E&M – 2012.12 – Ignorância Mútua e Falta de Diálogo Contaminam Relações Laborais — Elmano

Page 1

Na voz de Agostinho vuma, presidente da CTA Cidade do gás Os grandes números de uma mega infra-estrutura

moçambique

Turismo Um sector que parece ter tirado férias

Sociedade Como trabalham, afinal, moçambicanos e portugueses?

doing business

Como desatar o nó?

DEzEMbrO 2019 • ano 02 • no 21 Preço 200 MZN 00021 9

789895

408504

A E&M procura o caminho para melhorar a posição no ranking


Sumário 6

Observação

46 figura do mÊS

Bug do milénio A imagem de um acontecimento de há 20 anos que causou o pânico generalizado

8

Radar

Cimentos de Moçambique Depois de anos de estagnação, Edney Vieira assumiu a liderança da cimenteira em 2019

48 sociedade

Panorama Economia, Banca, Finanças, Infra-estruturas, Investimento, País

12

Macro

Turismo A análise a um sector que ainda não é a indústria que o país merece

20 nação Doing Business 20 Como desatar o nó? A E&M analisa, ponto por ponto, o que correu mal e onde a economia nacional tem de melhorar 28 Na voz de... Agostinho Vuma, o presidente da CTA

32 provÍncia

Igualdades e Diferenças Um estudo sobre onde é que moçambicanos e portugueses se encontram... e desencontram

52

lÁ fora

Angola Quem são, o que têm e o que pensam, afinal, os líderes angolanos da nova geração

59 ócio 60 Escape Uma viagem até Sydney, Austrália 62 Gourmet À descoberta das boas vistas do Fiamma 63 Adega Uma degustação de Cartuxa Bruto colheita de 2012 64 Agenda Música, livros, filmes 65 Arte A busca de uma nova identidade visual para Maputo 66 Ao volante Do primeiro iate do mundo movido a hidrogénio

Inhambane A controvérsia em torno dos novos investimentos anunciados pela Sasol

38 mercado e FinanÇas Cidade do Gás Os grandes números da mega infra-estrutura que vai nascer na península de Afungi

42 empresas Minerva & Continental Um novo conceito que está a surgir na cidade de Maputo que alia livros e gastronomia

44 Megafone Marketing O que está a acontecer no mundo das marcas em Moçambique e lá por fora www.economiaemercado.co.mz | Dezembro 2019

3


Editorial foto recorte

Ranking Doing Business Moçambique desce três posições Iacumba Ali Aiuba dizíamos no editorial de dezembro de 2018 que uma das apostas estraté-

gicas de Moçambique, nos últimos tempos, no quadro de promoção do investimento nacional e estrangeiro, é a melhoria do ambiente de negócios, através da aprovação de políticas, reformas e adopção de procedimentos, que visam a simplificação e facilitação dos processos de investimento no país. Em consequência da materialização de algumas acções pelo Governo de Moçambique constantes da matriz negociada com a CTA, que tem por objectivo a remoção das barreiras ao investimento, foi possível, na edição do Doing Business de 2018, e pela primeira vez em vários anos, alguma melhoria na pontuação no conjunto dos dez indicadores que demonstram a capacidade de um determinado mercado servir como destino de negócios, As reformas nas áreas da electricidade, comércio além-fronteiras e pagamentos de impostos tinham sido determinantes para a subida da economia nacional de três posições, de 138 para 135, num conjunto de 190 países avaliados. Mas ainda não era o suficiente. Entretanto, no último relatório do Banco Mundial, Moçambique registou uma descida de três posições. Esta deterioração do posicionamento do país não resulta da falta de esforços (o que pode ser atestado pelo volume de reformas que têm sido aprovadas ao longo dos anos), mas sim de um plano efectivo de implementação que se consubstancie em acções concretas, considerado este facto como o mais débil dos pontos fracos. O sector privado representado pela CTA reconhece os esforços empreendidos pelo Governo na aprovação de reformas para melhoria do ambinete de negócios, mas também aponta que estas não têm tido o efeito esperado na classificação de Moçambique, exactamente pela fraca implementação. Nesta edição, o Presidente da CTA faz uma radiografia do ambiente de negócios em Moçambique nas várias vertentes e reafirma que a interacção entre a instituição de que é presidente tem sido firme e profícua no processo de reformas e que em alguns casos existem lacunas no alinhamento das discussões sobre as propostas. Sendo esta a última edição da E&M do ano de 2019, desejamos aos nossos estimados leitores e parceiros um óptimo ano de 2020.

