Caderno de debates Cobrecos Uberlândia 2013 Contribuições da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos) para incentivar o debate, a formação política e atuação dos Coletivos locais de todo o Brasil.
Sumário 5 Apresentação 6 Somos Enecos! tas no Brasil 8 Fatos e mitos dos governos progressis o da classe ament Democracia de cooptação e o apassiv 16 trabalhadora 42 Democratização da Comunicação ais que 46
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profission Resposta à carta dos acadêmicos e izes Curriculares exigem a aprovação das Novas Diretr do Jornalismo o necessita das Opressões e Classe: o capitalism opressões para mais lucrar
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O que é feminismo?
ertação Homossexualidade: da opressão à lib e dificuldades na Educação e Diversidade: preconceitos to aos professores implementação da Lei 10.639/03 jun sil das redes municipais de ensino no Bra ssa Prefácio à História da Revolução Ru Enecos nas ruas!
Apresentação “Ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, percebi imediatamente a profundidade de seu significado, porque estamos absolutamente convencidos de que a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade”. Com estas palavras, Paulo Freire costumava destacar o processo dialético de tomar parte de sua própria história e, na busca por uma transformação social, se utilizar de instrumentos de percepção crítica para uma ação eficaz. Ainda segundo Freire, é imprescindível que no curso do mútuo aprendizado, a busca conscientizadora esteja ligada a uma situação concreta, de forma a não apenas induzir o saber a “novas formas de alienação”. Para não nos limitarmos apenas a negativas e denúncias, é preciso propor e afirmar novas perspectivas, interferindo necessária e diretamente na realidade social. Dessa forma, e compreendo a inexistência de uma sabedoria absoluta, é que defendemos a necessidade de realizar conjuntamente as reflexões e análises não só da conjuntura política e sócio-cultural a qual estamos inseridos, mas, em essência, dos rumos ao qual devemos direcionar os próximos passos da ENECOS. Notando, neste sentido, um momento mais que especial e propício como COBRECOS, onde direcionamos todas as diretrizes da executiva. Este caderno surge exatamente da necessidade de instigar os estudos e problematizar a realidade as quais estão imersas as bandeiras históricas defendidas pela executiva. Para repensar suas lutas, prioridades e caminhos, faz-se necessário uma profunda compreensão crítica dos objetos de modo a agir conscientemente sobre a situação. Boa leitura e bom debate! Fevereiro de 2013 Coordenação Nacional da Enecos
Somos Enecos! Coordenação Nacional da Enecos Somos defensores da educação pública, gratuita e de qualidade. Somos militantes por uma Comunicação Social plural e democrática. Somos contra o machismo, o racismo, a homofobia e todo o tipo de opressão. Somos parte do sonho de construção de uma sociedade socialista. Somos estudantes de Comunicação Social de todo o país, organizados e em luta. A ideia de uma organização nacional do Movimento Estudantil de Comunicação Social (MECOM) é antiga. A primeira experiência desse tipo data dos anos 70, com a organização dos primeiros Encontros Nacionais, onde debatíamos temáticas como as diretrizes curriculares, estágio em comunicação e veículos universitários, que desde aquela época ficavam de fora das salas de aulas de nossas graduações. E, finalmente, em 1991 nós fundamos a Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social, a ENECOS. Temos, desde então, o papel de organizar os estudantes de Comunicação Social do país e impulsionar mobilizações e discussões, tendo um papel muitas vezes de contra-escola, debatendo aquilo que a academia não possibilita que seja dito. De lá para cá, nós passamos por diversos momentos, ora de desarticulação, ora de formulação e disputa política. Eles nos fizeram caminhar até o que é hoje a ENECOS e suas bandeiras de luta: a democratização da comunicação, a qualidade de formação do comunicador social e o combate às opressões. Nacionalmente, nos organizamos em Grupos de Estudo e Trabalho (GETs). Estes espaços, que se reunem via internet, são responsáveis por estudar, debater e elaborar ações que coloquem em prática as propostas de tranformação social construídas pelo MECom. Atualmente, temos GET em Democratização da Comuni-
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cação, Qualidade de Formação do Comunicador, Comunicação e Cultura Popular, Comunicação e Finanças, Movimento de Base e Combate às Opressões. Dentro da pauta de combate às opressões, nos organizamos no Coletivo Nacional de Diversidade Sexual, no Coletivo Nacional de Mulheres da ENECOS, e no Setorial Nacional de Negras e Negros da ENECOS. Atuamos também no cotidiano dos Centros e Diretórios Acadêmicos de todo o país, organizados em nove regionais (Norte; Nordeste 1, 2 e 3; Centro-Oeste; Sudeste 1, 2 e 3 e Sul). Neste espaço, colocamos em prática as pautas e resoluções da Executiva no dia-a-dia das Universidades de todo o país. Nos reunimos presencialmente em três encontros ordinários. O primeiro deles é o Congresso Brasileiro de Estudantes de Comunicação Social (Cobrecos), que ocorre no início do ano. Neste congresso, os posicionamentos e lutas da executiva para o próximo período são definidos e colocados em um caderno de resoluções políticas e outro de ações. As propostas são votadas por delegados – tirados através de eleições – de cada escola de comunicação de que a Enecos faz parte. Ainda neste encontro, é definida a Coordenação Nacional e as Coordenações Regionais, eleitas em eleições diretas nas escolas de Comunicação Social filiadas à ENECOS. Também no primeiro semestre, ocorrem os Encontros Regionais (Erecoms), que são, na maioria das vezes, o primeiro contato do estudante com a Executiva. Com pautas mais específicas e abordagem mais inicial, aproximam um número significativo de estudantes. Já na metade do ano, temos o Encontro Nacional de Estudantes de Comunicação Social (Enecom), que traz estudantes de todo país e tem um caráter mais abrangente. Também são organizados os Cursos de Formação Política em Comunicação (CFPCOM) e Seminários de Formação, que tem o intuito de formar e qualificar nossa militância.
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Fatos e mitos dos governos progressistas no Brasil Plínio de Arruda Sampaio Júnior* *Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – IE/UNICAMP e membro do conselho editorial do jornal eletrônico Correio da Cidadania – correiocidadania.com.br .
A compreensão da realidade brasileira requer o esforço crítico de contrastar a aparência dos fenômenos e a forma como são interpretados pelo senso comum com a sua essência mais profunda, definida pelo sentido das transformações inscritas no movimento histórico. Tal contraste revelará o abismo existente entre o mito de que o Brasil vive um surto de desenvolvimento, liderado por um governo de esquerda que teria criado condições para combinar crescimento, combate às desigualdades sociais e soberania nacional, e a dramática realidade de uma sociedade impotente para enfrentar as forças externas e internas que a submetem aos terríveis efeitos do desenvolvimento desigual e combinado em tempos de crise econômica do sistema capitalista mundial. A noção de que a economia brasileira vive um momento ímpar de sua história apoia-se em diversos elementos da realidade. Afinal, após duas décadas de estagnação, entre 2003 e 2011, a renda per capita dos brasileiros cresceu à taxa média de 2,8% ao ano. Nesse período, o país manteve a inflação sob controle e, salvo a turbulência do último trimestre de 2008, no ápice da crise internacional, não sofreu nenhuma ameaça de estrangulamento cambial. Desde a segunda metade da primeira década do milênio, o volume de divisas internacionais supera o estoque de dívida externa com os bancos internacionais, configurando uma situação na qual o Brasil aparece como credor internacional, dando a impressão de que, finalmente, os problemas crônicos com as contas externas teriam sido superados. A população sentiu os efeitos da nova conjuntura de maneira bem palpável. Após décadas de demanda reprimida, o aumento da massa salarial e o acesso ao crédito provocaram uma corrida ao consumo. O governo calcula que o número de empregos gerados no período Lula – 2003-2010 – tenha ultrapassado 14 milhões. Associando grandes negócios, crescimento econômico, aumento do emprego e modernização dos padrões de consumo à noção de desenvolvimento, a nova conjuntura é apresentada como demonstração inequívoca de que o Brasil teria, finalmente, criado condições objetivas para um desenvolvimento capitalista autossustentável. Também a ideia de que o crescimento econômico teria melhorado a desigualdade social encontra certo respaldo nos fatos. Após décadas de absoluto imobilismo, no governo Lula, o índice de Gini, que mede o grau de concentração pessoal de renda, diminuiu um pouco; e a distância entre a renda média dos 10% mais pobres e a dos os 10% mais ricos do país foi reduzida, de 53 vezes em 2002, para 39 vezes em 2010. As autoridades vangloriam-se de que, nesse período, mais de 20 milhões de brasileiros teriam deixado a pobreza. Tais fatos levaram a presidente Dilma a pavonear que o Brasil teria se transformado num país de “classe média”. Além de consequência direta da retomada do crescimento, a melhoria nos indicadores sociais é associada: à política de recuperação em Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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60% no valor real do salário mínimo entre 2003 e 2010 – tendência que já havia começado no governo conservador de Fernando Henrique Cardoso; à ampliação da cobertura de previdência social para os trabalhadores rurais – conquista da Constituição de 1988; e à política social do governo federal, notadamente a Bolsa Família – programa de transferência de renda para a população carente que, em 2010 atendia cerca de 13 milhões de famílias. Por fim, o sentimento relativamente generalizado, no Brasil e no exterior, de que o país teria adquirido maior relevância no cenário internacional também se apoia em fatos concretos, tais como: o fracasso da ALCA (em parte devido à resistência do governo brasileiro); o peso do Brasil no Mercosul; o papel moderador da diplomacia brasileira nas escaramuças da América do Sul; a participação do país no restrito grupo do G-20, que reúne as principais economias do mundo a fim de pensar políticas para administrar a crise econômica mundial; a formação do foro que reúne os chamados BRICs – Brasil, Rússia, Índia e China -, que congrega as maiores economias emergentes, como suposto contraponto ao G-5 – o foro das potências imperialistas. A escolha do Brasil para sede de dois grandes megaeventos – a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 seria a prova material do grande prestígio do Brasil. Por mais convincentes que os fatos enunciados pareçam, o método de ressaltar os aspectos positivos e esconder os negativos oferece uma visão parcial e distorcida da realidade. Pinçando arbitrariamente os elementos postos em evidência e ocultando os que não convém colocar à luz, a apologia da ordem distorce a compreensão do verdadeiro significado do padrão de acumulação que impulsiona a economia brasileira, suprimindo as contradições que germinam nas suas entranhas. O mito de que o Brasil estaria vivendo um surto de desenvolvimento que abriria a possibilidade de superação da pobreza e da dependência externa simplesmente ignora a fragilidade das bases que sustentam o ciclo expansivo dos últimos anos e seu efeito perverso de reforçar a dupla articulação responsável pelo caráter selvagem do capitalismo brasileiro: o controle do capital internacional sobre a economia nacional e a segregação social como base da sociedade brasileira. Alguns fatos são suficientes para deixar patente a verdadeira natureza do modelo econômico brasileiro. O crescimento da economia brasileira entre 2003 e 2011 não foi nada de excepcional – apenas 3,6% ao ano –, bem abaixo do que seria necessário para absorver o aumento vegetativo da força de trabalho – estimado em cerca de 5% ao ano –, pouco acima do crescimento médio da economia latino-americana. A expansão foi determinada pela configuração de uma conjuntura internacional sui generis, que permitiu ao Brasil “surfar” na bolha especulativa gerada pela 10
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política de administração da crise dos governos das economias centrais. De fato, o crescimento foi puxado pelo aumento das exportações, impulsionado pela elevação dos preços das commodities, e pela relativa recuperação do mercado interno, o que só foi possível porque a abundância de liquidez internacional criou a possibilidade de uma política econômica um pouco menos restritiva. No entanto, a conjuntura mais favorável não foi aproveitada para uma recuperação dos investimentos – a base do crescimento endógeno. Nesse período, a média da taxa de investimento ficou abaixo de 17% do PIB – pouco acima da verificada nos oito anos do governo anterior e bem abaixo do patamar histórico da economia brasileira entre 1970 e 1990. A nova rodada de modernização dos padrões de consumo somente alcançou uma restrita parcela da população e, mesmo assim, na sua maioria, com produtos supérfluos de baixíssima qualidade. Não poderia ser diferente, pois, assim como uma pessoa pobre não dispõe de condições materiais para reproduzir o gasto de uma pessoa rica, a diferença de pelo menos cinco vezes na renda per capita brasileira em relação à renda per capita das economias centrais não permite que o estilo de vida das sociedades afluentes seja generalizado para o conjunto da população. Para as camadas populares incorporadas ao mercado consumidor o custo foi altíssimo e será pago com grandes sacrifícios em algum momento no futuro. Não é necessário ser um gênio em matemática financeira para perceber que a corrida das famílias pobres às compras não é sustentável. A cobrança de taxas de juros reais verdadeiramente estratosféricas, em total assimetria com a evolução dos salários reais, implica em verdadeira servidão por dívida, caracterizada pelo crescente peso dos juros e amortizações na renda familiar. O aumento artificial da propensão a consumir das famílias é um problema macroeconômico grave. Quando a “bolha especulativa” estourar, não apenas as pressões recessivas tendem a ser potencializadas, como o crescente endividamento das famílias pobres converter-se-á numa grave crise bancária. A subordinação do padrão de acumulação à lógica dos negócios do capital internacional tem provocado um processo de especialização regressiva da economia brasileira na divisão internacional do trabalho. A revitalização do agronegócio como força motriz do padrão de acumulação reforça o papel estratégico do latifúndio. A importância crescente do extrativismo mineral, potencializada pela descoberta de petróleo na camada do pré-sal, intensifica a exploração predatória das vantagens competitivas naturais do território brasileiro. Por fim, a falta de competitividade dinâmica (baseada em inovações) para enfrentar as economias desenvolvidas assim como a insuficiente competitividade espúria (baseada em salário baixo) para fazer face às economias asiáticas levam a um processo irreversível de desindustrialização. Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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A regressão nas forças produtivas vem acompanhada de progressiva perda de autonomia dos centros internos de decisão sobre o processo de acumulação. A exposição do Brasil às operações especulativas do capital internacional tem intensificado a desnacionalização da economia brasileira e aumentado de maneira assustadora a sua vulnerabilidade externa. A trajetória explosiva do passivo externo, composto pela dívida externa com bancos internacionais e pelo estoque de investimentos estrangeiros no Brasil, evidencia a absoluta falta de sustentabilidade de um padrão de financiamento do balanço de pagamentos que, para não entrar em colapso, depende da crescente entrada de capital internacional. A magnitude do problema pode ser aquilatada pela dimensão do passivo externo financeiro líquido – que contempla apenas recursos de estrangeiros de altíssima liquidez prontos para deixar o país, já descontadas as reservas cambiais –, de US$ 542 bilhões no final de 2011. Diante disso, há sempre a ameaça inescapável de que, quando o sentido do fluxo de capitais externos for invertido, tudo o que, hoje, parece sólido, amanhã, se desmanche no ar, fazendo com que, de uma hora para outra, os empregos gerados desapareçam, o número de pobres volte a crescer e o país volte a amargar draconianos programas de ajuste estrutural impostos pelos organismos financeiros internacionais. O substrato do modelo econômico brasileiro repousa, em última instância, na crescente exploração do trabalho – a verdadeira galinha dos ovos de ouro do capitalismo brasileiro. A gritante discrepância entre os ganhos de produtividade do trabalho e a evolução dos salários põe em evidência que, mesmo numa conjuntura relativamente favorável, o progresso não beneficiou os trabalhadores. Não à toa, a propaganda oficial omite o fato de que, no final do governo Lula, o salário médio dos ocupados permanecia praticamente estagnado no mesmo nível de 1995. A perversidade do padrão de acumulação em curso fica patente quando se leva em consideração a distância de quase quatro vezes entre o salário mínimo efetivamente pago aos trabalhadores e o salário mínimo estipulado pela Constituição brasileira e calculado pelo Dieese. Posto em perspectiva histórica, os governos progressistas aprofundaram o processo de flexibilização e precarização das relações de trabalho. Nos anos Lula, a jornada média do trabalhador brasileiro foi de 44 horas, elevação de uma hora em relação à média dos oito anos anteriores. A situação mais favorável da economia também não impediu que a rotatividade do trabalho continuasse em elevação, nem significou uma reversão da informalidade em que se encontra praticamente metade dos ocupados. O aumento do emprego também veio acompanhado de um aprofundamento do processo de deterioração da qualidade dos vínculos contratuais dos trabalhadores com as empresas, com a disseminação de formas espúrias de subcontratação. Calcula-se que 1/3 dos 12
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empregos gerados no período foram para trabalhadores terceirizados, hoje mais de 10 milhões de postos de trabalho, isto é, quase 1/5 do total dos empregados. Por fim, cabe ressaltar a complacência em relação ao trabalho infantil. No final da primeira década do século XXI, este trabalho continuou vitimando cerca de 1,4 milhão de crianças brasileiras – contingente equivalente à população de Trinidad Tobago. A visão apologética de que os governos de Lula e Dilma estão empenhados no combate às desigualdades sociais não leva em conta a relação de causalidade – há décadas desvendada pelo pensamento crítico latino-americano – entre: mimetismo dos padrões de consumo das economias centrais, desemprego estrutural e tendência à concentração da renda - fenômenos típicos do capitalismo dependente. Na realidade, as tendências estruturais responsáveis pela perpetuação da pobreza e da desigualdade social não foram alteradas. Mesmo com a expressiva ampliação dos empregos, aproximadamente 40% da força de trabalho brasileira ainda permanece desempregada ou subempregada, isto é, sem renda de trabalho ou com trabalho que remunera menos do que um salário mínimo. Nessas condições, não surpreende que a concentração funcional da renda, que mede a divisão da renda entre salário e lucro, tenha permanecido praticamente inalterada durante o governo Lula num dos piores patamares do mundo. A pequena melhoria na distribuição pessoal da renda (que mede a repartição da massa salarial), apontada como prova cabal do processo de “inclusão” social, na realidade apenas registra uma ligeira diminuição no grau de concentração dos salários, reduzindo a distância entre a renda da mão-de-obra qualificada e da não qualificada. A persistência de um estoque de pobres da ordem de 30 milhões de brasileiros – contingente superior à população do Peru e mais de quatro vezes os habitantes de El Salvador – revela o total disparate de imaginar o Brasil um país de “classe média”, ainda mais quando se leva em consideração que o fim do ciclo expansivo fará a nova “classe média” percorrer o caminho de volta para a pobreza. A noção de que os governos progressistas representam uma mudança qualitativa nas políticas sociais não coaduna com as prioridades manifestadas na composição dos gastos públicos. Convertidos à filosofia da política compensatória do Banco Mundial, Lula e Dilma passaram a atuar sobre os efeitos dos problemas sociais e não sobre suas causas, contentando-se em minorar o sofrimento do povo, dentro das limitadíssimas possibilidades orçamentárias de uma política macroeconômica pautada pela obsessão em preservar o ajuste fiscal permanente. A evolução na composição do gasto social do governo federal entre 1995 e 2010 comprova que não houve mudanças relevantes na política social de Lula em relação a seu antecessor. Nos principais itens de gastos, como, por Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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exemplo, saúde, educação, a participação relativa dos gastos sociais do governo federal no PIB permaneceu praticamente inalterada. Existem duas exceções. A primeira diz respeito aos gastos com Previdência Social, cujo aumento, como já mencionamos, deve ser atribuído basicamente aos efeitos da Constituição de 1988. A segunda se refere aos programas assistenciais, que receberam um acréscimo de recursos da ordem de 1% do PIB, mais do que o dobro da proporção destinada pelo governo anterior. Mesmo assim, um volume insignificante quando comparado com os recursos transferidos aos credores da dívida pública - menos de 1/3 do superávit primário e menos de 1/6 do total das despesas do setor público com o pagamento de juros (as quais, entre 2003 e 2010, ficaram em torno de 3,24% do PIB ao ano). Na realidade, o que marca a política social da era Lula, como a de FHC e seus antecessores, diga-se de passagem, é o absoluto imobilismo para superar a enorme distância entre os recursos necessários para suprir as carências das políticas sociais e a disponibilidade efetiva de recursos para financiá-los. Mesmo a política externa, apresentada por alguns como a frente mais ousada da administração petista, mal dissimula a subserviência aos cânones da ordem global e às exigências do império norte-americano. Na busca desesperada por novos mercados e por capitais estrangeiros, a Presidência da República foi instrumentalizada para vender o Brasil como se fosse commoditiespelo mundo afora. Também foi fartamente utilizada, principalmente na América Latina e na África, como representante especial de grandes grupos empresariais, basicamente empreiteiras e bancos, em busca de novos mercados nas franjas periféricas do sistema capitalista mundial. O discreto e vacilante apoio a Hugo Chávez, a maior aproximação com Cuba, os flertes com o mundo árabe e a busca de uma relação econômica mais intensa com a Índia, a Rússia e a China respondem a interesses comerciais bem concretos e não devem gerar qualquer tipo de ilusão em relação à articulação de alternativas que signifiquem um desafio à ordem global. Nos fóruns internacionais, Lula e Dilma transformaram-se em verdadeiros paladinos do liberalismo. Suas intervenções se restringem a cobrar coerência neoliberal dos governos dos países ricos – felizmente, sem nenhuma consequência prática. Nos bastidores, a diplomacia brasileira transige em seus princípios em troca de um eventual assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O caso mais vergonhoso foi o envio de tropas ao Haiti para cumprir o patético papel de gendarme do intervencionismo norte-americano, protegendo um governo ilegítimo, corrupto e violento. Até no plano ideológico os governos Lula e Dilma permaneceram perfeitamente enquadrados no ideário do neoliberalismo. A cartilha neoliberal ganhou nova credibilidade no discurso e na prática de lideranças que tinham um pas14
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sado vinculado às lutas sociais, reforçando ainda mais os valores e o padrão de sociabilidade neoliberal. Ao tomar como um fato consumado as exigências da ordem, as lideranças políticas que deveriam iniciar um processo de transformação social acabaram colaborando para reforçar a alienação do povo em relação à natureza de seus problemas – a dependência externa e a desigualdade social –, bem como às reais alternativas para a sua solução – a luta pela transformação social. Não é de estranhar o refluxo do movimento de massas e o processo de desorganização e fragmentação que atingiu, sem exceção, todas as organizações populares. Vistas em perspectiva histórica, as semelhanças entre os governos progressistas e conservadores são muito maiores do que as diferenças. Dilma, Lula, FHC, Itamar Franco e Collor de Mello fazem parte da mesma família – o neoliberalismo -, cada um responsável por um determinado momento do ajuste do Brasil aos imperativos da ordem global. Numa sociedade sujeita a um processo de reversão neocolonial, a distância entre a esquerda e a direita da ordem é pequena porque o raio de manobra da burguesia é ínfimo. O grau de liberdade se reduz, basicamente, às seguintes opções: maior ou menor crescimento, num padrão de acumulação que não dá margem para a expansão sustentável do mercado interno; maior ou menor concentração de renda, dentro dos limites de uma sociedade marcada pela segregação social; maior ou menor participação do Estado na economia, dentro de um esquema que impede qualquer possibilidade de políticas públicas universais; maior ou menor dependência externa, dentro de um tipo de inserção na economia mundial que coloca o país a reboque do capital internacional; e, como consequência, maior ou menor repressão às lutas sociais, dentro de um regime de “democracia restrita”, sob controle absoluto de uma plutocracia que não tolera a emergência do povo como sujeito histórico seja pelo recurso ao esmagamento, que caracteriza os governos à direita da ordem; seja pelo recurso à cooptação, como fazem os governos que se posicionam à esquerda da ordem. Em suma, a modesta prosperidade material dos últimos anos, que levou uma parcela da população brasileira a ter acesso aos bens de consumo conspícuo de última geração, é efêmera e nociva. A euforia que alimenta a ilusão de um neodesenvolvimentismo brasileiro é insustentável. Ao solapar as bases materiais, sociais, políticas e culturais do Estado nacional, “progressistas” e “conservadores” são responsáveis, cada um à sua maneira, pelo processo de reversão neocolonial que compromete irremediavelmente a capacidade de a sociedade brasileira enfrentar suas mazelas históricas e controlar seu destino, de modo a definir o sentido, o ritmo e a intensidade do desenvolvimento em função das necessidades do povo e das possibilidades de sua economia. Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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Democracia de cooptação e o apassivamento da classe trabalhadora Mauro Luis Iasi* *Professor Adjunto da ESS da UFRJ, coordenador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do Núcleo de Educação popular 13 de Maio e do CC do PCB. Autor de O Dilema de Hamlet, o ser e o não ser da consciência (Boitempo/ Viramundo, 2002), Ensaios sobre consciência e emancipação (Expressão Popular, 2007), Metamorfososes da Consciência de Classe (Expressão Popular, 2006), entre outros.
