frontal do edifício com imagens de outros imóveis da cidade e também um painel em mosaico localizado no hall de entrada do edifício desenvolvido pelo artista plástico José Machado de Moraes (figura 22), ambos atendendo justamente à esta intenção.

Figura 22: Painel de pastilha no hall de entrada do Edifício Uberlândia Clube, Uberlândia Artista Plástico José Machado de Moraes Data de inauguração: 26/01/1957 Fonte: Arquivo da Pesquisa

202


Além disso, devemos também nos atentar à mudança dos materiais empregados e consequentemente de composição que esses edifícios apresentam de acordo com o período em que foram construídos. Os edifícios pioneiros, construídos na década de 1950, como a Casa São Jorge em Araxá (1954 – figura 01), o Uberlândia Clube (1957 – figura 05), e o Mercado Municipal de Patos de Minas (1958 – figura 17), por exemplo, mostram uma grande diversidade de materiais empregados nos sistemas construtivos e nos materiais de revestimento, apresentando uma grande riqueza de composição, a partir da utilização de concreto, tijolos cerâmicos, brises, pastilhas cerâmicas de várias cores e texturas, elementos cerâmicos vazados, pedras e vidros. Todavia, nos edifícios mais tardios, geralmente da década de 1970, vemos uma maior uniformidade dos materiais utilizados e, consequentemente uma menor riqueza de composição de materiais, com maior utilização do concreto e do vidro, apresentando ainda a introdução de novos materiais, como o alumínio. Como exemplo, temos os Edifícios Chapadão (1975 – figura 23), Everest (1970 – figura 21), Geraldino Rodrigues da Cunha (1974 – figura 24) e Leopoldino de Oliveira (1973 – figura 25) todos em Uberaba.

Figura 23: Edifício Chapadão, Uberaba – MG, Arquiteto: Germano Gultzgoff Ano de inauguração: 1975 Fonte: Arquivo da Pesquisa


Figura 24: Edifício Geraldino Rodrigues da Cunha, Uberaba – MG, Arquiteto: Wagner Schröden Ano de inauguração: 1974 Fonte: Arquivo da Pesquisa Figura 25: Edifício Leopoldino de Oliveira, Uberaba – MG, Arquiteto: Pontual Arquitetos Associados Ano de inauguração: 1973 Fonte: Arquivo da Pesquisa

Assim, podemos observar que inicialmente havia o emprego de elementos com um apelo visual maior (como por exemplo, o cobogó) com uma maior riqueza de composição de materiais, enquanto que com o tempo, percebemos uma maior uniformização dos materiais empregados, que passam a ser utilizados em maior escala diminuindo assim, a diversidade da composição dos materiais. 204


Outra característica importante a ser citada diz respeito à inserção da garagem nos edifícios. Entre os edifícios analisados, os que foram construídos antes da década de 1970 não apresentam garagens ou áreas para vagas de estacionamentos. Todavia, a partir desta data, eles passam a incluir esse espaço, como nos mostra o Edifício Chapadão de 1975 em Uberaba (figura 23) que apresenta quatro pavimentos destinados somente à garagem. Essa situação revela a demanda iniciada a partir deste período, devido à popularização que o automóvel adquiria

devido,

entre

outros

fatores,

às

políticas

desenvolvimentistas do governo brasileiro, principalmente durante a administração do Presidente Juscelino Kubitscheck 55 , trazendo grandes alterações no planejamento dos espaços urbanos e arquitetônicos, como por exemplo, a incorporação desse novo ambiente. Sobre a inserção desses imóveis nos lotes podemos notar que há Figura 26: Edifício Itaporã, Uberlândia – MG, Arquiteto: Paulo de Freitas Fonte: Arquivo da Pesquisa

tanto edifícios situados em lotes de esquinas como o Conjunto Comercial de Uberaba (figuras 06 e 07) e também outros no meio dos quarteirões como a Galeria São Geraldo em Patos de Minas (figura 19). Geralmente eles seguem o alinhamento da calçada, não apresentando recuos frontais ou laterais no pavimento térreo, onde se concentram as atividades comerciais como nos mostra o edifício Itaporã em Uberlândia (figuras 26 e 27). A exceção se dá com o Uberlândia

Clube

(figura

05)

que,

como

mencionado

anteriormente, apresenta recuo frontal com proteção do pavimento superior. Figura 27: Detalhe do Pavimento Térreo (comercial) do Edifício Itaporã, Uberlândia – MG, Arquiteto: Paulo de Freitas Fonte: Arquivo da Pesquisa

É freqüente ainda o edifício tirar partido da inclinação do terreno criando níveis, como se observa no Conjunto Comercial de Uberaba (figuras 06 e 07). Essa situação é típica de edifícios comerciais, uma

vez que normalmente se busca aproveitar ao máximo o terreno existente e facilitar o acesso da população que se desloca pelo espaço público ao interior do imóvel. Por sua vez, a Galeria Fausto Salomão (figura 28) de Uberaba, tirou

55

Gestão entre os anos de 1955 e 1960, caracterizada pela consolidação a indústria automobilística no país, podendo-se apontar como uma das marcas da década de 1970 a ampliação da aquisição do automóvel pela classe média brasileira.


partido da inclinação do terreno criando um nível sub-solo, de forma a receber acesso pelas duas ruas que o margeam.

Figura 28: Galeria Fausto Salomão, Uberaba – MG, Arquiteto: Germano Gultzgoff Ano de inauguração: 1972 Fonte: Arquivo da Pesquisa

Os edifícios que apresentam suas lojas voltadas diretamente para o espaço público, geralmente apresentam vários acessos independentes a cada uma de suas de suas lojas como no Conjunto Comercial de Uberaba (figuras 06 e 07), enquanto que aqueles que possuem galerias internas possuem dois ou mais acessos a essas lojas voltadas para a galeria, como por exemplo, o Edifício Galeria Central (figura 02), em Uberlândia. Além disso, em geral eles apresentam um único acesso aos pavimentos superiores, que pode ser isolado e restrito aos moradores em relação aos usuários das atividades comerciais como no Edifício Pedro Salomão de Uberaba (figura 14). Geralmente eles não apresentam aberturas ou lojas voltadas para as laterais uma vez que se encontram quase sempre alinhados em suas laterais as edificações vizinhas, como por exemplo o Edifício Rio Grande em Uberaba (figura 29). 206


Figura 29: Edifício Rio Grande, Uberaba – MG, Arquiteto não identificado Fonte: Arquivo da Pesquisa

No entanto, nas elevações frontais, o uso de aberturas com panos de vidros e janelas corridas são frequentes, uma vez que a adoção da estrutura autônoma de concreto armado – um dos elementos do vocabulário moderno – possibilita a adoção de plantas livres com aberturas, promovendo grande relação com o espaço público. Além disso, é comum ainda a utilização de elementos de sombreamento sobre a calçada gerados pela presença de marquises, como nos mostra a Casa São Jorge em Araxá (figura 01); ou pela própria projeção do pavimento superior sobre o recuo do inferior, como no Edifício Uberlândia Clube (figura 05). Esses edifícios ainda apresentam elementos introduzidos pela Arquitetura Moderna, como os pilotis presentes no Cine Capitólio (figura 09), de Ituiutaba, que geralmente demarcavam o ritmo dos edifícios. Com respeito às volumetrias, observamos que em geral são bem definidas em prismas compactos, apresentando normalmente diferentes volumetrias entre as suas funções numa composição harmoniosa, que deixa à mostra as divisões de uso do edifício. Percebe-se ainda que geralmente as áreas comerciais do edifício seguem o alinhamento das construções vizinhas, revelam grandes aberturas e pés-direitos com uso intenso do concreto aparente, como nos mostra o Joquey Clube em Ituiutaba (figura 08), sendo que são estas áreas


comerciais

dos

edifícios

os

locais

que

mais

sofrem

atualmente

descaracterizações e poluição visual. Já as áreas residenciais, por sua vez, normalmente recebem um maior grau de privacidade, ou por não se localizarem nos pavimentos térreos – nos edifícios de uso comercial e residencial – ou por se encontrarem recuadas em relação ao alinhamento da calçada, como por exemplo, no Edifício Galeria Central de Uberlândia (figura 02). As áreas dos edifícios destinadas a atividades de lazer, como cinemas, teatros, etc., por outro lado, apresentam relação mais direta com o espaço público (assim como o comércio), que as residenciais. No Edifício Cine Capitólio, em Ituiutaba (figura 09), por exemplo, percebemos um alinhamento à calçada dos pavimentos com usos recreativos, apresentando ainda grandes panos de vidros que estabelecem uma forte relação visual com o entorno em que se inserem. Neste edifício ainda, percebe-se um efeito de horizontalidade em contraponto à verticalidade. Esse efeito é gerado em alguns casos por frisos em concreto, brises horizontais e janelas corridas, como nos Edifícios Rio Branco (figura 30), Rio Grande (figura 29) e Rio Negro (figura 18), todos em Uberaba. Em outros casos, como nos

Shoppings

Centers

Norte e Sul

de

Uberlândia (figuras 03 e 04), o efeito de horizontalidade é gerado pelo emprego de grandes

platibandas

contínuas,

que

se

contrapõem aos elevados pés direitos que eles apresentam; ou ainda por meio de sacadas de circulação contínuas e externas como nos edifícios Tubal Vilela (figuras 12 e 13) e Galeria

Figura 30: Edifício Rio Branco, Uberaba – MG, Arquiteto não identificado Fonte: Arquivo da Pesquisa

Central (figura 02), em Uberlândia. Outra mudança significativa que percebemos nos edifícios ao longo do tempo diz respeito á ocupação dos espaços nesses imóveis. A Casa São Jorge, de Araxá (figura 01), por exemplo, foi construída com a proposta de funcionar como loja e residência e no entanto, atualmente se encontra ocupada por uma única loja do tipo magazine. O Cine Capitólio, de Ituiutaba (figura 09), por sua vez, não apresenta mais o cinema proposto originalmente, e também hoje é ocupado por 208


uma única loja. O Edificio Modelo de Patos de Minas (figura 31), proposto para uso residencial hoje apresenta uso comercial; e por fim o Centro Comercial de Jaguara (figuras 10 e 11), importante edificio durante o pleno funcionamento desta vila, hoje se mostra desocupado e abandonado, assim como o restante da vila.

