moçambique
Banca sector financeiro prepara-se para aumento do malparado Turismo Hotelaria e restauração estão a perder 98% da facturação Clima Pandemia tem tido efeitos inesperados no ambiente Sociedade Como está a população a reagir?
Covid-19
O que vem aí?
Com a pandemia a tomar conta do mundo há mais perguntas do que respostas. O que vai acontecer em África? Como vai aguentar a economia de Moçambique? Que Mundo teremos a seguir? Abril 2020 • ano 03 no 24 • Versão Digital
Sumário 6
Observação
Covid-19 Uma imagem premonitória do que estaria por vir nos meses que se seguiram
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Radar
Panorama Economia, Banca, Finanças, Infra-estruturas, Investimento, País
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57 ócio 58 Escape Um ano depois do Idai, revisitamos a Beira 60 Gourmet Ao encontro de diferentes sabores e culturas no Market on Main 61 Adega Conheça a tendência dos tradicionais espumantes portugueses 63 Arte Com o vírus, o mundo das artes tem apostado em plataformas digitais 64 Ao volante Vanlife mais do que férias, um novo estilo de vida
Macro
Hotelaria e Turismo A drástica redução de mobilidade está a causar um profundo impacto num sector estruturante
20 nação O que vem aí? 20 Nação A E&M lança um olhar sobre as perspectivas da economia nacional e global face à eclosão do covid-19 26 Nação II Estará o mundo diante de uma oportunidade ímpar para mudar o rumo e o modelo do desenvolvimento que tem vindo a ser seguido nas últimas décadas?
34 mercado e FinanÇas
46 figura do mÊS
Sector financeiro Uma análise à eficácia das medidas dos bancos no alívio ao sector produtivo e às famílias
42 empresas
Associação Industrial de Moçambique Rogério Samo Gudo fala dos desafios da organização e das novas ideias para a revitalização da indústria nacional
48 sociedade
Contact A história de uma empresa que cruza caminhos de quem procura e quem oferece trabalho
44 Megafone Marketing O que está a acontecer no mundo das marcas em Moçambique e lá por fora
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Alerta A luta diária contra a pandemia faz-se na cidade de Maputo e nos bairros. Fomos ver o que está a ser feito
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lÁ fora
Angola Com a rápida disseminação do vírus e o pânico nos mercados financeiros, o Governo angolano prepara ajustes orçamentais
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sociedade Covid não! dá que (re)Pensar
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Dezenas de voluntários estão, diariamente, nos bairros de Maputo, Matola e Marracuene a travar uma guerra desigual contra o covid- 19, em acções de sensibilização da população mais vulnerável ó por descerem do chapa 100, ao fim da Avenida Karl Marx, meio trabalho já está conseguido. Ninguém fica indiferente aos atavios de Celina Novela e Carla Simbine, esta sobrinha daquela, ambas de 29 anos e formadas em Educação Ambiental pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Evoluem pela Avenida 25 de Setembro de máscara no rosto, colete reflector, calças castrenses cheias de bolsos, mochilas às costas, na mão destra um borrifador com desinfectante e na esquerda apelos manuscritos num cartaz de papelão. “DISTÂNCIA = AMOR = 1,5m FIQUE EM CASA PFVR”, solicita Celina; “Parte-me o coração ver-te brincar na rua. Não quero ver-te doente”, apela Carla. “O nosso trabalho é muito visual”, dizem.
entretanto pelas artérias da capital. Um deles estaca a marcha, volta atrás e pede a Celina, numa distância precavida, que lhe borrife as mãos. “Venho dali do bazar (Mercado Municipal), mexi em muita coisa”, justifica. Enquanto espalha o desinfectante, já os companheiros rodearam ambas solicitando-lhes trato igual, num processo rápido de higienização. E gratuito. Agradecem os borrifados, retomando o seu destino, e Carla traduz o fenómeno da receptividade crescente: “Usamos estes reflectores, temos cartazes e as pessoas vão-se aproximando e perguntando coisas sobre a covid-19, porque o interesse é muito grande. Pelo menos tão grande como o medo que isto dá”, diz. Um receio plasmado na declaração do Estado de Emergência, a 30 de Março,
pelo Presidente da República, Felipe Jacinto Nyusi, num pronunciamento inédito na História do país que a Assembleia da República ratificou e esclareceu no dia seguinte, estabelecendo-lhe o prazo de um mês. Abril inteiro de vida condicionada pelo medo de contaminação que encerrou escolas, silenciou as cálidas noites urbanas e aboliu as grandes assembleias. Como aquelas que se juntavam, aos fins-de-semana, pelo areal de Maputo fora, transbordando frangos grelhados e cerveja gelada até à Avenida Marginal. Acabou.
