Causos 4º a

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Causos Populares - Since 1802

ALUNOS DAS PRÔS FÁTIMA E FERNANDA OUVEM CAUSOS DE ROLANDO BOLDRIN E A CONVERSA SE ESPALHA FEITO UM RASTILHO DE PÓLVORA A informalidade da linguagem do interior nesse brasil de meu Deus!!!, fez parte do projeto que desmistificou o falara “caipira”, da terra, das raízes de um povo. O respeito à diversidade nos diferentes “falares”, nas inúmeras histórias, aproximaram os alunos do universo rico do “caipirês.”


Fabricio Lima Almeida Enzo de Matos Freitas Oliveira



Nhô Tico era um cumpadi meu muito querido. Vou contar um causo muito engraçado com Nhô Tico, Nhá Tuda (muié dele) e um montão de galinha! Foi assim: NHÔ TICO (gritando do terrreiro) – Nhá Tuda? Vô muda de ramo. Vô criá galinha! NHÁ TUDA (estranhando) – Uai... nóis já temo criação de galinha! Lá no nosso galinhêro ta apinhocado delas. Tem bem umas 50... NHÔ TICO (explicando) – Não, Nhá Tuda. O que nóis temo é galinha brasileira. Umas merdica magrela, ponhando uns ovico de nada. Tô falando que vô mudá de ramo pruquê vou criá galinha americana, que é o que ta fazendo o japonês. Eles tão tudo podre de rico. Ocê há de vê só uma coisa. Nhô Tico diz isso e parte pra cidade, onde vai buscar a única galinha americana que seu dinheiro guardado por muito tempo deu pra comprar. NHÔ TICO (chegando, carregando debaixo do braço uma galinha gorda e branca, linda como uma pluma) –Óia só, Nhá Tuda! Isso sim é que é galinha. Ocê vai vê agora a nossa produção. A galinha era deveras bonita. Tinha uma crista enorme e vermelha cor de sangue. Os olhos da dita cuja, podem acreditar, eram verdes. Galinha pra desfilar. Nhô Tico, depois de mostrar orgulhosamente a galinha pra mulher dele, solta a dita cuja no galinheiro, juntamente com as tais 50 outras galinhas – brasileiras e cada uma mais depauperada que a outra. Dizendo a pura verdade, as galinhas de Nhá Tuda eram a vergonha da nossa raça. Uma estava cambaleando manquitola, outra se coçando de tanto piolho, outra com um olho cego. Enfim, uma tristeza. E ali estava agora, em meio a esta pocilga, uma raridade americana.


GALINHA AMERICANA (com nojo, olhando a sujeira) – As senhorras morram aqui? Ahnn? My God!!! GALINHA 1 (respondendo com sotaque caipira) – Nóis véve aqui. Por quê? GALINHA AMERICANA (sempre com desprezo) – E as senhorras... porr acaso botam??? GALINHA 1 (sempre encarando a arrogância da forasteira) – De vez im quando a gente põe um ovo. Por quê? GALINHA AMERICANA – E quanto custarrr um ovo de vocês? GALINHA 1 ( olhando pra uma cumadi) – Oh cumadi? Quanto é que tá um ovo nosso no mercado? GALINHA 2 – Um rear... mai ô mêno, uai. GALINHA AMERICANA – Posso usar um ninho de vocês para uma demonstraçon? GALINHA 1 – Pode ocupá o meu. Se quisé, pode inté morá nele a vida toda. A americana se ajeita no ninho, fecha os olhinhos verdes e sonha com os States pra depois de uns 15 minutos sair cantando e dançando uns passos de balé. GALINHA AMERICANA – Cócó dé... cócó dé... Vejam o meu produto! Ela aponta para um ovo botado ali e agora, de aproximadamente meio quilo, lindo de se ver. GALINHA AMERICANA (com arrogância) – Se um ovo de vocês custarrr 1 realll, para o meu ovo vão terr que pagar no mínimo...5 reaisss. GALINHA 1 (olhando para a cumadi brasileira) – Oh cumadi! Vê lá se nóis ia se arrebentá tudo só pru causa de 4 rear... Sai pra lá siô!


Isabela Traversa Bueno e Nicolly de Oliveira Latorre Nobre


Boldrin conta um bom causo de italiano com macarronada, mas não é de dar água na boca.