“O Nada de qualquer coisa é um nada determinado” Hegel (Grande Lógica)
O capital cumpriu sua tarefa, mundializou-se, monopolizou-se, estendeu suas garras dissolvendo as mais ternas ilusões românticas no frio calculo egoísta, subordinou ou campo à cidade, a ciência à indústria, a estética ao mercado, mercantilizou todas as esferas da vida. Na sua forma madura e parasitária, bem diversa daquela pela qual os ideólogos liberais projetavam seus mitos futuros, o capital assume a forma de sua negação tornando-se um enorme entrave à vida humana. Bom, então... “o invólucro rompe-se, soa a hora da propriedade capitalista” e... Nada! Os expropriadores continuam expropriando e ideologicamente se produz uma inversão fantástica: é o projeto socialista e revolucionário que parece perder a atualidade sendo apresentado como pura anacronia. O capital em sua forma madura, parasitária, exige que seu domínio implique em um grau cada vez maior de cooptação e apassivamento do proletariado. Nas palavras de Gramsci, um “transformismo”, ou seja, uma “absorção gradual mas contínua, e obtida com métodos de variada eficácia, dos elementos ativos surgidos dos grupos aliados e mesmo dos adversários e que pareciam irreconciliáveis inimigos” (Gramsci, 2011: 318). É certo que pelo centro do sistema, nos EUA e Europa, os trabalhadores andam agitados e indignados, saindo as ruas e protestando, mas a ordem parece resistir à seus sinais de agonia e a esquerda declama Saramago numa profética sentença: “a juventude não sabe o que pode e os velhos não podem fazer o que sabem”. Por aqui as coisas são mais prosaicas. O capital alcança taxas de acumulação inimagináveis (a Petrobrás lucrou R$ 35.189 bilhões em 2010, com elevação de 17% ante o ano anterior; o Bradesco obteve um lucro líquido de R$ 10 bilhões em 2010, resultado 25, 1% maior que o registrado em 2009, a Vale triplicou seu lucro chegando a 30,1 bilhões no mesmo ano) que refletem uma intensificação brutal da taxa de exploração acompanhada dos ajustes necessários à boa saúde das relações capitalistas, flexibilizando direitos e impondo perdas históricas aos trabalhadores. No entanto, diante de tal massacre, estamos no ponto mais agudo de uma defensiva da classe trabalhadora que parece respaldar os rumos da ordem capitalista, anestesiada, apassivada. Nada! A mesma classe trabalhadora que entre o final da década de 1970 e boa parte dos anos 1990 equilibrou a correlação de forças e impôs patamares de Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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resistência à acumulação de capitais, garantiu direitos e os inscreveu na ordem constitucional consagrada em 1988, parece assistir passiva ao desmonte destas garantias e direitos, emprestando, ainda que de forma não ativa, seu respaldo à atual forma de acumulação que se implantou no início do século XXI. A mesma classe que resistiu ao desmonte do Estado e das Políticas Públicas, alia-se aos seus antigos adversários para desarmar a classe trabalhadora diante da disputa do fundo público agora colocado a serviço da acumulação privada, em nome de um mito revivido: o desenvolvimento. O principal trunfo do setor político que se mantêm no poder é o controle e o apassivamento da classe trabalhadora. O senhor Michel Temer, então candidato à vice presidente na chapa de Dilma Rousseff, acalmando uma platéia de investidores estrangeiros, declarou que o pais estava pronto para receber investimentos, uma vez se trata de um pais “internamente pacificado”, no qual se “os movimentos sociais não estivesses pacificados, se os setores políticos não estivessem pacificados (...) se aqueles mais pobres não estivessem pacificados (...) isto geraria uma insegurança” (Folha de São Paulo, 27 de agosto de 2010, caderno A, p. 8). Evidente que esse juízo geral não pode esconder a saudável e honrada resistência de vários setores da classe que se negam ao amoldamento, assim como as formas não explícitas de resistência, como por exemplo a apatia e a forma pouco séria com que os trabalhadores, com razão e prudência, tratam as coisas da pequena política. No entanto, devemos analisar aqui o sentido geral que marca o período e esse parece ser o do apassivamento. Como já nos dizia Hegel em sua Grande Lógica, “todo Nada é um nada determinado”, portanto, o que se nos impõe neste momento é perguntar sobre as determinações deste “nada”.
A critica à estratégia Democrática Nacional: o imperialismo e a luta de classes Quando estudamos o comportamento político da classe trabalhadora precisamos de partida evitar duas armadilhas: compreendê-lo como mera intencionalidade subjetiva, ou, inversamente, como simples determinação de uma objetividade dada. No primeiro registro o amoldamento da classe trabalhadora à ordem que queria enfrentar se explica por um desvio de direção que leva os trabalhadores ao pântano do pacto social; no segundo as determinações objetivas da crise, dos desenrolar dos fatos históricos dramáticos (a reestruturação produtiva do capital, a crise nos países em transição socialista, etc.), os momen18
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tos de crescimento econômico e as migalhas jogadas aos trabalhadores, explicariam a apatia e o amoldamento. Acreditamos que as coisas não são tão simples, trata-se de uma síntese de fatores subjetivos e objetivos, mas é preciso refletir sobre a objetividade contida nos ditos fatores subjetivos, da mesma forma que a maneira como a ação política da classe e suas direções incide concretamente no desenho final da objetividade que determinou esta ação. Por isso, quando falamos de um determinado comportamento da classe trabalhadora, devemos relacioná-lo à uma estratégia determinante em um certo período histórico, não como uma escolha arbitrária de uma certa direção ou vanguarda, mas como uma síntese que expressa a maneira como uma classe buscou compreender sua formação social e agir sobre ela na perspectiva de sua transformação. É assim que no ciclo histórico que marca a luta da classe trabalhadora brasileira entre os meados da década de 1940 até o golpe empresarial militar de 1964, a estratégia determinante foi a chamada Revolução Democrática Nacional e sua principal expressão política foi o PCB (Mazzeo, 1999; Koval, 1982). Isso não significa que apenas o PCB estava preso a esta formulação, ela consiste um universo programático fundado naquilo que Caio Prado Jr (1978) denominou de uma forma consagrada de compreender a revolução brasileira, “prejuízos herdados do passado que se consolidaram em concepções rígidas, verdadeiros dogmas, que contando como contam com tão longa tradição, se tornam por isso mesmo altamente respeitáveis” (idem: 30). Tal concepção acaba por se impor a todos, mesmo àqueles que empreendem o árduo caminho de criticar a visão “consagrada”. Em sua essência, esta maneira consagrada, reside na certeza que a formação social brasileira, pela sua história colonial e sua inserção no moderno sistema capitalista mundial, assumia uma contradição principal entre a prevalência de uma estrutura agrária tradicional e o imperialismo, por um lado, e os vetores que apontavam para o desenvolvimento de uma capitalismo nacional, por outro. Nessa leitura, tanto o imperialismo como o latifúndio (expressão mais nítida da estrutura agrária arcaica), impediam o desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Assim, as demandas de uma suposta burguesia nacional por um desenvolvimento autônomo do capitalismo brasileiro a faria se chocar com os interesses do imperialismo e de seus aliados internos, as oligarquias tradicionais, abrindo espaço para a aliança com o proletariado. Conclui, então, Caio Prado Jr.: “A sua etapa revolucionária seria, portanto, sempre dentro do mesmo esquema consagrado, o da revolução “demorático-burguesa”, segundo o modelo leninista relativo à Rússia tzarista” (idem: 36).
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No caso particular da formação social brasileira esta “etapa” assumiria a forma de uma luta “agrária”, “antifeudal” e “anti-imperialista”. Ainda nas palavras de Caio Prado Jr., agrária por se contrapor os supostos “restos feudais” que se apresentavam no corpo da estrutura agrária tradicional, anti-imperialista “porque oposta à dominação das grandes potencias ‘capitalistas’ (idem: 37). Aqui cabe um parêntesis que nos parece importante. Alem da conhecida critica sobre a impropriedade de se falar em feudalismo no Brasil, há um aspecto que fica obscurecido pela quase evidência desta primeira incorreção: a forma como se define imperialismo. Este obscurecimento pode levar a compreensão, ao meu ver equivocada, que a formulação da revolução democrática nacional é contraditório porque, por um lado erra ao identificar a estrutura agrária conservadora como feudal, ainda que acerte na luta anti-imperialista. Nos parece que há um erro também aqui. Como acontece em outros casos, a posição autoproclamada como “leninista” é pouco leniniana. Lênin, em seu famoso trabalho de divulgação sobre o tema do imperialismo, combate uma postura que considera teoricamente insustentável e com conseqüências práticas extremamente nocivas. Resume, citando o autor da formulação equivocada, da seguinte forma: O imperialismo é um produto do capitalismo industrial altamente desenvolvido. Consiste na tendência de toda nação capitalista industrial a submeter ou anexar, cada vez mais, regiões agrárias mais extensas, qualquer que seja a origem étnica de seus habitantes (Kautsky apud Lênin, 1976: 461). Ora, esta não é em absoluto a posição de Lênin sobre o imperialismo, mas a de Kautsky. Seguindo o raciocínio kautskiano a formulação da “etapa democrático burguesa” faz sentido. O interesse do imperialismo, que aqui se transforma em uma “tendência”, em um opção política, é de anexar áreas agrárias em busca de suas matérias primas e de mercado para seus produtos. Nesse ponto coincide com os interesses dos setores oligárquicos ligados à produção de produtos primários e daí a aliança sugerida que garantiria o poder oligárquico, mas impediria o desenvolvimento de relações propriamente capitalistas nestas formações sociais e, assim, ferindo os interesses de uma burguesia nacional. No entanto, a definição de Lênin é outra. Para ele “o imperialismo é o capitalismo em sua fase de desenvolvimento na qual toma corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, na qual adquire especial importância a exportação de capitais” (Lênin, 1976: 460). Diante da precisão do conceito de Lênin, a definição de Kautsky, nas palavras do líder bolchevique, “não serve absolutamente para nada”. 20
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O ponto mais problemático não é exatamente a ênfase à tendência a anexação, de fato uma tendência verificável, quando mais se considerarmos o início do século XX, momento em que Kautsky escreve. O ponto que Lênin destaca, curiosamente é outro. Diz Lênin: “a particularidade do imperialismo não é o capital industrial, mas sim o financeiro”(idem: 462). Esta abordagem permite ao marxista russo relacionar o rápido crescimento do capital financeiro com uma intensificação da política anexacionista no final do século XIX. Lembremos que para Lênin, seguindo a definição de Hilferding, capital finaceiro não é o mesmo que capital bancário, mas a fusão do capital industrial com o capital bancário, formando o traço essencial da etapa imperialista: o capital financeiro. Como sabemos o imperialismo, assim entendido, é a expressão do capitalismo monopolista plenamente desenvolvido. O auge da livre concorrência, por volta das décadas de 1860 e 1870, coincide com a formação, ainda embrionária dos monopólios, na crise 1873 e seus desdobramantos posteriores eles se tornam mais sólidos, mas é apenas no inicio do século XX com a crise de 1900 a 1903 que os monopólios se consolidam e se tornam “a base de toda a vida econômica” e o “capitalismo se transforma em imperialismo” (idem: 389). O que nos chama a atenção é que, partindo da definição de Kautsky, o imperialismo se apresenta como um fator de entrave ao desenvolvimento das relações capitalistas nas áreas em que se impõe; ao passo que compreendendo o fenômeno a partir da definição de Lênin, o imperialismo se torna um fator de generalização das relações capitalistas. Por este ângulo altera-se substancialmente o caráter da revolução. Para Kautsky trata-se da revolução nacional, para Lênin da ante-sala da revolução socialista. O que caracterizava o “velho capitalismo”, continua Lênin, o capitalismo própria da livre concorrência, era a exportação de mercadorias, enquanto o que “caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera os monopólios, é a exportação de capitais. Talvez nem mesmo Lênin tenha tirado todas as conclusões possíveis desta afirmação. A exportações de capitais revela uma determinação mais profunda que é aquilo que Marx denominou de “queda tendencial da taxa de lucro” (Marx, s/d, livro III, vol. 4: 242) e, mais precisamente, uma das contratendências para enfrentá-la. Em poucas palavras os fatores que atuam no sentido de frear a queda na taxa de lucro, causada em última instância pela alteração contínua da composição orgânica do capital em favor do capital constante, são a) o aumento da exploração do trabalho; b) a redução dos salários; c) o barateamento dos elementos do capital constante; d) a formação de uma “superpopulação relativa”; e) ampliação do mercado externo; f) e aquilo que Marx denominou do aumento do capital em ações e que aprofundou no livro Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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seguinte como formação do capital portador de juros. Aqui nos interessa dois aspectos: primeiro que com os elementos que Marx dispunha a ampliação dos mercados era vista pelo ângulo do controle de fontes de matérias primas e espaço de realização dos produtos, ao passo que Lênin pode ver agora este movimento como a partilha de áreas de influência para onde exportar capitais (ou seja, não apenas dinheiro, mas inclusive processos produtivos inteiros); segundo que a base das contratendências à queda da taxa de lucro se fundamentam na intensificação da exploração, no rebaixamento dos salários e na superpopulação relativa. Esse segundo aspecto nos leva diretamente à nossa questão: a intensificação da exploração não levaria ao acirramento da luta de classes? Essa questão tem que ser respondida levando em conta os dois aspectos indicados, isto é, a exportação de capitais e a conseqüente partilha do mundo, e a intensificação da exploração dos trabalhadores. O primeiro aspecto permite ao capitalismo monopolista e imperialista intensificar a exploração nas áreas de expansão, ao mesmo tempo que negocia os termos de convivência com o proletariado no centro do sistema levando àquilo que Lênin denominou de uma “aristocracia operária”. Diz o revolucionário russo no prólogo à edição francesa de sua obra sobre o tema: É evidente que os gigantescos superlucros (já que se obtêm sobre os lucros que os capitalistas extraem de seus operários em seu próprio país) permite corromper os dirigentes operários e a camada superior da aristocracia operária. Os capitalistas dos países “adiantados” os corrompem, e o fazem de mil maneiras, diretas e indiretas, abertas e ocultas (Lênin, 1976: 379). Uma leitura desatenta nos levaria a acreditar que se trata de um problema moral, ou seja, de uma corrupção direta pela compra das lideranças ou o oferecimento de benesses, mas logo adiante o autor oferece outros elementos que nos parecem pistas importantes. Na seqüência Lênin caracteriza este setor como formado por “operários aburguesados”, inteiramente “pequenos burgueses por seu gênero de vida, por seus vencimentos e por toda sua concepção de mundo” (Lênin, idem, ibidem) de maneira que na luta de classes acabam por se colocar ao lado da burguesia através de toda manifestação de reformismo e chovinismo. Por esse ângulo a estratégia Democrática Nacional pode e deve ser criticada por um aspecto por vezes secundarizado. Tal estratégica se fundamento numa falácia: o crescimento do capitalista que rompe com seus entraves não capitalistas (sejam ou não identificados com resquícios feudais, formas oligárquicas ou imposição “imperialista”) levaria ao desenvolvimento de um “capitalismo autô22
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nomo” que interessaria tanto à burguesia “nacional” como ao proletariado. No que cabe ao proletariado parece indicar que o desenvolvimento das relações capitalistas levaria ao crescimento do proletariado que diante das contradições do sistema se colocaria em luta por seus objetivos históricos socialistas. Aí se encontra a falácia, o crescimento das relações capitalistas vem acompanhado dos meios políticos próprios do capitalismo desenvolvido, seja na sofisticação de seu Estado seja através dos meios, diretos e indiretos, de amoldamento da classe trabalhadora à ordem do capital, levando ao “aburguesamento” descrito por Lênin ou ao “transformismo” nas palavras de Gramsci. A estratégia democrática nacional encontrará seu ponto crítico na própria dinâmica da luta de classes, no golpe de 1964. As classes e setores de classe não se posicionaram como imaginavam as formulações idealmente impostas em detrimento da análise dor real. A burguesia brasileira se aliou ao latifúndio e ao imperialismo contra o proletariado, naquilo que Florestan Fernandes chamou de uma “contra-revolução preventiva”.
