E&M – 2020.05 – Cloroquina e Azitromicona funcionaram nos casos que tivemos — Elmano Madail

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moçambique

Economia Como as empresas nacionais estão a projectar a retoma Educação Narciso Matos observa o presente e o futuro da escola macro um olhar sobre a mudança global rumo ao ‘novo normal’ ICOR Beatriz Ferreira faz o diagnóstico ao covid no país

o dia seguinte

Do turismo ao oil&gas, da indústria ao mercado de trabalho, da escola à saúde. A E&M dá voz a alguns dos principais empresários e académicos nacionais e projecta como será esse novo normal

MAIO 2020 • ano 03 no 25 • Versão Digital


Sumário 6

Observação

O chá de Madagáscar A imagem do Presidente malgaxe, Andry Rajoelina, a consumir o que se acredita curar o Covid-19

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Radar

Panorama Economia, Banca, Finanças, Infra-estruturas, Investimento, País

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65 ócio 66 Escape Uma visita à praia do Bilene 68 Gourmet A descoberta do shawarma show, uma proposta gastronómica libanesa 69 Adega Conheça a mexicana tequila ‘Casamigos’ que valeu um negócio milionário 71 Arte O livro “The Villager”, mostra as tendências de consumo de marcas pelos africanos 72 Ao volante A nova e dobrável bicicleta, a Flit-16

Macro

Tendências A E&M analisa o que se vai tornando norma na economia global devido à pandemia da Covid-19

22 nação Covid-19: O dia Seguinte 22 Economia A E&M lança olhar sobre o que poderá mudar na economia nacional 28 Construção, Indústria e Turismo Dirigentes de três grandes indústrias do mercado falam do futuro 36 O mercado do trabalho Analistas dos RH falam de transformações irreversível depois da pandemia 40 Educação Narciso Matos fala de para uma ordem que surge e das dificuldades que estão pela frente

46 soCIEDADE Saúde A médica Beatriz Ferreira fala dos desafios do Icor na luta pela cura dos infectados pelo Covid-19

50 lÁ fora Angola O país corrigiu preço do barril de petróleo de 55 para até 35 dólares por barril na nova proposta do OGE

www.economiaemercado.co.mz | Janeiro 2020

52 empresas JFS A história da centenária empresa do ramo do algodão que abraçou a causa social de produzir viseiras

54 Megafone

Marketing O que está a acontecer no mundo das marcas em Moçambique e lá por fora

56 mercado e finanças OE 2020 Com a ajuda do CIP e do IESE, a E&M analisa o documento final recentemente aprovado

60 Figura do mês Adriano Nuvunga Presidente do Fórum de Monitoria do Orçamento avalia o OE 2020

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sociedade

“Cloroquina e azitromicina funcionaram nos casos que tivemos” É uma das médicas mais respeitadas que lidera uma das instituições de saúde mais reputadas no país e além-fronteiras. Tanto, que é impossível pensar no ICOR sem referir a sua fundadora, Beatriz Ferreira. Num momento decisivo em que a pandemia tomou conta do presente e ameaça o futuro, a E&M foi ouvir quem vive, por dentro, a luta diária contra o covid-19

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elo icor já passaram casos positivos de covid-19, é sabido. Todos recuperaram e estão de boa saúde mas a pandemia trouxe novos desafios aos profissionais da instituição que tem marcado a sua posição no sector da saúde. “Quando es-

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Texto Elmano Madaíl • Fotografia Mariano Silva te vírus entrou em Moçambique e tivemos de tomar as primeiras medidas e ter noção exacta do problema, tive a sensação de estar perante um desafio como nunca tinha enfrentado”. Beatriz Ferreira, fundadora do ICOR, explica o que foi feito para precaver o primeiro impacto da pandemia no

País e aborda, com o conhecimento profundo de quem vive a realidade por dentro, muitas das questões que todos nos colocamos. Como se explicam os números baixos, segundo dados de 13 de Maio, de contaminados em Moçambique www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


Saúde é uma doença nova, pouco conhecida. No início, em Itália, os médicos diziam às pessoas para ficarem em casa e telefonarem se tivessem falta de ar... Ora, quando isso acontece já as coisas estão muito avançadas. Não é só uma doença respiratória como se pensava, também ataca, entre outros, o sistema de coagulação, podendo levar à trombose, por isso o nosso tratamento integra anticoagulantes desde a fase inicial. Em África estamos a beneficiar da experiência desses países que foram atingidos primeiro. As medidas extraordinárias pretendiam achatar a curva de transmissão e dar tempo aos sistemas de saúde para se prepararem. Qual o cenário mais dramático projectado para Moçambique? Dezenas de milhares de óbitos no país inteiro, segundo modelos matemáticos transplantados da experiência do hemisfério Norte. Mas espero que isso não aconteça. Tanto no ICOR como no MISAU sabemos que não há capacidade de fazer face a um elevado número de doentes a precisarem de ventilação assistida simultaneamente, como se viu na Europa, na China ou nos Estados Unidos.