Figura 31: Edifício Modelo, Patos de Minas – MG, Arquiteto não identificado Ano de conclusão do projeto: 1960 Fonte: Arquivo da Pesquisa

Vale ressaltar, que a utilização de materiais novos para a época, assim como o emprego de novos elementos arquitetônicos e uma nova proposta de viver e se relacionar com o espaço urbano proposto pelo Movimento Moderno, levando em consideração o desenvolvimento tecnológico do período, foram rapidamente tomados como símbolo do progresso e do desenvolvimento econômico, social e estético das regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

Conclusão A análise realizada sobre as obras modernas de uso comercial do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba aponta que são raros os edifícios construídos exclusivamente para esse fim em relação ao conjunto de obras já inventariados, prevalecendo aqueles de uso misto. Os edifícios com uso exclusivo para comercio tornam-se mais numerosos a partir da década de 1970 principalmente nas cidades de Uberaba e Uberlândia que apresentavam maior desenvolvimento desse setor da economia. No entanto, a constatação de que essa produção tem sofrido constantes alterações ao longo dos anos e que sua adaptação a novas necessidades e


usos nem sempre tem sido feita de modo adequado ou criterioso – muitos se encontram descaracterizados, em más condições de conservação, outros sofrem com a poluição visual ou mesmo abandono – nos alertam para a necessidade de sua melhor documentação e conhecimento. Essas questões nos alertam para a necessidade de ações efetivas voltadas para a preservação desses edificios, uma vez que essa produção da Arquietura Moderna possui apenas alguns poucos exemplares bem conservados. Caso contrário, facilmente estes imóveis poderão deixar de fazer parte da paisagem urbana das cidades do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, suprimindo uma produção importante e significativa para a região, que testemunha a introdução dos ideais de modernidade e progresso, fundamentais na configuração de sua paisagem cultural e do imaginário social e simbólico marcaram suas trajetórias a partir de meados do século XX.

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ARQUITETURA MODERNA NO TRIÂNGULO MINEIRO E ALTO PARANAÍBA: A ATUAÇÃO DOS GRANDES ESCRITÓRIOS Ana Paula Tavares Miranda / Maria Beatriz Camargo Cappello

1. Introdução A Arquitetura Moderna no Brasil teve como marco e divisor de águas a construção do prédio para o Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP)56, no Rio de Janeiro, iniciado no fim da década de 1930 e que antecedeu a consolidação da Linguagem Moderna no Brasil nos anos 1940. (LEMOS, 1979) Essa nova arquitetura que se introduzia no país, como já de costume, foi importada da Europa com a diferença de que, aqui, a nova linguagem arquitetônica adquiria características próprias, nacionalizando-se e resultando em inovações que respondiam ao nosso clima tropical e à nossa disponibilidade tecnológica que ainda se limitava ao uso do concreto armado como material de construção disponível no país. Divulgada pelo Brazil Builds 57 , dentre outras revistas internacionais de arquitetura da época, a arquitetura moderna feita no Brasil

foi

internacionalmente

enfatizada

principalmente

pelas

soluções

empregadas na barragem dos fortes raios solares de um país tropical, como a aplicação do brise-soleil. As principais características do Movimento Moderno no Brasil, segundo Giedion (apud MINDLIN, 1956), foram o arrojo das linhas bem marcadas no exterior dos edifícios, os avanços no tratamento dos ambientes internos e a existência de linguagem e técnicas que dão identidade a essa arquitetura como nacional. Lembrar-se-á também da sua forte relação com as artes através das pinturas murais, esculturas e do paisagismo, dentro da concepção de síntese das artes defendida pelos CIAM.58

56

Hoje chamado Edifício Capanema, projetado pela equipe de arquitetos formada por Lucio Costa, Carlos Leão, Oscar Niemeyer, Afonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcelos, Jorge Machado Moreira e consultoria do arquiteto franco-suiço Le Corbusier. Sua construção iniciou-se em 1936, sendo entregue em 1947. 57

Brazil Builds - Exposição e publicação do livro de mesmo nome realizada em 1943 pelo Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York. 58

CIAM - Congrès Internationaux d'Architecture Moderne [Congresso Internacional de Arquitetura Moderna] - era uma organização internacional que reunia os expoentes da vanguarda de arquitetura com a intenção de estudar e difundir as bases teóricas da arquitetura moderna. 212


No Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, região estudada neste artigo, a arquitetura moderna teve sua inserção paralela à industrialização da região na década de 1940, estimulada pela posição estratégica de algumas cidades como Uberlândia, que faziam o eixo de ligação entre São Paulo e Rio de Janeiro com o interior do país. Intensificada essa característica com a implantação de Brasília, em 1957, a arquitetura moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba teve seu auge na década de 1960 e 1970. Sabendo da importância em documentar a produção moderna a fim de se manterem preservados os exemplares mais significativos (assim como já é feito em outras cidades e capitais do Brasil), o projeto intitulado “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação”, busca a identificação e catalogação dessas obras através de fichas de inventário, definidas segundo o modelo DOCOMOMO59. Uma vez elaborado pelo grupo de pesquisa um acervo de referência que busca, além de suprir a carência de documentação sistemática, difundir esse conteúdo à população através de um site, é possível analisar o impacto dessa nova arquitetura nos espaços urbanos, no desenvolvimento das cidades e na produção arquitetônica posterior e atual na região. O artigo aqui desenvolvido e intitulado “Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: A Atuação dos Grandes Escritórios”, tem como objetivo demonstrar como se deu a atuação dos grandes escritórios nacionais que, não se fixando nas cidades de seus projetos, ainda assim contribuíram para o desenvolvimento e fixação do Movimento Moderno na região. O trabalho também espera fornecer um acervo específico para a pesquisa base deste projeto a fim de motivar novos campos de discussão, novas pesquisas e novos pesquisadores. 2. Material e métodos Este trabalho foi desenvolvido, primeiramente, com uma pesquisa teórica a qual abrangia uma leitura bibliográfica acerca do Movimento Moderno, tanto no 59

International Working Party for Documentation and Conservation of Buildings, Sites and Neighbourhoods of Modern Movement - Organização internacional que busca motivar o conhecimento e reflexão sobre o Movimento Moderno, desenvolvendo levantamentos documentais e medidas de conservação e proteção da arquitetura, assim como de conjuntos urbanos e paisagísticos do Movimento Moderno.


âmbito nacional quanto no regional. Com a leitura, foram melhor compreendidos os elementos determinantes dessa arquitetura, suas características e sua importância para a efetivação de uma arquitetura nacional brasileira. Na pesquisa de campo, etapa seguinte, foram feitas visitas às cidades selecionadas de acordo com o critério daquelas que ainda não tinham sido exploradas pelo projeto da faculdade. As visitas objetivavam um levantamento fotográfico das obras percebidas como mais características da Arquitetura Moderna e o recolhimento do material encontrado nos arquivos públicos e particulares das cidades visitadas como plantas dos projetos, publicações em jornais, revistas, entrevistas, etc. Após pesquisas teóricas e de campo foram preenchidas as fichas de inventário, nas quais foram catalogados os edifícios e onde constam também todas as informações necessárias para o conhecimento suficiente de cada obra. Com a catalogação foi possível perceber a atuação de um grupo de arquitetos, associados a grandes escritórios do Brasil, que desenvolveram projetos característicos e de grande importância para a região. A partir de então, veio o interesse em aprofundar essa linha de pesquisa, analisando as características dessa arquitetura e, consequentemente, seu impacto na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

3. Resultados 3.1 os arquitetos forasteiros Motivados pelo discurso progressista de crescimento e modernização, em 1910, chegam à região, e principalmente Uberlândia, muitos construtores, sendo a maioria imigrantes. A partir de então, com um crescimento considerável, a região atrai mão de obra do campo e de regiões vizinhas, fazendo com que, já na década de 1920, a construção civil se coloque, juntamente com o comércio, como fontes primeiras de riqueza. A implantação da 1ª Escola de Arquitetura de Minas Gerais, em Belo Horizonte, foi crucial para o momento que se vivia. A EABH (Escola de Arquitetura de Belo 214


Horizonte) formou profissionais que iriam atuar em várias cidades de Minas Gerais, fixando-se ou somente deixando seus trabalhos pelas cidades, formando uma geração de pioneiros saídos da faculdade como transformadores das cidades mineiras (GUERRA, 1998).

O principal nome diante da implantação dessa nova arquitetura na região é João Jorge Coury, arquiteto formado pela EABH e o primeiro a se fixar na região, mais precisamente em Uberlândia, em 1940. Coury abre as portas para a implantação da linguagem moderna na região, difundindo-a e influenciando outros arquitetos a também se estabelecerem, fazendo com que a arquitetura produzida aqui se aproximasse cada vez mais daquela que se fazia em São Paulo e no Rio de Janeiro. Assim, os profissionais identificados na pesquisa “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação” estabeleceram diversos tipos de relações com as cidades estudadas, os quais foram denominados arquitetos “migrantes” (como Ivan Cupertino e Germano Gultzgoff que atuaram em Uberlândia entre as décadas de 1960 e 1970), “peregrinos” (como o já citado pioneiro João Jorge Coury), “nativos” (como o uberlandense Paulo de Freitas e o uberabense Wagner Schroden), “forasteiros” (como o belo-horizontino Fernando Graça dentre os arquitetos que ainda serão citados) e “titãs”(Oscar Niemeyer e Lina Bo Bardi, nos anos 80).

Os projetos estudados aqui estão dentro do grupo de arquitetos “forasteiros”. São edifícios projetados por arquitetos ou por um conjunto deles, advindos dos grandes centros do país e que não estabelecem bases profissionais na região (LAURENTIZ, 1993), ou seja, a relação e a estadia nas cidades que desenvolvem seus trabalhos são delimitadas ao período necessário para o levantamento do local de implantação.


3.2 a atuação dos grandes escritórios Dentro do grupo de profissionais60 denominados “forasteiros”, estabeleceu-se um subgrupo daqueles que, não somente vindos de fora, eram também integrantes de grandes escritórios nacionais. Esses escritórios eram formados por

uma

equipe,

muitas

vezes

interdisciplinar,

necessária

para

o

desenvolvimento dos projetos, normalmente de grande escala. Os escritórios e obras estudados aqui são: Burle Marx & Cia Ltda., com os projetos para o Conjunto Paisagístico para o Parque da Estância do Barreiro e Fonte Andrade Junior, ambos em Araxá; Henrique Mindlin Associados, com o projeto da Fábrica Souza Cruz, em Uberlândia; Rino Levi Arquitetos Associados, com os projetos da Casa de Hóspedes para a CBMM e a Escola Sesi-Senai, ambos em Araxá.