Os germes da concepção democrático popular Brecht dizia que a nova carne é comida com os velhos garfos. Isto significa que a crítica a uma concepção só pode ser feita com as ferramentas que de uma forma ou de outra compõe o universo cultural e teórico da formulação que é criticada. A lua nova carrega uma noite inteira a lua velha nos braços, dizia o mesmo poeta. Quando se realiza a critica à concepção democrática nacional se aponta para uma síntese que será hegemônica no período que se abriria. Destacaremos aqui duas formulações que por sua importância e pertinência acabam sendo representativas deste duplo movimento, ou seja, ao mesmo tempo que criticam a concepção vigente apontam, germinalmente, para os elementos que constituirão a formulação que se tornará determinante. Trabalharemos aqui as contribuições de Caio Prado Jr. ( 1978) e Florestan Fernandes ( 1976). Caio Prado Jr., após criticar os elementos daquilo que chamou de “verdades consagradas” e ponderar sobre pressupostos metodológicos que partiam de a priores abstratos, afirma em sua obra que a teoria e o programa de revolução brasileira deve vir da correta análise da conjuntura presente e do processo histórico que resulta, pois é nisso que consiste o fundamento do método dialético, em suas palavras, um “método de interpretação, e não receituário de fatos, dogmas, enquadramento da revolução histórica dentro de esquemas abstratos preestabelecidos” (Prado Jr., 1978: 19). Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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Os esquemas abstratos aos quais se refere Caio Prado dizem respeito às formulações do VI Congresso da Internacional Comunista, em 1928, que afirmava que a passagem para a ditadura do proletariado não seria Possível em países classificados como “como coloniais e semini-coloniais”, sem que fosse necessário transitar por uma série de “etapas preparatórias”, em outros termos, “por todo um período de desenvolvimento da revolução democrático-burguesa” (VI Congresso da IC, apud Prado Jr.: 65). Lembrando que não há uma mera imposição de tais formulações, mas um processo de absorção que leva em conta os interesses e o próprio desenvolvimento das organizações políticas no Brasil, é fato que o PCB (IV Congresso, 1954, apud Prado Jr, op. cit. : 67) iria sustentar sua estratégia levando em conta esta “verdade estabelecida”. O capitalismo no Brasil estaria entravado pela permanência de relações “pré-capitalistas” ou “semi-feudais”, materializadas em uma estrutura agrária tradicional fundada no latifúndio e na monocultura e, por outro lado, pela presença do imperialismo, com a ressalva anteriormente apresentada. Como sabemos, o autor criticará a pertinência de identificar as relações próprias da estrutura agrária brasileira como “feudais” ou “semi-feudais”, apontando para aquilo que denomina de “sentido da colonização” de maneira que, por meios variados, as relações aqui vigentes deveriam ser vistas não como “o latifundiário ou proprietário senhor feudal ou semifeudal de um lado, e o camponês do outro; e sim respectivamente o empresário capitalista e o trabalhador empregado, assalariado ou assimilável econômica e socialmente ao assalariado (Prado Jr, 1978: 105). Em resumo, o autor afirma que, considerando as relações de produção determinantes, ainda que existam formas diferenciadas e eventuais que se subordinar as determinantes, as formas de propriedade e o sentido da produção agropecuária, só poderíamos concluir pela sua caracterização como “em essência e fundamentalmente, capitalista” (idem: 107). Caio Prado criticará da mesma forma a relações que se estabelece entre a permanência desta estrutura agrária tradicional e o atraso da industrialização. A produção industrial brasileira, até por sua relação com o capitalismo imperialista, apresentou um desenvolvimento de seu nível tecnológico e de sua capacidade produtiva, ainda que um ou outro setor se apresente limitado em seu crescimento por “interesses estranhos ao país” (idem: 121). Ainda que isso ocorra e eventualmente uma iniciativa “nacional” tenha sido prejudicada “pela concorrência de empreendimentos ligados ao imperialismo”, isso não teria gerado uma “oposição política de classe entre a burguesia brasileira e o imperialismo” (idem: 24
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120), isto pelo fato de que os eventuais problemas ou atritos entre a burguesia brasileira e os setores imperialistas “podem perfeitamente (se) ajustar dentro do sistema do imperialismo” (idem: 121). Por tudo isso o autor afirma que: Em suma, embora a burguesia brasileira, ou antes, alguns de seus representantes possam individualmente entrar em conflito com a poderosa concorrência de empreendimentos estrangeiros, e esse conflito se traduza eventualmente em ressentimentos contra o capital estrangeiro, não se verificam na situação brasileira circunstâncias capazes de darem a tais conflitos um conteúdo de oposição radical e bem caracterizada, e muito menos de natureza política. A “burguesia nacional”, tal como é ordinariamente conceituada, isto é, como força essencialmente antiimperialista e por isso progressista, não tem realidade no Brasil, e não passa de mais um destes mitos criados para justificar teorias preconcebidas; quando não pior, ou seja, para trazer, com fins políticos imediatistas, a um correlato e igualmente mítico “capitalismo progressista”, o apoio as forças políticas populares e de esquerda (idem, ibidem). Além da correção da análise e da antecipação dos equívocos hoje em voga daqueles setores que ainda se abraçam ao mito de um “capitalismo progressista” ou um “desenvolvimento de caráter social”, o fundamento da elaboração alerta para o desdobramento político de tal concepção, ou seja, a aliança de classes com a suposta “burguesia nacional”. Neste ponto, coerente com os pressupostos que assume, o autor sente-se obrigado a definir um desenho do programa da revolução brasileira que se contraponha à formulação democrática-nacional. Não se trata apenas de afirmá-la como socialista, ainda que, destaca o autor, “é claro que, para um marxista, é no socialismo que irá desembocar afinal a revolução brasileira”, mas isso seria uma “previsão histórica sem data marcada nem ritmo de realização prefixado” e, acrescenta, “sem programa predeterminado” (idem: 16). Essa prudência se explica por dois motivos, um de natureza metodológica, ou seja, não impor modelos preconcebidos aos fatos e à dinâmica real e histórica da luta de classes em uma determinada formação social dada, outro um pouco mais complexo e problemático. Caio Prado Jr. acreditava que a implantação do socialismo no Brasil na situação histórica em que se encontrava era algo “irrealizável” por faltarem “condições mínimas de consistência e estruturação econômica, social, política e mesmo simplesmente administrativa, suficientes para a transformação daquele vulto e alcance” (idem: 165). Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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Vejam, após desconstruir a lógica etapista e a transposição de modelos como a priores abstratos a serem impostos à realidade, depois de criticar impiedosamente a alternativa democrática nacional e sua aliança com uma suposta burguesia nacional que levasse ao mito de um “capitalismo progressista”, o autor cai em um aparente paradoxo: a revolução democrática nacional tal como apresentada pelo PCB leva à conciliação de classes e a conseqüência derrota dos trabalhadores (confirmada em 1964), mas a revolução socialista, entendida classicamente como socialização dos meios de produção e formação de um Estado do Proletariado e seus aliados, é irrealizável pelos motivos apontados. Isso o leva a uma solução que nos interessa diretamente aqui. Para o autor o mito do desenvolvimento capitalista como forma de enfrentar as demandas reais que emergem das classes trabalhadoras se explica por uma associação entre “desenvolvimento”, geração de lucros e daí recursos para enfrentar estas demandas. É esta associação que será criticada. Segundo Caio Prado, se o lucro foi um fator extremamente fecundo do desenvolvimento nos países centrais, ou seja, o lucro leva ao incremento do mercado que faz crescer a demanda e daí um nova dinâmica de desenvolvimento, a inserção real do Brasil no sistema imperialista e seus “vícios orgânicos” quebra esta relação. Os monopólios alcançam sua lucratividade sem que precisem responder às demandas dos bens que constituem o fundo de consumo do trabalho e suas demandas por condições de vida e trabalho, pelo contrario, é o constante delapidar de tais condições que constituem as chamadas “vantagens competitivas” para reproduzir a acumulação de capitais aqui nas condições do capitalismo monopolista e imperialista mundial. Por isso conclui: No Brasil e nas condições atuais, a questão se propõe de forma diferente, porque falta aqui, por efeito precisamente dos vícios orgânicos de nossa estrutura econômica e social que apontamos (...), uma demanda suficiente em consonância com as necessidades fundamentais e gerais, e capaz por isso de permanentemente incentivar uma atividade produtiva que, em ação de retorno, viesse ampliá-la ainda mais (Prado Jr., idem: 164). Qual, então, a solução? É o autor que nos responde: Há de essencialmente se atacar a reforma do sistema a fim de impulsionar o seu funcionamento no sentido de um desenvolvimento geral e sustentado. É do aumento da demanda solvável, e sua articulação com as necessidades gerais e fundamentais do país e de sua população, que se há de partir para o incentivo às atividades produtivas que em seguida incentivarão a demanda. Não é possível, repetindo o ocorrido no desenvolvimento capitalista originário, 26
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ir no sentido contrário, isto é, da produção para o consumo e a demanda (idem: 164) (grifos meus). Na conclusão do autor deveríamos constatar que “a iniciativa privada, que tem no lucro e somente nele a sua razão de ser, não é suficiente assim para assegurar o desenvolvimento adequado” (idem, ibidem). Lembremos que segundo o juízo do autor uma transformação socialista é irrealizável, portanto, ele é levado a concluir que nas condições da formação social brasileira as atividades econômicas devem ser “controladas por fatores além e acima da iniciativa privada” (idem, ibidem). Isso implica que: Não se pretende com isso eliminar a iniciativa privada, e sim unicamente a livre iniciativa privada que, esta sim, não se harmoniza com os interesses gerais e fundamentais do país e da grande maioria de sua população, por não lhe assegurar suficiente perspectiva de progresso e melhoria de condições de vida (idem: 165). Eis que surgem os germes de uma formulação que seria determinante no ciclo que se abriria com a crise da Ditadura Militar e empresarial inaugurada em 1964. Uma transformação social que tenha que se contrapor a um bloco conservador formado pelo latifúndio, pela burguesia imperialista/monopolista e pela burguesia brasileira que a ela se associa subordinadamente, que se sustente numa ampla aliança dos trabalhadores assalariados da cidade e do campo (lembremos que para ele a luta pela terra não se propunha de forma generalizada e “menos ainda em termos revolucionários” (idem: 139)), junto aos aliados formados pelas massas urbanas que lutam por suas condições de vida, ou seja, um chamado campo “popular”. Para que se complete a formulação é necessário responder a uma questão essencial. Como este bloco popular irá impor suas demandas que dirigiram o desenvolvimento em um sentido “alem e acima da iniciativa privada”? A resposta é simples: através de uma correlação de forças que lhes permita chegar e controlar o Estado. Os elementos essenciais estão assim delineados: a negação da estratégia nacional democrática e sua aliança com a burguesia leva a afirmação de um desenvolvimento que se sustente nas demandas da maioria da população, ainda não socialista, mas não mais acreditando no mero desenvolvimento de um capitalismo nacional e a lógica do lucro e da iniciativa privada como vetores de um desenvolvimento que enfrente as demandas populares. Há uma ausência importante na formulação de Caio Prado e se trata exatamente da caracterização deste elemento essencial para o desfecho de uma estratégia popular: o Estado. Será Florestan Fernandes que nos dará as pistas sobre este aspecto fundamental. Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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As reflexões que constituem o livro A Revolução Burguesa no Brasil foram produzidos em momentos diferentes (entre 1966 e 1973) e copilados para a publicação, mas são, de certa forma, contemporâneos aos estudos de Caio Prado, não no sentido de ter havido uma profunda troca intelectual entre ambos, mas que partilham do mesmo momento e enfrentam os mesmos dilemas, chegando, por caminhos distintos, a conclusões semelhantes. Começando por questionar a propriedade de se falar de burguesia e revolução burguesa no Brasil, Florestan afirma que se pode afirmar a existência de uma burguesia no Brasil e de uma Revolução Burguesa desde que não façamos uma análise mecânica que transporte estas categorias sem as mediações necessárias para nossa formação social e sua história. Dito de outra forma: A questão estaria mal colocada, de fato, se se pretendesse que a história do Brasil teria de ser uma repetição deformada e anacrônica da história daqueles povos (EUA e Europa). Mas não se trata disso. Trata-se, ao contrário, de determinar como se processou a absorção de um padrão estrutural e dinâmico de organização da economia, da sociedade e da cultura. Sem a universalização do trabalho assalariado e a expansão da ordem social competitiva, como iríamos organizar uma economia de mercado de bases monetárias e capitalistas? (Fernandes, 1976:20) Desta maneira, em grande parte partindo de pressupostos weberianos, o autor afirmará que o que se dá no Brasil é que um setor da aristocracia somado a outros setores diversos, formam uma congiérie social (literalmente um aglomerado de setores diferentes) que acabam por assumir um padrão de civilização burguesa baseados no lucro, na empresa racional e no mercado, assim como a valorização do urbano sobre o rural. Um “tipo de atitude” voltada ao lucro e a acumulação de riqueza, ligado à inovação, ao talento empresarial, organização de grandes empreendimentos econômicos, entre outros aspectos. Evidente que o setor da aristocracia rural que iria cumprir este papel seria aquele que por sua natureza estabelecia nexos com as ferrovias, os portos, as empresas de comércio exterior, os bancos e daí com a realidade urbana e o padrão civilizatório burguês. O autor destacará o setor dos cafeicultores e setores da imigração, evidente não aquele que constituirá parte do proletariado, mas aquele ligado aos primeiros momentos da industrialização. Esta origem e desenvolvimento da burguesia brasileira marcará as formas pelas quais se implementam aqui a Revolução Burguesa. Desde já salta aos olhos, no mesmo sentido já apontado por Caio Prado, que a inserção do Brasil na moderna era do imperialismo não foi fator de atraso, mas a forma pela qual se produziu um tipo de desenvolvimento do capitalismo. Diz Florestan: 28
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Sob esse prisma, o neocolonialismo eregiu-se em fator de modernização econômica real, engendrando várias transformações simultâneas da ordem econômica interna e suas articulações aos centros econômicos hegemônicos do exterior. O principal aspecto da modernização econômica prendia-se, naturalmente, ao aparelhamento do país para montar e expandir uma economia capitalista dependente, sob os quadros de um Estado nacional controlado, administrativa e politicamente, por ‘elites nativas’”(idem: 93). Naquilo que aqui nos interessa, este setor ou setores de classe que assumem o padrão burguês, encontrará nas velhas oligarquias e no Estado oligárquico um pólo não de contradição, mas uma aliança essencial ao seu desenvolvimento. A unidade deste bloco, segundo o autor, se dará não apenas pela intersecção de seus interesses (oligarquias tradicionais, setores burgueses e imperialismo), como sua unidade política fundamental se encontra na confrontação dos de baixo. Desta maneira a revolução burguesa no Brasil não pode ser vista nas formas clássicas, ou seja, uma aliança da burguesia revolucionária com o proletariado visando a luta contra uma nobreza feudal. O que é característico do estado que desta forma particular de dominação deriva é que o conjunto das classes e setores de classe que se beneficiam desta dominação e que precisam fazer valer seus interesses constituem um segmento pequeno no conjunto da população e que encontra sua legitimação internamente no interior deste pequeno circulo de interesses, levando àquilo que o autor denomina de uma “autocracia”. O domínio burguês não precisou se enfrentar com a velha ordem oligárquica, pelo contrario, encontrou nesta forma os meios de manter e legitimar o domínio burguês. Os saltos e qualidade deste processo, no sentido de consolidação do poder burguês, como no período getulista (1930-1954), chega ao seu ponto culminante com o golpe e a consolidação da autocracia burguesa. Assim a Revolução Burguesa no Brasil assume a forma de uma “contra-revolução preventiva” (Fernandes, 1976: 217). A conseqüência direta desta forma concreta de desenvolvimento da revolução burguesa brasileira é que dois elementos de sua constituição aparecem aqui divorciados. Classicamente, pelos motivos indicados, a revolução burguesa assume a forma simultânea de uma revolução nacional e democrática, mas aqui, em uma forma não clássica, ela se dá pela aliança da burguesia, na verdade um setor oligárquico aburguesado, com a própria ordem arcaica, ou seja, realiza a revolução burguesa, mas não seus aspectos nacionais e democráticos. Nos termos de Florestan trata-se de uma revolução dentro da ordem e não fora da ordem, ou se preferirem, de cima e não de baixo. Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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Não basta contrapor um modelo clássico à chamada via prussiana, nos termos de Lênin, uma vez que parece que estamos falando de uma via não clássica da via não clássica. Mais do que uma revolução que implementa a ordem burguesa e cria as condições de desenvolvimento das relações capitalistas de produção a partir do Estado, trata-se de uma revolução que cumpre este objetivo inserida no quadro geral da dominação imperialista e, portanto, não para desenvolver qualquer tipo de capitalismo autônomo, mas para inserir a formação social como área de influência da dominação imperialista, isto é, como área de exportação de capitais. Isso implicará que o desenvolvimento da ordem burguesa não ocorra pressionada pelas demandas dos de baixo, pelo contrario, a condição exigida pelo padrão de acumulação é o sufocar destas demandas diante das necessidades dos monopólios e seus aliados internos e externos. O resultado é que: a massa dos que se classificam dentro da ordem é pequena demais para fazer da condição burguesa um elemento de estabilidade econômica, social e política, enquanto que o volume dos que não se classificam ou que só se classificam marginalmente e parcialmente é muito grande”(idem: 330). Assim é que a forma do Estado só pode ser a de uma autocracia, nos termos que define o autor: Um poder que se impõe sem rebuços de cima para baixo, recorrendo a quaisquer meios para prevalecer, erigindo-se a si mesmo em fonte de sua própria legitimidade e convertendo, por fim, o Estado nacional e democrático em instrumento puro e simples de uma ditadura de classe preventiva (idem: 297). Abre-se desta maneira um importante paradoxo para o nosso tema ligado ao problema da legitimação. A ordem burguesa, nestes termos apresentada, tem enormes dificuldades de legitimar-se perante os setores não burgueses, fundamente, àqueles ligados à classe trabalhadora, o que leva ao aspecto repressivo como fundamental e que de fato se confirma com a própria ditadura e o insubstituível papel dos setores militares na política brasileira. Isso não significa, no entanto, que o Estado se restrinja aos aspectos repressivos e que não opere elementos de formação de “consenso”, mesmo considerando a forma da ditadura aberta do capital como no período militar. Aspectos de cooptação, de forte poder ideológico e mesmo de envolvimento através de elementos de hegemonia, nunca deixaram de ser praticados e tiveram papel importante na sustentação da autocracia burguesa. Isso fica evidente na forma getulista (nas leis trabalhistas, no DIP, na organização ideológica da cultura, entre outros exemplos), mas 30
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também na Ditadura empresarial-militar inaugurada em 1964, não apenas pela intensa ação ideológica, mas pelos meios de consentimento criados pelo crescimento econômico acelerado que marcou o período. No entanto, é evidente que o aspecto repressivo se impõe levando os autores que analisam a formação do estado no Brasil a considerar este aspecto como “estrutural”. Não é diferente em Florestan. Ele considera que o fato da formação social brasileira, inserida de forma dependente na ordem do capitalismo tardio, manifestar a contradição essencial entre um ciclo restrito à ordem burguesa que se auto legitima nas formas da autocracia e uma maioria daqueles que se localizam fora desta ordem ou apenas parcialmente incluídos, dá um caráter estrutural à autocracia como forma do Estado burguês no Brasil. O grande problema de legitimação encontrado no caminho da consolidação da ordem burguesa em nosso país é que uma ordem autocrática, por sua natureza, é sempre uma saída temporária, mas as características estruturais de nossa formação social acabam por impor à autocracia burguesa uma longevidade muito além do que uma forma transitória. Diz o autor: Os recursos de opressão e de repressão de que dispõe a dominação burguesa no Brasil, mesmo nas condições especialíssimas seguidas ao seu enrijecimento político e à militarização do Estado, não são suficientes para ‘eternizar’ algo que é, por sua essência (em termos de estratégia da própria burguesia nacional e internacional) intrinsecamente transitório” (idem: 321) Ao mesmo tempo o desafio da ordem burguesa na busca de sua estabilidade, cedo ou tarde acabaria por exigir o esforço na direção de uma consolidação de sua hegemonia o que implica superar os limites de uma “autonomia de classe para dentro”, no sentido de autoreferenciada no restrito campo dos interesses burgueses, por uma “autonomia de classe para fora”, ou seja, envolvendo seus aliados (Fernandes considera que nos termos da autocracia a burguesia se apresenta intolerante mesmo às manifestações do radicalismo burguês), assim como seus oponentes na luta de classe como elemento essencial da chamada “revolução passiva” (Gramsci, 2011: 317-319). Devemos considerar que o problema da legitimação não se resume a um problema político ou ético. Como nos lembra José Paulo Netto (2006) é na passagem para a forma monopólica que a ordem do capital passa a exigir do Estado um conjunto de ações, diretas e indiretas, através das quais a acumulação pode encontrar as condições de sua continuidade, alertando para o fato que: Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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O que se quer destacar, nessa linha argumentativa, é que o capitalismo monopolista, pelas suas dinâmicas e contradições, cria condições tais que o Estado por ele capturado, ao buscar legitimação política através do jogo democrático, é permeável a demandas das classes subalternas, que podem incidir nele seus interesses e suas reivindicações imediatos. E que este processo é todo tensionado, não apenas pelas exigências da ordem monopólica, mas pelos conflitos que faz dinamar em toda a escala societária (Netto, 2011: 29). De certa forma, Fernandes afirma que ao garantir as condições da acumulação capitalista, a autocracia, ao mesmo tempo, dinamiza suas contradições e tende a reapresentar a questão da legitimação do poder burguês perante outros setores e classes que compõe a sociedade brasileira. Neste ponto o autor abre duas possibilidades para aquilo que chama de crise da autocracia burguesa, lembrando que escreve já nos momentos que antecedem a chamada abertura política e o início da transição democrática. Um primeiro cenário seria uma espécie de autoreforma da autocracia na direção de incorporar aqueles setores naquele momento não diretamente envolvidos no restrito círculo do poder burguês; um segundo cenário, dado o caráter estrutural das determinações que se encontram na base da autocracia burguesa, seria a continuidade e o fortalecimento da autocracia burguesa no Brasil. Antes de mais nada é preciso considerar que Fernandes não guarda nenhuma ilusão quanto a possibilidade daquilo que chama de uma “revolução dentro da ordem”, neste caso indicando uma autoreforma da autocracia. Para ele a burguesia havia perdido todo seu caráter revolucionário. Estaríamos em suas palavras, entre duas revoluções, uma que vinha do passado e chega neste momento sem maiores perspectivas (a revolução burguesa) e outra que “lança raízes sobre a construção do futuro” (Fernandes, 1976: 295). Torna-se, assim, muito difícil deslocá-las politicamente através de pressões e conflitos mantidos ‘dentro da ordem’; e é quase impraticável usar o espaço político, assegurado pela ordem legal, para fazer explodir as contradições de classe”(idem : 296). O fundamento desta descrença se encontra no fato já citado que para ele as determinações estruturais criam um impasse. A massa daqueles que são colocados fora do círculo do poder burguês apresentam demandas que se chocam com os interesses da continuidade da acumulação de capitais, não por que sua natureza em si coloque estas demandas fora da ordem do capital, não é o caso, mas pelo fato que o poder burguês aqui se articula com a totalidade da acumulação do capital mundial e seu papel na lógica das contratendências à queda da taxa de lucro é operar como áreas de superexploração que sustentam o centro 32
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do sistema, assim como as classes dominantes locais, tornando tais demandas uma ameaça a ordem. Desta maneira Florestan Fernandes chega a uma categoria que nos parece importantíssima para compreender o momento atual. Considerando que o possível de ser ofertado como caminho que aplainasse o apassivamento dos trabalhadores em uma ordem burguesa desta natureza, seria muito, muito pouco, Fernandes denomina este caminho de uma “democracia de cooptação” (idem: 363). No contexto da crise da autocracia burguesa reapareceria o velho dilema da revolução burguesa no Brasil e de como equacionar o problema político da hegemonia burguesa, agora sob a necessidade de “entrelaçar os mecanismos de uma democracia de cooptação com a organização e o funcionamento do Estado autocrático”(idem, ibidem). Para o autor, naquele momento de sua análise, este caminho seria pouco provável, uma vez que “parece fora de dúvida que as classes burguesas mais conservadoras e reacionárias considerarão exagerado o preço que terão que pagar à sobrevivência do capitalismo dependente, através da democracia de cooptação”(idem: 365), concluindo que: Até onde pudemos chegar, por via analítica e interpretativa, não padece dúvida de que as contradições entre a aceleração do desenvolvimento econômico e a contra-revolução preventiva só podem ser resolvidas, “dentro da ordem”, não pela atenuação, mas pelo recrudecimento do despostismo burguês” (idem, ibidem). De fato, se considerarmos o desenvolvimento imediato dos fatos que seguiram à publicação do livro A revolução burguesa no Brasil, a história parece ter dado razão à Fernandes. Vivemos uma democratização tutelada, uma abertura sob controle na qual os conteúdos mais próximos às demandas populares foram sempre adiados, assim como a permanência indisfarçável de todo o aparato político e jurídico da ditadura como sustentáculo do poder político burguês que se perpetuou. No entanto, a história guardaria, como veremos, uma surpresa. Sinteticamente podemos afirmar que a posição de Fernandes é que a Revolução Burguesa se realizou no Brasil, não em sua forma clássica, portanto divorciada de seu caráter nacional e de seus elementos democráticos, o que leva a determinação da forma do Estado burguês como autocrático e sua revolução como, de fato, uma contra-revolução preventiva permanente. Ora esta será a base sobre a qual se erguerá outra dimensão fundamental da chamada estratégia democrática popular. Uma vez que a ordem burguesa é impermeável às pressões dos setores raCaderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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dicalizados da burguesia e às demandas das camadas populares e, assim como para Caio Prado ainda que por outros motivos[2], Florestan também acredita que uma revolução socialista seria naquele momento impossível, a apresentação das demandas democráticas não realizadas pela burguesia e que coincidissem com os interesses dos trabalhadores, levaria a um impasse cuja solução apontaria para a ruptura socialista. É nesta equação que nascerá a famosa formulação de Fernandes sobre a necessária combinação de uma “revolução dentro da ordem” com uma “revolução fora da ordem”[3]. Ora esta é, por assim dizer, a alma da formulação democrática popular.