e em África (menos de 70 mil infectados em 53 países e 2 406 mortos)? Já se argumentaram possíveis respostas: a população, em África e Moçambique, é muito jovem; aqui o BCG é obrigatório, e a vacina parece ter um efeito protector contra as formas graves da COVID-19. Depois, Moçambique introduziu cedo o estado de emergência e fechou as fronteiras, o que protegeu o país; e, porque aqui as pessoas estão sujeitas a grandes agressões de vários tipos de infecções, a população tem um sistema imunitário resistente. Por fim, a densidade populacional é pequena em vastas áreas do país. A capacidade de diagnóstico é adequada? Pode ter havido falhas, porque a capacidade de fazer testes de Moçambique não é grande – embora o Ministério da Saúde (MISAU) esteja a reforwww.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

çá-la – mas, se as coisas fossem muito diferentes, haveríamos de sentir nos hospitais a pressão dos doentes e no Instituto do Coração (ICOR), por exemplo, onde testamos sistematicamente, em colaboração com o Instituto Nacional de Saúde, todos os doentes que cheguem com sintomas de covid-19. Houve semanas sem um caso positivo e isso, de facto, reflecte alguma coisa. A taxa de letalidade do novo coronavírus é significativamente baixa (4%). O que justifica, então, o pânico mundial e as medidas que arriscam o colapso da economia? Creio que tem que ver com a pirâmide etária da Europa, de um hemisfério Norte envelhecido e logo mais vulnerável, as consequências nos países com muitos idosos são bem diferentes do que se passa em África... Depois,

Quantos ventiladores tem o país, públicos e privados, agora que a transmissão comunitária do vírus já está a decorrer em Moçambique? O sistema público terá algumas centenas, o privado... o ICOR tem, neste momento, oito ventiladores nos Cuidados Intensivos e capacidade para mais cinco na enfermaria. Nos outros hospitais privados, não sei. Mas não chegamos, todos juntos (sector privado), à centena de ventiladores. A estratégia tem de passar por tratar cedo, antes de ser necessário recorrer à ventilação assistida. Mas se houver agravamento exponencial dos casos que exigem ventilação, o Sistema de Saúde público poderá contar com os privados? Estamos a colaborar, mas tudo isto tem custos enormes e, portanto, as despesas terão de ser compartilhadas. Nada está protocolado, mas há um entendimento de que quem puder custear o tratamento deve recorrer aos privados, deixando o sistema público concentrar-se na população com menos recursos.

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sociedade

Mas não chegamos, todos juntos (sector público e privado), à centena de ventiladores. A estratégia tem de ser tratar cedo, antes de se precisar de ventilação assistida Pessoas acima dos 60 anos apresentam um muito maior risco de mortalidade. Ora, em Moçambique, mais de metade da população tem menos de 18. Neste contexto, quais serão, aqui no país, as pessoas de facto em risco? Não foi até agora identificado um grupo-alvo de risco, mas sabemos que temos uma população com HIV não tratado, diabetes, 40% dos adultos são hipertensos – a hipertensão em África é mais agressiva do que na Europa e surge em pessoas mais jovens. Temos as pessoas com a imunidade deprimida por qualquer razão, como acontece, de resto, em qualquer outro lado do mundo. Dada a escassez de recursos,

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esta atenção excessiva à pandemia não poderá levar a que se negligenciem os cuidados que outras doenças deveriam estar ter? Em princípio, não. O preocupante é que as pessoas estão com muito medo, os próprios doentes têm medo de ir aos hospitais. E têm de vir para as consultas de rotina, de controlo, ou levantar os medicamentos, não podem fugir disso. As consultas de Pediatria, por exemplo, tiveram uma quebra brutal porque os pais não trazem as crianças ao hospital. E, no entanto, as pessoas podem correr mais riscos na rua, nas lojas, noutros locais, do que se vierem a um sítio em que são controladas

logo à entrada e imediatamente desviadas em caso de suspeita. Em que medida é que o Covid-19 afecta a rotina funcional do ICOR? Afecta em tudo. Muitíssimo nas consultas externas, e todas as especialidades foram atingidas. A de Estomatologia suspendeu completamente, só faz urgências. A Otorrino e Oftalmologia funcionam parcialmente. Desde o fim do mês de Março que adiámos todas as cirurgias que não são de emergência e que envolvam ventilação assistida, como a cirurgia cardíaca. Só operamos casos urgentes porque os nossos ventiladores estão cativos da possibilidade de um pico. Como não sabemos o que vai acontecer nas próximas semanas, tomamos medidas para ter os ventiladores disponíveis. Tudo isto significou uma quebra brutal nas receitas do ICOR – cerca de 40%. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020


Saúde quíssimos casos que tivemos, funcionou. E temos de usar as armas que temos. E o internamento? É muito variável. Depende dos dias de internamento com ou sem ventilação assistida e das complicações – se fizer uma insuficiência renal aguda, por exemplo, o preço aumenta de modo exponencial devido à necessidade de hemofiltração... Cada caso é um caso.

