Caderno de Textos - Seminário Regional de Formação Política em Comunicação - Nordeste III

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Intervozes

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Emir Sader

ENECOS | Produzido no GET de Combate às Opressões

ENECOS | Produzido no GET de Qualidade de Formação do Comunicador


INTERVOZES Nós, comunicadores/as e ativistas, engajados/as em múltiplas práticas de comunicação emancipatória em diferentes regiões do mundo, livremente reunidos/as em março de 2015 em Túnis, por ocasião do 4º Fórum Mundial de Mídia Livre, organizado nos marcos do Fórum Social Mundial 2015, adotamos a presente Carta Mundial da Mídia Livre, como resultado de nossa reflexão coletiva iniciada em 2013 e como expressão da nossa voz de resistência e engajamento em defesa de uma comunicação justa e emancipatória, comprometida com as evoluções do mundo e da humanidade. CARTA MUNDIAL DA MÍDIA LIVRE Somos mulheres e homens comunicadoras e comunicadores, ativistas, jornalistas, hackers, meios comunitários ou livres, movimentos sociais, associações ou organizações populares. Somos blogueiras e blogueiros, produtores/as de audiovisual, desenvolvedores/as de tecnologia livre, associações, redes, sindicatos, escolas de comunicação, centros de pesquisa e organizações da sociedade civil que apoiam o acesso à informação e à comunicação. Somos indivíduos e coletivos, profissionais, amadores/as, militantes pela democratização da comunicação tanto em nível local quanto global, que afirmamos que esta democratização e o direito à comunicação de todas e todos são uma condição essencial para a construção de um mundo justo e sustentável. Desde o início dos movimentos de luta altermundista, trabalhamos de mãos dadas para construir um espaço de expressão dos movimentos sociais. O Fórum Social Mundial, que compreende os fóruns temáticos e regionais organizados em todo o mundo desde 2001, funciona como um espaço de convergência e cooperação difundido pelas mídias livres. Nossa rede de ativistas surgiu no bojo desta dinâmica e se transformou num movimento estruturado em prol da liberdade de expressão e da luta por outra forma de comunicação. Continuaremos a cooperar com outros movimentos, contribuindo para fazer da comunicação uma questão política, visando a transformação do sistema mundial de comunicação. Praticamos novas formas de comunicação humana, intercultural, horizontal, não-violenta, aberta, descentralizada, transparente, inclusiva e compartilhada, através de múltiplos instrumentos e formas de expressão (rádio, televisão, audiovisual, imprensa, internet etc), experimentando novos modos de organização e produção de informação. Nossas fontes de financiamento, quando existem, não condicionam nossa maneira de comunicar nem nossa linha editorial. Estamos conscientes de que o termo “mídia livre” remete a diferentes interpretações em função de diversas realidades linguísticas e culturais. Nós o


escolhemos, antes de mais nada, porque ele nos reúne em torno de práticas comuns, baseadas na busca por autonomia diante das lógicas comerciais ou estatais, na luta contra todas as formas de dominação e no desejo de garantir espaços de expressão abertos. Queremos construir modelos econômicos solidários e sustentáveis. O diálogo dentro da nossa diversidade nos ensinou a melhor conhecer nossas forças, nossas contradições, nossa ética comum, nossas sensibilidades, práticas e nosso desejo de luta e independência. Os encontros realizados desde 2013 também nos permitiram elaborar princípios de ação e um horizonte estratégico comum. Esta Carta marca tanto o resultado de um processo quanto um novo ponto de partida para continuar a construção de um movimento emancipatório dos atores da informação, da comunicação e de suas tecnologias. PRECISAMOS MAIS DO QUE NUNCA DE UMA COMUNICAÇÃO CONTRAHEGEMÔNICA, PLURAL E ENGAJADA Constatamos que a produção de conhecimento e a difusão de informações pelos meios hegemônicos estão subordinadas aos poderes políticos e econômicos. Os meios comerciais reproduzem um sistema de valores e de compreensão do mundo em crescente dissonância das reais necessidades da população e de grupos sociais já marginalizados. Nos últimos 20 anos, com a concentração da mídia e o desenvolvimento transnacional de redes de telecomunicações em todas as partes do mundo, o poder dos atores tradicionais da comunicação se ampliou. A grande mídia se tornou o vetor hegemônico de construção de sentidos, de subjetividades e da opinião pública, instaurando uma lógica de mercantilização da cultura e da linguagem e podendo se tornar um fator de desestabilização em diferentes regiões do mundo. De modo mais profundo, percebemos que o modo de comunicar da mídia hegemônica contribui para a exacerbação dos problemas que o mundo atravessa atualmente nos planos cultural e político. Ela homogeniza e monopoliza onde se deveria valorizar a diversidade, favorecer a participação, a colaboração com uma construção coletiva de conhecimento e compreensão do mundo. Ela se organiza em torno do factual, do interesse particular e do valor comercial onde se deveria compreender os processos sociais em sua temporalidade e profundidade, e promover o interesse público. CONSTRUÍMOS UMA COMUNICAÇÃO INCLUSIVA, PLURAL E TRANSFORMADORA Frente a esse sistema hegemônico de comunicação, ativistas e atores da sociedade civil têm recorrido histórica e continuamente às mídias livres em seu combate pela democracia real e a justiça social. Essas mídias dão espaço a outras vozes e se opõem à hegemonia dos discursos utilizando canais não comerciais e não