Dezembro 2019 • Nº 21 MÊS ano • Nº 01 PROPRIEDADE Executive Moçambique DIRECTOR Iacumba Ali Aiuba propriedade Executive Mocambique DIRECTORA DO et GRUPO Liquatis nienisEDITORIAL doluptae velit magnis EXECUTIVE Ana Filipa enis necatin nam fuga. Amaro Henet exceatem DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant conselho EDITORIAL adis destiosse iusci re in prae voles Alda António sant Salomão; laborendae nihilibSouto; uscius sinusam Narciso Matos; Rogério Samo dolorep Gudo rehentius eos resti dolumqui JORNALISTAS Celso Chambisso; reprem vendipid que ea et eumque non Hermenegildo Langa; Cristina Freire, nonsent qui officiasi Elmano Trindade lorem Madaíl, ipsum Rui Executive Mocambique PAGINAÇÃO Mundundo Liquatis nienisJosé doluptae velit et magnis FOTOGRAFIA Jayfuga. Garrido enis necatin nam Henet exceatem REVISÃO Santos seque cus,Manuela sum nis Rodrigues nam iu Quidos te nullant PRODUÇÃO Moçambique adis destiosseExecutive iusci re in prae voles PUBLICIDADE Ana Antunes (Gestora sant laborendae nihilib uscius sinusam Comercial - Moçambique) ana.antunes@ rehentius eos resti dolumqui dolorep executive-mozambique.com; iona@iona. reprem vendipid que ea et eumque non pt/contacto@iona.pt nonsent qui officiasi (Portugal) ADMINISTRAÇÃO, lorem ipsum LiquatisREDACÇÃO nienis doluptae E PUBLICIDADE Executive velit et magnis enis necatinMoçambique; nam fuga. Av. Salvador Allende, nº cus, 1039,sum Bairro Henet exceatem seque nisPolana nam Cimento, Maputoadis – Moçambique; Tel.:re in iu Qui te nullant destiosse iusci +258 21 485 652; Tlm.: +258 84 311 9150; prae voles sant laborendae nihilib uscius geral@executive-mozambique.com sinusam rehentius eos resti dolumqui Telheiras, DELEGAÇÃO EMvendipid LISBOAque dolorep reprem ea et Rua Poeta Bocage, Nº 2 – 1ºqui Escritório eumque non nonsent officiasiD • 1600233 Lisboa • Portugal; Tel.nienis +351 21 381 3566; lorem ipsum Liquatis doluptae iona@iona.pt velit et magnis enis necatin nam fuga. IMPRESSÃO E ACABAMENTO Henet exceatem seque cus, sum nis nam Minerva - Maputo - Moçambique iu Qui tePrint nullant adis destiosse iusci re in Tiragem 4 500 exemplares prae voles sant laborendae nihilib uscius Número de Registo sinusam rehentius eos resti dolumqui 01/GABINFO-DEPC/2018 dolorep reprem vendipid que ea et eumque non nonsent qui officiasi lorem ipsum Liquatis nienis doluptae velit et magnis enis necatin nam fuga. Henet exceatem seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in prae voles sant laborendae nihilib uscius sinusam rehentius eos resti dolumqui dolorep reprem vendipid que ea et eumque non nonsent qui officiasi

assinatura digitalizada

Director da revista Economia & Mercado

4

www.economiaemercado.co.mz | Abril 2019


sociedade

50

www.economiaemercado.co.mz | Dezembro 2019


Ignorância mútua e falta de diálogo contaminam relações laborais Volvidos 44 anos da independência de Moçambique, tornado entretanto país de acolhimento para muitos portugueses – a maior comunidade estrangeira no país, estimada em cerca de 18 mil indivíduos –, as relações entre moçambicanos e cidadãos da antiga potência colonial estão longe de corresponder à união fraterna da retórica o fosso cultural que ainda divide uns e outros é mais notório em contexto laboral – no qual, tipicamente, o imigrante português é o empregador e o nativo moçambicano o empregado –, onde as percepções de cada qual em relação ao outro revelam muita estranheza e grande ignorância. De parte a parte. E ambas decorrentes da falta de uma comunicação que, indo além da pragmática funcional que preside às relações de trabalho, procure entender a pessoa que existe por detrás do patrão e do funcionário. Estas são, em termos muito simplificados, as grandes conclusões obtidas até agora pelo trabalho de investigação que Lisa Åkesson, professora catedrática em Antropologia na Universidade de Gotemburgo, Suécia, está a desenvolver com Inês Macamo Raimundo, docente em Geografia Humana na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), desde 2018. Intitulado “Migrantes portugueses em Moçambique - pós-colonialismo e troca de conhecimentos”, o trabalho partiu de duas questões basilares: primeiro, saber como é que os portugueses falam dos seus funcionários moçambicanos e como é que os moçambicanos qualificam os patrões portugueses; depois, indagar que tipo de ideias e competências profissionais os portugueses transmitem aos moçambicanos e o que é que estes procuram ensinar aos portugueses. www.economiaemercado.co.mz | Dezembro 2019

