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do corpo à corpograa
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Juhani Pallasmaa, em Os Olhos da Pele (2011), disserta sobre o papel do corpo humano como local de percepção, pensamento e consciência. Ele diz que a arquitetura é uma extensão da identidade do arquiteto, que empresta as suas emoções ao espaço e o espaço empresta a sua aura, estando ao mesmo tempo dentro e fora do objeto. É uma intima relação entre pessoa e arquitetura, exigindo uma identificação corporal e mental, empatia e compaixão.
“A arquitetura, como todas as artes, está intrinsecamente envolvida com questões da existência humana no espaço e no tempo; ela expressa e relaciona a condição humana no mundo.” (Pallasmaa, 2011)
Pallasmaa defende uma arquitetura humanista, que abriga o corpo e os sentidos, as memorias, imaginações e sonhos. E critica a arquitetura contemporânea destinada a agradar os olhos, edificações essas que se tornaram produtos visuais desconectados das pessoas. Ele cita os tempos das dinastias do Egito Antigo, onde dimensões do corpo humano eram usadas para o desenvolvimento da cidade e arquitetura. Podese citar também, o sistema modular de proporções elaborada por Le Corbusier, que abordava investigações de Vitruvio, Da Vinci e Leon Battista Alverti, autores que tentaram encontrar uma relação matemática entre as medidas dos homens e da natura. Tonando o corpo como centro para produção da cidade e arquitetura, não de maneira egocêntrica, mas como experimentação corporal, que provoca todos os sentidos do corpo humano1 a 4 interagirem entre si e com o ambiente a sua volta.
1 4 paladar. Os sentidos são: visão, tato, audição, olfato e
Eu confronto a cidade com meu corpo; minhas pernas medem o comprimento da arcada e a largura da praça; meus olhos fixos inconscientemente projetam meu corpo na fachada da catedral, onde ele perambula sobre molduras e curvas, sentindo o tamanho de recuos e projeções; meu peso encontra a massa da porta da catedral e minha mão agarra a maçaneta enquanto mergulho na escuridão do interior. Eu me experimento na cidade; a cidade existe por meio de minha experiência corporal. A cidade e meu corpo se complementam e se definem. Eu moro na cidade, e a cidade mora em mim. (Pallasmaa, 2011)
Após entender que o corpo é uma das primícias para construção da arquitetura humanista, Fabiana Dultra Britto e Paola Berenstein Jacques do artigo Cenografias e Coporgrafias Urbanas (2008), tratam sobre a corpografia. Mas o que é corpografia? Seria um tipo de cartografia1 realizada pelo e no corpo, 5 ou seja, é a memória urbana retratada no corpo e o registro da sua experiencia na cidade. As corpografias são capazes de revelar as eventuais deficiências e potencialidades nos projetos urbanos, explicitando práticas cotidianas e apropriações diversas na cidade. Pode se pensar em um espetáculo que vai criando e recriando cenas, o cenário vai evoluindo e modificando-se simultaneamente com as pessoas, sob diferentes escalas de temporalidade. O mesmo é para a cidade, ela se adapta aos diferentes usos das pessoas, ora sendo via de passagens, ponto de espera, cenário para espetáculo e outras demonstrações. O equipamento cênico itinerante cujo desenvolvimento é o propósito deste trabalho, pretende ser uma manifestação de elementos intersubjetivos, ou seja, o objeto proposto deve expressar e provocar reações distintas em diferentes
1 5 Conjunto de estudos e operações científicas, técnicas e artísticas que orienta os trabalhos de elaboração de cartas geográficas (Dicionário Aurélio).