O PT e a estratégia democrática popular É bom dizer logo de início que o PT enquanto experiência histórica não nasceu da adesão a uma leitura teórica, muito menos atribuir a responsabilidade pelos desvios presentes a este ou aquele formulador ou intelectual. Como bons analistas que eram, tanto Caio Prado como Florestan captaram elementos do devir, estavam inseridos em uma conjuntura histórica e ao dar respostas às questões de seu tempo acabaram por indicar elementos que o desenvolvimento histórico confirmaria como sendo determinantes no período que se abriu. O PT como partido político e como parte integrante do movimento que a classe trabalhadora empreendeu no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, expressa este mesmo cenário e se tornará o protagonista da estratégia democrático popular e seu ocaso, assim como o PCB em relação à estratégia democrática nacional. A identidade do PT em seu início passava por uma clara diferenciação em relação ao PCB, não apenas pela disputa própria do movimento sindical, mas pela necessidade de afirmação que inaugurava um período diferente na história brasileira. É assim que em seu V Encontro (1987) afirmara explicitamente que: O PT rejeita a formulação de uma alternativa nacional e democrática que o PCB defendeu durante décadas, e coloca claramente a questão do socialismo. Porque o uso do termo nacional, nessa formulação, indica a participação da burguesia nessa aliança de classes – burguesia que uma classe que não tem nada a oferecer ao nosso povo (Resoluções do V Encontro Nacional – 1987, in Almeida, J. ; Vieira, M.A.; Canceli, V., 1997:322). Já nos documentos de fundação do PT estão expressas as intenções de independência de classe que aqui se reapresentam. É, entretanto, no V Encontro que a estratégia democrático popular ganha sua forma mais acabada e que pode ser vista nesta formulação: 34
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Nas condições do Brasil, um governo capaz de realizar as tarefas democráticas e populares, de caráter antiimperialista, antilatifundiário e antimonopolista – tarefas não efetivadas pela burguesia –, tem duplo significado: em primeiro lugar, é um governo de forças sociais em choque com o capitalismo e a ordem burguesa, portanto um governo hegemonizado pelo proletariado, e que só poderá viabilizar-se com uma ruptura revolucionária; em segundo lugar, a realização das tarefas a que se propõe exige a adoção concomitantemente de medidas de caráter socialista em setores essenciais da economia e com o enfraquecimento da resistência capitalista. Por essas condições, um governo dessa natureza não representa a formulação de uma nova teoria das etapas, imaginando uma etapa democrático-popular, e, o que é mais grave, criando ilusões, em amplos setores, na possibilidade de uma nova fase do capitalismo, uma fase democrática popular (V Encontro... op. cit: 322). Como se vê, neste momento, a estratégia democrático popular é mais uma afirmação de independência do que caminho para a conciliação de classe. No mesmo encontro, a estratégia propriamente dita se delineia de forma ainda mais clara. Para extinguir o capitalismo e iniciar a construção da sociedade socialista, é necessária, em primeiro lugar, uma mudança política radical; os trabalhadores precisam transformar-se em classe hegemônica e dominante no poder de Estado, acabando com o domínio político exercido pela burguesia. Não há qualquer exemplo histórico de uma classe que tenha transformado a sociedade sem colocar o poder político – Estado – a seu serviço (idem: 312). A radicalidade com se apresentava tal proposição vinha combinada com um esforço de introduzir esta “ruptura” em um longo processo de acúmulo de forças, diferenciando as atividades destinadas à tomada do poder, propriamente dito, daquelas que preparam as condições para isso, diferença na qual se insere a distinção de reforma e revolução, entendidas pelos formuladores não como antagônicas. A luta por reformas só seria um erro quando “acabam em si mesma”, ressaltando que “quando ela serve para demonstrar às grandes massas do povo que a consolidação, mesmo das reformas conquistadas, só é possível quando os trabalhadores estabelecem seu próprio poder”, então a luta por reformas se combinaria com os processos de transformação social (idem: 313). O que parece ficar evidente é que este momento inicial da formulação democrática popular parte de uma pressuposto semelhante ao que foi expresso por Florestan, isto é, a suposta impermeabilidade da burguesia brasileira e de seu Estado diante das demandas populares (matéria prima da luta por reforCaderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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mas), ou como as formulações e o próprio sociólogo brasileiro afirmarão, as chamadas “tarefas democráticas em atraso”, ou “tarefas não efetivadas pela burguesia”. Desta maneira podemos supor que o essencial à formulação em questão é que a apresentação de tais demandas pelos trabalhadores e a resistência do poder burguês em incorporá-las, seriam o momento dentro da ordem que prepararia a possibilidade da ruptura, na verdade a legitimaria perante a maioria da população. Ainda que esta formulação tenha cumprido um papel importante na dinâmica da luta de classes e tenha significado um poderoso instrumento de mobilização, luta e organização dos trabalhadores que refletiu em patamares significativos na constituição de uma consciência de classe (aliás, o mesmo pode ser dito da estratégia democrático-nacional); seu desfecho produziu algo muito distinto daquilo que se esperava. Não é o caso de apontar todo o processo pelo qual esta metamorfose se processou[4], mas apenas indicar o fato de que nesta transformação a principal vitima foi a independência de classe. Pensada inicialmente como um longo processo de acúmulo de forças que combinaria um braço de ação junto aos movimentos sociais e sindicais, ligados às lutas da classe trabalhadora e outro que refletiria este crescimento de lutas através de patamares institucionais (sindicatos, organizações da sociedade civil e espaços institucionais conquistados via eleitoral nas administrações e parlamentos), processo este que deveria culminar na conquista do governo federal para que se desencadeasse reformas de caráter “antiimperialista, antilatifundiário e antimonopolista”; esta propsta sofreria uma inflexão significativa entre o VI e VII Encontros Nacionais do PT. De forma sucinta podemos afirmar que três processos se combinaram nesta inflexão. Primeiro que a dinâmica da luta de classes se acentuou no governo Sarney levando à possibilidade concreta de que uma vitória eleitoral ocorrer mais cedo do que se previa (de fato já um ano depois, em 1988, esta proposta se colocou). No entanto, paradoxalmente, exatamente neste momento outros dois fatores interviriam para minar as bases daquele amplo movimento de caráter socialista que deveria ser a sustentação de um suposto governo democrático e popular que realizaria as reformas propostas. A reestruturação produtiva implantada entre o final dos anos 1980 e durante a década de 1990, quebraria a força do movimento operário independente em sua própria base, ao mesmo tempo em que a crise nas experiências de transição socialista em curso, notadamente a URSS, entravam em rápido colapso. Estes vetores se combinam para gerar um resultado inesperado: a possibilidade de chegar ao governo federal, mas sem a correlação de forças que permitiria a implantação das reformas democráticas e populares. 36
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A solução encontrada, ainda dentro do campo de uma estratégia democrática e popular, é que seria possível e desejável seguir o acúmulo de forças agora dentro deste espaço institucional estratégico, assim como já se supunha se realiza nos espaços institucionais menores conquistados nesse processo (administrações municipais, mandatos parlamentares, máquinas sindicais, etc.). Vejam que há um raciocino estranho aqui. Não se poderia pensar em uma ruptura socialista por conta de uma certa correlação de forças insuficiente acompanhada de uma consciência de classe igualmente insuficiente. Por isso as reformas democráticas e populares. Agora se trata de uma correlação de forças ainda mais precária que impede até mesmo estas reformas, fazendo com que o programa tenda a um horizonte apenas “democrático”. No entanto, não se trata aqui de pura intencionalidade que se joga no vazio, mas de uma luta de classes. Lembremos que isso tudo se dá no momento em que a burguesia sofre seu próprio paradoxo expresso no dilema entre uma autoreforma nos termos de uma democracia de cooptação ou um aprofundamento da autocracia, alternativa que neste momento se aplica e que parece alimentar o processo de luta de classes e fortalece seu adversário. A metamorfose, ou o transformismo se preferem, se dá no processo pelo qual acabam por se chocar dois interesses que até então formavam uma unidade: os interesses da classe trabalhadora retomando seu processo de luta com a crise da autocracia, e os interesses de uma camada burocrática que se especializou na gestão dos espaços institucionais ocupados (partido, sindicatos, espaços governativos ou parlamentares). Tal contradição se materializa na questão das eleições presidenciais e nas sucessivas derrotas de Lula (em 1989, 1994 e 1998) o que leva a um setor do PT a defender a tese segundo a qual seria necessário ampliar as alianças, o que implicaria em uma moderação programática, para que fosse possível ganhar as eleições[5]. A vitória eleitoral de 2002 que leva Lula à presidência consagra esta inflexão. O encontro nacional que a antecede é esclarecedor do caminho inverso percorrido no sentido do desmonte da independência de classe, em suas resoluções podemos ler: Um novo contrato social, em defesa das mudanças estruturais para o país, exige o apoio de amplas forças sociais que dêem suporte ao Estado-nação. As mudanças estruturais estão todas dirigidas a promover uma ampla inclusão social – portanto distribuir renda, riqueza, poder e cultura. Os grandes rentistas e especuladores serão atingidos diretamente pelas políticas distributivistas e, nestas condições, não se beneficiarão do novo contrato social. Já Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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os empresários produtivos de qualquer porte estarão contemplados com a ampliação do mercado de consumo de massas e com a desarticulação da lógica financeira e especulativa que caracteriza o atual modelo econômico. Crescer a partir do mercado interno significa dar previsibilidade para o capital produtivo (XII Encontro Nacional, 2001)[6]. Eis que uma força política própria da classe trabalhadora passa ao campo moderado, primeiro rumo ao centro do espectro político e depois com o desenvolvimento dos compromissos de governabilidade, para uma aliança de centro direita. Este “transformismo de grupos radicais inteiros, que passam para o campo moderado” (Gramsci, 2011: 317) não restringe seu impacto ao próprio grupo ou à direção destes grupos, mas produz um efeito sobre a classe de onde emergiram inicialmente. Como diz Gramsci: Neste sentido (a absorção gradual mas contínua de adversários que pareciam irreconciliáveis inimigos), a direção política se tornou um aspecto da função de domínio, uma vez que a absorção das elites dos grupos inimigos leva à decapitação destes e a sua aniquilação por um período frequentemente muito longo (idem: 318).
Intencionalidades e luta de classe Este é um processo político complexo que passa por questões éticas mas não se restringe a elas. Ainda que possam ter havido pequenas e grandes traições, e de fato houveram, os protagonistas deste processo não necessariamente agem como “terratenentes da burguesia no movimento operário”, na expressão de Lênin, de forma consciente. Eles podem seguir acreditando que estão executando um momento tático de sua estratégia, acumulando forças até que um dia retomem as condições para a mítica ruptura socialista, transformada em horizonte que sempre se afasta quanto mais dele nos aproximamos. Não se trata de meras intenções, mas de interesses de classe. A burguesia precisava resolver seus problemas de hegemonia e para isso tinha que enfrentar uma contradição: dado o caráter estrutural da exploração na forma como a acumulação de capitais poderia chegar no máximo a uma democracia de cooptação diante da qual os trabalhadores se negariam a receber tão pouco e a burguesia se recusaria a pagar um preço que consideraria muito alto. O cenário se agrava na medida em que a burguesia precisa realizar isso no bojo de ajustes que apontavam para o desmonte do Estado e das políticas públicas, a intensificação da mercantização e das privatizações, uma interação mun38
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dial de mercados e fluxos financeiros que solapam qualquer esforço de autonomia nacional, ou seja, era necessário retomar as bases de um consentimento da classe trabalhadora, mas sem o retorno do Estado do Bem-estar Social, que na verdade aqui nunca existiu, mas que no contexto europeu foi o principal instrumento do amoldamento do movimento operário e socialista. O interesse expresso na trajetória recente do PT e de sua experiência no governo federal em um governo de coalizão de classes, numa composição de centro direita, rende-se ao pragmatismo político: vencer, governar e se reeleger. O ex-presidente do PT, José Genoino, parece indicar o campo deste pacto social e seu impacto sobre a questão do programa: O programa de governo que a candidatura Lula levou às ruas em 2002 contém eixos estratégicos para o Brasil. Um projeto estratégico, qualquer que seja, é sempre a projeção ideal que um agente político – no caso o PT – formula em relação à sua visão de futuro. Projeto político não pode ser entendido como algo que necessariamente se realizará. Trata-se apenas de um dever-ser, de uma das possibilidades em relação ao futuro. Na medida em que existem vários projetos interagindo e que a ação de execução de um projeto interage com a ação de outros sujeitos, o resultado final da ação implementadora de um projeto nunca será igual à intenção inicial do agente. O mesmo ocorre com programas de governo. O que importa, na ação dos partidos, é que suas ações correspondam a programas e projetos. Resultará daí algo mais ou menos aproximado da formulação inicial, dependendo sempre da capacidade de execução, das condicionantes da realidade, das circunstâncias e dos agentes interativos (Genoino, 2003). Notem que a resultante expressa no governo é produzida pelo concurso de “vários projetos interagindo”, mas seria interessante perguntar quais. O PT apresentou às eleições “seu” projeto, mas já vimos que ele já estava devidamente desfigurado por uma inflexão que o retira de um campo fora da ordem para um campo que a aceita como limite que não pode ser superado. Mas, vamos supor apenas para fins de exposição, que este representa os interesses táticos dos trabalhadores. Com que outros projetos terá que interagir? Certamente não são aqueles motivados pela intensa participação popular e da classe trabalhadora, uma vez que os mecanismos de participação direta foram devidamente travados, quando não criminalizados. Em se tratando de uma sociedade de classe, trata-se dos interesses muito bem organizados através dos loobies dos diferentes setores da burguesia monopolista e estes não precisam moderar suas demandas para parecer aceitáveis ou serem compreendidos pela consciência comum da maioria da população. A ingenuiCaderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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dade genuinamente apresentada pelo ex-presidente do PT, ex-deputado e ex-socialista, chega ao ponto de considerar, na perspectiva dita republicana que ele hoje assume, que a interação entre estes “projetos” é neutra, desconsiderando, por exemplo, que parte destes projetos são acompanhados de vultuosas contribuições de campanha ou bancadas inteiras que podem viabilizar ou inviabilizar a sustentação de um governo. Por fim, o pacto nos termos apresentados de uma democracia de cooptação, permite disciplinar a luta de classes. Os pontos de “acordo”, o que resulta desta paciente e habbermasiana ampliação das esferas de consenso, são “acidentalmente” os interesses essenciais da acumulação de capital: garantir o crescimento econômico, realizar as reformas e o ajuste do Estado, garantir a “sustentabilidade” e evitar as políticas “irresponsáveis” e “demagógicas”, e finalmente, oferecer o fundo publico como alvo da valorização do capital estrangulado por sua crise. A condição política para que este “ajuste estrutural” ocorra é o desarmar da classe trabalhadora, mas isso não pode ser conseguido pelos meios clássicos da social democracia, pelo contrario, será a camada melhor remunerada do proletariado que terá que pagar pelo ajuste. A forma encontrada é a viabilizada pelo pacto com a pequena burguesia política, formada com base naquela burocracia descrita, que negocia em nome da classe para implementar uma política contra seus verdadeiros interesses. A base da democracia de cooptação é a focalização das ações sociais visando amenizar a pobreza absoluta ao mesmo tempo que oferece condições para o crescimento econômico e, portanto da acumulação privada, aumentando a pobreza relativa. A democracia de cooptação, genialmente antecipada por Florestan, mas por ele descartada como possibilidade, não veio da autoreforma da autocracia, mas, inesperadamente, do desenvolvimento da estratégia democrática popular madura que desloca para o governo um setor que emerge da classe trabalhadora e dela se afasta para negociar em seu nome o pacto que acaba por resolver os problemas de hegemonia que faltava à consolidação do poder burguês no Brasil. Querendo evitar os equívocos de um socialismo sem democracia, o PT acaba por implementar o pesadelo de uma burocracia sem socialismo. Assim como na social democracia européia (Przeworski, 1989), a estratégia democrática popular que havia sido pensado como uma caminho alternativo para se chegar ao socialismo, torna-se mais um eficiente meio de evitá-lo. 40
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Notas [2] Fernandes, que parte da afirmação do fim do ciclo histórico da revolução burguesa e que estamos na era da revolução socialista, destaca a correlação de forças e o fato de que a superação da autocracia burguesa exigia a constituição do proletariado enquanto um sujeito político, primeiro como protagonista de um amplo movimento de caráter socialista e para tanto capaz de mobilizar os trabalhadores e demais setores por demandas imediatas. Ver, por exemplo, Movimento Socialista e Partidos Políticos (Fernandes, F. , Editora Hucitec: São Paulo, 1980) [3] É necessário notar aqui que, neste momento, o autor já se refere a dois momentos de uma revolução proletária e não mais à característica própria da revolução burguesa discutida na obra que analisamos e o faz não na intenção de reapresentar o etapismo, mas de uma revolução permanente. [4] Para tanto ver As metamorfoses da consciência de classe: o PT entre a negação e o consentimento (Iasi, Expressão Popular: São Paulo, 2006) [5] Esta tese foi defendida já no VIII Encontro Nacional, mas foi suspensa com a vitória de uma coligação de esquerda que dirigiria o PT neste período e retomada no X Encontro (1995) com a vitória de José Dirceu para a presidência do partido. [6] Resoluções do 12.º Encontro Nacional (2001). Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, São Paulo, 2001, p. 38.
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Democratização da comunicação Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos)
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Compreender a luta pela democratização da comunicação é entender que ela é, antes de tudo, uma disputa de projeto. De um lado os grandes oligopólios privados que dominam os mercados das telecomunicações, como seu projeto que mercantiliza a comunicação e do outro lado estão mais de 190 milhões de brasileiros ludibriados com a qualidade técnica das produções, mas tendo seu direito a voz negado. Até pode parecer exagero, mais não, no Brasil, a “elite intelectual” e os governos federais e estaduais, defendem o direito à liberdade de expressão como se fosse apenas a liberdade de trocar de canal quando for desejado, isso é o que podemos chamar de democracia de controle remoto. Você pode “decidir” o que irá ouvir, mas não o quer ouvir, nem tão pouco sonhar em ser ouvido por esses veículos de comunicação. E sabe por quê? Pelo “simples” fato de que o projeto de comunicação que esta em vigor hoje no Brasil coloca a comunicação como uma mercadoria, onde um minuto, em horário nobre, na maior rede de televisão do país custa o equivalente a 40 carros populares. É preciso também ter claro que essa disputa de projeto acontece por vários âmbitos.
Utilização de veículos universitários como ferramenta de Democratização da Comunicação Notamos cada dia mais forte que as rádios, tevês, jornais e revistas universitárias estão funcionando como verdadeiros meios comercias, com jornalistas contratados e estudantes sendo usados como mão-de-obra barata. Esses veículos, que em sua grande maioria são institucionalizados, acabam servindo como porta-vozes das reitorias e dos governos. Partindo da perspectiva apontada pelo próprio sistema brasileiro de radiodifusão, onde os veículos universitários são categorizados como educativos, percebemos a necessidade cada vez maior de ampliar as discussões em torno da utilização dessa ferramenta comunicativa: a serviço de quem eles estão, quem os controla e com quais objetivos. É fundamental que se compreenda que a universidade é o local onde os horizontes são ampliados, onde novos modelos devem ser debatidos, estudados e testados, onde uma nova comunicação deve ser construída. E são nos veículos universitários que os novos profissionais da Comunicação devem qualificar sua formação, ao invés de terem que se submeter a estágios exploratórios em empresa privadas, que não contribuem para a formação intelectual, muito pelo contrário, acabam atrapalhando seus estudos. Esses veículos devem servir como canais de veiculação de novas vozes, nacionais, regionais e locais, com novas estéticas e lógicas que possam alterar de maneira profunda o paradigma de formação do senso comum na sociedade. Sendo assim, para uma efetiva Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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democratização da sociedade, torna-se indispensável à democratização das ferramentas de comunicação. Não é suficiente falar em liberdade de expressão e manifestação, caso isto não seja acompanhado do direito de expressar opiniões. Visualizando a extensão universitária enquanto um importante canal de troca entre o conhecimento produzido na universidade e o saber popular, considerados fora de qualquer hierarquia. Os alunos devem ter a oportunidade de superar os limites do padrão de saber convencionado, através, por exemplo, de projetos de extensão embasados numa experiência dialética concreta. Se constituindo em sujeito ativo durante todo o processo reconstruindo possibilidades, e alterando a realidade social em que está inserido. Primando o interesse público, deve-se estimular a diversidade de formatos, abordagens e gêneros. Obtendo a liberdade necessária para um real aprendizado, a partir de experiências emergidas de anseios sociais, e da criatividade pessoal, em vez de fins estritamente comerciais. E compreendendo a Comunicação como um Direito Humano, central para consolidação de uma sociedade democrática, valerá o direito à informação plural, diversa, independente e que contemple as diferentes características; além de promover a apropriação do conhecimento e de uma visão autônoma em relação à mídia, visando à formação de espectadores críticos.
Marco Regulatório das Comunicações É a interferência do estado, para garantir a liberdade individual de expressão da população. Em um Estado democrático de direitos, as leis são as formas de garantir que o todas(os) as(os) cidadãs(ãos) terão seus direitos garantidos. Nas democracias mais consolidadas do mundo, para tentar garantir o acesso de todas(os), as telecomunicações, os marcos regulatórios do setor já foram criados há muito tempo. Mas, no Brasil, o assunto ainda é tratado sem a devida atenção das autoridades, e é apontado como o grande monstro da censura, que foi vivida pelas(os) brasileiras(os) nos tempos da Ditadura. O mais contraditório é que esse discurso vêm dos grupos empresariais que mais se beneficiaram desse período obscuro da história brasileira, como é o caso das Organizações Globo, que se alimentam, política e economicamente da falta de regulamentação do setor. No segundo semestre de 2010, já no final do mandato do ex-presidente Lula, o governo federal montou um grupo com a finalidade de elaborar um ante projeto de uma nova lei para as comunicações, o Marco Regulatório das Comunicações. A proposta foi entregue ao Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Em anúncios, o ministro afirmou que no segundo semestre de 2012, uma nova versão do anteprojeto seria enviada ao Congresso, mas até agora a sociedade não 44
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tem informações concretas sobre como andam os trabalhos. Quando o assunto é regulamentação das comunicações, o Brasil está muito atrasado em relação aos seus vizinhos do Mercosul, como é o caso da Argentina, que nós últimos anos vêm tomando medidas importantes para quebrar o monopólio de grupos como o Clarín. A Democratização da Comunicação no Brasil está na pauta política, mas ainda está longe de ser concretizada, por conta da hegemonia dos grupos que controlam as comunicações no nosso país. As concessões dos grandes veículos de comunicação no nosso país estão concentradas nas mãos de onze famílias e de grupos religiosos. Das 34 redes brasileiras de TV, apenas quatro delas (Globo, SBT, Band e Record) controlam 843 de 1.151 veículos, aí incluídas as geradoras e as retransmissoras. Formou-se um monopólio e essas famílias comandam a agenda midiática do país. Além disso, cerca de 270 políticos são donos de uma ou mais emissoras de rádio e/ou TV no Brasil. É necessário que todos tomem conhecimento desses números para que se compreenda que os políticos responsáveis pela regulamentação da Comunicação e pela aprovação de um Marco Regulatório das Comunicações, são os mesmos que comandam as oligarquias midiáticas do país. A concentração dos veículos de comunicação nas mãos desses poucos grupos, trazem danos gigantescos para os brasileiros, que não têm diversidade e pluralidade de vozes asseguradas. Várias são as questões que nós levam a exigir a regulamentação do setor. Além da liberdade individual de expressão, direito humano fundamental, podemos elencar mais alguns pontos: a rádio fusão é um serviço público igual à educação, saúde, distribuição de água, luz e como é um serviço público é necessário que seja regulada; nos últimos anos, com a evolução da internet, a revolução digital, diluição das fronteiras e a convergência de mídias, é fundamental o debate sobre o rearranjo da área e políticas para o setor; as principais leis de referência para o setor de rádio fusão e das telecomunicações estão completamente desatualizadas; normas importantes da própria constituição de 1988 não foram regulamentadas, por tanto não foram cumpridas; restrições relativas as rádios comunitária que não existem em relação as rádios comerciais. Vemos como passo importantíssimo para a democracia do país, a interferência do estado como garantidor de direitos, sobre tudo da liberdade de expressão individual, levando em consideração as exigências dos movimentos sociais, que lutam pela democratização da comunicação no nosso país, para resolvermos o problema histórico do Brasil, que é o de não dar voz a quem precisa ter voz. Esse é o motivo principal da nossa luta e é o que justifica o debate pela liberdade de expressão e regulamentação da mídia. Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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Resposta à carta dos acadêmicos e profissionais que exigem a aprovação das Novas Diretrizes Curriculares do Jornalismo Grupo de Estudo e Trabalho de Qualidade de Formação do Comunicador (GET QFC)* *Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos), novembro de 2012.