E a italianada da minha terra? Meu avô contava que lá foi reduto dos verdadeiros donos da macarronada, dos quais, com muito orgulho, faço parte. Meu avô era o Mário Boldrin, natural de Pádua, bem pertinho de Veneza. Lá tem Boldrin como praga, é como Silva aqui. O causo que quero contar, verídico, é do Domingo Russo, um daqueles italianos que se vê pouco por aí. Dizem que a Zuzu, que era a mulher dele, e que era brasileira, aos domingos preparava uma bela macarronada, bem avermelhada de molho de tomate, com o macarrão Petibom (olha o merchandising)… O pacote antigo de Petibom era comprido, acho que beirava meio metro cada fio de macarrão. Pois bem, a Zuzu preparava bem preparadinho numa bacia grande, pois o velho comia muito. E fazia também um bom pão italiano, também comprido. E aí que vem o tal causo. Ele usava sempre aquelas camisetas sem mangas, ficando o sovaco à mostra. Muito bem, o dito-cujo pegava um filão inteiro de pão, colocava bem ali, debaixo do braço peludo. Aí puxava uma bacia grande pra debaixo do queixo, cheia de macarrão. Enfiava o garfo no meio, enrolava bem enrolado, fazendo um bom chumaço, e chupava com toda a força aquele macarrão gostoso, cheio de molho. Com essa puxada violenta, era só molho esparramado pela cara, pela mesa, pelo chão… E sabe o que Domingo fazia com isso? Tirava um naco do pão que estava debaixo do braço, limpava a testa, cheia de molho, e depois, satisfeito, se fartava de pão. Eita, italianada!



O padre se cansou dos roubos na igreja e foi assustar o ladrãozinho. Mas recebeu uma surpresa. Existe por aí afora muito caboclinho esperto e safado. Imaginem que lá pras bandas do Corgo Fundo tinha um que era tal e qual do jeito que estou falando. Pois não é que o dito cujo deu de roubar coisas da igreja de lá? E virava e mexia, o padre saía excomungando o tal, pois não conseguia pegá-lo com a boca na botija, ou melhor, com a mão na mercadoria roubada. E vai daqui e vai dali, continuava sumindo coisa. Ora uma imagem, ora dinheiro dos cofrinhos... Enfim: um despropósito de coragem pra furto. Mas – sempre tem um mas – eis que o padre resolve botar um paradeiro na roubança. Arma-se de um trabuco carregado e posta-se às escondidas no escuro da igreja em altas horas e ali espera, atocaiado, pelo ladrãozinho que não deveria demorar para aparecer. Devia ser umas 3 da madrugada quando o padre se depara com um vulto esperto na escuridão. Engatilha o trabuco e aponta no rumo do vulto que, percebendo, se esconde com a carinha de safado por detrás de uma estátua grande de um anjo de asas... PADRE (falando alto) - Quem está aí? Ninguém, é claro, responde. PADRE (mais alto) - Quem está aí? Ninguém responde. PADRE (apontando a arma engatilhada) - Pois bem. Pela última vez, vou perguntar: quem está aí? Se não responder, vou pregar fogo. A VOZ (trêmula e disfarçada) - É... é... um anjo, seu vigário. Eu sô um anjo... PADRE (percebendo a malandragem) - Que anjo o quê, seu idiota! Voa já daí! A VOZ (caipiresca) - Num posso avuá, seu vigário. Eu sô fióti! Conta-se que o padre, depois dessa resposta, resolveu ir dormir. Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin, (Nova Alexandria, 2001).


O Causo: O Gato da Madame

Renata Alberti de Carvalho e Carolina Alc창ntara Tomazelli


Vou contar a história de uma madame que vivia muito solitária, no vigésimo andar de um prédio nos Jardins, em São Paulo.

Era uma madame muito bonita, que gostava de conforto, e por isso morava num belíssimo apartamento de ampla sala e grandes suítes. Mas, apesar de ser uma mulher muito rica e coisa e tal, a dita cuja vivia sozinha naquele mundão, como acontece com tanta gente por aí. A madame tinha um gatinho lindo que só vendo. Desses que nem parecem de verdade, de tão formoso. Agora, o que impressionava a madame eram os olhos azuis e a expressão de quem entende tudo o que se passa e o que se fala. A dona se impressionava tanto com o olhar do bichano que achava que só faltava mesmo ele falar. E não é que, acreditando mesmo nisso, ela deu de conversar com o gatinho? Ora, se é assim que se faz pro papagaio responder, haverá de ser assim também que o bichano vai falar: “Fala, meu bichano, fala!”. E o bichano respondia com um invariável “Miaaaauuuu”. Eis que um belo dia, logo de manhãzinha, antes que a madame pudesse recomeçar suas aulas, o bicho olhou pra ela e disse bem claramente: “Dona, fuja que este prédio vai cair!”. Tal não foi a surpresa de o bicho falar que a dona saiu desembestada gritando pelos corredores: “Meu gato falou! Meu gato falou! Venham ver!”. E o gatinho ainda insistiu, num berro: “Ô dona, deixa de ser besta! Eu tô avisando que este prédio vai cair!”.