Burle Marx & Cia Ltda Roberto Burle Marx, nascido em 1909 na cidade de São Paulo e radicado no Rio de Janeiro, estudou pintura na Alemanha durante sua estadia no país, motivada por um problema de saúde, voltando para o Brasil em 1930. Devido às influências artísticas trazidas da Europa, ingressa no curso de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, fazendo seu primeiro projeto paisagístico de linhas modernas em 1932. O projeto era um jardim para a Residência da Família Schwartz, com projeto arquitetônico de Gregório Warchavchik e Lucio Costa, este último, vizinho de Burle Marx. Seu contato com amigos e professores como Lucio Costa, Leo Putz (Escola Expressionista Alemã) e Cândido Portinari o introduziu ao pensamento moderno, fazendo com que na década de 1940 se filiasse permanentemente ao Movimento Moderno, deixando para traz os projetos ainda de concepções acadêmicas da Beux-Arts. A formação da Burle Marx & Cia Ltda se deu oficialmente em 1955, com localização no bairro Laranjeiras, zona sul do Rio de Janeiro. O escritório fazia trabalhos de execução e manutenção de obras paisagísticas, desde edifícios 60

Não sãos todos os profissionais estudados aqui arquitetos de formação. O paisagista Roberto Burle Marx, mesmo com o título de Arquiteto-Paisagista, não tem formação acadêmica em Arquitetura. 216


residenciais a obras públicas. Mesmo antes da oficialização da firma, Burle Marx contava com profissionais que o auxiliavam nas obras de seu escritório, como é o caso do projeto para a Fonte Andrade Junior, no Parque do Barreiro, em Araxá, em que, sem a formação de arquiteto, passou o projeto para seu então estagiário Francisco Bolonha, graduando em Arquitetura pela Escola Nacional de Belas Artes, na qual ingressou no ano de 1940. Francisco Bolonha, no seu primeiro ano de curso, já trabalhava como estagiário em escritórios de arquitetura, trabalhando primeiramente com Aldary Toledo e em seguida no escritório em conjunto dos arquitetos Jorge Machado Moreira, Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy, enquanto também estagiava com Burle Marx, no período da noite. Nos estágios, Bolonha participou de projetos como o Hospital das Clínicas de Porto Alegre, com Moreira e o Teatro de Belo Horizonte, com Niemeyer. Durante seu trabalho com Burle Marx, além dos projetos para o Barreiro de Araxá, participou também da elaboração dos jardins da Residência Odette Monteiro, em Petrópolis, e dos Jardins para o Ministério da Educação. Bolonha formou-se pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil61, em 1945, permanecendo no escritório de Burle Marx até 1950. (PORTO, 2005) Desde o falecimento de Burle Marx, em 1994, a Burle Marx & Cia Ltda é dirigida pelo arquiteto, companheiro de trabalho, amigo e discípulo, Haruyoshi Ono, o qual mantém o desenvolvimento dos trabalhos e concepções deixados pelo mestre. Enquanto vivo, Roberto Burle Marx primava pela perpetuação de seus conhecimentos, assim como da necessidade de tê-los. Disseminava suas idéias, das quais via o jardim como um lugar onde se estabelece uma relação especial com a natureza, uma coexistência pacífica entre as várias espécies, um lugar de respeito pelo outro, uma vez sendo esse um espaço público, um instrumento de prazer e um meio de educação. Das características deixadas de seus projetos, a principal foi a valorização da beleza dos elementos nativos da flora brasileira, sendo ele o responsável pela introdução do paisagismo como parte integrante do projeto arquitetônico e urbanístico.

61

Faculdade resultante do desmembramento do curso de arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes, em 1945.


Henrique Mindlin Associados Henrique Ephim Mindlin, filho de russos estabelecidos no Brasil, nasceu em São Paulo, em 1911 e graduou-se engenheiro-arquiteto pela Escola de Engenharia Mackenzie, em 1932. Nos seus primeiros anos como profissional realizou dezenas de obras em São Paulo, a maioria edifícios residenciais e que ainda não apresentavam uma uniformidade estética. Em 1942, mudou-se para o Rio de Janeiro após obter o primeiro lugar no concurso para o anexo do Palácio do Itamaraty. Com o crescimento das encomendas e popularidade, Mindlin se associou ao arquiteto Giancarlo Palanti, em 1955, num acordo onde, os trabalhos em São Paulo seriam desenvolvidos pela equipe do escritório de Palanti, e os do Rio de Janeiro, então capital federal, pelo escritório de Mindlin. (SANCHES, 2004) Em 1964, na tentativa de formar um escritório mais sério para o desenvolvimento de trabalhos no Brasil e no exterior, juntam-se à mais três sócios, Walmyr Lima Amaral, Marc Demetre Fondoukas e Walter Morrison, formando o “Henrique Mindlin, Giancarlo Palanti e Arquitetos Associados”, primeiro escritório de arquitetura no país constituído juridicamente como uma empresa.62 (NOBRE, 2000) Atraindo uma boa gama de clientes, o escritório logo adquiriu popularidade, chegando a ter cerca de 60 pessoas trabalhando simultaneamente, fato que encadeou a necessidade de um “sistema de produção de arquitetura”, visto a necessidade de organização e produtividade condizentes aos preceitos funcionais do Movimento Moderno. Tal sistema de produção estabelecia uma uniformidade gráfica para os desenhos técnicos de projetos, desenvolvido por um grupo de arquitetos do próprio escritório, que ia desde a representação de cortes, níveis e cotas a um roteiro completo de numeração de pranchas e logomarca da empresa. (NOBRE, 2000) O sistema rendeu uma apostila com a marca do escritório, que logo se difundiu pelo Brasil, sendo adotada por vários outros escritórios. Também, seguindo a linha de pioneiros na produção arquitetônica, o escritório foi o primeiro a utilizar recursos tecnológicos no desenvolvimento

de

projetos,

na

virada

dos

anos

1960,

quando

o

microcomputador ainda era desconhecido para a maioria da população 62

Vale lembrar que a Burle Marx & Cia Ltda, fundada em 1955, não era um escritório de arquitetura, mas de obras paisagísticas, até então atividade não apta na formação do arquiteto. 218


brasileira. Ainda na década de 1960, precisamente em 1966, Giancarlo Palanti, visando aposentar-se, (SANCHES, 2004) desfaz sua associação com Henrique Mindlin, passando o escritório a se chamar somente “Henrique Mindlin Associados”. Apresentado por seu irmão mais próximo, o empresário José Mindlin, como um homem “envolvido por uma visão de futuro”, Henrique Mindlin ainda teve atuação pioneira em várias frentes. Foi atuante no IAB desde 1940, precursor na luta pela regulamentação da profissão, pelos direitos autorais do arquiteto e pela remuneração condizentes às exigências e custos de um trabalho profissional (NOBRE, 2000). Via a arquitetura como sinônimo de planejamento, a qual tinha o objetivo de “atingir valores humanos e sociais na síntese de todos os elementos funcionais, estéticos e econômicos de projeto”, uma arquitetura de uma linguagem dita internacional e sistematizada, daí vide a importância, já discutida aqui, da organização de suas produções e de seu trabalho em equipe. Mindlin colaborou com o movimento moderno não só com edifícios, mas também com sua forte atuação no campo editorial.

Publicou artigos em revistas

especializadas nacionais e estrangeiras, sendo sua maior publicação, o livro-antologia “Arquitetura Moderna no Brasil”63, publicado pela primeira vez em Outubro de 1956. Dentre os inúmeros projetos assinados pelo escritório está o importante Bank of London and South America, de 1959, em São Paulo. Desde seu falecimento, em 1971, a Henrique Mindlin Associados, ainda hoje em funcionamento, está sob os comandos de um de seus primeiros fundadores, o arquiteto Walmyr Amaral.

Rino Levi Arquitetos Associados Rino Levi, nascido em São Paulo em 1901, obteve o diploma de arquiteto em 1926, pela Faculdade de Arquitetura de Roma, voltando a São Paulo, no mesmo ano, onde iniciou as atividades de seu escritório. Devido às ambigüidades de sua formação no período entre-guerras e do conservadorismo da escola de 63

Principal registro da construção brasileira de 1937 a 1955, no qual fornece uma rica e minuciosa visão do Movimento Moderno, situando o Brasil à época.


Roma, Levi trouxe para seus primeiros trabalhos a marca de um meio repleto de pluralidade e transformações. Não obstante, Rino Levi acabou por buscar para si a missão do arquiteto no Movimento Moderno, o qual presenciou ainda em seus anos de estudo, e que trouxe para seus trabalhos seguintes o uso de uma linguagem revolucionária, lógica e de um racionalismo internacional. Levi dizia que era preciso “estudar o que se faz no exterior e resolver nossos casos sobre estética da cidade com alma brasileira”64. Via a arquitetura como um evento indissociável da cidade e um elemento participante de sua construção que, enquanto morfologia, formaria o caminho a ser seguido para a construção da “urb moderna”. Como profissional atuante nas discussões profissionais65, Rino Levi trouxe para o seu escritório a real utilização de todas as disciplinas do currículo e deu extrema importância ao trabalho em equipe, tornando-o mais complexo e interdisciplinar, uma prática comum dos ateliês italianos. Em sua organização de trabalho, o papel do projetista era importante tanto para o detalhamento dos projetos como para o aprendizado dos estagiários e jovens arquitetos. Dos mais de cinquenta profissionais que passaram pelo escritório, muitos se tornaram professores das principais escolas de arquitetura do Estado de São Paulo, outros, arquitetos de atuação destacada no cenário paulista e nacional. Em 1941, o arquiteto Roberto Cerqueira César associou-se ao escritório de Rino Levi e, em 1951, o arquiteto Luiz Roberto Carvalho Franco fez o mesmo. Após a morte de Levi, em 1965, durante sua última expedição a qual fez com Burle Marx para catalogar a vegetação típica da Bahia e que foi financiada pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o escritório passou a realizar suas atividades sob a