No dia 26 de outubro de 2012, o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM) e a Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) lançaram uma carta ao Ministério da Educação (MEC) exigindo a imediata aprovação das Novas Diretrizes curriculares para o curso de Jornalismo (NDJ) – propostas em 2009. Antes de responder às incoerências da carta propriamente dita, a Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social (ENECOS) aprofundará o debate do porquê sermos contrário a sua aprovação. Posicionamento firmado desde 2010.
Formação e Mundo do Trabalho É necessário compreender que todo projeto político pedagógico está ligado as demandas do mundo do trabalho, portanto, toda e qualquer formação é dialeticamente conectada com a concepção de trabalho de seu contexto histórico. A divisão do trabalho entre material e intelectual (aquele para as classes dominadas, este para as classes dominantes) tornou, ao longo da história, os espaços de produção de conhecimento restritos às classes dominantes: na Grécia antiga, só tinham acesso às Academias os cidadãos, estes precisavam do ócio para o trabalho intelectual pois a formulação política e filosófica era restrita a esta camada social, já os escravos não passavam por estes espaços pois o trabalho que exerciam não lhes cobrava o desenvolvimento de sua formação intelectual. No modo de produção feudal, as primeiras universidades produziam o conhecimento eclesiástico: para manter seu poder e sua riqueza, a Igreja acusava qualquer forma de enriquecimento por meio do trabalho. Sendo que os servos tinham as ferramentas de produção, subsistiam, mas eram presos à terra e produziam para os senhores feudais. Dentro do capitalismo, as universidades se desenvolveram enquanto ambiente da burguesia e da pequena burguesia no intuito de formar seus profissionais liberais. Para a classe trabalhadora, inicialmente, eram restritos os cursos profissionalizantes. No Brasil, as primeiras universidades surgem na década de 1930, após a superação da monarquia e implantação da república no intuito de desenvolver o capitalismo industrial. Tanto o foi que os militares e as classes ascendentes (os produtores de café e a pequena burguesia urbana) incentivaram o surgimento dessas universidades. Ao longo do desenvolvimento do capitalismo no caso brasileiro, as universidades foram abrindo suas portas, primeiro, a uma classe média que almejava sua ascensão política e econômica, através dos diplomas e títulos, e não como local privilegiado de formação intelectual; segundo, a própria classe trabalhadora. Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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Isto se deu após a reestruturação do mundo do trabalho com a crise internacional na década de 1970, que se alastrou no Brasil nos anos 1980, com a crise do “milagre econômico” da ditadura militar. Essa reestruturação flexibiliza ainda mais o mundo do trabalho (flexibiliza as leis trabalhistas, exige trabalhador polivalente), exige força de trabalho qualificada para atender a tecnologia também flexível (revolução tecnológica). Para isso, os grandes “manda-chuvas” internacionais, como o Banco Mundial, exigem que as universidades se abram aos trabalhadores para formar esse tipo de “profissional”, os quais são qualificados para o mercado de trabalho agravar ainda mais a exploração em cima deles: para os patrões extraírem ainda mais a riqueza produzida pelos trabalhadores. Portanto, as reformas universitárias brasileiras têm a ver com essa movimentação.
E o curso de comunicação social com isso? Assim como todos os outros cursos, o curso de comunicação social também sofreu alterações curriculares mediante as exigências do mundo do trabalho descritas acima, bem como de fatores políticos. Os currículos mínimos foram implementados ainda na ditadura militar, mais precisamente em 1969. A partir deste momento, o jornalismo passa a ser uma das habilitações do tronco comum do curso de comunicação social, isto porque o mercado de trabalho tornava-se cada vez mais complexo com a entrada da televisão à cores e o modo de vida norte-americano (consumo). Para atender este mercado foi preciso reorientar a formação do comunicador, desligando-a totalmente das faculdades de Filosofia, além de torná-la mais rígida (controle ideológico, afinal estávamos na ditadura), tendo como orientação filosófica o Funcionalismo norte-americano e sua ode à formação tecno-prática, sem respeitar as especificidades regionais. Desde então, os currículos mínimos foram reeditados nas décadas posteriores. Inclusive, na década de 1970, estudantes de comunicação (a ENECOS não existia ainda), professores e profissionais lutaram e conquistaram um currículo mínimo teórico-crítico, embasados na leitura Frankfurtiana. Porém, este logo veio a ser derrubado, pois a formação teórica se distanciou da prática profissional nas empresas de comunicação – lembrem-se: toda formação está ligada a uma concepção de trabalho, sem a transformação das relações de trabalho não alteramos nossa formação. Indo diretamente à década de 1990, momento em que, como sinalizado anteriormente, passa por uma transformação da universidade burguesa para atender a nova configuração do capitalismo, o neoliberalismo. Além da inovação tecnológica (terceira revolução industrial), vemos a transformação do perfil do 48
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trabalhador, passando a ser polivalente e flexível para trabalhar com um tipo de tecnologia flexível e informatizada. Há uma ressignificação, portanto, da Teoria do Capital Humano, na qual alia educação e empregabilidade. Pois é preciso qualificar o trabalhador não mais para uma universidade que garanta somente a ascensão social e econômica de uma classe média, mas ela se torna um espaço de esperança da empregabilidade, afinal, o desemprego foi uma marca do neoliberalismo. Além da expansão privatizante que o neoliberalismo propôs como novo modelo de universidade, foi política central a partir do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) as reformas curriculares. Na época, a Lei de Diretrizes de Base (LDB), no inciso II do artigo 53, cria a necessidade de Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação e permite a eliminação dos chamados currículos mínimos, tornando os currículos de graduação mais flexíveis. Sintomas da reconfiguração do capitalismo, pois os currículos mínimos representavam rigidez e, no neoliberalismo, o trabalhador precisa estar adaptado as constantes transformações do mercado. Para os movimentos, incluindo a ENECOS – que na época impulsionou o Movimento Pela Qualidade da Formação do Comunicador reunindo estudantes, pesquisadores e profissionais – esta é uma pauta histórica que vislumbrava romper com a lógica cartorial e fragmentária originária da reforma universitária da ditadura militar, desde o primeiro currículo mínimo, deveria ser expressão do projeto acadêmico de formação de cada IES, não se reduzindo às demandas e parâmetros do mercado. A flexibilização curricular em si quer dizer uma série de concepções e desdobramentos acadêmicos, que expressem as regionalidades. Porém, a política oficial se apropriou desta concepção de forma utilitarista a atender seus interesses de classe. Em 2001 foram criadas as diretrizes curriculares para os cursos, dentre eles o de Comunicação Social. Contudo, além da flexibilização, é marca do neoliberalismo a fragmentação da classe trabalhadora, o que será marcado também na orientação curricular. A partir da adoção de diretrizes, podemos observar um constante reformismo curricular e a fragmentação dos cursos: o curso de história passa a ser dividido entre bacharelado e licenciatura, a mesma coisa aconteceu com os cursos de geografia e educação física. Apesar da tendência à fragmentação, foi uma verdadeira surpresa em 2009, quando uma comissão de notáveis indicada pelo Ministério da Educação (MEC) propõe o desmembramento do curso de jornalismo do tronco comum da comunicação social. Sendo que outras habilitações já foram desmembradas, como o curso de cinema em muitas universidades já não funciona mais dentro da área da comunicação. Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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Estas propostas de diretrizes agravam cada vez mais uma formação totalizante de compreensão da função social do comunicador na sociedade capitalista. Elas são orientadas pelo conceito de “era da informação” erguido por Manuel Castells, nele, a centralidade da questão está nas disputas discursivas como explicadoras do real. Para os formuladores do documento, o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação democratizou os discursos, sendo central a formação de um jornalista que domine a técnica e as lógicas de argumentação.O estudo da linguagem não deve ser desconsiderado, mas somente ele exclui que vivemos em uma sociedade dividida em classes e que a própria linguagem é resultado de um contexto sócio-histórico. Esta orientação filosófica nega, por exemplo, a contribuição da Economia Política que analisa a relação da comunicação social como sendo uma das bases da expansão e da consolidação do capitalismo e propagação dos interesses mercantis e ideológicos da classe burguesa. Um exemplo da proposta que materializa esta análise é a questão do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Nele, consta a especificação de que o trabalho deve ser um trabalho prático e individual, além de a banca examinadora ter necessariamente jornalistas profissionais convidados. O trabalho de conclusão de curso muitas vezes é o único momento em que o estudante pode desenvolver uma pesquisa teórica, portanto, uma análise mais complexa da realidade, uma formulação autêntica e não meramente reproduzida. Outra coisa é o fato de o estágio tornar a ser obrigatório para o curso, porém apenas em instituições públicas, privadas ou do terceiro setor ou na própria instituição de ensino, em veículos autônomos ou assessorias profissionais. O documento expressa indiferença em relação aos veículos que busquem organizar os trabalhadores e/ou comunidades reminiscentes, originárias (quilombos). Além disso, é possível fazer uma correlação entre a queda da exigência do diploma para o jornalista, aprovada em 2009, pois os setores que exigem a aprovação das novas diretrizes são os mesmos que conclamam o diploma como balizador para poder exercer a profissão. Sendo, para nós, uma postura de reserva de mercado: garantir o curso de jornalismo no intuito de formar estes profissionais para o mercado de jornalismo, reservando seu emprego. Mas esquecem que há muito mais a ser discutido e transformado na esfera do trabalho, como sua precarização e exploração que existe independentemente de diploma. Neste sentido, a ENECOS se posiciona a favor do diploma apenas nas empresas de comunicação por causa da precarização do trabalho, reforçando que isso é ínfimo diante da complexidade da relação capital e trabalho, mas que não seja obrigatório para aqueles que lidam com mídia comunitária (rádio, jornal), pois 50
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diz respeito ao combate à concentração dos meios de comunicação no Brasil. Infelizmente, tal fator não é abordado no documento apresentado pelo MEC, que influencia diretamente o trabalho do jornalista e na informação que circula pelo país.
Incoerências da carta (i) Processo democrático? Foram realizados espaços “abertos” em três cidades, como mesmo citado na carta: Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. O quão representativo é dentro de um universo de mais de 400 escolas espalhadas pelo Brasil. Ínfimo. E, abrir abas na página do MEC de nada adianta. Primeiro porque se as pessoas não sabem, logicamente, não acessam (Por que o MEC não expôs o que saiu disso?). E, na realidade brasileira, podemos afirmar que colocar em jogo a formação na internet não é “democrático”. Todos os estudantes tem total acesso à internet? Certamente que não. Daí decorre a inquietação síntese dos questionamentos anteriores: não podemos julgar “amplo” um debate que excluiu quase a totalidade da comunidade acadêmica e os próprios trabalhadores da comunicação. A FENAJ é apenas uma das entidades que representa parte da classe. (ii) A urgência de uma “Avaliação Pra valer” do curso para fazer uma radiografia de como se encontram as escolas de comunicação; compreendendo-a como algo essencial antes de qualquer alteração na formação pois, assim, é possível trazer eficazes mudanças baseadas na realidade concreta dos estudantes. E no que visualizam da sua própria ideia profissional e acadêmica. É sobretudo importante realizar uma avaliação pra valer com quem vivencia a dinâmica da universidade, saindo do ufanismo e pensando perspectivas para que se melhore não só o nosso curso enquanto ferramenta estrutural (que já vemos muitos problemas em laboratórios e salas de aula insuficientes e/ou, defasadas e etc) mas, essencialmente, como espaço de formação ampla e conscientizadora de sujeitos/comunicadores sociais que possuem papel central de compreender e narrar a “realidade” na qual estamos inseridos. Por exemplo, o acesso à pesquisa e à extensão dentro das universidades. Por fim, a Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (ENECOS) está aberta para discutir com todas as categorias envolvidas sobre as Diretrizes Curriculares dos cursos de Comunicação Social de todo o país, no intuito de melhorar a qualidade do ensino de Comunicação Social. Em tempo, convocamos estudantes e trabalhadores da educação e da comunicação para se posicionarem contra esta proposta de diretrizes e a se juntarem na luta cotidiana em defesa de uma educação socialmente referenciada. Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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Opressões e Classe: o capitalismo necessita das opressões para mais lucrar Publicado no jornal AVANTE! nº08* * Acesso à edição completa em: http://goo.gl/iQyUc
As relações de propriedade e produção definem a sociedade dividida em classes e determinam quem serão os exploradores e os explorados. Para além da diferenciação de classes, existem ainda outras baseadas em diferenças de etnia, nacionalidade, gênero e geração. Mesmo tendo surgido em período anterior, o capitalismo se apropria dessas diferenciações e dá a elas um novo sentido – passam a ser uma ferramenta para acentuar o processo de domesticação e exploração dos não possuidores. As ideologias dominantes usam dessas diferenças para determinar o lugar de negros, indígenas, mulheres, jovens e homoafetivos na sociedade e no mundo do trabalho, transformando-os assim em setores duplamente oprimidos, já que a discriminação passa a ser realizada também através da superexploração do trabalho – com diferenças salariais, de condições de trabalho, com assédio moral etc. Frações isoladas do proletariado são incapazes de conduzir um processo de abolição do Estado e do capital. Entendendo isso, a burguesia estrategicamente faz com que sua ideologia excludente seja assimilada pela classe trabalhadora com o claro objetivo de dividí-la, atravancar sua organização para a luta e obter maiores taxas de lucro. Por esse motivo, a mídia, a igreja, a escola e a família são transformadas em propagadores de valores castradores, conservadores e opressores. A classe trabalhadora é massacrada de fora pra dentro e de dentro pra fora, cotidianamente, pelo machismo, racismo, homofobia, transfobia, lesbofobia, entre outras distintas formas de opressão. Esses setores historicamente oprimidos hoje começam a vislumbrar possibilidades de combater as opressões, mas em geral estão reféns das tendências pós-modernas que desacredita na luta macro (disputa entre as classes) e privilegia apenas as microesferas culturais, o que origina o individualismo e o policlassismo das lutas setoriais. Essa perspectiva condena a organização desses setores ao reformismo imobilista, que se limita às reivindicações de visibilidade ou reconhecimento e concessões do Estado burguês, através de projetos de lei ou campanhas publicitárias. Contrapondo a ilusão da conquista meramente parcial de direitos e do empoderamento, a via classista de combate às opressões aponta a necessidade do protagonismo dos setores oprimidos da classe trabalhadora, que devem assumir a ação direta e se colocar na linha de frente do processo de derrubada da burguesia que lucra com toda forma de opressão e do Estado que as produz e reproduz. Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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O que é feminismo? Elida Aponte Sánchez* * Tradução de Luka França. Disponível no Blog Bidê Brasil
Se existe uma palavra que traz muitas emoções, reações e expressões é: Feminismo. Aqueles que não sabem o que é são as primeiras e primeiros a insultar e promover a sua destruição, estendendo-se a censura e difamação para aqueles a nossa mesma filosofia e ação militante. A ignorância é audaciosa, diz um ditado. O feminismo é um pensamento científico, explicativo e transformador da sociedade. É uma revolução, talvez a maior revolução dos tempos modernos. Uma estranha revolução na qual não se derramou uma gota de sangue, pelo menos de sangue estrangeiro, no entanto, como bem apontam Gallizo Almeida ” é a revolução que mais mudou coisas na vida diária das pessoas, e acima de tudo, produziu mudanças irreversíveis “. A revolução feminista é e tem sido a resposta das mulheres ao poder patriarcal, sem esquecer que as mulheres têm promovido outras revoluções desde a era cristã, além de sua própria e, periodicamente, saem delas de mãos vazias. A alegação de que durante séculos tem motivado a luta das mulheres e caracteriza o feminismo é a igualdade. Igualdade também tem direito aos direitos, tem alimentado a teoria, ou melhor, as teorias que inspiraram a revolução feminista e movimento de mulheres em geral. Assim, podemos dizer que o feminismo é a doutrina da igualdade de direitos para as mulheres, com base na teoria da igualdade dos sexos. Para não mencionar que a igualdade está intrinsecamente ligada a outros direitos como a liberdade, por exemplo, porque, tal como expresso no artigo 19 da Constituição, os direitos humanos são indivisíveis, inalienáveis e interdependentes em seu exercício. O feminismo não é uma luta contra os homens. É uma luta, como foi dito, contra um inimigo: o Patriarcado. Esse inimigo, não é apenas das mulheres, mas de toda a humanidade, coloca o controle da sociedade nas mãos dos homens. Patriarcado é uma cultura, um sistema, uma civilização, um sistema econômico, um sistema político, um sistema legal, um sistema religioso, um sistema científico, e assim por diante. Mas acima de tudo, o patriarcado é um PODER. Um poder que se manifesta em todos os lugares, instituições, pessoas, hábitos, culturas, religiões, ideologias, mesmo dentro da alma de muitas mulheres. Isto é assim porque o patriarcado socializa com seus papéis e hierarquia de gênero tanto homens como mulheres. Por que o patriarcado foi sustentado durante séculos, ainda gozando de boa saúde?. Porque ele sempre teve dois exércitos: um exército de linha de frente os homens, socializados como irmãos (Frater*), que sempre atribuem o poder, acreditam que pertence a eles apenas por ser. E um segundo exército, composto por mulheres, obrigadas a se reproduzir e sustentar materialmente o primeiro , socializadas como inimigas a servir o interesse e o Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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desejo masculino. Ele explica por que, mas hoje não se justifica, a conduta de mulheres que se portam como homens honrados . Me vem à mente obra intitulada O Emílio, de Rousseau, resgata a filosofia do século V antes de Cristo, que reúne as afirmações de Aristóteles e outros autores gregos, considerando que o único propósito ou destino das mulheres é fazer o homem feliz. O feminismo promove a Sororidade. Sororidade vem do latim Soror** , sororis irmã, e-idad***, relativas a, de qualidade. Se o pacto de fraternidade entre os homenspelo qual se reconhece parceiros e sujeitos políticos e que as mulheres são excluídas, a irmandade é o pacto entre as mulheres que são reconhecidas irmãs, sendo uma dimensão ética, política e prática do feminismo contemporâneo. * sm (lat frater, irmão) Tratamento dado a clérigos ainda não padres e a leigos pertencentes a uma congregação religiosa. Pl: fráteres. ** s.f. Tratamento dado às freiras. Correspondente feminino de frei. (Var.: sóror.) *** Não encontrei tradução equivalente, quem souber dê um toque aí.
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Homossexualidade: da opressão à libertação Hiro Okita
Antes da existência de um movimento de libertação homossexual militante, existia um tabu universal de que a homossexualidade não era tópico para uma discussão séria. O tema restringia-se apenas a livros psiquiátricos, condenações murmuradas, piadas degradantes e referências históricas e literárias veladas. A verdade sobre a homossexualidade, bem como suas origens e a história do preconceito anti-homossexual, tem sido escondida e deturpada perante a sociedade. A repressão anti-homossexual tem obrigado a maioria deles a esconderem-se como seres humanos, atrás de uma máscara de conformismo heterossexual. Sem sua identidade social e política, como outros grupos oprimidos, é um setor sobre o qual recaem muitos preconceitos e ideias distorcidas. A sexualidade tem sido sempre parte integrante da experiência humana, porém as atitudes sobre ela variavam de acordo com a época, sociedade e condições materiais. A homossexualidade sempre foi parte integrante da sexualidade e aceita na grande maioria das sociedades fundacionais, embora não fosse a forma predominante. Para entender como é vista hoje, é importante examinar todas as mudanças históricas e as atitudes sexuais em geral, e da homossexualidade em particular. Utilizaremos o método histórico. Estudaremos as mudanças das atitudes da sexualidade e da homossexualidade nas sociedades humanas que se desenvolveram desde a pré-história (de talvez quatro milhões de anos) até os últimos oito mil anos, onde as mudanças sociais se realizaram de maneira muito mais rápida. Por falta de dados mais profundos, estudaremos a história do mundo ocidental, onde a opressão anti-homossexual nos parece que se manifestou de maneira mais brutal. Cada fenômeno tem uma história. Desenvolvimento e transformação são características de tudo o que existe. Acreditamos que redescobrindo a verdadeira história da opressão anti-homossexual, ajudaremos a luta pelo seu fim. Os fatos provam que essa opressão não é um fator inerente à História da Humanidade, não existiu sempre e não tem razão de continuar a existir no futuro. Na análise que se segue, os termos “fundacional” e “comunismo fundacional” são usados para descrever sociedades que existiam em baixo nível de desenvolvimento tecnológico, mas com alto grau de desenvolvimento humano. Todas as necessidades básicas para a sobrevivência humana, como alimentação, eram distribuídas igualitariamente, não havendo divisões de classes. Nas sociedades fundacionais, ao contrário do que aconteceu com a sociedade de classes, a luta era contra a natureza e não contra outros seres humanos. Quase todos os estudos históricos antropológicos exibem um forte preconceito contra a mulher e os homossexuais. Na sociedade pré-histórica, homem e mulher Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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conviveram em igualdade de condições e somente no desenvolvimento da sociedade de classes (entre quatro e oito mil anos atrás) começou a opressão da mulher. Atualmente, mesmo nos trabalhos históricos e antropológicos mais “objetivos”, as contribuições da mulher para o desenvolvimento humano são ignorados. Acontece a mesma coisa em relação aos homossexuais. Mesmo com todo o preconceito que se manifesta nesses estudos, eles mostram claramente que a homossexualidade sempre foi parte integrante da sexualidade humana, e que as sociedades fundacionais viam a sexualidade deforma completamente diferente da visão atual. É importante mencionarmos que a homossexualidade abarca diversas maneiras de comportamento, como a das travestis, que adotam vestimentas e alguns comportamentos do sexo oposto. Elas sempre existiram na História, mesmo nas sociedades fundacionais. Nestas, e nas primeiras sociedades de classes, eram altamente respeitadas. Eram consideradas possuidoras de poderes especiais e eram consultadas sobre assuntos importantes, sendo muitas vezes destacadas nas cerimônias religiosas. Em tempos modernos, são objeto de escárnio cruel, marginalizadas e alvo de toda espécie de repressão civil e policial. Se por um lado existe o travestismo como mais uma forma de gratificação sexual, por outro, esta é uma saída encontrada por alguns homossexuais que procuram assim seu equilíbrio emocional e, muitasvezes também, sua segurança financeira.