pessoas, mas compartilhando o mesmo ambiente e espetáculo. O uso da corpografia vem como ferramenta de projeto, para alcançar essa manifestação. Ela permite o registro de como as pessoas se apropriam e participam do espaço; como se comportam; como se movimentam; como lidam com um vazio urbano e quando ele é ocupado, que mudanças podem ser observadas. Com a pandemia do COVID-19, as pessoas tiveram que readequar suas rotinas, ficando em isolamento total em suas casas, explicitando a dependência da interação social e da teatralidade. É nesse momento em que a tecnologia entra em cena, com intuito de aproximar pessoas e entretê-las. Artista transformaram suas casas em cenários para espetáculos, transmitindo apresentações por meio de live. E a população acompanha, transformando suas casas na extensão do espetáculo. As casas agora se tornam palco e plateia, as janelas são o novo meio de interação social. A arquitetura começa a ser vista por outra perspectiva, se tornando transitória e imaterial (Figura 2).
Figura 2: Live Sandy e Junior.
A arquiteta e urbanista Andreia Sofia dos Santos Cabral no artigo A Dualidade Entre Material e Imaterial Na Obra de Gonçalo Byrne e João Santa-Rita (2013), defende na sua tese sobre a arquitetura imaterial, da qual suas qualidades vão além do visível. Esta percepção fica especialmente acentuada no momento em que a pandemia força as pessoas a restringirem seus movimentos, ficando em casa. O homem sendo uma figura ainda mais central e receptor dos estímulos gerados pelos espaços arquitetônicos. Ela conta que a arquitetura é projetada por memorias e experiências vividas, causando impactos na vida das pessoas, não apenas pelo seu caráter estético formal, mas também pelo seu caráter de memória e produção de sentido. Por exemplo, uma criança que vive em seu lar e brinca com os pais no quintal, cria uma lembrança afetiva com o lugar. Quando chegar a maior idade e passar por um quintal, vai despertar em seu íntimo recordações da infância.
Na pesquisa realizada em abril e maio de 2020 (APÊNDICE 1), sobre os espetáculos em casa, por meio de live em tempos de pandemia, mostra como é importante o contato com a arte, mesmo aqueles que não frequentavam eventos antes da quarentena, estão participando das lives em suas casas (Figura 3). Por serem gratuitos e acessíveis a um clique, permite que as pessoas conheçam novos artistas, expandindo seu envolvimento com a arte e cultura. É o chamado formação de plateia, dando ao espectador uma nova experiência da diversidade que é o Brasil e o mundo, não se limitando a apenas um estilo da teatralidade, mas mostrando o campo expandido do que a arte pode proporcionar à vida das pessoas. Outro aspecto positivo das lives, é o envolvimento com o espetáculo, em poder assistir as apresentações
mais de perto e com novos ângulos, estando no conforto da sua casa. Proporciona uma experiência mais intimista e familiar, sensível as memorias.
Figura 3: Live do DJ Alok, público assiste e participa de suas sacadas.
Figura 4: Italianos cantam em Roma durante a quarentena. As apresentações não se limitam apenas a internet, artistas estão se manifestando em suas sacadas, janelas e varandas, com apresentações musicais, performances, danças e outras expressões. Para muitos, pode parecer irônico, como essas apresentações estão aproximando as pessoas em tempos de distanciamento social, vizinhos que não se conheciam antes, hoje dividem experiências efetivas de suas janelas, tornando os dias de isolamento mais fáceis de levar e lembrando que dias melhores viram. Como no caso dos moradores da Italia (Figura 4), que tem entretido os seus vizinhos com apresentações diárias com a sua música, é uma intervenção temporária, mas que deixará marcas permanentes em sua vida e dos vizinhos agora conhecidos. No mês de junho foi lançado o projeto Teatro Já, idealizado pela atriz Ana Beatriz Nogueira e pelo ator e gestor do Teatro PetraGold Andre Junqueira. Tratase de uma temporada on-line de espetáculos, transmitido por uma plataforma de streaming, com valores simbólicos. O objetivo desse projeto é entreter a população, levando a arte e cultura durante e pós período de isolamento social, é o teatro aqui e agora, adaptado aos novos tempos, realçando que a arte não pode parar.