64

Levi, R. Carta de 1925, “A arquitetura e estética das cidades”, publicado em o Estado de São Paulo , São Paulo, 15 de Outubro de 1925, transcrita por Geraldo Ferraz na revista Habitat, n. 30 Maio de 1956. Reproduzida no Catalogo da exposição realizada no Museu Lasar Segal – Warchavchik, Pilon, Rino Levi – Três Momentos da Arquitetura Paulista. São Paulo, Funarte – 1983. In Xavier (org.). Arquitetura Moderna Brasileira: Depoimento de uma Geração, São Paulo. Ed. Pini/Abea/FVA, 1987; Cosac-Naify 200. 65

Rino Levi lecionou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo de 1954 a 1959 e foi professor e crítico de ateliê na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Venezuela em 1959; presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento de São Paulo, por três anos seguidos; em 1951 funda o grupo do CIAM em São Paulo junto com Osvaldo Bratke, Icaro de Castro Mello, Roberto Cerqueira César e Eduardo Kneese de Mello; membro honorário das sociedades de arquitetos da Colômbia; membro da Comissão de Saúde Pública da UIA; presidente do Instituto Brasileiro de Acústica, etc. 220


denominação “Rino Levi Arquitetos Associados SC Ltda”. Mesmo buscando a continuidade dos parâmetros que formaram o escritório, este acaba inevitavelmente tomando outros rumos, embora os conceitos essenciais estivessem mantidos. Em 1972, o arquiteto Paulo Bruna foi convidado a associar-se como diretor do escritório e, em 1986, o arquiteto Antônio Carlos Sant’Anna Jr tornou-se sócio-diretor. Em mais de 80 anos de atividades ininterruptas, o Rino Levi Arquitetos Associados SC Ltda desenvolveu projetos em praticamente todas as áreas do trabalho profissional, procurou estar sempre na vanguarda de seu tempo, produziu pesquisas em pré-fabricação de canteiro, utilizando estruturas metálicas, implementando a racionalização dos processos construtivos e das práticas de escritório, fazendo uso de computadores aplicados à arquitetura, ensino e participando de atividades públicas e profissionais (VILLELA, 2003). Nos anos 90, o escritório passa por outras reestruturações. Primeiro, a saída dos arquitetos Paulo Bruna e Roberto Cerqueira César. O trabalho do escritório passa a ser continuado pelos arquitetos Luiz Roberto Carvalho Franco e Antonio Carlos Sant’Anna Júnior sob o nome de Rino Levi Arquitetos, até o ano de 1997, completando os 70 anos de existência, quando então, foi desfeito e seu arquivo doado para a biblioteca da FAUUSP, São Paulo.

3.3 os projetos Apresentados os escritórios, suas origens de formação e métodos de produção utilizados, serão apresentados agora, em ordem cronológica, os projetos desenvolvidos pelos mesmos que se destacaram na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. Para a análise das obras escolhidas, além das visitas feitas in loco e do material recolhido nos arquivos públicos e particulares de cada cidade, foi também feita uma pesquisa em revistas de arquitetura a fim de levantar o material suficiente para o trabalho em questão. Portanto, as descrições a seguir são resultado de minha percepção pessoal mas, principalmente, são retiradas de publicações coletadas de revistas de arquitetura.


Conjunto Paisagístico: Parque da Estância do Barreiro O

convite

para

o

projeto

paisagístico do Parque da Estância do Barreiro veio quando Burle Marx ainda trabalhava nos projetos da Pampulha (Cassino, Casa de Baile e Iate Clube), na cidade de Belo Horizonte, em 1943. (PORTO, 2005) O paisagista, já famoso na época, tinha conquistado renome diante do governo brasileiro e mineiro com os projetos

para

o

Ministério

da

Educação e Saúde, o terraço-jardim do Edifício da Associação Brasileira de Imprensa, ambos no Rio de

Fig. 01: Imagem aérea_Conjunto Paisagístico: Parque da Estância do Barreiro_ Burle Marx & Cia Ltda. Fonte: Google Earth

Janeiro, os Jardins do Grande Hotel de Ouro Preto e também por ter sua obra incluída no Brazil Builds, em 1943. Além do mais, segundo Porto (2005), as propostas paisagísticas de Burle Marx66 haviam se mostrado correspondentes às ideias de modernidade e progresso almejados pelos governos do Estado e da União. Este em especial, somado à já aceitação dos seus trabalhos, foi a razão principal da escolha do paisagista para a realização de um projeto em linhas modernas, contrapondo a arquitetura eclética do parque, desenhada pelo arquiteto Luiz Signorelli.67 No Barreiro, Burle Marx trabalha em conjunto com o botânico Henrique Lahmeyer de Mello Barreto e continua desenvolvendo as ideais já iniciadas no Ministério da Educação e Saúde e Pampulha, dando destaque aos aspectos regionais em oposição à valorização de elementos exóticos, característicos da 66

Antes de 1930, os projetos de Burle Marx ainda tinham concepções filiadas ao Beaux-Arts, onde realizou composições simétricas, regulares, incorporando também espécies exóticas. 67

Luiz Signorelli, mineiro, arquiteto e pintor. Formou-se pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro em 1925, participou do Salão Nacional de Belas Artes em 1923 e 1926. Foi fundador e organizador e primeiro diretor da EABH. Em 1928, fixa residência em BH e atua em inúmeros projetos na capital e no estado - foi professor de Grandes Composições de Arquitetura.

222


linha acadêmica, sempre na busca por uma arte ou arquitetura nacional. Para o projeto, Burle Marx e o botânico Mello Barreto realizaram expedições para a coleta de plantas em algumas regiões do estado de Minas Gerais como as da Serra da Piedade, do Curral e do Cipó, Lagoa Santa e Sete Lagoas, conseguindo montar um conjunto de espécies autóctones que não se encontravam no comércio, a fim de reproduzir as várias zonas fitogeográficas da região. (ADAMS, 1991) O plano paisagístico para o parque foi organizado em vinte e cinco seções, compostas por grupos vegetais de diferentes regiões do estado de Minas Gerais e coletados durante as expedições com o objetivo de reproduzir um mostruário da variada flora do estado. (PORTO, 2005) Tal concepção foi inspirada em Engler, que agrupou no Jardim Botânico de Dahlen, na Alemanha, plantas das regiões do Cárpato, dos Alpes, e dos Apeninos (OLIVEIRA, 1992), produzindo um mostruário que dificilmente um viajante comum poderia presenciar. Desse modo, o parque contava com grupos de vegetais específicos, setorizados por todo o parque, como as plantas perenes e os representantes legítimos da flora serrana situados na alameda de entrada e as plantas hidrófilas nas áreas de brejo. Ao longo da Avenida do Contorno, a qual delimita o parque, é possível perceber os agrupamentos característicos da canga da Serra do Curral, Serra do Cipó, Fig. 02: Grande Hotel e Fonte Andrade Jr. ao fundo_Conjunto Paisagístico: Parque da Estância do Barreiro_ Burle Marx & Cia Ltda. Fonte: Arquivo da pesquisa.

além de elementos da caatinga, roseirais, palmeiras, uma ampla zona de semi-xerófitas, com ipês, cássias, primaveras e quaresmeiras de cores variadas, além de embaúbas, jacarandás,

gameleiras,

pindaíbas,

fícus,

jequitibás,

tamboris, copaíbas e paineiras, e ainda presente, um bosque com árvores de grande porte circundando toda a extremidade do parque.

Com efeito, dos 25 setores propostos por Burle Marx, apenas 21 foram executados. Ficaram no papel um viveiro de animais, um parque infantil, duas áreas de brejo, um jardim da região calcária, uma composição com plantas de quartzito e um orquidário. Aparentemente, na área a ser ocupada pelo orquidário foi mantido um bosque com árvores já existentes no local. Nessa


mesma região, seria implantado, na década de 1980, um conjunto com um parque infantil e quiosques comerciais, concebido de acordo com um projeto da Burle Marx & Cia Ltda, em 1983. (PORTO, 2005) Neste

projeto,

o

paisagista

teve

a

preocupação em selecionar plantas com períodos de floração diferentes de modo que o conjunto apresentasse pontos floridos e de cor durante todo o ano. Também foram usadas

espécies

com

características

cromáticas variadas a fim de se explorar os contrastes entre as cores das flores, frutos, folhas e caules. Também, aqui, inicia-se nos projetos de

Fig. 03: Conjunto Paisagístico: Parque da Estância do Barreiro_ Burle Marx & Cia Ltda. Fonte: Arquivo da pesquisa.

Burle Marx o uso do traçado orgânico e da visão projetual ligada às características científicas, botânicas e mesmo culturais, disseminadas pelo amigo e companheiro de trabalho, Henrique Lahmeyer de Mello Barreto, (PORTO, 2005) que acreditava na importância da noção didática dos parques públicos e sua assimilação pela sociedade. O Conjunto Paisagístico para o Parque da Estância do Barreiro é parte integrante do Complexo

Hidrotermal

e

Hoteleiro

Fig. 04: Ao fundo, Fonte Andrade Jr._Conjunto Paisagístico: Parque da Estância do Barreiro_ Burle Marx & Cia Ltda. Fonte: Arquivo da pesquisa.

do

Barreiro, tombado pelo IEPHA de Minas Gerais e registrado na categoria “Conjunto Paisagístico” – Decreto – Constituição Estadual - Ano: 1989.

Fonte Andrade Junior Ainda dentro dos projetos concedidos ao escritório de Burle Marx para a Estância do Barreiro, em 1943, estava o desenvolvimento de um edifício para abrigo dos bebedouros e aproveitamento da fonte de água sulfurosa e de raras 224


propriedades medicinais encontrada na região. Como já dito, Burle Marx, não tendo formação acadêmica em arquitetura, passa o projeto para seu então estagiário Francisco Bolonha,

que juntamente com o

paisagista e o engenheiro Andrade Junior (nome com a qual a fonte foi batizada) ficam encarregados de desenhar um edifício em linhas modernas para o local. É válido ressaltar, novamente, a forte contribuição que a introdução da linguagem moderna no Barreiro trouxe para a afirmação da imagem de “modernização” e “progresso” apregoados pelo Fig. 05: Fonte Andrade Junior_ Burle Marx & Cia Ltda. Fonte: Arquivo da pesquisa.

governo de minas. Influenciado pela sua convivência com os chamados

arquitetos modernos, Bolonha desenha um edifício totalmente diferente das concepções neoclássicas européias normalmente empregadas nessa tipologia de edifício. A Fonte Andrade Junior é localizada às margens de um lago desenhado por Burle Marx defronte para o Grande Hotel e Termas, no qual foi construído o tanque onde a lama sulfurosa é armazenada.68 (PORTO, 2005) O edifício em concreto armado abriga dois pavilhões cobertos por uma laje curva sustentada por pilares revestidos em mármore travertino. Os pavilhões, um em cada extremidade, possuem fechamento em vidro com esquadrias de ferro fixas e abertas na parte mais alta de maneira a oferecer proteção aos ventos

dominantes.