dos os níveis de ensino; a educação informal, tanto ao nível empresarial como comunitário; e um terceiro pilar que é o desperdício zero (tratamento de resíduos e criação de uma cadeia de valor, a chamada “economia circular”). Todavia, com o mote global “Lixo no Chão, Não!”, o projecto de maior visibilidade pública da Repensar, herdado da Cooperativa Ntumbuluku, foi, até à data, a “Praia Zero”. Patrocinado pela Heineken, Porto de Maputo e Conselho Municipal de Maputo, visou a educação cívica dos utentes da praia da Costa do Sol, estimulando a separação e reciclagem do lixo por eles gerado através da instalação de ecopontos, do aconselhamento directo por vários educadores ambientais e a instalação, na praia, de um ponto de recolha de garrafas de vidro, pagando pela retoma para evitar, assim, que acabassem em cacos no areal. “A 19 de Março, apresentámos aos patrocinadores a ideia de colocarmos os nossos educadores ambientais nos seus bairros de residência a fazerem acções de prevenção em relação ao covid-19”, recorda Diana Nunes de Carvalho, da Direcção da Repensar. Com o aval imediato dos patrocinadores, os educadores ambientais da Repensar constituíram-se num exército benigno de combate à disseminação do novo coronavírus espalhado por várias frentes, de tal modo que hoje há 24 elementos a operar em 21 bairros de Maputo; 14 em 13 bairros da Matola e dois em Marracuene. Carla e Celina, por exemplo, desenvolvem usualmente as suas acções de sensibilização na área onde residem, o Bairro Ferroviário. Com todas as vantagens que daí advêm.
Levar a prevenção sanitária aos Bairros
A vantagem da proximidade
Só os cegos ou os muito distraídos poderiam duvidar das duas ambientalistas que integram, desde 25 de Março, as brigadas que tentam, por toda a grande Maputo, sensibilizar as pessoas para comportamentos que evitem contrair covid-19 E só os cegos ou os muito distraídos poderiam duvidar das duas ambientalistas que integram, desde 25 de Março, as brigadas que tentam sensibilizar as pessoas para comportamentos que evitem contrair covid-19. A doença respiratória causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2 já matou, até ao dia 20 de Abril, mais de 166 mil pessoas e infectou pelos menos 2,4 milhões em 210 países e territórios, 39 delas em Moçambique, segundo dados do Ministério da Saúde. Contaminados pelo medo global
Embora sem nenhuma fatalidade a registar, a receptividade dos moçambicanos aos conselhos das voluntárias é mais elevada do que esperavam. Pouco antes da Praça dos Trabalhadores, passa por elas meia dúzia de homens já maduros, quatro mascarados por capulana, acessório que se tornou trivial
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Carla e Celina integram um contingente de 40 educadores ambientais ao serviço do projecto “COVID 19 NÃO!” da Cooperativa de Educação Ambiental Repensar. Fundada em Janeiro de 2019, a instituição desdobra-se em três áreas: a educação formal em to-
“Como são vizinhos do bairro, já conhecemos as pessoas, o que facilita a aproximação e a interacção. Começamos no nosso quarteirão e passamos ao outro, num movimento progressivo. Fazemos campanha porta a porta e também falamos com as pessoas www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020
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sociedade na rua — o que é esta pandemia, como nos podemos proteger, quais as medidas básicas a tomar de imediato, em casa e fora, e também como se devem comportar nos transportes públicos, a obrigatoriedade de usarem máscaras, de andarem com o próprio desinfectante e evitar os grandes ajuntamentos“, desfia Carla. Mas hoje, excepcionalmente, ei-las que actuam num dos pontos fulcrais porque capazes de espalhar mais rápido e para mais longe o coronavírus -, desta guerra contra a peste: a Praça dos Trabalhadores, um dos maiores terminais rodoviários da capital com ligação directa à via-férrea. É, aliás, defronte à elegância majestática da centenária estação dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) que chegam e partem autocarros, machimbombos e chapas 100 de e para os bairros periféricos da capital. Embora numerosos, tanto as máquinas como os utentes são agora muito menos. Só as regras aumentaram. Elias Machava é o primeiro de uma fila de mascarados que aguardam pelo chapa certo. A máscara dele, algo curta, denuncia-lhe o