governamentais (como as rádios comunitárias, canais de televisão independentes, jornais, blogs, redes sociais, a música, a arte de rua etc). Com o avanço das novas tecnologias de informação e comunicação, principalmente a Internet, vivemos nos últimos anos o surgimento de novas potencialidades de compartilhamento e difusão de conhecimento em quase todos os países do mundo. A existência de grupos que defendem as mídias livres cada vez mais numerosos e interconectados reforça nosso desejo e nossa capacidade de trabalhar juntos além das fronteiras e das diferentes linguagens midiáticas. Constatamos que a sociedade civil se apropria das novas tecnologias para criar rádios e TVs independentes na internet, blogs, redes sociais, plataformas de compartilhamento de áudio e vídeo, jornais e revistas digitais. Tecnoativistas desenvolvem softwares livres e interfaces que são verdadeiras alternativas aos programas e serviços comerciais. AFIRMAMOS PRINCÍPIOS COMUNS PARA CONDUZIR NOSSA AÇÃO E PROMOVER AS MÍDIAS LIVRES EM NOSSAS SOCIEDADES Considerando as declarações internacionais, as cartas e os textos de referência que dizem respeito à comunicação, entre eles o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) sobre a liberdade de expressão, assim como as diferentes declarações de movimentos sociais sobre o direito à comunicação adotadas nos Fóruns Sociais Mundiais, afirmamos que 1. A liberdade de expressão para todas e todos, o direito à informação e à comunicação e o acesso libre ao conhecimento são direitos humanos fundamentais. O direito à comunicação caracteriza nossahumanidade e nossa vocação de viver em comunidade. Mulheres e homens sempre buscaram formas de se informar de maneira livre e independente, quaisquer que sejam as situações de dominação histórica que os grupos hegemônicos exerceram sobre os meios de informação da sociedade. 2. Democratizar a informação e a comunicação é uma condição fundamental para a participação e o exercício da democracia. A redistribuição da palavra, a comunicação e nossa ação como mídias livres não devem ser limitadas a questões técnicas ou instrumentais. Fundamentais para nossos movimentos assim como para o conjunto com a sociedade, elas são antes de tudo uma questão política. 3. A informação e a comunicação são essenciais para as mobilizações e lutas m defesa dos direitos humanos. 4. A informação e os canais de comunicação são bens comuns. Seu uso e gestão devem estar baseados na busca do interesse público e da pluralidade, tendo como prioridade o incentivoà participação popular. Issorequer o abandono dos modelos construídos a partir da ideologia de mercado e o reconhecimento de novos setores da comunicação, além dos setores privado e estatal.