Neles

estão

localizados

os

oito

bebedouros com água mineralizada. Há também uma vitrine para a exposição dos fósseis encontrados na região durante as escavações das obras do complexo. Tal fato explica os motivos de animais pré-históricos desenhados nos azulejos das rampas de acesso aos bebedouros e na paginação de piso

em

pedra

portuguesa

preta

e

branca,

ambos

desenhados por Burle Marx. Fig. 06: Destaque para a paginação do piso_Fonte Andrade Junior_ Burle Marx & Cia Ltda. Fonte: Arquivo da pesquisa.

68

Desde sua construção, a fonte passou por algumas modificações, sendo essas: alteração na laje plana, revestida

A fonte de água sulfurosa já havia sido canalizada e disponibilizada ao público. Localizava-se dentro de um edifício inaugurado em 1932, no entanto, como o parque passaria por uma reformulação total, o edifício foi demolido.


em mármore travertino, para laje em platibanda com revestimento em pastilha retangular; colocação de calhas; retirada do plano envidraçado que limitava o pavilhão na elevação norte em reforma datada de 1990. (PORTO, 2005)

Ainda no projeto, vemos materializada a forte influência que Bolonha sofreu dos estágios nos escritórios anteriores. Aqui, o ainda estudante de arquitetura explora as potencialidades formais do concreto armado, evidenciado no desenho sinuoso que contempla todo o projeto e que claramente remete aos projetos de Niemeyer para a Pampulha, principalmente a Casa de Baile, em Belo Horizonte, 1942. A

Fonte

Andrade

Junior,

juntamente

ao

Fig.07: Plano envidraçado que limitava o pavilhão_ Fonte Andrade Junior_ Burle Marx & Cia Ltda. Fonte: Revista Municipal de Engenharia. vol.15, n. 4, out-dez, 1948.

conjunto paisagístico de Burle Marx, é parte integrante do Complexo Hidrotermal e Hoteleiro do Barreiro, tombado pelo IEPHA de Minas Gerais e registrado na categoria “Conjunto Paisagístico” – Decreto – Constituição Estadual - Ano: 1989.

Fábrica Souza Cruz O conjunto de edifícios projetados na década

Fig. 08: Destaque à retirada do antigo plano envidraçado. Fonte Andrade Junior_ Burle Marx & Cia Ltda. Fonte: Arquivo da pesquisa.

de 1970 pela Henrique Mindlin Associados, no então Distrito Industrial de Uberlândia, revela o tratamento sensível dos seus condicionantes, como o terreno plano do local de implantação, a vegetação típica do cerrado, as necessidades futuras de modificações e a importância do arranjo humanizado de ambientes internos. O projeto destaca-se por levar em consideração as particularidades regionais brasileiras sem precisar importar as soluções de layout desenvolvidas em outros países, opondo-se também à concepção de edifícios industriais como simples galpões para armazenamento de máquinas e 226


produtos. (AMARAL, MORRISON, FRANCO, 1980) A Fábrica Souza Cruz, assinada pelos arquitetos Walmyr Lima Amaral, Pedro Augusto Vasques Franco, Walter Lawson Morrison e colaboradores, é um trabalho desenvolvido no campo interdisciplinar, principalmente como “exercício indispensável da profissão”, segundos os próprios autores. Para tanto, uma equipe formada não só de arquitetos, mas também de engenheiros, paisagistas, dentre outros, formularam diretrizes conjuntas que resultaram num projeto, que em meados dos anos 70, conseguiu estabelecer novas tendências construtivas para edifícios de tipologia industrial.

Fig. 09: Vista aérea_Fábrica Souza Cruz_ Henrique Mindlin Associados. Fonte: http://www.souzacruz.com.br, acessado em Jul. 2009.

O plano diretor da fábrica nasceu da intensa discussão dos conceitos já firmados pela Souza Cruz, incorporando todas as edificações e circulações de homens, veículos e materiais, estabelecendo um zoneamento visando expansões, segurança e defesa ecológica de toda área. (AMARAL, MORRISON, FRANCO, 1982) Para a fábrica de produtos de tabaco, o escritório projetou um complexo industrial com previsão de três módulos: o Módulo I de Fabricação, com 45.925 m²; o Módulo II de Fabricação, com 55.525 m²; e o setor de Armazenagem de Fumo, com 81.614 m². Os Módulos de Fabricação e os Armazéns de Fumo foram programados para operação independente, fazendo uso comum apenas dos setores de serviço, como a Gerência Geral, Fig. 10: Fábrica Souza Cruz_ Henrique Mindlin Associados. Fonte: Projeto, n.20, 1980.

Administração Geral (contabilidade, segurança, etc), Cozinha (com refeitórios separados), Portaria e Expedição. Todos os problemas técnicos e de segurança industrial foram resolvidos

por espelhos d’água, praças e pequenos pátios que pudessem gerar um microclima apropriado às atividades dos operários. Uma rua particular, porém aberta ao público, isolou uma faixa do terreno como reserva de estacionamento,


o que permitiu a entrada da fábrica pelo centro do terreno, livrando-a de qualquer influência negativa de potenciais futuros vizinhos. O próprio estacionamento, projetado para execução em módulos, seguiu uma lei de formação o qual evitou linhas retas de árvores de sombra e ainda permitiu o aproveitamento de algumas árvores originais, reduzindo sensivelmente a necessidade de cercas, conforme o almejado na proposta inicial. Da mesma forma, uma cerca inicialmente exigida entre o centro administrativo e a zona fabril foi substituída por um lago que integrou a área de lazer e ainda serviu como reserva de água para os sistemas

pressurizados

de

sprinklers

e

hidrantes para a segurança contra incêndios. Filtros, dutos, pontes rolantes e tubulações

Fig. 11: Fábrica Souza Cruz_ Henrique Mindlin Associados. Fonte: Projeto, n.20, 1980.

ofereceram elementos industriais com estética própria que, no desenvolvimento conjugado, puderam ser integrados na composição. Sua dinâmica e aparente espontaneidade contemplaram uma imensa variedade de incidentes visuais, juntando-se com a firme utilização de cores fortes e a presença permanente do paisagismo de Fernando Chacel para manter interesse e “senso do lugar”, como de um conjunto homogêneo e disciplinado. (AMARAL, MORRISON, FRANCO, 1982) Apresentando soluções de linguagem moderna como espaços modulados, coberturas que objetivavam grandes vãos, economia, simplicidade, rapidez de execução, reaproveitamento de peças, etc, o projeto buscou transformar um tema árido e às vezes poluidor, num ambiente agradável e apropriado não só para a maquinaria, mas principalmente para seus trabalhadores, evidenciando uma postura de conquista social dos mesmos. Com tantos triunfos, o projeto para a Fábrica Souza Cruz recebeu a XVII Premiação IAB/Rio na categoria de Edificações para fins industriais, passando a ser conhecido nacionalmente.

Escola Sesi-Senai O primeiro projeto conhecido do Escritório Rino Levi Arquitetos Associados SC Ltda, no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, é o conjunto destinado às atividades 228


educacionais, assistenciais e esportivas dos trabalhadores de indústrias, localizado na cidade de Araxá, proposto por um convênio entre a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração) e o Sesi-Senai, doado, logo em seguida, à prefeitura da cidade. Desenvolvido pelos arquitetos Roberto Cerqueira César, Luiz Roberto Carvalho Franco e Paulo Bruna, o edifício deveria contemplar um programa que se adequasse às especificidades de uma escola Sesi, orientada para a família dos alunos, com cursos de economia doméstica, culinária, etc., e de uma escola Senai, destinada a formação e aperfeiçoamento de mão-de-obra para a indústria (SANTOS, 1988). Fig. 12: Escola Sesi-Senai_ Rino Levi Arquitetos Associados SC Ltda. Fonte: Arquivo da pesquisa.

Para tanto, o terreno de implantação, bastante acidentado, foi tomado como partido inicial, a fim de dar destaque à diferenciação funcional dos três blocos propostos e dos seus espaços internos. Para as instalações do Sesi, um bloco foi destinado a abrigar os espaços para uma creche e demais salas de aula; para as instalações do Senai, outro bloco, diferenciado pela cobertura de sheds e por um grande espaço coberto de características nitidamente industriais, abrigou a salas restantes. Para a interligação desses dois blocos, um espaço central foi pensado como área comum do prédio, dispondo de todos os serviços como recepção, cuidados médicos, administração e

Fig. 13: Sheds das instalações do Senai_Escola Sesi-Senai_ Rino Levi Arquitetos Associados SC Ltda. Fonte: Arquivo da pesquisa.

auditório. Segundo Santos (1988), este bloco central foi diferenciado dos demais pelo seu tratamento de fachada e pela localização em desnível, sendo acessado por um grande conjunto de escadas que, não somente aqui, também pode ser visto em outras transições de espaços coletivos para espaços externos.Na área externa, além do estacionamento e da forte presença da vegetação como elemento integrador, também foi concentrada a área de lazer e locais para as atividades

Fig. 14: Entrada principal e conjunto de escadas_Escola Sesi-Senai_ Rino Levi Arquitetos Associados SC Ltda. Fonte: Projeto, n.111, 1988.

esportivas, com quadras poliesportivas, quadras de vôlei, vestiários, arquibancadas e piscina.


No

mais,

como

um

forte

componente de contraste, a torre para

abastecimento

de

água

demonstra ser um importante marco visual para essa área da cidade, onde

predominam

os

gabaritos

Fig. 15: Escola Sesi-Senai_ Rino Levi Arquitetos Associados SC Ltda. Fonte: Projeto, n.111, 1988.

baixos.