Sociedade fundacional Engels, em sua grande obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, notou que nas sociedades fundacionais, em relação à mulher, existia umgrande respeito e igualdade. As divisões sexuais de trabalho existentes nas sociedades fundacionais eram baseadas nas condições materiais, principalmente no fato de que a mulher como reprodutora fixava-se mais próximaà comunidade. Mas o lar não era um lugar isoladosocialmente como o é na sociedade capitalista, e sim ocentro da vida comum e da atividade social. A caça era uma atividade do homem, porém não exclusiva deste. As tarefas das mulheres eram mais cooperativas e sociais, e suas contribuições para a sobrevivência eram enormes. Há indícios de que foi a mulher que desenvolveu a linguagem, domesticou os animais, iniciou o cultivo de plantações e construiu as primeiras moradias. A mulher foi o fator principal para o desenvolvimento das sociedades fundacionais. Engels caracterizou a sociedade fundacional como matriarcal, mas isto não queria dizer que a mulher dominouo homem, pois nas sociedades tribais não existiam 60
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dominadores, nem a opressão de um sexo sobre outro. A autoridade que os líderes masculinos ou femininos tinham surgiu das necessidades de organização tribal e foi baseada em suas reais capacidades de ação e respeito mútuo. O que caracterizou a sociedade matriarcal foram os laços maternais. A concepção de paternidade não existia ali e a co-habitação, ou seja, homem e mulher que mantinham relações sexuais vivendo juntos, só apareceu nos últimos períodos do comunismo fundacional. Os descendentes de sangue eram identificados através da mulher. A organização tribal concentrou-se em relação às mulheres e seus filhos. O cuidado das crianças era dividido entre a mulher e seus irmãos. Os pais eram apenas visitantes do lar tribal, que era a residência da mãe e de seus parentes de sangue. Os homens viviam com a mãe e os irmãos dele, cuidando dos filhos das irmãs. A homossexualidade não só existiu, como foi um fato comum. Claude Lévi-Strauss, um líder da escola burguesa da antropologia, em seu relatório (no livro Tristes Trópicos) sobre os índios Nhambiquara, do Brasil central, observou que as relações homossexuais, comuns entre os jovens, se manifestavam de uma maneira pública, ao contrário das relações heterossexuais. Ford e Beach {Parternsof Sexual Behavior) pesquisaram relatórios de 76 sociedades fundacionais em suas atitudes sobre a homossexualidade. Na forma feminina, quase não encontraram citações. Porém, na masculina, encontraram citações sobre dois terços destas sociedades. Essas relações eram consideradas normais e aceitas socialmente. Se esses dados parecem exagerados, é importante considerar que esses antropólogos e observadores são em geral puritanos, machistas e homofóbicos, e em seus relatórios sempre consideram a homossexualidade como um fenômeno. Muitos observadores notaram que entre os papua, oskeraki e os kiwai, da Nova Guiné, os atos sexuais entre homens mais velhos e mais jovens são parte essencial dos rituais de passagem para a idade adulta. A única pesquisa antropológica feita por um homossexual assumido é o estudo de Tobias Schncbaum, que viveu com um grupo tribal Amarakaeri do Amazonas peruano. Em seu livro Keepthe River on Your Right, ele descreveu os costumes sexuais dessa tribo totalmente isolada do contato com o homem branco - as mulheres e filhos amarakaeri dormiam separados dos homens. As relações na tribo eram unicamente homossexuais, tanto do homem como da mulher. Só nas ocasiões cerimoniais, duas ou três vezes por ano, existia a relação heterossexual, visando unicamente a reprodução. Literalmente, centenas de relatórios antropológicos das primeiras sociedaCaderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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des espalhadas por todos os continentes mencionam o fenômeno berdache (travestismo). É impossível ignorar o status especial dado aos travestis masculinos e femininos nessas sociedades. O antropólogo alemão Hermann Bauman documentou a existência do berdache em quase todas as tribos indígenas da América do Norte. Eram pessoas altamente respeitadase tinham um papel sexual-ritual com as pessoas não berdachenas cerimônias religiosas. Também documentoua existência de travestis masculinos e femininos que eram feiticeiros em muitas tribos africanas. No seu livro Originand Development of the MoralIdeas, Edward Westcrmarck, observou que “não existe indicação de que os índios norte-americanos tivessem algum preconceito contra o homem que tinha relação sexual com outro do mesmo sexo, que assumia os atos e vestimentas de uma mulher. Ao contrário, essa pessoa era considerada grande aquisição e ele não era odiado, mas sim respeitado pelo seu povo e, nasua maioria, eram feiticeiros [...]”. Os índios sioux, saese fox davam, pelo menos uma vez por ano, uma grande festa ao berdache. Apesar das poucas informações, as indicações nos mostram que era comum a homossexualidade entre as mulheres nessas sociedades. O jesuíta machista Lafitan, que se chocou com o homem feminino em várias tribos indígenas, ficou completamente escandalizado ao observar mulheres, que ele chamou de “amazonas”, que caçavam juntamente com os homens. Outros observadores constataram a homossexualidade entre mulheres que não assumiam comportamentos ou vestimentas masculinas. Em artigo sobre a mulher de Samoa, Margaret Meaddestaca que “existiam relações homossexuais casuais entre as meninas, embora nunca assumissem uma importância em longo prazo. As meninas e mulheres que trabalhavam juntas consideravam o contato homossexual como diversões naturais e gostosas”. Ela afirma ainda que as relações heterossexuais também eram casuais e completadas somente por “filhos e pelo lugar que os casamentos tinham na estrutura econômica e social da aldeia”. Engels postulou que no começo da sociedade humana e durante um período do comunismo fundacional, o comportamento sexual humano era caracterizado por relações promíscuas e mais tarde pelo chamado “casamento grupal”. A sexualidade casual que Mead observou na sociedade de Samoa, e que muitos outros também registraram, parece claramente uma caracterização geral da sociedade pré-classes. Engels diz que ciúmes e possessividade têm suas raízes na instituição da propriedade privada. No primitivismo, a sexualidade, como todas as necessidades básicas, era compartilhada livremente. 62
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O objetivo destas citações, é mostrar que a homossexualidade não é um fenômeno alienado dos seres humanos, e que se desenvolve naturalmente na sociedade fundacional. Aqueles que defendem a posição de que homossexualidade não é “natural”, ou é resultante de condicionamento não-natural, devem ter dificuldade para explicar a ampla aceitação da homossexualidade nas sociedades fundacionais.
Do matriarcalismo para as classes Na sociedade fundacional a luta contra a natureza, ou seja, a luta pela sobrevivência, tomava toda a energiae tempo. A medida que o desenvolvimento tecnológico produziu riquezas materiais acima das necessidades básicas e possibilitou a acumulação, trouxe consigo uma transformação fundamental nas relações humanas. O excesso de bens materiais, na forma de animais domesticados, cereais e outros produtos, acumulando-se nas mãos de certos indivíduos, resultou na formaçãodas classes. Com esse desenvolvimento gradual da propriedade privada, formaram-se relações de exploração entre os que tinham e os que não tinham. Queremos estabelecer a relação de como essas mudanças implicam na modificação da estrutura matriarcal, assim como nas relações sexuais e atitudes religiosas. Esse processo histórico mundial tinha como pré-condição a acumulação de bens materiais entre alguns homens da tribo. Em determinados momentos, ficou evidente que a criação de animais e a agricultura “rendiam” mais do que a caça. Isto não quer dizer que foi um plano consciente do homem, nem indica uma luta sexual entre homens e mulheres pela dominação. Foram as condições materiais que provocaram essa mudança. O fato dos homens terem mais experiências com animais maiores, e então começarem a cuidar do gado, levou a mulher a cuidar dos animais menores e com menos interesse. Também como lutador, o homem tinha maiores condições de dominar outras tribos, utilizandoos dominados como escravos, e tinha também mais liberdade de ação, devido à sua velha posição de caçador, de planejar a executar a agricultura. Esses fatores, dentre outros, foram a base material para o enriquecimento dos líderes masculinos das tribos, acima da mulher eoutros membros da tribo em geral. O eixo da luta contra a organização matriarcal da sociedade era sobre a questão da linhagem dos filhos. Mesmo nas últimas etapas da sociedade matriarcal,quando a organização da família tinha desenvolvido a forma que conhecemos hoje, a descendência continuou a ser reconhecida através da mãe. A riqueza do marido passava, não aos seus próprios filhos, mas sim às suas irmãs. Num determinado momento do desenvolvimento, surgiu o casamento comprado, isto é, o homem, para casar, Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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pagava um dote à família da mulher. Isto era mais uma pressão contra os traços do sistema matriarcal. Os homens começaram, então, a exigir que os seus bens passassem para os seus próprios filhos, para que estes pudessem continuar a acumulação de bens. O desenvolvimento da sociedade de classes, resultante da desigualdade econômica, resultou na transformação da ordem matriarcal para o patriarcado e com a dominação dos homens. As relações sexuais tinham muito mais restrições na nova sociedade. No matriarcado, por exemplo, tanto homens como mulheres tinham direito de escolher novos companheiros sexuais, caso o interesse no antigo companheiro tivesse acabado. Esse direito era possível já que não havia uma dependência econômica da mulher em relação ao homem. Essas expressões sexuais poderiam ser casuais na medida com que não entravam em conflito com os interesses das propriedades dos líderes tribais. Essas relações e atitudes relaxadas do comportamento heterossexual de fato entraram em conflito com os interesses dos novos líderes. Era de grande interesse dos novos senhores, que seus bens e seu nome passassem para seus filhos e isto pré-condicionava a monogamia da mulher. Só assim ele teria certeza da paternidade de seus filhos. Relações homossexuais, assim como as heterossexuais casuais, ficaram fora desse sistema de herança da propriedade. Pela primeira vez, sentimentos sexuais e emocionais começaram a ser influenciados pelo controle social, e proibições sexuais rígidas foram construídas. Vergonha, culpa e medo passaram a ser relacionados com o sexo e como forma de opressão para a manutenção da ordem. O que era casual, espontâneo e natural começou a ser objeto de conflitos e, em última instância, perseguição. Com a propriedade privada, o natural passou a ser não-natural. Nessa época, ciúmes sexuais eram implícitos entre o homem, sua mulher e seus filhos. Mulher e filhos, como gado e cereais, viraram propriedade privada. Em alguns códigos legais desta época, a violação da mulher era considerada um crime contra a propriedade. A sexualidade em geral, assumiu uma significação social negativa. Era uma forma de expressão pessoal incompatível com a nova ordem patriarcal, somente sendo permitido dentro dos limites rígidos da família monogâmica dominada pelo homem. Este fato resultou em que a homossexualidade, pela primeira vez, era um fenômeno condenado. As relações homossexuais da mulher, como também as heterossexuais, eram limitadas pela dominação patriarcal. As relações sexuais do homem eram mais livres do que as da mulher. Porém, aquelas relações masculinas que não resultassem herdeiros eram condenadas pelo sistema patriarcal, cujo pai adquiriu o direito de 64
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passar suas propriedades para os filhos. E provável que o medo de não deixar herdeiros fosse um dos fatores principais para a proibição homossexual. Sob o capitalismo Quando a revolução industrial começou a transformar os países de feudais em industriais, as perseguições histéricas contra a mulher e o homossexual haviam diminuído. Mas se a histeria diminuiu, o preconceito tornou-se parte integrante da sociedade. Os cultos religiosos sexuais dos camponeses foram em grande parte eliminados. A subjugação da mulher não era questionada. O cristianismo patriarcal era o rei. A grande revolução burguesa na França, no fim doséculo 18, eliminou os resquícios do poder feudal na sociedade francesa. A revolução era uma ruptura radical com o passado. No novo código legal, chamado Código de Napoleão, atos homossexuais foram excluídos da lista de ofensas, sendo que a maioria das nações europeias seguiram este código nas décadas seguintes; Grã-Bretanha, Alemanha e Estados Unidos, porém, mantiveram as velhas leis reacionárias. A diminuição da histeria anti-homossexual era o reconhecimento da jovem burguesia democrática aos direitos sexuais burgueses. Na prática, a opressão sexual continuava para as grandes massas. Todos os países capitalistas perpetuaram a opressão anti-homossexual, com ou sem a ajuda da lei, assim como perpetuaram a opressão e a exploração da mulher, dos povos não-brancos, dos membros das nacionalidades oprimidas e da classe operária em geral. O comportamento homossexual continuou ameaçando o funcionamento da família patriarcal, de tal maneira que teve que ser regulado, perseguido, e em alguns casos, eliminado. A homossexualidade entra em conflito com a família, que é o que sustenta e serve de base para o sistema capitalista de reprodução de mão-de-obra barata. As funções essenciais desta instituição, com as quais a homossexualidade entra em choque, seriam as seguintes: • A família como base para a transferência da herançana sociedade patriarcal e para manutenção da linhagem familiar, impõe virgindade e monogamia à mulher, para que o pai tenha certeza de que os herdeiros são filhos dele. Perspectivas de herança também amarram os filhos aos pais, e dispõe-nos a aceitar a autoridade paterna, o que aumenta a autoridade do pai sobre toda a família. • A família como base de reprodução para forneceruma força de trabalho e soldados, tanto como reserva de força de trabalho, composta pela mulher. O caCaderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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samento se torna uma obrigação na qual a linhagem dos ascendentes tem que ser perpetuada. Se a mulher casa-se com o objetivo da reprodução, o homem que evita sua responsabilidade produtiva é visto com austeridade e suspeita. Na verdade, o comportamento homossexual nunca constituiu uma grande ameaça à reprodução. Na sociedade livre de restrições sexuais, a homossexualidade existia inter-relacionada com o heterossexualismo. Na sociedade patriarcal, com a reprodução dentro da família tornando-se uma obrigação social, a homossexualidade, sendo um elemento imprevisível e não reprodutivo, é considerada anti-social. • A família como instrumento de imposição da ideologia correta aos filhos. E na família que os primeiros papéis sexuais são rigidamente delineados e com isso, a correta atitude de submissão à autoridade dos patriarcas, por parte das mulheres e dos filhos. A família patriarcal é composta de modo a evitar a livre expressão da sexualidade. E uma instituição heterossexual, e assim, tenta oprimir todos os impulsos homossexuais dos seus membros. E uma camisa-de-força heterossexual que oprime qualquer comportamento que fuja às suas normas.
Brasil Se existem problemas e repressão com os homossexuais de outros países capitalistas, o homossexual brasileiro vê agravada a sua situação de uma forma mais aguda, pelo fato de viver num país semi-colonial, que além da discriminação e marginalização, leva-o a enfrentar a crise econômica do país. Torna-se mais difícil escapar à repressão familiar, devido às necessidades de sobrevivência e sustento familiar. Os guetos homossexuais são cada vez mais reservados para a burguesia e para a alta classe média, limitando as opções de vida da grande maioria. Além disso, o machismo nos países semi-coloniais está super enraizado na sociedade. Na Constituição Brasileira e no Código Penal não existe nenhum artigo que considere crime a prática ou a divulgação da homossexualidade, portanto, a opressão e discriminação geralmente tomam formas muito mais discretas. Mesmo assim existem várias leis que são utilizadas para discriminar e reprimir a homossexualidade. A Lei de Imprensa dá poderes ao governo de censurar ou fechar jornais sob a justificativa de divulgar matérias atentatórias à “moral e aos bons costumes”, um critério completamente vago e arbitrário. No ano de 1979, o governo tentou usar esta lei contra o jornal Lampião de Esquina, como parte de sua campanha contra a imprensa alternativa. O Exército brasileiro tem poderes para dispensar o homossexual do serviço militar, e se utiliza de um código cifrado para caracterizar a homossexualidade como fator de dispensa ou expulsão de suas fileiras. Isto pode causar dificuldades futuras ao indivíduo 66
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na procura de trabalho etc. A implementação do AI-5, mesmo não estando mais em vigor, indica como a ditadura militar usou suas leis para discriminar o homossexual. Dezenas de pessoas do governo deposto foram cassadas por serem homossexuais, sem nenhuma explicação naquela época. Durante a discussão da anistia, o governo propôs criar para aquelas pessoas e outros cassados por alcoolismo uma categoria especial, de “depravados”, e a partir daí decidir anistiá-los. A repressão anti-homossexual é tão grande que nenhum dos cassados denunciou publicamente esses fatos, e com a anistia o assunto foi encerrado. As leis sobre “atentado ao pudor” estão sendo utilizadas especificamente para justificar a prisão arbitrária de homossexuais que ousam sair dos padrões de comportamento estabelecidos pela sociedade machista e anti-homossexual. No trabalho Existe uma série de testes e entrevistas, feitas em grande parte por assessorias de “recursos humanos” filiadas às multinacionais, que são utilizadas para detectar a homossexualidade nas pessoas entrevistadas. As pessoas que conseguiram responder corretamente e passar pelos testes e entrevistas, enfrentam inumeráveis restrições e discriminações no trabalho. A maioria das empresas só promovem casados para os postos de decisão. O homossexual tende a isolar-se dos companheiros de trabalho para evitar a marginalização e o patrão tem todo o direito de mandá-lo embora sem maiores explicações. Assim, é difícil apontar discriminação contra um homossexual quando ele é despedido do seu emprego. Porém, poderiam ser citados centenas de exemplos de operários, bancários, professores etc. que perderam seus empregos por serem homossexuais. Na saúde Homossexuais com problemas de saúde, ligado à sua atividade sexual, enfrentam muitos problemas para conseguir tratamento médico adequado que, ao mesmo tempo, respeitem-no. Eles/elas têm duas opções: ou correr aos poucos médicos homossexuais assumidos, que cobram caro para atendê-los, ou usar clínicas públicas onde são vítimas do desrespeito e mau tratamento. Antigamente, o código da Organização Mundial de Saúde considerava a homossexualidade como doença. A referência específica à homossexualidade foi retirada em vários países depois de protestos do movimento homossexual. Aqui no Brasil, ainda persiste esta referência no código. Uma pessoa que usa INPS, por exemplo, pode ser codificado “doente” com implicações nas fichas para trabalho, tratamento médico, documentos etc. Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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Repressão policial A repressão policial tem no homossexual um dos seus alvos favoritos. Nos seus locais de freqüência, onde estão confinados em sua maioria, a vigilância e o ataque da polícia são constantes. A travesti, que vive da prostituição, sofre a repressão policial muito mais intensamente que a prostituta em geral. Nos períodos em que a repressão recrudesce, como no Projeto Rondão do delegado Richetti em São Paulo no inverno de 1980, bastava encontrar um homossexual visível nas ruas para levá-lo à prisão, ainda que apresentando documentos suficientes para comprovação de “honestidade”. Dentro das prisões, o tratamento dispensado aos homossexuais é muito mais repressivo que o dirigido aos demais detidos, que também passam a descarregar neles a revolta acumulada, através da violência física comum ou da violência sexual. Para toda essa violência, a polícia conta com o respaldo da própria sociedade, já que ninguém está ligando se uma bicha ou sapatão está sendo preso na rua, apanhando de um policial, ou sendo agredido por “populares”. Com os meios de comunicação Na grande imprensa, a questão da homossexualidade está sempre ligada à criminalidade. Os jornais dedicados ao noticiário policial, principalmente, colocam-se claramente anti-homossexuais, promovendo os crimes praticados por eles e usando uma linguagem desmoralizante e agressiva ao se referir a estes casos. Jamais se lê uma manchete: “Heterossexual mata amante”. Poucos noticiam sobre os crimes praticados contra os homossexuais, que são sempre agredidos nas ruas, moral e fisicamente, fazendo aumentar mais ainda o desinteresse da sociedade, a qual além de não dar a mínima atenção para estes fatos, recebe até com simpatia e humor essas agressões. Esta visão cômica dos homossexuais é muito promovida pelos “fabricantes de cultura”. No cinema, teatro, TV, ele ou ela é sempre um sujeito estereotipado, cheio de trejeitos e melindres, sem outros sentimentos que não seja sexo. E visto como algo que provoca risos e não uma pessoa como todas as outras, como um oprimido igual a todos. Principalmente depois de 1968, a ditadura esmerou-se em retirar dos vídeos a figura dos homossexuais, mesmo quando estereotipado. Na novela “Espelho Mágico”, a travesti Rogéria foi proibida de continuar no elenco. Já na “Hora do Bolinha” pode-se até fazer concurso da “mais linda travesti” e os jornais de hoje trazem a estampa de um costureiro famoso vendendo apartamento para “pessoas de classe”. Alguns filmes que se propuseram a discutir a questão homossexual seriamente, sem apelos comerciais, estão metidos pela Censura. 68
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Apontamentos da evolução no Brasil Pode-se dizer que o movimento homossexual não aconteceu no Brasil enquanto não aconteceram os movimentos de juventude, que a partir dos anos 1960 viriam questionar todos os valores da sociedade burguesa, como reflexo dos movimentos europeu e norte-americano, que pelo próprio caráter de suas contestações impulsionaram o movimento homossexual em nível mundial. O reflexo desse movimento mundial no Brasil foi a radicalização do movimento estudantil, que se tornaria ponta de lança no enfrentamento com a ditadura. Em nível cultural, toda essa mobilização vai se refletir no surgimento do movimento tropicalista, que traz para o campo das artes, e principalmente o da música, toda a gama de contestações ao sistema. As palavras de Caetano Veloso, “E proibido proibir”, não só refletiram todo conteúdo contestatório do movimento estudantil, violentamente reprimido, como também apontava uma revolta contra toda a rigidez moral da sociedade brasileira. Todo espaço estava preparado para que surgisse o movimento homossexual no Brasil. No entanto, todo o aparato repressor desencadeado pelo sistema, como a censura, a lei de imprensa, o AI-5, a proibição de qualquer organização de cunho político, foram limitando esse espaço até abafá-lo. No entanto, durante a época do milagre brasileiro, a juventude continuava solapando a moral rígida da sociedade brasileira, num questionamento dos valores impostos sobre sexualidade, casamento, família e modo de vida. A partir de 1975, com a crescente deteriorização do já falido milagre, começa a abrir-se um espaço para aprofundamento dessas discussões e críticas do sistema. O movimento homossexual, então, vai assumir o espaço que lhe foi roubado pela repressão no fim dos anos 1960. O primeiro passo é dado em 1976 por um grupo de homossexuais masculinos, em São Paulo, que tenta se organizar para discutir sua sexualidade e reagir à repressão ao homossexual. Esse grupo não conseguiu avançar, desfazendo-se pouco depois. No fim de 1977, a vinda de Winston Leyland, editor da revista americana Gay Sunshine, para coletar no Brasil e no resto da América Latina material literário de autores homossexuais, desencadeou o processo de movimentação dos homossexuais. Leyland recebeu mais notoriedade do que se esperava por parte da grande imprensa, e a visita dele provocou uma série de reuniões de um grupo de escritores, jornalistas e intelectuais, que resolvem editar o jornal Lampião da Esquina. Este jornal alternativo propõe-se a discutir, além da questão homossexual, também o feminismo, a luta contra o racismo e o movimento em defesa do índio. Nesta época de “meia-abertura”, a revista Isto é dedicava uma capa e extensa matéria ao tema do homossexualismo, sendo por isso ameaçada de processo pela Lei de Imprensa; também o jornalista Celso Cury, do jornal Última Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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Hora, por ter publicado em sua coluna várias matérias sobre homossexualismo, foi vítima da mesma Lei. Por esta ocasião, o governo pretendia acabar com toda a imprensa alternativa, por vias indiretas, ou seja, pela fiscalização e pressão. Dentre as publicações indicadas no relatório do Centro de Inteligência do Exército, como alvo deste plano do governo, encontrava-se o jornal Lampião, que segundo o relatório, dispunha-se “a defender as atitudes homossexuais como atos normais da vida humana” (!). O governo abriu inquérito contra os editores do jornal, baseado na Lei de Imprensa, alegando um “atentado à moral e aos bons costumes”. Ao mesmo tempo em que o Lampião surgia, começaram a aparecer grupos homossexuais baseados na experiência vivencial de seus integrantes, como por exemplo, o grupo que se autodenominava Núcleo de Ação pelos Direitos do Homossexual, que através da consciência individual procurava criar uma identidade enquanto grupo de homossexuais. Além de discussões internas sobre homossexualidade, o grupo fez uma denúncia do jornal Notícias Populares, órgão reconhecidamente anti-homossexual dentro da imprensa paulista. No começo de 1979, com o nome “Somos - Grupo de Afirmação Homossexual”, participava de debates na USP sobre “mostras”, que estimulariam a formação de outros grupos na Grande São Paulo. O Grupo Somos cresce muito neste período, e uma das primeiras atividades externas foi a formação de um comitê em defesa do jornal Lampião, quando do processo que este sofria pelos órgãos de segurança. O Somos fez circular um abaixo-assinado nos meios artísticos e intelectuais pela causa do jornal (o mesmo jornal que três anos depois de sua criação, distante das feministas, do negro, do movimento em defesa ‘do índio e do proletário, colocou-se contra a mobilização do próprio movimento homossexual, criticando setores e grupos mais ativos do movimento, acabando por fazê-lo retroceder no seu ascenso, dividindo os grupos e boicotando informes da luta). O ano de 1979 marcou a participação das mulheres no grupo Somos, que passaram a se organizar dentro do grupo, enfrentando barreiras de machismo entre os homossexuais masculinos. A discussão surgida em torno da questão do machismo levou as lésbicas a organizarem-se com uma semi-autonomia dentro do grupo, para poderem colocar as suas questões específicas. Surge, então, dentro do Somos, o grupo Lésbico-feminista, que vai desenvolver todo um trabalho com o movimento feminista e que em maio de 1980 se desligaria da totalidade do grupo. A primeira participação do Somos em mobilizações, como grupo de homossexuais, foi no 20 de novembro de 1979, na comemoração do Dia de Zumbi, promovida pelo Movimento Negro Unificado, quando portou uma faixa contra