Um dos resultados imediatos do estudo de Lisa Åkesson e Inês Raimundo é que há, ainda, “um enorme desconhecimento de ambas as partes, as quais criam imagens estereotipadas uma da outra, com queixas mútuas mas sem que haja um diálogo franco e aberto”

Para isso, foram ouvir as pessoas. Além de compulsar a literatura académica, fizeram 66 entrevistas presenciais – 36 com moçambicanos e 29 com portugueses – para ouvirem, de viva voz, a verdade de cada qual. As conversas com os portugueses, diz a antropóloga sueca, que contou com os bons ofícios da AP – Associação Portuguesa de Moçambique nos contactos preliminares, foram “mais fáceis” do que com os moçambicanos: “Alguns tinham medo de falar – receavam que fossemos contar aos patrões o que nos tinham dito”, justifica Inês Raimundo. Garantida a confidencialidade e superadas as reservas, falaram todos. E muito A linguagem da discórdia É pela palavra que se chega ao outro – como enuncia o livro mais vendido de todos os tempos, a Bíblia, “no princípio era o Verbo” (João 1:1). E é também nele que radica um dos principais equívocos: “As percepções dos moçambicanos em relação aos portugueses são muitas e diversas, mas a principal refere-se à linguagem. Para os moçambicanos, os portugueses usam muito calão, demasiados palavrões que são entendidos como insultos, como humilhações deliberadas, senão até mesmo como racismo disfarçado”, diz Åkesson. Estas situações ocorrem, na esmagadora maioria dos casos, nas pequenas empresas e, principalmente,

51


sociedade

Inês Raimundo e Lisa Åkesson estudaram a realidade laboral que junta portugueses e moçambicanos e chegaram a algumas conclusões surpreendentes... ou nem tanto

nos ramos da construção civil e da restauração, cujos patrões são, usualmente, gente menos qualificada. E educada. Mais recorrente e transversal é a queixa relativa não ao conteúdo mas à forma e entoação do que é dito: “Os moçambicanos acham que os portugueses são muito ríspidos a falar, são demasiado assertivos”, diz Inês Raimundo. Demasiado agressivos, enfim. Nos antípodas, das coisas que mais incomodam os portugueses é a falta de frontalidade dos moçambicanos, os quais nunca dizem, com clareza, a palavra “não”. Preferem fórmulas evasivas como “...vamos ver...”, “... depois falamos...”, “...amanhã talvez...”, o que resulta na perda de tempo devida à indecisão e à incerteza. E, no mundo dos negócios, tempo é dinheiro... Não obstante, os patrões portugueses exaltam a natureza timorata e pacífica dos funcionários moçambicanos, referindo amiúde, ao longo das entrevistas, também “a valorização da vida familiar”.

52

Os moçambicanos acham que os portugueses são muito ríspidos a falar, são demasiado assertivos. Nos antípodas, das coisas que mais incomodam os portugueses é a falta de frontalidade dos moçambicanos, os quais nunca dizem, com clareza, a palavra “não”

Desenrascanço depreciado na folha salarial Desvalorizados acham-se os moçambicanos com a desigualdade salarial entre indivíduos com a mesma categoria profissional mas nacionalidade diferente – com vantagem para os portugueses – e o desrespeito pelas leis de trabalho, cenário este que “varia de empresa para empresa, sendo que, nas grandes firmas, estes casos foram menos reportados”, refere Inês Raimundo. A professora da UEM sublinha que “a sensação dos moçambicanos é a de que, por mais qualificações que tenham, perante um colega estrangeiro de igual categoria, têm sempre que provar as suas competências e o imigrante não”. Existe, porém, certo paradoxo neste âmbito: é que se os profissionais moçambicanos são, alegadamente, menos considerados na folha salarial do que os pares estrangeiros, a sua capacidade para resolver contrariedades (de se “desenrascarem”) é muito celebrada pelos patrões portugueses. www.economiaemercado.co.mz | Dezembro 2019