Casa de Hóspedes para a CBMM

Em 1979, um ano após o projeto feito para a Escola Sesi-Senai, o Escritório Rino Levi Arquitetos Associados SC Ltda foi convidado a elaborar o projeto arquitetônico para a Casa de Visitas da CBMM, também na cidade de Araxá,

diante

acolhimento

da

necessidade

adequado

aos

de

dar

inúmeros

visitantes estrangeiros, técnicos e diretores da própria empresa, por ocasião de suas visitas à

Fig. 16: Casa de Hóspedes para a CBMM_ Rino Levi Arquitetos Associados SC Ltda. Fonte: Projeto, n.111, 1988.

mineração e à usina. (SANTOS, 1988) Assinado pelos arquitetos Roberto Cerqueira César, Luis Roberto Carvalho Franco, Paulo Bruna e Carlos Eduardo de Paula, o projeto usou como partido inicial as características do local de sua implantação, um terreno de 35.000m²

e

de

acentuada

declividade,

localizado no alto de uma colina nos arredores de Araxá e nas proximidades da mineração, com vistas para vales e montanhas próximos. Ao tirar partido da acentuada declividade, o

Fig.x 17 Casa de Hóspedes para a CBMM_ Rino Levi Arquitetos Associados SC Ltda. Fonte: Projeto, n.111, 1988.

escritório se propôs a elaborar um projeto de

230


característica horizontal e dividido em alas que acentuassem a topografia do local. As três alas estabelecidas foram articuladas a um corpo central, onde foram dispostos os ambientes para as atividades de cunho social como o salão de estar, recepção, bar, restaurantes, salas de reunião e demais ambientes de trabalho. Nas alas norte e sul foram dispostos os apartamentos para o alojamento dos hóspedes e, ainda, uma terceira ala foi destinada aos setores de serviço como cozinha, lavanderia, etc. Segundo Santos (1988), tal setorização de funções, em diferentes blocos em desnível, criou um jogo de volumes e planos de telhado ao mesmo tempo em que diversificou os espaços no interior do complexo. Também, a sucessão de pátios, terraços e jardins internos ao edifício de dois pavimentos estabeleceu uma lenta transição entre espaços externos e internos, integrando o paisagismo de Fernando Chacel e a rica vegetação nativa do entorno. Todo o complexo tem estrutura em concreto armado e cobertura em telha

cerâmica

com

caimento

específico a cada sucessão de blocos. Os materiais mesclam o Fig.18: Detalhe da cobertura_Casa de Hóspedes para a CBMM_ Rino Levi Arquitetos Associados SC Ltda. Fonte: Projeto, n.111, 1988.

tijolinho, a madeira e o concreto aparente,

contrastando

com

as

demais cores do edifício. Ainda destacam-se as pérgulas para a proteção do sol, localizadas nos acessos da Casa de Hóspedes, também associadas à estrutura do prédio. Ainda que o escritório trabalhesse dentro da racionalidade e funcionalidade proposta pela arquitetura moderna, percebe-se na Casa de Visistas para a BMM a retomada de certas características vernaculares, como a utilização de telhas cerâmica, os elementos vazados e o tijolo aparente. Também, segundo Anelli,


Guerra e Kon (2001) o projeto retoma temas de algumas de suas obras anteriores, como a Casa dos Engenheiros da Eclor, em 1956, que assemelha-se ao edifício em questão na implantação no topo de uma colina como partido para soluções formais, na utilização de brises horizontais para controle da insolação e no uso de um volume cilíndrico em contrate às demais linhas regulares do projeto.

4. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

A produção dos chamados arquitetos “forasteiros” no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba demonstrou ser positiva e importante para a região. Não só grandes escritórios advindos das capitais, como também outros arquitetos que estabeleceram aqui suas bases de trabalho por um curto período de tempo, deixaram nas então pequenas cidades, produções modernas significativas para, num conjunto maior, formarem um considerável acervo dessa produção. Ainda, considerando a grande escala dos projetos desenvolvidos pelos escritórios citados, a região beneficiou-se com a chegada de novas técnicas em tipologias variadas e que fizeram da arquitetura produzida aqui semelhante àquela de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

No projeto da Henrique Mindlin Associados para a Fábrica Souza Cruz, a introdução do fator humano e de novas tendências na elaboração de projetos industriais de grande escala influenciou o desenvolvimento de outros edifícios de mesma tipologia diante do forte setor industrial da região, ainda em crescimento no começo da década de 1970. A Escola Sesi-Senai e a Casa de Hóspedes para a CBMM, do escritório Rino Levi Arquitetos Associados, também foram conseqüência deste mesmo avanço industrial, sendo também resultados da aceitação de outras obras modernas já estabelecidas na cidade de Araxá, como o Conjunto Paisagístico da Estância do Barreiro e a Fonte Andrade Jr. Nestes últimos, ainda, pôde-se perceber que os procedimentos compositivos adotados foram empregados posteriormente em outros projetos do mesmo escritório e que alguns se tornaram peculiaridades proeminentes do mesmo. 232


É importante destacar que, não somente as obras aqui citadas mas toda a arquitetura moderna, contribuiu para o desenvolvimento de uma cultura arquitetônica

reconhecida

internacionalmente,

que

demonstra

traços

particulares nacionais e não específicos de uma região específica. Evidenciada a importância do Movimento Moderno no Brasil, principalmente pela produção nacional, vêm à tona os problemas de preservação uma vez passada por definitiva a época de produção moderna no país. A salvaguarda dessa arquitetura, que varia entre atitudes pequenas como a menor descaracterização possível pelos moradores até atitudes maiores como o tombamento do edifício por um órgão federal, tem encontrado dificuldades devido, principalmente, a proximidade temporal de sua produção. A população desconhece a importância do Movimento Moderno para a história do país e ainda não vê essa produção como patrimônio a ser preservado, assim como é, dentre outras, a arquitetura colonial, barroca e neoclássica, expressões de uma cultura passada e remota. A demora na efetivação das medidas de salvaguarda pode ocasionar, em ultima instância, uma demolição indesejada e irreversível para a construção da memória cultural de uma cidade ou comunidade. Por isso, o desenvolvimento das ações de documentação feitas na pesquisa “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação” como medidas iniciais para a preservação. Com a catalogação em fichas de inventário pode-se verificar as obras em destaque e desenvolver medidas que procurem, dentro de discussões e análises enquadradas caso a caso, conscientizar as autoridades, os órgãos públicos e a população, uma vez que entendemos que, sem o reconhecimento do usuário, essa arquitetura não poderá ser preservada .

5. AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - Fapemig, órgão fomentador da pesquisa “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação”, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, como órgão fomentador da bolsa de pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica -


PIBIC/CNPq/UFU e à Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia – FAUeD/UFU.

6. REFERÊNCIAS ADAMS, William Howard. Roberto Burle Marx: The Unnatural Art of the Garden, The Museum of Modern Art, New York, 1991. AMARAL, Walmyr Lima; MORRISON, Walter L; FRANCO, Pedro Augusto Vasques. Fábrica Souza Cruz, Uberlândia, MG; projeto de arquitetura. In: Projeto. São Paulo, n.42, p.144, jul, 1982. AMARAL, Walmyr Lima; MORRISON, Walter L; FRANCO, Pedro Augusto Vasques. Fábrica Souza Cruz, Uberlândia, MG: prêmio IAB-RJ; projeto de arquitetura. In: Projeto. São Paulo, n.20, p.13-18, maio, 1980. ANELLI, Renato, GUERRA, Abílio, KON, Nelson. Rino Levi: Arquitetura e Cidade. São Paulo: Romano e Guerra, 2001. ARANHA, Maria Beatriz de Camargo. Rino Levi: Arquitetura como Ofício . Dissertação de mestrado. São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. ARGAN, G. C. (1970). L'Arte Moderna - 1770/1970. 13.º ed. Firenze, Sansoni Editore, 1985. AZEVEDO, P. (1998). A Difusão da Arquitetura Moderna em Minas: O Arquiteto João Jorge Coury em Uberlândia. São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC USP. BENEVOLO, L. (1976). História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora Perspectiva. ____________. (2003). História da Cidade. São Paulo: Editora Perspectiva. CAMISASSA, Maria Marta dos Santos. A preservação do moderno e a formação dos Futuros profissionais da Arquitetura e do Urbanismo. In: PESSÔA, José; 234


VASCONCELLOS, Eduardo; REIS, Elisabete e LOBO, Maria (org.). Moderno Nacional. EduFF, Niterói, 2006. p. 169-181. CAPPELLO, Maria Beatriz Camargo. Paisagem e jardim nas casas de Rino Levi. Dissertação (Mestrado) – Escola de Engenharia de São Carlos – Universidade de São Paulo, São Carlos,1998. DOCUMENTAÇÃO da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação – Fichas de Inventário. Disponível em <http://www.faurb.ufu.br/doc_moderno/html/cidades0.html>.

Acesso

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jun.2009. FONTE Termal Andrade Junior. In: Revista Municipal de Engenharia. Secretaria Geral de Viação e Obras. vol.15, n. 4, out-dez, 1948. FRAMPTON, K. (1987). História Critica da Arquitetura Moderna. Barcelona, Gustavo Gili. GUERRA, M. E. (1998). As Praças Modernas de João Jorge Coury no Triângulo Mineiro. São Carlos, Dissertação (Mestrado), EESC - USP. LAURENTIZ, L. (1993). Olhando as arquiteturas do cerrado. In: Projeto 163, São Paulo, maio, PP. 75-91. MARTINS, C. A. F. (1988). Arquitetura e Estado no Brasil: Elementos para uma Investigação sobre a Constituição do Discurso Modernista no Brasil; a Obra de Lúcio Costa. São Paulo. Dissertação (Mestrado) – FFLCH - USP, 1º. Capítulo. Uma trama recorente. MINDLIN, H. (1956). Arquitetura moderna no Brasil; prefácio de S. Giedion; organizador da edição brasileira. Lauro Cavalcanti; tradução de Paulo Pedreira. 2.ed. Rio de Janeiro : Aeroplano Editora/IPHAN. 2000. Título original em inglês: Modern architecture in Brasil. New York : Reinhold. MUMFORD, L. (1998). A Cidade na História. São Paulo: Martins Fontes. NOBRE, Ana Luiza. Documento - Henrique Mindlin, profissão: arquiteto. In: Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, v.16, n.90, p.77-81, jun./jul, 2000.