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a discriminação racial, assinada “Somos - Grupo de Afirmação Homossexual”. Em fins de 1979, há três grupos em São Paulo e começam a surgir grupos no Rio e em outras cidades. O Lampião chama, então, estes grupos ao Rio de Janeiro, para organizarem o I Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais, que seria realizado em São Paulo, durante a Semana Santa de 1980. O I Encontro foi fechado aos grupos nos dois primeiros dias, tendo no terceiro dia uma plenária aberta ao público, com mais de 800 participantes. Na abertura da plenária, foi lida uma moção de apoio aos metalúrgicos do ABC, em plena greve, tendo sido muito aplaudida. A discussão da relação do movimento homossexual com outros setores oprimidos e explorados, ocupou grande parte dos dois dias anteriores, e acabaria por tumultuar a plenária diversas vezes. Uma proposta de participação no Primeiro de Maio foi levada à votação, perdendo por um voto. Foi um divisor de águas dentro do movimento homossexual, enquanto questionava os rumos que o movimento tomaria. Logo depois do Encontro a discussão sobre a participação no Primeiro de Maio polarizou o Grupo Somos, que não conseguiu chegar a um consenso sobre uma atuação unitária no Dia do Trabalhador. Formou-se, então, uma comissão de homossexuais pró-Primeiro de Maio para organizar o primeiro contato do movimento homossexual com os trabalhadores do ABC. Havia uma certa apreensão, por parte dos ativistas, em relação à reação dos operários a essa atuação inédita na história do país, mas quando os cinqüenta homossexuais (homens e mulheres) entraram no Estádio de Vila Euclides, a reação dos cem mil operários ali reunidos foi das mais inesperadas. Aplaudiram vivamente o grupo que portava duas faixas: “Contra a intervenção nos sindicatos” e “Contra a discriminação do trabalhadora) homossexual”. Enquanto isso, os membros do Somos que se opuseram à participação no ABC faziam um piquenique no Zoológico. A polarização do grupo não se restringiu às discussões sobre o Primeiro de Maio. Nas reuniões que se seguiram, deu-se início a uma verdadeira “caça às bruxas”, dirigida a certos ativistas acusados de serem membros da Convergência Socialista, que teriam se infiltrado no grupo para levar o movimento homossexual a lutas que nada tinham a ver com a questão homossexual. Os elementos do Somos que sustentavam as acusações, ao invés de levarem uma discussão interna sobre a questão, retiraram-se do grupo. Em fins de maio de 1980, culminando numa sutil campanha moralista na imprensa, é desencadeada em São Paulo a operação Rondão, encaminhada pelo delegado Wilson Richetti, que através de prisões arbitrárias impõe o terror ao gueto homossexual, prendendo travestis, homossexuais, lésbicas, prostitutas e desempregados. Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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Os grupos, mesmo divididos pelas questões ideológicas, organizaram junto com o Movimento Negro Unificado e grupos feministas uma série de atividades contra a onda de repressão policial, culminando com um ato público nas escadas do Teatro Municipal no dia 13 de junho. Quase quinhentas pessoas se acercaram do auto-falante ali instalado, saindo logo após numa passeata pelas principais ruas do gueto homossexual masculino. Gritando palavras de ordem como “Abaixo a repressão, mais amor e mais tesão”, a passeata foi engrossada no caminho, terminando na boca do lixo com aproximadamente mil pessoas. Depois dessa manifestação contra a violência, o Movimento Homossexual entrou num processo de desaceleração, voltando-se para dentro, repensando suas posições. Pode-se dizer que ele está entrando definitivamente na sua maturidade. Três anos depois do início do movimento os grupos ainda parecem estar num processo de perplexidade quanto aos rumos de atuação. Não chegaram a um acordo sobre o II Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais, que deveria se realizar no Rio, em abril de 1981; mal conseguiram uma resposta à onda de repressão às lésbicas que ocorreu em São Paulo em novembro de 1980. Essa inatividade é reflexo, principalmente, das diferenças ideológicas. Mas não significa, absolutamente, a estagnação. Prova disso foi o Encontro Regional, realizado na USP em abril de 1981, onde, superando essas diferenças, os grupos paulistas optaram pela unidade de ação, atuando juntos contra a repressão e a discriminação. Nesse Encontro Regional, foi tirado um ato comemorativo em 13 de junho, quando houve a mobilização contra Richetti e a repressão policial. Esta data está sendo proposta como Dia Nacional da Luta Homossexual. No Nordeste, realizou-se também um encontro regional para discutir atividades em comum entre os vários grupos que surgiram no último ano e meio. As vésperas do Primeiro de Maio deste ano, formouse o grupo de militantes homossexuais construindo o PT, Partido dos Trabalhadores, que, além de ter participado do Dia do Trabalhador no ABC, tem uma proposta de levar a discussão da homossexualidade à classe trabalhadora, através do Partido dos Trabalhadores. Esse projeto de trabalho dentro de um partido político, proposto por militantes de vários grupos homossexuais, poderá abrir um novo espaço de atuação para os homossexuais, num terreno privilegiado, por tratar se de um partido de trabalhadores - único setor social cujos interesses coincidem com a necessidade de transformação radical da sociedade, caminho da libertação definitiva dos homossexuais. 72
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PROBLEMAS E PERSPECTIVAS A opressão aos homossexuais, apoiada por mais de cinco mil anos na sociedade de classes, não será eliminada facilmente. Quais são as perspectivas para acabar com todas as atitudes anti-homossexuais e construir uma sociedade sem opressores e oprimidos, sem exploradores e explorados? A resposta, a princípio, é simples: só a transformação total da sociedade em seu conjunto, desde as suas raízes, pode destruir a organização econômica e social que permite que uma pequena parcela da população, alguns empresários e generais, controlem e aproveitem as riquezas produzidas pela humanidade. Agentes indiretos Mas não é somente isto, se a resposta fosse esta estaríamos fabricando uma solução simplista. Além do domínio direto da repressão que esta pequena, mas forte, classe têm sobre a sociedade, através de seu governo, exército e polícia, impondo seu modo de pensar, ela conta ainda com seus serventes. Estes serventes se refletem em todo um sistema de apoio na Igreja, na educação e na família, organizando a sociedade com sua ideologia moral, anti-sexual e antihomossexual. A educação, a Igreja e a família exercem um papel de agentes indiretos da repressão contra os homossexuais. Ao governo e seus órgãos de segurança cabe o papel de agente direto desta repressão. Na maioria das vezes, o homossexual sente sua marginalização através destes agentes indiretos do sistema capitalista, na moral anti-homossexual do padre; na repressão ao sexo em geral por parte da família; onde namoro, casamento e filhos são as exigências “naturais” e na ausência da educação sexual nas escolas. O autoritarismo do ensino em geral reprime qualquer manifestação da sexualidade. Agentes diretos Quando a polícia prende o homossexual na rua, para ele, homossexual, o inimigo fica claro: trata-se da repressão do Estado. Mas muitos militantes do movimento homossexual se recusam a reconhecer que por trás do policial que o empurra para o rabecão, está o próprio regime. O golpe de 1964, foi um dos fatores que impediu e reprimiu o aparecimento, há mais tempo, dos movimentos de reivindicação dos homossexuais por mais de uma década. Enquanto em outros países este movimento surgiu na década de 1960, aqui no Brasil ele só apareceu em fins de 1970. Até na Argentina houve Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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uma tomada de consciência maior por esta questão, antes da ditadura do general Videla. Depois, a ditadura argentina o sufocou. Por isso dizemos que as nossas reivindicações são de caráter democrático também, mas não só isso. Como é que se pode acabar com a repressão policial sem desmantelar todo o sistema repressivo pós-1964? Como se pode impedir a manipulação dos homossexuais, a imagem negativa, nos meios de comunicação, se estes meios estão nas mãos de pessoas ligadas ao governo, ou de multinacionais? Discriminação trabalhista Não há condições de resolver a discriminação dos homossexuais nos locais de trabalho sem resolver a questão do desemprego, provocado pela crise econômica do sistema. É claro que se o patrão está com a política de despedir seus trabalhadores, ele escolherá entre eles os chamados “agitadores”, os que reivindicam seus direitos, e vai aproveitar para jogar para fora uma bicha ou sapatão, logo nas primeiras demissões. Isto não quer dizer que não se deva lutar contra esta opressão; ao contrário, cabe a cada um de nós estarmos alertas, denunciar qualquer preconceito dentro dos locais de trabalho, qualquer demissão motivada por isso. Mas é claro que o patrão usará da política do desemprego para botar para fora os homossexuais, dizendo que a fábrica ou o escritório está em crise. Classes e socialismo A homossexualidade não é privilégio de nenhuma classe social, mas a diferença é que um patrão homossexual tem interesses diferentes de um trabalhador homossexual. O movimento homossexual no Brasil é composto de um pequeno número de pessoas, na maior parte da classe média, e o pensamento dominante no movimento, e que gera muita confusão entre os participantes, é a visão de que todos nós, homossexuais, estamos unidos pela nossa opressão, que sofremos em comum. Portanto, deve-se lutar para a nossa libertação sem olhar para as classes que nos separam, sem olhar para as lutas travadas por todos os trabalhadores oprimidos no Brasil, que são a maioria. Esta visão do movimento homossexual acredita que desde os homossexuais pobres que freqüentam a Av. São João até os que freqüentam a Boite Off em São Paulo, desde os homossexuais que andam pela Ginelândia até os que desfilam 74
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seus ricos trajes na Boite Sótão no Rio, unidos, podem acabar com o machismo e conquistar seu direito ao prazer. Em resumo, o inimigo é o machismo, sua forma o autoritarismo, sua melhor manifestação a esquerda brasileira, e o caminho para derrubar tudo isto a união dos homossexuais, seja de que classe for. Esquecem que as bichas e lésbicas dos lugares de elite de São Paulo ou de outra capital já conquistaram seu espaço, e a burguesia pouco se importa com quem eles dormem. Esta classe, os homossexuais ricos, têm lugar para onde levar uma trama, não dependem da família, não ficam presos (com poucas exceções) e tem uma vida confortável entre seus íntimos círculos de amigos, os bares e as viagens para a Europa ou São Francisco, nos Estados Unidos. A vida desta minoria privilegiada é à parte, longe da realidade da maioria que vive com a família, ganha pouco, sonha com uma vida melhor e tem que agüentar o sufoco da polícia. Para os homossexuais trabalhadores o futuro é cada dia mais difícil. Isto não quer dizer que os homossexuais em seu conjunto não devam se unir para as lutas específicas, ao contrário, esta união é necessária, mas sempre chega o dia em que a bicha rica terá interesses diferentes dos trabalhadores. Outro aspecto é a união entre os trabalhadores homossexuais, o movimento homossexual em seu conjunto, as feministas e os negros em suas lutas específicas. Isto deve ocorrer, mas aí também está a divisão em classes sociais diferentes, o que torna o problema mais similar com o nosso. A luta por nossa libertação é dura e temos que exigir o nosso direito desde já, mas sabemos que somente uma mudança da sociedade é que poderá levar esta luta para espaços maiores. Não há outra maneira de destruir todas as forças que mantém a opressão. Ela passa pela mudança da sociedade. E a classe trabalhadora é a única força social que pode cumprir esta tarefa. É a revolução socialista que vai criar as verdadeiras condições para se desenvolver um processo cultural e sexual inteiramente aberto, livre de repressões. Com isso, não buscando o imobilismo, o movimento homossexual deve, desde já, lutar contra todas as manifestações anti-homossexuais da sociedade. Mas todas elas, desde o fim da repressão policial até o fim da discriminação, só podem ser totalmente atendidas quando existir outro tipo de sociedade, igualitária, sem exploração nem repressão. Por isso dizemos que esta luta é anti-capitalista, sem que com isso acreditemos que a pura instauração do socialismo levará à libertação dos homossexuais. A revolução socialista é a única que criará o espaço para que esta luta seja vitoriosa. Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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Educação e Diversidade: preconceitos e dificuldades na implementação da Lei 10.639/03 junto aos professores das redes municipais de ensino no Brasil* Mariana Cunha Pereira Doutora em Antropologia Social: estudos comparativos das Américas/UnB Professora da Universidade Estadual de Goiás/UEG mcunhap@yahoo.com.br * Somente Introdução
Para tratar de uma temática cujo recorte se faz a partir da diversidade étnico-racial do Brasil, o primeiro passo é ressaltar o processo histórico que mostra, nessa discussão, as especificidades do que é ser negro nesse país e como ali se processaram as formas de racismo. É necessário explicar como os termos raça, relações étnico-raciais e diversidade cultural são utilizados no discurso que propõe as políticas de ação afirmativa, e como estas se configuram em políticas de formação de professor, propostas desde a perspectiva da diversidade. Para complementar essa discussão, buscamos os exemplos de nossa prática como formadora de professor citando algumas situações em que surgem preconceitos entre os professores das redes públicas de ensino quando se deparam com essa temática numa experiência de qualificação continuada. As elites políticas e intelectuais criaram uma noção de que no Brasil existe uma natural harmonia e tolerância entre os grupos raciais, ou seja, que o preconceito e a discriminação não existem. Essa elaboração, decorrente dos anos 1930, subsidiou-se em teses eugenistas, foi posteriormente criticada por estudiosos, a exemplo de Roberto DaMatta (1983) que, a essa particularidade do Brasil, consagrou o termo “democracia racial”. Ele define que esta uma tese é presente no senso comum através da imagem e do discurso sobre a origem do povo brasileiro como oriundo da união pacífica e congratulada das três raças: branca, negra e indígena; tese esta fortemente trabalhada pelos livros didáticos, mídia, literatura clássica e popular e demais formas de expressão. A conseqüência disto no imaginário brasileiro é que as pessoas passaram a ter vergonha de ter preconceito, por isso ninguém se aceita como racista e pode, inclusive, se ofender se for chamado como tal. Ainda que ache engraçado ouvir piadas racistas ou não se importe que seus filhos assistam a programas de televisão que ridicularizam, através de imagens, músicas e outras formas simbólicas, tudo o que representa a identidade negra. Porém, essa enorme arma criada pela ideologia dominante a “Democracia Racial” teve como principal efeito limitar as demandas dos negros pelos direitos sociais, além de tornar ainda mais invisíveis as diferenças inter-raciais, quanto à elaboração das políticas públicas direcionadas a esse grupo. Segundo Carlos Hasenbalg (1979), o discurso posterior ao processo de abolição da escravidão no Brasil – em 1888 – responsabilizou as desigualdades raciais ali existentes tão somente à situação de classe, querendo fazer acreditar que há desigualdades raciais porque existem pobres e ricos. Isso, de certa forma, aliviou a consciência da elite branca, ao transferir para o campo das desigualdades sociais responsabilidades com as desigualdades entre negros e brancos, afinal, na visão liberal, as diferenças de classe, a existência de pobres e ricos se Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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explicam pelo aspecto do individualismo, ou seja, está ao alcance do indivíduo a possibilidade da escolha de sua condição de ser pobre. Por conseguinte, essa explicação conclui que o “negro é pobre, sofre violência e é analfabeto por sua própria escolha”. O segundo aspecto racista que compõe o olhar brasileiro, também pensado e sustentado pelas elites políticas e intelectuais, foi o da tese do branqueamento, a qual teve subsídios, portanto transformou-se numa política pública por 50 anos, de 1890 a 1940. A política do branqueamento trouxe para o Brasil, entre os anos 1889 e 1930, um contingente de 3.762.000 estrangeiros. Era denominada de política de povoamento das regiões centrais do Brasil e também funcionava como suporte para a integração de trabalhadores minimamente qualificados no mercado, o qual se expandia com a mudança dos processos de produção ocorridos aqui. Além disso, as elites políticas introduziram, também nos seus discursos, uma referência de que o atraso do modelo econômico era causado pela “indolência e apatia dos negros” quando inseridos no mercado de trabalho. (Hasenbalg,1979). Uma outra conseqüência da tese do branqueamento inserida no senso comum é a que cria no imaginário da população brasileira, em especial entre os negros, uma prática de se representar como branca ou mesmo de se negar como negra, criando assim uma infinidade de cores, tanto para se auto conceituar, como para conceituar os outros. Um exemplo disto está na visão do senso comum, também assumida pelo Estado, presente na ação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, quando promove o censo demográfico. Ao entrevistar, o recenseador do instituto pergunta qual é a “raça” de seu entrevistado, isto porque o IBGE não assume a critica sobre a discussão polêmica que define o conceito de raça. São oferecidas simultaneamente, segundo o questionário do censo, cores e etnias, como alternativas de respostas para uma mesma pergunta. Os dois aspectos aqui tratados que revelam as formas de ser racista e de construir ao longo da história uma postura ingênua e/ou ideológica de se autodiscriminar estão, na verdade, alicerçados por uma noção naturalizante do conceito de raça. Na verdade, este é um conceito de caráter biológico criado para distinguir os povos dominantes e descobridores (brancos e europeus) daqueles que foram descobertos e colonizados (negros, índios, africanos, asiáticos, americanos, latinos e caribenhos). Assim, compreendemos que o conceito de “raça”, tal como foi construído, referindo-se aos caracteres fenótipos, reforçam a discriminação, pois este conceito mais do que reconhecer que as pessoas eram diferentes pela cor, textura do cabelo e desenhos da face, justificava que tais 78
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diferenças evocavam graus de hierarquia entre esses grupos raciais. Ou seja, as pessoas do fenótipo ariano eram do grupo reconhecidamente inteligente, capaz e do tipo ideal, por conseguinte superior. Entretanto, as pesquisas científicas, em especial as que se encontram na área das Ciências Humanas, rejeitam a noção de “raça” tal como foi construído pelo discurso dominante do século XVI, e demonstram que os seres humanos compõem uma só raça – a raça humana – a qual é formada por várias etnias que se caracterizam principalmente por uma língua comum e aspectos da vida cultural, reconhecidos e cultivados ao longo de gerações. Uma vez esclarecida essa matriz discursiva, o passo seguinte é discutir em que medida esse conceito passa novamente a ser usado, por quem e para quê, qual a relação do significado de raça para as políticas de formação de professores e qual o sentido de política de ação afirmativa que daí se destaca. Chegamos ao século XX com um conceito de raça ressignificado pelo movimento social negro, desde o pan-africanismo de Marcus Garvey até os movimentos sociais negros de hoje, existentes em várias partes do mundo. No Brasil, os integrantes desse movimento explicam que o uso do termo ocorre porque, ao se estabelecer relações racializadas, os negros devem manter uma construção identitária apoiado nos valores culturais da identidade negra, ressaltando-os, enaltecendo-os e demonstrando a auto-estima de fazer parte desse grupo racial. Essa é a forma de politização do termo “raça”. Ele é então ressignificado para exigir poder político, respeito à dignidade humana e, principalmente no combate a discriminação racial, em todos os espaços e situações em que se intercruzam os diferentes grupos racializados no interior da sociedade brasileira. Há também uma retomada do termo “etnia” na produção acadêmica da Antropologia Social, a partir das etnografias e da etnologia da segunda metade daquele século. No entanto, há criticas quanto à utilização de “etnia”, porque, a um só tempo, o termo reúne uma perspectiva naturalizante (uma mesma descendência) com uma perspectiva culturalista (uma mesma língua, costumes, nome) e uma perspectiva subjetiva (consciência de pertencer a um mesmo grupo) (Cf. Poutgnart, 2000). De qualquer modo, é assim que o termo “etnia” vem sendo trabalhado para dar conta dos estudos de etnologia, em especial daqueles que, ao reconhecerem a critica ao conceito biológico de raça, e por não concordarem com a ressignificação do conceito na perspectiva política, identificam no conceito de etnia e Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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de grupo étnico a categoria de análise que dá conta de explicar a existência dos diferentes grupos sociais racializados. Porém, toda essa polêmica serve a um objetivo: fundamentar as políticas públicas da dimensão multiculturalista que, neste texto, trabalhamos apenas a partir da implementação da Lei 10.639/03, para discutir a partir daí a formação de professores com o viés da diversidade cultural. Vejamos as palavras de Inocêncio (2004. Grifos do autor): Vale dizer que, durante muitos anos no Brasil, conceitos como reparações ou mesmo ações afirmativas eram compreendidos e articulados, quase que exclusivamente, na esfera do movimento negro local em função de sua necessidade iminente de observar experiências bem sucedidas de inclusão racial fora de nossa realidade. Por essa razão os grupos organizados acompanharam os desdobramentos da luta da comunidade negra nos Estados Unidos e a implementação de políticas públicas voltadas para esse segmento, sobretudo a partir dos anos 1970. De fato, a luta racial naquele país acabou de alguma maneira contribuindo para que outros países procurassem alternativas de superação da exclusão marcada, por raça, etnia, orientação religiosa, entre outras. A Terceira Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Discriminação, ocorrida em 2001 na África do Sul, é o exemplo mais verdadeiro desse fenômeno mundial que se constitui a partir da luta pelo respeito à diferença racial e cultural. (2004:02). Assim, com base em artigos de estudiosos negros e não-negros, e também a partir de documentos institucionais, pode-se entender que Ações Afirmativas são iniciativas de caráter público e/ou privado que visam a estabelecer atitudes compensatórias para minorias étnica, racial ou de gênero. O debate sobre a temática lembra que alguns tipos de política da ação afirmativa, a exemplo das cotas, devem ser realizadas por um período determinado. Isso, porque há a possibilidade de se alcançar à meta, no caso em que o grupo discriminado passe a ter os direitos sociais garantidos e oportunidades iguais restabelecidas. Em alguns documentos governamentais e de entidades negras, o termo é sinônimo de política de cotas, reservas de vagas, ação compensatória. Embora não tenha surgido nos EUA, é esse país que se tornou referência da experiência de Política de Ação Afirmativa. A partir da implantação desse modelo de política, passou-se a utilizar também o termo “discriminação positiva”,
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trazendo a esse campo de debate mais uma polêmica quanto ao significado de discriminação. Também na Europa Ocidental, e em países como Haiti, Cuba, na Índia, Malásia, Austrália, Canadá, Nigéria, África do Sul, Argentina, existem políticas de Ação Afirmativa dirigidas a parcelas, ou melhor, grupos étnicos ou minorias sociais que se encontram em situação de desvantagem diante do grupo dominante (ou da sociedade envolvente). Assim, essas políticas são dirigidas a negros, índios, ciganos, mulheres, minorias nacionais, enfim, têm por base um contexto social. No Brasil, essas políticas aparecem viabilizadas nas áreas de trabalho, educação, representação política e saúde. Por exemplo: para mulheres, quanto às cotas de participação em eleições, às cotas no mercado de trabalho, além de programas e projetos que visam a ações de qualificação e de valorização do trabalho feminino; para índios, negros e ciganos, sistemas de cotas no ensino superior, valorização da identidade afro pela institucionalização da Lei 10.639/03, e inúmeros programas implementados a partir do reconhecimento étnico pelo setor público e privado, para dar acesso aos integrantes desses grupos a empregos, reconhecimento e valorização de suas identidades. Portanto, nossa pretensão neste texto é trabalhar com o termo relações étnico-raciais, porque entendemos que houve, no processo histórico do Brasil, a construção identitária por meio de vários grupos racializados, os quais traduzem um forte sentimento de pertencimento étnico. A etnia constitui-se numa identificação pelo sentimento de pertencimento. Portanto, para que não esqueçamos o passado que fez do conceito “raça”, o instrumento norteador da discriminação e, na perspectiva de valorar a leitura política dos movimentos negros e reconhecendo a diversidade do Brasil, passamos a utilizar a expressão “relações étnico-raciais” para nos referirmos aos temas que requerem discussões das necessidades, reivindicações e atualidades dos grupos étnicos negro, índio, judeu entre outros. Neste artigo, em especial, a expressão volta-se ao estudo do grupo negro.