bigode. “Apanho o chapa todos os dias, moro no Bairro de Hulene. É claro que as pessoas estão a cumprir as ordens do Governo, é só olhar para elas”, indica. E, de facto, não há fácies reconhecível nas imediações. Ele próprio não larga o rectângulo de pano colorido que traz preso às orelhas, não tanto pela duvidosa protecção, mas pela obrigatoriedade de o usar. “Quem não tiver máscara não entra”, explica Arsénio Leandro, fiscal auxiliar do Departamento de Transportes e Comunicações da Polícia da República de Moçambique (PRM), à entrada de um autocarro com 40 passageiros. Todos abancados, todos mascarados. Antes da pandemia, levava mais 50 em pé. Pelo menos. Agora, já não. Mecanismos inovadores e sustentáveis
Segue para a Matola e para lá vão também Carla e Célia. No Bairro 700 aguarda-as Dário Enoque, outro educador ambiental da Repensar, licenciado como elas na UEM. O jovem de 27 anos aguçou o engenho e, para lá do aconselhamento que ministra vizinhança adentro, com efeitos notórios em algumas bancas do comércio informal, com balde e sabão para os clientes que mamanas de máscara
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São 40 os educadores ambientais no projecto “COVID 19 NÃO!” da Cooperativa de Educação Ambiental Repensar
“Quem não tiver máscara, não entra”, explica Arsénio Leandro, fiscal auxiliar do Departamento de Transportes e Comunicações da Polícia da República de Moçambique (PRM), à entrada de um autocarro com 40 passageiros vigiam, fabricou um mecanismo, para uso público e gratuito, que permite lavar as mãos sem que elas lhe toquem. Chama-se tippy tap. Um deles está montado do outro lado do campo de futebol de Matiquite, defronte à casa de Sansão Francisco, e é para lá que corre Geraldo, JJ para os amigos, na leveza dos 10 anos. Coloca um pé sobre uma placa de plástico resgatada a um brinquedo velho, a qual, ligada por arame
a um jerricã amarelo de cinco litros cuja alça é atravessada por uma barra colocada a uma altura de metro e meio, o obriga a verter do interior uma solução desinfectante. JJ apara o líquido com as mãos, esfrega-as e, com as palmas bem esticadas, exibe um asseio até então pouco usual. Sansão Francisco sorri, mesmo sabendo que lhe cabe a tarefa de reencher o jerricã. Com dois filhos, de 7 e 4 anos, realça que “o importante www.economiaemercado.co.mz | Abril 2020
é que saibam usar isto para não ficarem doentes”. E sabem. E usam. Essa é uma das vantagens do dispositivo que a Repensar engendrou e cujos educadores ambientais têm andado a montar pelos bairros em que operam – o uso intuitivo. Mas há mais: “Basta colocar o pé no pedal e a água sai. A segunda vantagem é económica – não é preciso gastar nada porque o tippy tap é feito com material reciclado, coisas velhas que haja lá em casa. E a terceira é a sustentabilidade: a pessoa gere a água que precisa – nem mais, nem menos, só a necessária. Portanto, o modelo é sustentável”, debita, com óbvio orgulho, Dário Enoque. À satisfação de contribuir para o bem comum, o jovem retira prawww.economiaemercado.co.mz | Abril 2020
zer também da popularidade que o trabalho lhe confere: “Agora, toda a gente me conhece por aqui”, o que lhe alargou os contactos inscritos no celular. De “babes”, principalmente. Vectores locais de iniciativas alheias
Este conhecimento alargado resulta, também ele, numa vantagem global. Conforme explica Diana Carvalho, “a Repensar, pela implantação que tem já nos bairros onde está a trabalhar, tem sido contactada por outras instituições que, embora pretendam fazer chegar contributos a essas localidades, não têm lá qualquer retaguarda. Então os nossos educadores da Repensar passaram a ser o veículo local de outras iniciativas”.
Estas irão acrescentar volume ao trabalho já realizado pela cooperativa e que orçava, em meados de Abril, 25 233 pessoas abordadas, das quais 10 981 crianças e 30 tippy taps operacionais, realça Diana. O passo seguinte é “acrescentar a isto a produção e distribuição gratuita de máscaras integrais feitas a partir da reciclagem de capacetes da construção civil”, afirma. Um produto que, uma vez distribuído, será a síntese perfeita da Cooperativa Repensar nestes dias de pandemia global: promover a educação sanitária sem abdicar da consciência ambientalista. texto elmano madail fotografia mariano silva
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