OLIVEIRA, Ana Rosa de. Bourlemarx ou Burle Marx? Entrevista a Burle Marx. 1992.

Disponível

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<http://www.vitruvius.com.br/entrevista/burlemarx/burlemarx_6.asp>. Acessado em: 30 jun.2009.

PORTO, Daniele Resende. O Barreiro de Araxá: Projetos para uma estância hidromineral em Minas Gerais. Dissertação de Mestrado, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2005.

236



DA INSERÇÃO AO RECONHECIMENTO DO ESPAÇO MODERNO NOS CENTROS HISTÓRICOS Ariel Luis Lazzarin / Henrique Vitorino Souza Alves / Maria Beatriz Camargo Cappello

Da inserção ao reconhecimento do espaço moderno nos centros históricos69 Este trabalho é fruto do projeto de pesquisa “Documentação da Arquitetura Moderna no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: História e Preservação”, desenvolvido pelo Núcleo de Teoria e História da Arquitetura da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia. Esta investigação tem como objetivo estabelecer uma base documental consistente para a avaliação da produção projetual da Arquitetura Moderna na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, estado de Minas Gerais. Com o produto desta investigação é possível traçar um panorama referente a consolidação do Movimento Moderno na arquitetura produzida em uma região ainda carente de estudos pela historiografia nacional. As décadas de 1960 e 1970 abarcam o período de estabelecimento de princípios modernos na construção regional; o que denuncia o processo de apropriação dessa leitura de espaço desenvolvida primeiramente nos grandes centros pelos autores desses projetos, antes do exercício local. A abrangência desse estudo possibilita a análise de 21 cidades, as quais sofreram distintos impactos com a implantação da Arquitetura Moderna. Neste período a região experimentava grande desenvolvimento –destacando-se a cidade de Uberlândia –impulsionado pela construção de Brasília e a intensificação das rotas comerciais do interior brasileiro. O processo de consolidação do centro dessas cidades, propício para as novas possibilidades de verticalização e adensamento, e o crescimento urbano associados ao espírito de modernidade traçaram a nova imagem destas cidades. Algumas com a conservação de sua configuração urbana de escala e ocupação e outras, de

69

Esta pesquisa foi financiada pela FAPEMIG (Fundação de amparo à pesquisa do estado de Minas Gerais) 238


maior desenvolvimento, com a sobreposição de edifícios, redesenhos espaciais e deslocamentos de centralidades e interesses.

Estabelecido então o reconhecimento do patrimônio eclético nessa região, vivemos um período com distanciamento histórico capaz de reconhecer na Arquitetura Moderna o caráter de patrimônio. Os centros dessas cidades convivem com a construção e uso espacial modernos e estas podem ser causas que retardem o reconhecimento dos valores desta produção, uma vez que ele se repete com freqüencia na construção contemporânea.

Nas cidades que viveram grande crescimento neste período, ao mesmo tempo em que é vista a conservação de algumas fachadas ecléticas, são perdidas grandes oportunidades com as transformações de uso naturais da cidade. A qualidade da configuração espacial moderna é ignorada, principalmente nas transformações de antigas áreas residenciais em linhas de comércio e serviços. O desejo de transformação do espaço dispensa grandes avanços nas leituras espaciais, estéticas e de conforto ambiental obtidos com a arquitetura moderna local com a mesma voracidade com que são instalados luminosos nas fachadas ecléticas.

O trabalho a ser apresentado busca, através da análise desse processo de alteração das relações entre o novo homem moderno e o ambiente urbano construído e a nova relação também do edifício com a cidade, e que modifica os partidos

de

análise

deste

objeto,

seu

caráter

como

patrimônio.

O

reconhecimento desta arquitetura como valor histórico a ser conservado vai além da materialidade, exigindo a compreensão da espacialidade gerada a partir de sua implantação e das possibilidades de apropriação pelo homem contemporâneo, dissociadas de seu uso. Este é o início das medidas de conservação, até mesmo involuntárias, destacadas nesta região de estudo.


Uberlândia – a arquitetura moderna e a busca da imagem de modernidade Uberlândia faz parte de um conjunto de cidades médias brasileiras que experimentou um grande crescimento populacional a partir da década de 1980. Um dos fatores principais foi o movimento de desconcentração econômica e industrial que ocorreu no país durante esta década. O Triângulo

Gráfica 01. Uberlândia, localizaçăo do povoado. Fonte: Arquivo Valéria Maria Queiroz Cavalcante Lopes.

Mineiro, região onde a cidade se localiza, iniciou com isso uma nova fase econômica, com a industrialização da agropecuária, a vinda de indústrias e o desenvolvimento de seu setor terciário (SILVA ET AL: 2000:5). Além disso, o caso de Uberlândia foi favorecido por sua posição geográfica

central

assumindo

um

no

papel

território de

brasileiro,

distribuição

de

mercadorias e entroncamento de canais de circulação.

Gráfica 02. Mapa de Uberlândia em 1898 Fonte: Caminhos e trilhas: transformações e apropriações da cidade de Uberlândia (1950-1980). Pag.23. Valéria Maria Queiroz Cavalcante Lopes.

O primeiro núcleo, que deu origem à Uberlândia,

se

implantou

próximo

ao

córrego São Pedro – atualmente canalizado e convertido em um dos principais eixos viários da cidade, a Avenida Rondon Pacheco. Em 1853 foi construída a primeira capela e, uma década depois, esta se elevou a Matriz, o que permitiu a Uberlândia adquirir a condição de vila. O adro desta igreja se caracterizou como o primeiro ponto central da cidade, de onde diversas ruas irradiavam-se em todas as direções. Com o crescimento do núcleo, a cidade foi expandindo-se na direção nordeste, com a conversão de seu cemitério em uma praça (atualmente a Praça Clarimundo Carneiro), onde se construiu o primeiro

Gráfica 03. Mapa de Uberlândia em 1915 Fonte: Caminhos e trilhas: transformações e apropriações da cidade de Uberlândia (1950-1980). Pag.46. Valéria Maria Queiroz Cavalcante Lopes.

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prédio da Câmara Municipal e um coreto. A instalação da estação ferroviária, em 1895, também contribuiu para este crescimento rumo a nordeste. Em 1894 realizou-se o levantamento topográfico da região compreendida entre esta praça e a estação ferroviária. Com o crescente tráfego de pessoas e mercadorias induzido pela presença da ferrovia nesta região, foram abertas seis avenidas paralelas, cortadas por ruas perpendiculares, introduzindo um traçado em tabuleiro que conectou o núcleo originador da cidade ao pátio da ferrovia, dando forma à região que hoje é o Centro de Uberlândia (FONSECA, 2007:87-89). Esta nova região, gradativamente assume o papel de nova centralidade uberlandense. Com a criação da Praça da República – atualmente Praça Tubal Vilela – um novo espaço referencial

surge,

com

os

principais

estabelecimentos

comerciais, bancários, culturais, além da nova Igreja Matriz, se instalando ao seu redor. A partir de 1920, juntamente com a Avenida Afonso Pena, esta região torna-se, de fato, a nova centralidade de Uberlândia. Na década de 1960 a antiga Gráfica 04. Praça Tubal Vilela – meados de 1940. Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia.

Matriz é demolida e em seu lugar é construída a primeira estação rodoviária da cidade, reforçando a mudança simbólica e funcional de centro para a nova praça. A partir da década de 1960 inicia-se o processo de verticalização do Centro. A cidade também começa a experimentar

um

período

de

intenso

crescimento

populacional, atraindo pessoas das cidades vizinhas em busca de oportunidade de emprego e estudo, principalmente. Gráfica 05. Área central de Uberlândia em 1970 Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia.

Este

processo

atingirá

níveis

altíssimos,

conforme

mencionado, a partir da década de 1980 – maiores que as taxas observadas nas grandes cidades brasileiras.


Com esta explosão de crescimento, alguns edifícios modernos foram construídos em Uberlândia: desde residências para a elite econômica equipamentos

a

prédios

institucionais

urbanos

e

terminais

de

transporte, sedes de associações, prédios do poder público, escolas, praças etc. Esta gradativa inserção de obras alinhadas com o pensamento

moderno

e

produzidas

por

arquitetos instalados na cidade ou não – mas sempre com formação nos grandes centros

Gráfica 06. Praça Tubal Vilela– arquiteto João Jorge Coury, 1960 - Uberlândia, Brasil Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design. UFU.

urbanos –, pode ser interpretada, juntamente com as grandes obras de infraestrutura urbana realizadas a partir deste período, como parte de um discurso progressista do poder político e econômico local, buscando criar uma imagem urbana de desenvolvimento

e

modernidade. Por outro lado, a periferia da cidade era reservada às classes sociais mais

pobres

destes

e

nenhum

investimentos

era

Gráfica 07. Residência Laerte Alvarenga de Figueiredo - arquiteto Ivan Cupertino, 1950 – Uberlândia, Brasil Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design. UFU.

destinado a tais regiões, um processo

de

exclusão

socioespacial recorrente em todas as cidades do Brasil.

Gráfica 09. Edifício residencial Itacolomi arquiteto Paulo de Freitas, 1970 – Uberlândia, Brasil Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design. UFU.

Gráfica 08. Escola Estadual Bueno Brandão, 1960 – Uberlândia, Brasil Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design. UFU.