Beatriz Ferreira formou-se em Medicina na Universidade Lourenço Marques (actual Eduardo Mondlane) em 1978, seguindo a especialidade em Cardiologia em Maputo e Paris. Em 2001 fundou o ICOR – Instituto do Coração numa antiga enfermaria do Hospital Militar em Maputo com apoios da Cooperação Portuguesa, dos Governos de Moçambique e de França e quatro ONGs. Graças ao trabalho desenvolvido pelo ICOR nos tratamentos cirúrgicos ao coração e a cateterismos cardíacos a crianças desfavorecidas – mais de 2 000 intervenções realizadas até agora –, Beatriz Ferreira, nascida em Lourenço Marques a 31 de Janeiro de 1954, foi agraciada com a Ordem da Liberdade pela Presidência da República de Portugal, e recebeu as insígnias de Cavaleiro da Ordem da Legião de Honra do Governo de França.

Qual foi o investimento acrescido que o ICOR fez em função de toda esta realidade? Tivemos de investir em coisas que não imaginávamos, como 80 mil dólares num robot que desinfecta totalmente em dez minutos o que, antes, demorava oito horas; na aquisição de Equipamentos de Protecção Individual (EPI) que, numa só encomenda, orçou os 250 mil dólares, adicionando 163 mil para o transporte; e tivemos de fazer obras, isolar compartimentos... Por alto, implicou um esforço financeiro acrescido na ordem dos 600 mil dólares. Para outras instituições, talvez seja um valor irrelevante – para o ICOR, é muito dinheiro. Que medidas de resposta imediata foram adoptadas pelo ICOR? A partir do momento em que há comprovadamente covid-19 em Moçambique, todo o funcionamento se alterou www.economiaemercado.co.mz | Maio 2020

desde a porta de entrada. A pessoa desinfecta calçado e mãos, mede a temperatura e responde a um questionário. Se houver a mínima suspeita da doença, é logo desviada para um circuito independente na instituição: uma zona de tendas ao ar livre onde é consultada e à qual vai a farmácia e o laboratório para que não haja a mínima possibilidade de contágio. Há dois telefones para pessoas em quarentena e um para doentes, no qual é o próprio médico que, de x em x dias, contacta o doente, para o manter em casa. Se a situação evoluir, o doente vem fazer exames e decidimos se deve baixar ou tomar medicação. Criámos duas enfermarias para os doentes não ventilados e temos os Cuidados Intensivos com capacidade para ventilar oito doentes. Internamos os que precisam do tratamento com cloroquina e azitromicina – há muita controvérsia, mas, nos pou-

A OMS prevê a passagem do novo coronavírus de pandémico para endémico – tal como ocorreu com o HIV. Se isso acontecer, teremos de usar máscara, por exemplo, em permanência, ou teremos já alguma imunidade? Tudo isto é muito triste, porque vai contra o que é o ser humano. Mas tenho esperança de que, com a vacinação, não haja mudanças radicais na nossa forma de viver. Os países nórdicos, por exemplo, abriram as creches porque as crianças ganham imunidade e, em princípio, não têm manifestações graves da doença. Mas é preciso que se chegue aos 60% da população com imunidade. Qual foi o sentimento mais vincado que experimentou face à pandemia? Eu não posso dissociar isto do ICOR e da responsabilidade que tenho aqui. A batalha pelo ICOR já foi grande – cerca de 2030 cirurgias pro bono desde 2001 – mas, quando este vírus entrou em Moçambique e tivemos de tomar as primeiras medidas e ter noção exacta do problema, tive a sensação de estar perante um desafio como nunca tinha enfrentado. E tive muito receio de não podermos confrontá-lo num país com tantas limitações... Além disso, aos 66 anos não me posso colocar na linha da frente. O que foi muito difícil, porque uma pessoa que dirige tem de dar o exemplo e quando o primeiro doente covid-19 baixou, eu não podia estar na primeira linha. No primeiro embate com esta doença aqui no ICOR senti o medo dos colegas que tinham de avançar à frente, e não foi fácil. Mas, depois, testamos todos e todos deram negativo, o que foi muito bom, porque as pessoas perceberam que os EPI as protegiam e o receio de enfrentar a doença foi diminuindo. Foram momentos muito difíceis que vivi pela primeira vez em 42 anos de profissão.

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