Manu e Mayara

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Que Pedro Malasartes apronta das suas todo mundo sabe! O que pouca gente sabe é que Malasartes não perdoa nem padres ou coronéis. É um cabra valente que, com sua esperteza costuma dar o bote em qualquer pessoa que ele cisme ou que goste de se fazer valer pelo seu poder. Pois bem, dito isso começo a história de como o nosso amigo conseguiu aprontar mais uma das suas! Certa vez, Pedro Malasartes passeava por uma cidadezinha quando ficou sabendo que o padre de lá não era muito querido pelas pessoas, pois era um homem arrogante que se mantinha assim graças às manhas que o coronel Firmino lhe dava, mandando e desmandando dentro da igreja e da cidade. Quando soube disso, Malasartes já bolou um plano para desmoralizar os dois. Começou a andar de um lado para o outro da cidade dizendo para todo mundo que estava ali para deixar quinhentos cruzeiros (pois é, essa história ainda é do tempo do cruzeiro) com o padre, lá na igreja, para que ele guardasse bem guardadinho. Dizia ainda que iria fazer uma viagem e tinha medo que lhe roubassem o dinheiro e, por isso, só confi ava no padre para guardar seu tesouro. Disse isso de norte a sul e de leste a oeste da cidade e sumiu, caiu no mundo. Por uns três meses ninguém mais ouviu falar ou viu Pedro Malasartes por ali. Devia estar aprontando das suas em outras paragens. Mas não é que, passados três meses, Malasartes voltou àquela cidade e disse a todo mundo que no domingo, bem na hora da missa, iria à igreja para resgatar os quinhentos cruzeiros qu e havia deixado com o padre? E no domingo, a igreja da cidade estava lotada na hora da missa, com muitas pessoas que queriam ver como Malasartes ia conseguir recuperar o dinheiro que estava com o padre. O padre começou a missa normalmente e na hora de passar a cesta pedindo donativos, Malasartes se levantou e disse: - Bom dia seu padre! Como tem passado?


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Muito bem, graças ao senhor Deus. - Respondeu o padre espantado. - Vim aqui para buscar meus quinhentos cruzeiros que deixei com o senhor guardado no cofre da sacristia. O padre quase caiu de susto. Abriu a boca, espantado, e disse a Malasartes: - Não sei do que você está falando, meu filho. Nunca te vi por aqui e muito menos os seus quinhentos cruzeiros. - O que é isso, seu padre, todo mundo aqui sabe que eu deixei quinhentos cruzeiros com o senhor há três meses. Não faça isso comigo, um pobre que nem tem onde cair morto. - Você está me confundindo com outra pessoa. Nunca te vi e você não me deu quinhentos cruzeiros nenhum. O padre foi ficando vermelho, e Malasartes continuava insistindo que queria o dinheiro de volta. O povo todo começou a comentar que o padre estava escondendo o dinheiro do moço, que aquilo era errado, ainda mais vindo de um homem santo. Os mais fofoqueiros estavam se divertindo, pois não gostavam do padre devido à sua amizade com o coronel Firmino, o homem mais sovina daquelas paragens. O burburinho foi aumentando, e o padre cada vez mais perdido até que, com dó do padre, o coronel Firmino que também estava ali se levantou e disse: - Me escutem! Parem de acusar o padre, pois este homem está enganado. Todos olharam para o coronel, para o padre e principalmente para Pedro Malsartes que, sem se fazer de rogado, virou para o coronel e perguntou: - Não entendi o que o senhor quis dizer. Bufando de raiva pela afronta de Malasartes, o coronel respondeu, tentando ajudar o padre: - Você não deixou quinhentos cruzeiros com o padre, deixou foi comigo! Pedro deu uma risada e rapidinho respondeu: - Esses são outros quinhentos, depois não venha negar que está com o meu dinheiro também.



Numa noite, no meio do mato, enxerguei um bichão. O disgramado era bonito, grande, rosado, mas parecia um monstro. Só podia ser um porco.

Uma barulhança danada tomou conta do terreiro. Fui abrindo a porta lentamente, pois era início da Quaresma, e havia boato da existência de um lobisomem. Mas aos pouco pude ver que era o compadre Justino, que morava lá pras bandas de Toledo. Compadre Justino é um grande amigo. Fomos praticamente criados juntos. Mas o destino nos separou fazia uns anos. Falamos de família e dos novos costumes do homem moderno. Ele também disse que nas bandas de Toledo, nesta época, acontece uma festa de porco no rolete, e que não gostava nada daquilo, que tinha uma pena danada do bicho. Entre todos os causos contados pelo Justino, confesso que o que mais me deixou intrigado foi a do porco no rolete. Decidi que queria comer o tal do porco. Passei dias procurando, sem encontrar um porquinho sequer. Numa noite, no meio do mato, enxerguei um bichão. O disgramado era bonito, grande, rosado, mas parecia um monstro. Só podia ser um porco. Um porquinho que tinha dias que eu tentava encontrar. O bicho resolveu fugir. Pulei do cavalo com o chicote em punho, estalei o rabo de tatu e parti pra cima do cachaço. Mas nada de eu conseguir pegar o danado. Corremos tanto, até que chegou na direção da minha casa. O porco correu e se escondeu detrás do fogão a lenha na cozinha. Eu havia encurralado o bicho. Peguei a espingarda, confiante. Mas gritos começaram a surgir detrás do fogão. – Calma, homem! Pelo amor de Deus, não atira. Sou eu, seu compadre. E não é que era mesmo. O homem estava pelado, todo arranhado, cheio de chicotadas. O compadre Justino era o lobisomem. Por isso que ele defendia tanto os porquinhos. E mais uma vez eu fiquei sem comer o tal de porco no rolete.


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