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Com estes projetos novas características espaciais foram introduzidas no tecido urbano local, principalmente novos modos de implantação das edificações nos lotes e novas configurações dos espaços públicos, tendo como ideal a criação de uma cidade democrática e eficiente. Claro que isto se deu de modo limitado e localizado, tanto pela inserção pontual destas arquiteturas como também pelas próprias Gráfica 10. Edifício Empresa de Correios e Telégrafos, 1970 - Uberaba, Brasil Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design. UFU.

restrições impostas pelo código predial de Uberlândia que, como em todas as outras cidades no país, não tinha relação alguma com os princípios urbanísticos progressistas tidos como ideais – corbusianos, principalmente. Conforme Nestor Goulart Reis Filho: “...a arquitetura é mais facilmente adaptável às modificações do plano econômico-social do que o lote urbano, pois as modificações deste exigem, em geral, uma alteração do próprio traçado urbano.” (REIS FILHO, 2004:16) Como já dito, as contribuições introduzidas pela arquitetura moderna foram importantes, mas em pequena escala; a

Gráfica 11. Conjunto de salas comerciais, 1970 – Uberaba, Brasil Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design. UFU.

grande mudança na paisagem urbana da região central da cidade aconteceu com o surgimento dos grandes edifícios de apartamentos e de salas comerciais – de linguagem moderna ou não -, contribuindo para o adensamento desta zona da cidade mas, ao mesmo tempo, desconfigurando a espacialidade de seu centro histórico – o Fundinho – onde suas estreitas vias de circulação, adequadas às carroças, deram lugar aos automóveis e suas pequenas edificações de um ou dois pavimentos foram substituídas por grandes edifícios de apartamentos para a elite local. É neste contexto de profundas transformações urbanas que

Gráfica 12. Residência Siqueira - arquiteto Kadmo de Paula, 1960 – Patrocínio, Brasil Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design. UFU.

os primeiros edifícios modernos são construídos nesta cidade, trazendo novas formas de ocupação do território e alterando profundamente a paisagem urbana local. Estas transformações, experimentadas de modo agressivo em

Uberlândia, se deram de modo mais sutil nas cidades vizinhas de Uberaba,


Araguari e Araxá, inexistindo nas demais, que gradativamente aumentavam sua dependência em relação à Uberlândia, que assumia a posição de cidade polo da região do Triângulo Mineiro (SILVA ET AL: 2000:26).

Reconhecimento do Espaço Moderno Hoje, nosso distanciamento histórico com o período de exercício da prática arquitetônica moderna nos permite estabelecer um olhar crítico sobre esta produção, capaz de reconhecê-la como patrimônio histórico. As transformações na produção do espaço pós modernismo permite com que a imagem de modernidade criada associada à disseminação de um “estilo moderno” na produção arquitetônica principalmente nas décadas de 60 e 70 na região de estudo, passa a ser reconhecida como antigo. O rótulo de antigo, potencializado pelas necessidades atuais de medidas de conservação, como qualquer outro edifício de 30 ou 50 anos, não são capazes de inserir esses objetos na esfera do patrimônio. Isto se dá, primeiramente, pelo fato da linguagem moderna tratar de uma estética oposta ao que o olhar de nossa sociedade foi treinada a reconhecer como patrimônio, que se aproxima muito da museificação de caráter intocável. Um segundo fato que impede a aceitação desses espaços como memória é a característica de que esta produção buscou além de uma solução espacial, plástica e tecnológica baseada na razão e funcionalismo, uma discussão de sociedade a partir da arquitetura. Este objetivo fez dos princípios modernos uma alternativa para o redesenho de uma cidade que impulsionada pela velocidade da máquina e do espírito progressista, pudesse rever seus conceitos enquanto espaço das trocas sociais. Com isso o movimento conseguiu desenvolver grandes modelos de espaços possíveis ao uso comum e tendo uma maior e significativa resposta no que diz respeito à arquitetura, dissociada da macroescala que é a cidade. Esses modelos são representados pelas grandes áreas destinadas ao convívio, integração entre espaços internos e externos e planta livre, características desconsideradas pela sociedade contemporânea a caminho do individualismo crônico. 244


E por fim, como terceiro ponto desta leitura do homem contemporâneo sobre o espaço moderno, podemos identificar que a permanência do uso desses espaços dá-se exclusivamente pela conveniência que significam para a transformação dessas cidades, que se caracterizam por ter seu uso transformado na medida em que a cidade se expande. Em Uberlândia podemos identificar antigas áreas residenciais que tiveram suas casas adaptadas à novos usos com o adensamento de serviços e comércios nas áreas centrais, como é o caso da Centro, propriamente dito, Bairros Martins e Lídice e dos eixos compreendidos pelas Avenidas Getúlio Vargas, primeiramente, seguida pela Avenida Nicomedes Alves do Santos.

Esta positiva reorganização de uso nos espaços pensados pelos arquitetos modernos é tratada exclusivamente no âmbito do interesse por essas propriedades, ignorando os valores representados pelos significativos ideais modernos.

Hoje as relações espaciais – público x privado – além de terem sido parcialmente estabelecidas na cidade tradicional devido à conservação de restrições urbanísticas históricas, são gradativamente deterioradas, em função do que já foi dito e, principalmente pela paranoia da violência simbolizada por seu elemento principal: o muro. Este artifício arquitetônico é a síntese da nova relação entre o privado e público, a própria cisão entre esses lugares, chegando no seu ponto de máxima eficiência até então conhecida e representada pelo condomínio fechado. Este local, inclusive, é o cenário onde a ideologia moderna impera inocentemente de forma limitada à uma estética superficial, existindo até o momento em que o próprio edifício impõe suas necessidades primordiais de “privacidade”, até mesmo dentro do espaço da casa.

Com isso surge o desdobramento da terceira causa do não reconhecimento dos valores da arquitetura moderna, onde o uso contemporâneo do espaço moderno indica a possibilidade de repetição de soluções (tipológicas, construtivas e plásticas) adotadas há quarenta anos. Essa possibilidade da repetição insere


aquele espaço que necessita de medidas naturais de conservação nas áreas centrais em um alvo à inovações espaciais individualizadas.

Gráfica 13. Palácio da Justiça Abelardo Penna - arquitetos Roberto Pinto Manata e José Carlos. Laerder de Castro, 1970 – Uberlândia, Brasil. Projeto original. Fonte: Arquivo Público Municipal de Uberlândia.

A adequação do edifício moderno para receber usos distintos ao longo de sua existência contribui para sua preservação, considerando não apenas fatores culturais e estéticos, mas inclusive econômicos. É o entendimento de que o reconhecimento do patrimônio deve estar dissociado do caráter exclusivamente contemplativo da obra – como se todo o seu valor estivesse impresso em sua imagem. Os elementos que representam o pensamento da função do espaço construído nesta produção arquitetônica também devem ser vistos como patrimônio, uma vez que a arquitetura moderna buscava certas relações espaciais – de implantação, de escala e de diálogo com seu entorno – e não apenas a simples construção de uma nova linguagem plástica e construtiva. Seu valor como patrimônio, deste modo, transcende sua mera materialidade. Exemplo disso é o edifício do Palácio da Justiça Abelardo Penna, em Uberlândia. Implantado numa das principais praças da região central – Praça Sérgio Pacheco – o edifício, de desenho inspirado no brutalismo paulista, se configura como um bloco elevado do solo, liberando este para a livre circulação de pedestres através da praça. Com a necessidade de ampliação da área 246


destinada às vagas de estacionamento, um gradil foi instalado por todo o perímetro da praça, ao redor do edifício, anulando a intenção original de manter a circulação pública ali. O reconhecimento da arquitetura moderna atual no centro histórico pode ser entendido como um retorno às atitudes que este movimento tomou diante da construção substiuída ou radicalmente interferida, representada pela arquitetura eclética. Isto foi conseqüência do fato de que o centro passou por uma ocupação pela elite financeira, a qual tinha com a arquitetura moderna o ideal de progresso, enquanto as classes mais baixas utilizavam do espaço da periferia, onde a nova arquitetura nunca se fez presente, Gráfica 14. Palácio da Justiça Abelardo Penna arquitetos Roberto Pinto Manata e José Carlos Laerder de Castro, 1970 – Uberlândia, Brasil. Instalação de grade bloqueando percurso sob o edifício. Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design. UFU.

nem como símbolo de progresso, nem como tentativa de solução de mazelas sociais. Hoje, com a reocupação dos centros históricos por uma elite interessada neste aspecto rentável, é a vez da arquitetura moderna passar por este teste de viabilidade, onde umas das possibilidades frequentes têm sido o fechamento de áreas centrais para a seleção de seus usuários; enquanto a periferia se desenvolve nos mesmos moldes da década de 1960.

Gráfica 15. Residência Migliorini (demolida) - arquiteto Fernando Graça, 1970 – Uberlândia, Brasil Fonte: Arquivo Núcleo de Teoria e História da Arquitetura – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design. UFU.

Lições Modernas para a Cidade Contemporânea Apesar de muitas apostas do Movimento Moderno não encontrarem lugar na realidade ao longo do século

passado – setorização de funções urbanas e padronização de soluções –, muitas de suas propostas ainda são pertinentes, principalmente aquelas baseadas na integração entre espaços e usuários, adaptabilidade e flexibilização de programas e valorização do espaço público.


Diante da cidade contemporânea murada, vigiada, privatizada, controlada e, principalmente, carente de espaços públicos, a preservação do patrimônio moderno – não apenas da sua materialidade, mas também de suas relações espaciais – pode ser um modo de questionamento e resistência à deteriorização da urbanidade nas cidades brasileiras.

Bibliografía FONSECA, Maria de Lourdes Pereira. Forma Urbana e Uso do Espaço Público: As transformações no centro de Uberlândia, Brasil Barcelona, 2007. JACOBS, Jane Morte e Vida de Grandes Cidades, São Paulo, Editora Martins Fontes, 2001. LOPES, Valéria Maria Queiroz Cavalcante. Caminhos e trilhas: transformações e apropriações da cidade de Uberlândia (1950-1980). 2002.(Dissertação Mestrado) — Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002. REIS FILHO, Nestor Goulart Quadro da Arquitetura no Brasil São Paulo, Ed. Perspectiva, 2004.

SILVA, Vitorino Alves da; GUIMARÃES, Eduardo Nunes; BERTOLUCCI JÚNIOR, Luiz; FERREIRA, Ester Willian; DINIZ, Carlos José. Aglomeração urbana de Uberlândia (MG): formação sócio-econômica e centralidade regional, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Desenvolvimento Regional e Urbano. Instituto de Economia, Universidade Federal de Uberlândia, 2000. SOARES, Beatriz Ribeiro; RAMIRES, Júlio César L. As transformações do centro de Uberlândia no contexto de expansão da cidade, Sociedade e Natureza, Uberlândia, v. 9/10, p. 25-38, jan./fev, 1993. http://www.arqmoderna.faued.ufu.br/doc_moderno/ Acesso em 16 de Junho de 2009

248



NĂşcleo de pesquisa em Teoria e Historia de Arquitetura e Urbanismo

NUTHUAU | FAUED | UFU

250


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