“Um deles disse que, ao nível técnico, os moçambicanos são bons e deu como exemplo os carros que, em Portugal, quando param vão para a sucata e aqui consegue-se pô-los na estrada outra vez. E quando falta uma peça e é preciso esperar que venha da África do Sul, é melhor deixar o moçambicano a trabalhar o assunto porque ele vai conseguir adaptar e resolver o problema”, refere Åkesson. Trocar a técnica pelo civismo E, no entanto, quando interpelado sobre os maiores defeitos dos empregados nativos, a resposta quase universal do patronato português é a de que “não sabem trabalhar”. A alegada lacuna é superada amiúde pela transferência de conhecimentos, a qual é indicada pelos moçambicanos como das maiores virtudes do patronato português – além do facto de pagar sempre a horas. “A grande diferença em relação aos empregadores moçambicanos é que os portugueses sempre pagam no fim do mês e são bons a ensinar e a instruir”, indica Lisa. O ensino tem dois sentidos: se os moçambicanos admitem que os portugueses lhes facultam conhecimentos técnicos, também sentem que têm o dever moral de ensinar algumas regras de civismo aos patrões. E para Åkesson, “este é um dos resultados mais interessantes deste trabalho, porque é o inverso da situação colonial”. O ensejo fica algo comprometido, todavia, quando no topo das queixas dos empresários portugueses avulta o furto: “O trabalhador moçambicano rouba muito, queixam-se os patrões”, para grande surpresa da sueca, a qual, tendo desenvolvido investigação semelhante em Angola, entre 2013 e 2015 (“Portuguese Migration To Angola – Migrants or Masters”), não encontrou tais alegações na comunidade lusa instalada naquele território. Equívocos mortais O maior problema nas relações de trabalho entre portugueses e moçambicanos continua a ser, no entanto, o desconhecimento cultural, ignorância que leva a equívocos tantas vezes insanáveis, com os moçambicanos a considerarem-se desrespeitados naquilo que é o âmago das suas crenças e tradições. Especialmente em relação aos funerais. Na cultura local, há uma relação muito forte com os mortos, sendo fundamental a participação nas exéquias, não apenas da família mais íntima, mas também dos amigos www.economiaemercado.co.mz | Dezembro 2019

36 É o número de postos de trabalho que cada milhão de dólares investido por empresas portuguesas cria em Moçambique. De longe, o rácio mais elevado a este nível, por parte de empresas estrangeiras

e vizinhos. “E os moçambicanos entendem que, quando não são autorizados a participar nos funerais, estão a acabar com a sua cultura”, diz Lisa. Inês Raimundo explicita melhor esse sentir moçambicano que, não raro, é entendido pelo racionalismo ocidental, próprio do patronato português, como mera fuga ao trabalho: “Para nós, moçambicanos, a relação com os mortos é muito mais essencial do que a relação com os vivos, pelo que é muito importante ter a noção de que se um dia eu morrer, alguém me irá sepultar – por isso é fundamental participar de um funeral”, explica a docente da UEM, ilustrando: “Se visitar os nossos cemitérios, vai ver aqueles mausoléus todos majestosos feitos por pessoas cuja própria casa, se calhar, é uma choça”. “Graças a Deus que já reduziu, mas, antigamente, as exéquias duravam sete dias, em que a família directa do morto é obrigada a alimentar e acolher os participantes, os quais, por sua vez, levam bens alimentares e outros para atenuar a perda da família do defunto. Mas os portugueses não entendem isso. E deviam, porque quem chega deve procurar a integração na cultura local”, refere, “até porque houve muitos portugueses, ainda na época colonial, a fazer estudos sobre a cultura local”. A pacificação dialógica Ora, um dos resultados imediatos do estudo de Lisa Åkesson e Inês Raimundo, financiado pelo Conselho de Pesquisa da Suécia (Swedish Research Council, agência governamental) é que há, ainda, “um enorme desconhecimento de ambas as partes, que criam imagens estereotipadas uma da outra, com queixas mútuas, mas sem que haja um diálogo franco e aberto”, lamenta Åkesson. As investigadoras esperam contribuir, com este trabalho que prevêem concluir nos fins de 2021, para uma aproximação entre as partes, as quais, dizem “deviam falar de maneira mais íntima, mais profunda, mais aberta, sem preconceitos uma da outra”. E com isso, contribuir para a pacificação das relações laborais luso-moçambicanas e reforçar os laços que unem uns e outros, que remontam, afinal, a 1498, quando Vasco da Gama aportou em Inhambane e ali conheceu a “boa gente” de Moçambique. texto Elmano Madaíl fotografia Jay Garrido

53


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.