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Prefácio à História da Revolução Russa Léon Trotsky
Durante os dois primeiros meses de 1917, a Rússia ainda era a monarquia dos Romanov. Oito meses mais tarde, os bolcheviques já estavam ao leme do governo, eles que eram desconhecidos no início do ano e cujos líderes, no momento do ascenso ao poder, ainda eram acusados de alta traição. Na história não se encontraria outro exemplo de uma reviravolta tão brusca, sobretudo lembrando-nos que se trata de uma nação de cento e cinquenta milhões de almas. É claro que os acontecimentos de 1917 – qualquer que seja a maneira considerada – merecem ser estudados. A história de uma revolução, como toda história, deve, antes de tudo, relatar o que se passou e dizer como. Mas isso não é suficiente. Segundo a própria narração, é necessário que se veja nitidamente porquê as coisas se passaram assim e não de outra forma. Os acontecimentos não poderiam ser considerados como um encandeamento de aventuras, nem baseados, uns após outros, numa moral pré-concebida. Eles devem conformar-se com a sua própria lei racional. É na descoberta desta lei íntima que o autor vê a sua tarefa. O traço mais incontestável da Revolução é a intervenção directa das massas nos acontecimentos históricos. Habitualmente, o Estado, monárquico ou democrático, domina a nação; a história é feita pelos especialistas do ofício: monarcas, ministros, burocratas, deputados, jornalistas. Mas, nos momentos decisivos, quando um velho regime se torna intolerável para as massas, estas quebram as muralhas que os separam da arena política, derrubam os seus representantes tradicionais, e, intervindo assim, criam o ponto de partida para um novo regime. Que seja bem ou mal, os moralistas que julguem. Quanto a nós, tomamos os factos tal como eles se apresentam, no seu desenvolvimento objectivo. A história da revolução é para nós, antes de mais, a narração de uma irrupção violenta das massas no domínio onde se regulam os seus próprios destinos. Numa sociedade em revolução, as classes estão em luta. É evidente que as transformações que se produzem entre o princípio e o fim de uma revolução, nas bases económicas da sociedade e no substrato social das classes, é insuficiente para explicar a marcha da própria revolução, a qual, num breve lapso de tempo, deita abaixo as instituições seculares, criando novas e derrubando-as novamente. A dinâmica dos acontecimentos revolucionários é determinada directamente pelas conversões psicológicas rápidas, intensivas e apaixonadas das classes constituídas antes da revolução. Uma sociedade não modifica as suas instituições à medida das necessidades, como um artesão renova as suas ferramentas. Pelo contrário: praticamente considera as instituições que a dominam como uma coisa para sempre estabelecida. Durante dezenas de anos, a crítica da oposição serve de válvula de escape ao Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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descontentamento das massas e ela é a condição à estabilização do regime social: tal é, por exemplo, em princípio, o valor adquirido pela social-democracia. São necessárias circunstâncias absolutamente excepcionais, independentes da vontade dos indivíduos ou dos partidos, para libertar os descontentes dos genes do espírito conservador e levar as massas à insurreição. As rápidas mudanças de opinião e de humor das massas, em tempos de revolução, provêm, por consequência, não da maleabilidade e da mobilidade do psiquismo humano mas do seu profundo conservadorismo. As ideias e as relações sociais continuam em permanência atrasadas sobre as novas circunstâncias objectivas, até ao momento que estas caem em cataclismo, e resulta em tempo de revolução, sobressaltos de ideias e de paixões que os cérebros de polícias as representam simplesmente como obra de “demagogos”. As massas entram numa revolução não com um plano prévio de transformação social, mas com o sentimento amargo de não poder tolerar por mais tempo o antigo regime. É somente o meio dirigente da sua classe que possui um programa político, o qual tem no entanto necessidade de ser verificado pelos acontecimentos e aprovado pelas massas. O processo político essencial de uma revolução é precisamente aquele em que a classe toma consciência dos problemas postos pela crise social, e que as massas orientam-se activamente segundo o método das aproximações sucessivas. As diversas etapas do processo revolucionário, consolidadas pela substituição a tais partidos por outros sempre mais extremistas, traduzem a pressão constante reforçada das massas sobre a esquerda, enquanto este impulso não se quebre contra obstáculos objectivos. Então começa a reacção: desilusão em certos meios da classe revolucionária, multiplicação dos indiferentes, e, seguidamente, consolidação das forças contrarrevolucionárias. Tal é pelo menos o esquema das antigas revoluções. É somente pelo estudo dos processos políticos nas massas que se pode compreender o papel dos partidos e dos líderes que nós não poderemos de forma nenhuma ignorar. Eles constituem um elemento não autónomo, mas muito importante do processo. Sem organização dirigente, a energia das massas volatilizar-se-ia como o vapor não fechado num cilindro de pistão. Todavia, o movimento não vem nem do cilindro nem do pistão, mas do vapor. As dificuldades que re-encontramos no estudo das modificações da consciência das massas em tempos de revolução são absolutamente evidentes. As classes oprimidas fazem a história nas fábricas, nos quartéis e nos campos, nas cidades, nas ruas. Mas elas não têm o hábito de anotar por escrito o que fazem. Os períodos onde as paixões sociais atingem a sua mais alta tensão geralmente não deixam lugar à contemplação e às descrições. Todas as musas, mesmo a 84
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musa plebeia do jornalismo, ainda que ela tenha os quadris robustos, têm dificuldades em viver em tempos de revolução. Todavia, a situação do historiador não é de forma nenhuma desesperada. As notas tomadas são incompletas, discordantes, fortuitas. Mas, à luz dos acontecimentos, esses fragmentos permitem muitas vezes adivinhar a direção e o ritmo do processo subjacente. Bem ou mal, é ao apreciar as modificações da consciência das massas que um partido revolucionário baseia a sua táctica. A via histórica do bolchevismo testemunha que esta avaliação, de certa forma, era realizável. Porquê então o que é acessível a uma política revolucionária, no turbilhão da luta, não seria acessível ao historiador retrospetivamente? No entanto, os processos que se produzem na consciência das massas não são nem autónomos nem independentes. Que os idealistas e os ecléticos não levem a mal, a consciência é todavia determinada pelas condições gerais de existência. Nas circunstâncias históricas da formação da Rússia, com a sua economia, as suas classes, o seu poder de Estado, na influência exercida sobre ela pelas potências estrangeiras, deveriam ser incluídas as premissas da Revolução de Fevereiro e da sua substituta – a de Outubro. À medida onde parece particularmente enigmático que um país atrasado tenha sido o primeiro a levar o proletariado ao poder, é necessário previamente procurar a palavra do enigma no carácter original do dito país, isto é, no que o diferencia dos outros países. As particularidades históricas da Rússia e do seu peso específico são caracterizadas nos primeiros capítulos deste livro que contêm uma exposição sucinta do desenvolvimento da sociedade russa e das suas forças internas. Esperemos que o inevitável esquematizar desses capítulos não desencoraje o leitor. No seguimento da obra, ele encontrará as mesmas forças sociais em plena acção. Esta obra não é de forma nenhuma baseada em lembranças pessoais. A circunstância que o autor participou nos acontecimentos não a dispensa do dever de estabelecer a narração sobre documentos rigorosamente controlados. O autor fala de si na “terceira pessoa”. Isso não é uma simples forma literária: o tom subjetivo, inevitável numa autobiografia ou memórias, seria inadmissível num estudo histórico. No entanto, pelo facto que o autor participou na luta, é-lhe naturalmente mais fácil compreender não somente a psicologia dos actores, indivíduos e colectividades, mas também a correlação interna dos acontecimentos. Esta vantagem pode dar resultados positivos, contudo com uma condição: a de não se relacionar aos testemunhos da sua memória nas pequenas como nas grandes coisas, na exposição dos factos como em consideração dos mobiles e dos estados de opinião. O autor considera que tanto que dependa dele, teve em conta esta condição. Caderno de Debates - Cobrecos Uberlândia 2013
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Resta uma questão – a da posição política do autor que, na sua qualidade de historiador limita-se ao ponto de vista que era o seu como actor nos acontecimentos. O leitor não está obrigado, bem entendido, a partilhar os pontos de vista do autor, e que este último não tem motivo para dissimular. Mas o leitor tem o direito de exigir que uma obra de história constitua não a apologia de uma posição política, mas uma representação intimamente fundada do processo real da revolução. Uma obra de história só responde plenamente ao seu destino se os acontecimentos se desenvolvem de página a página, no todo natural da sua necessidade. É para isso indispensável que intervenha o que se chama a “imparcialidade” do historiador? Ninguém explicou ainda claramente no que isso deve considerar. Muitas vezes cita-se um certo aforismo de Clemenceau, dizendo que a revolução deve ser tomada “em bloco”; o que não é mais do que um subterfúgio espiritual: como se declararia um partidário de um todo que traz em si a divisão? A palavra de Clemenceau foi-lhe ditada, parcialmente, por uma certa vergonha de antepassados demasiados resolutos, parcialmente também pelo mal-estar do descendente diante das suas sombras. Um dos historiadores reaccionários, e, por consequência, bem cotados, da França contemporânea, Sr. Louis Madelin, que caluniou tanto, como homem de salão, a grande Revolução – quer dizer o nascimento da da nação francesa – afirma que um historiador deve subir sobre a muralha da cidade ameaçada e, daí, considerar os cercadores como os cercados. É somente assim, segundo ele, que se chegaria à “justiça que reconcilia”. Porém, as obras do sr. Madelin provam que, se ele sobe à muralha que separa os dois campos, é somente na condição de batedor da reacção. Felizmente, aqui trata-se de campos de outrora: em tempos de revolução, é extremamente perigoso manter-se nas muralhas. Aliás, no momento de perigo, os pontífices duma “justiça que reconcilia” continuam normalmente fechados em casa, esperando para ver para qual lado se decidirá a vitória. O leitor sério e dotado de sentido crítico não precisa de uma imparcialidade falaciosa que lhe estenderia a taça do espírito conciliador, saturada por uma boa dose de veneno, com sedimento de ódio reaccionário, mas falta-lhe a boa-fé científica que, para exprimir as sua simpatias, francas, sem máscaras, procura apoiar-se sobre um honesto estudo dos factos, sobre a demonstração das relações reais entre os factos, sobre a manifestação do que tem de racional no desenrolamento dos factos. Aí somente é possível a objetividade histórica, e ela é então suficiente, porque é verificada e certificada de outra forma que vai além das boas intenções do historiador – que aliás garante – mas pela revelação da lei íntima do processo histórico. 86
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As fontes desta obra consistem em numerosas publicações periódicas, jornais e revistas, memórias, processos verbais e outros documentos, alguns manuscritos, mas a maior parte publicados pelo Instituto de História da Revolução, em Moscovo e Leninegrado. Julgámos inútil dar no texto referências que estorvariam o leitor. Entre os livros de história que têm carácter de estudo de conjunto, utilizámos os dois volumes de Ensaio sobre a História da Revolução de Outubro ( Moscovo-Leninegrado, 1927). Esses ensaios redigidos por diversos autores não têm todos o mesmo valor, mas contêm, de qualquer forma, uma documentação abundante sobre os factos. As datas referidas nesta obra são as do antigo estilo, isto é, elas atrasam 13 dias no calendário universal, actualmente adoptado pelos sovietes. O autor foi forçado a seguir o calendário utilizado na época da Revolução. Não seria difícil, na verdade, transpor as datas no estilo moderno. Mas esta operação, que eliminaria certas dificuldades, criaria outras mais graves. A queda da monarquia inscreveu-se na História sob o nome de Revolução de Fevereiro. Porém, segundo o calendário ocidental, o acontecimento teve lugar em Março. Certa manifestação armada contra a política imperialista do governo provisório foi marcada na história como “jornadas de Abril”, enquanto, segundo o calendário ocidental, ela teve lugar em Maio. Não nos detenhamos sobre outros acontecimentos e datas intermediárias, notemos ainda que a Revolução de Outubro produziu-se, para a Europa, em Novembro. Como se vê, o próprio calendário tomou a cor dos acontecimentos e o historiador não pode desembaraçar-se das efemérides revolucionárias pela simples operação de aritmética. Queira o leitor lembrar-se que antes de suprimir o calendário bizantino, a Revolução teve que abolir as instituições o temiam conservar. Léon Trotsky Prinkipo, 14 Novembro 1930
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Enecos nas ruas! Coordenação Nacional da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos)
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“Nós podemos tudo, nós podemos mais. Vamos lá fazer o que será”. (Gonzaguinha) Nós da Coordenação Nacional da Executiva, acreditamos que com formação política e atuação prática conseguiremos propor e fazer as verdadeiras transformações que queremos ver na comunicação e a sociedade brasileira. Tendo em vista que os posicionamentos e ações que a ENECOS assume nacionalmente partem da construção, do debate, da atuação e da troca de experiências de sua base (Coletivos Locais, Centros e Diretórios Acadêmicos e estudantes independentes de todo o país), lançamos este caderno como uma pequena contribuição para a formação política dos nossos coletivos locais, torcendo para que este instrumento sirva para fortalecer as nossas lutas de norte a sul do país. Aproxima-se um Congresso Brasileiro dos Estudantes de Comunicação Social, o Cobrecos, e é no sentido de amadurecer o debate na base da Executiva que apontamos alguns temas para avançarmos coletivamente e nos colocar, de forma consciente, na responsabilidade de definir os rumos da Enecos para os próximos períodos. Pontuamos aqui a real necessidade de estarmos em constante movimento de estudo e de ação nos nossos espaços de atuação para que cada vez mais a Executiva torne-se um instrumento de mobilização e representação dos/as estudantes de Comunicação Social. A ENECOS não pode parar! Vamos às ruas!
“Se o presente é de luta, o futuro nos pertence”. (Che Guevara)
Coordenação da Enecos Janeiro de 2012 a Maio de 2013
COORDENAÇÃO NACIONAL Coordenação Geral Andrea Neves – UFPA/PA Carolina Gasparetto Barin – UFSM/RS Dérek Sthefano – UFPI/PI
Coordenação GET Qualidade de Formação do Comunicador Talita Moraes – UFS/SE
Coordenação de Comunicação Eline Luz – UESC/BA Ricardo Aiolfi – UFES/ES
Coordenação GET Democratização da Comunicação Aniele Teixeira UESPI/PI
Coordenação de Finanças Emily Almeida – UnB/DF Iane Parente – UFC/CE
Coordenação GET Combate às Opressões Gustavo Marinho – UFAL/AL
COORDENAÇÕES REGIONAIS Comissão Gestora CENTRO-OESTE (MT, MS, GO e DF) Gabriella da Costa – UnB/DF Giovana C. Gomes – UnB/DF Murillo Guedes – UFMT/MT Sérvulo Neuberger – UFMT/MT Comissão Gestora NE 1 (AL, SE e BA) Amanda Lemos – UFS/SE Ariane Regina – UFAL/AL Karine Fênix – UESC/BA Lucas Dantas – UESB/BA Rose Cerqueira – UFRB/BA Comissão Gestora NE 2 (PB, PE e RN) Alessandro Muniz – UFRN/RN Caroline Bittencourt – UFRN/RN Delosmar Magalhães – UFPB/PB Skarllety Fernandes – UEPB/PB Sylara Silvério – UFRN/RN Coordenação Regional NE 3 (CE, PI e MA) Anielle Raquel - UESPI/PI Mariana Duarte – UFPI/PI Fernando de Aquino – UFMA/MA Lanna Luiza – UFMA/MA Dani Guerra - UFC/CE Coordenação Regional Norte Dayane Gonçalves – UFPA/PA Gisela Silva (Diva Belém) – FAP/PA Gleici Correa – UFPA/PA João Cunha - UFPA/PA
Coordenação Regional Sudeste 1 (SP) Alexandre Maciel – PUC/SP Anna Gabriela Coelho – PUC/SP Bruno Matos – PUC/SP Lu Sudré – PUC/SP Rodrigo Neves – USP/SP Coordenação Regional Sudeste 2 (RJ) Mariana Vita – UFF/RJ Mohara Santos Valle – UFF/RJ Luiza Souza Corrêa – UERJ/RJ Eric Sia Mapurunga de Aguiar – UERJ/RJ Comissão Gestora – Sudeste 3 (ES-MG) Aline Salmin – UFU/MG Izabella Lourenço – UFMG/MG João Oliveira – UFES/ES Laís Ortiz – UFU/MG Mariana Rosa – UFES/ES Comissão Gestora – Sul (PR, RS, SC) Bruna Homrich Vasconcellos – UFSM/RS Diosana Frigo - UFSM/RS Matheus Lobo – UFSC/SC Marina Martinuzzi – UFSM/RS
W W W. E N E C O S . C O M . B R CNENECOS@GMAIL.COM