ASSUMIMOS PLENAMENTE NOSSO PAPEL DE MÍDIAS LIVRES AFIRMANDO NOSSAS PARTICULARIDADES E RESPONSABILIDADES A ação das mídias livres se baseia na busca pela independência frente ao controle exercido pelo Estado, pelos poderes econômicos, políticos, ideológicos, religiosos e pelos grandes grupos de comunicação. Nós nos diferenciamos das lógicas do lucro e do mercado que caracterizam a mídia hegemônica. Queremos ser solidários/as às transformações sociais, econômicas, ecológicas, democráticas em curso nas diferentes regiões do mundo. Nossas lutas constituem um aporte essencial para os direitos humanos e as lutas contra a colonização, as invasões, o patriarcado, o sexismo, o racismo, contra o neoliberalismo e todas as formas de opressão e fundamentalismo. Nós nos mobilizamos contra as manifestações de violência na internet e em outras mídias, sobretudo contra as violências de gênero e contra as minorias sexuais. Nossas formas de comunicação privilegiam a valorização da diversidade de expressões e de compreensões do mundo, a tolerância, a pluralidade de vozes e a distribuição de poder. Promovemos a participação social, a cooperação e o compartilhamento de informação em diferentes mídias e por diferentes produtores/as de conteúdo. Lutamos contra todos os discursos de ódio, intolerância e violência. Destacamos outras formas de viver, outras representações do mundo e incentivamos novas formas de participação e engajamento político. As mídias livres visam a formar mulheres e homens para o uso e a leitura crítica dos meios, numa perspectiva de educação popular. Assumimos o dever de contribuir para o reequilíbrio dos fluxos de informação entre todos os países, e dentro de cada país em si, criando espaços públicos democráticos que encarnem uma ética da informação respeitosa da vida privada. Nós sabemos como é importante respeitar as culturas, as memórias, as histórias e as identidades dos povos. Nossa ação permite que a sociedade ouça os interesses, as vozes e as ações dos povos indígenas, das minorias discriminadas e dos grupos sociais oprimidos em função de sua religião, identidade, orientação sexual, classe, deficiência, raça, etnia ou idioma. Os conteúdos que veiculamos valorizam a diversidade de imaginários, de identidades e expressões culturais, em oposição ao reforço dos padrões de beleza e comportamentos impostos aos povos. Não damos espaço a nenhuma forma de discriminação ou de opressão de gênero ou de qualquer minoria no mundo. Num contexto de convergência, nossas mídias livres trabalham pela soberania tecnológica. Elas rejeitam a mercantilização das identidades digitais e promovem a partilha de conhecimento através do uso de licenças livres e padrões abertos.


NÓS REIVINDICAMOS UMA TRANSFORMAÇÃO DOS SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO E NOS ENGAJAMOS Nossos eixos estratégicos e nossas prioridades são as seguintes:  Afirmar o direito à comunicação como um direito fundamental.  Defender a Internet como um bem comum.  Desenvolver marcos regulatórios democráticos para a comunicação, por meio da criação de órgãos/agências independentes, visando combater sobretudo a concentração dos meios.  Apoiar e incentivar o desenvolvimento de meios comunitários, a partir da reserva de espectro e atribuição de frequências para os setores sociais.  Reforçar a independência dos serviços públicos de comunicação (mídias públicas) frente aos governos e mercados.  Incentivar a utilização de idiomas e dialetos nos diversos espaços de expressão midiática, dando atenção particular às línguas minoritárias.  Reivindicar a implementação de políticas públicas que visem fortalecer as mídias livres, sua qualidade e sustentabilidade.  Combater o monopólio das infraestruturas de Internet, a guarda de dados pelas corporações e a vigilância do ciberespaço.  Desenvolver uma governança democrática da Internet, garantindo a neutralidade de rede, o direito à privacidade e à liberdade de expressão nas redes.  Facilitar o acesso às tecnologias livres e abertas.  Universalizar o acesso aos meios de comunicação e à Internet banda larga.  Lutar contra a criminalização de militantes e organizações que desenvolvem mídias livres.  Proteger jornalistas e todos os atores da comunicação que sofrem violência, perseguições ou exploração.  Mobilizar e criar laços entre as diferentes mídias e os movimentos sociais, especialmente no processo do Fórum Social Mundial. FAZEMOS UM APELO À RELACIONADAS A ESTA CARTA  Utilizar

MOBILIZAÇÃO

E

ARTICULAÇÃO

DE

AÇÕES

a Carta para construir reivindicações em favor das mídias livres, em nível nacional, regional e internacional.  Compreender a Carta como um instrumento pedagógico e de aprendizagem, organizando debates e fóruns de discussão sobre as mídias e a Internet livres.  Construir parcerias com outros setores sociais e atores internacionais para a promoção e a defesa dos princípios enunciados acima.  Realizar uma cartografia de mídias livres, que fomente diferentes iniciativas de compartilhamento de informações e experiências, com base no princípio da livre participação e no respeito ao direito de anonimato.


 Esmiuçar a

Carta para gerar instrumentos, ferramentas ou mecanismos em nível temático ou regional.  Promover os princípios da Carta nas mídias livres em cada região do mundo e no âmbito de eventos internacionais intergovernamentais ou promovidos pela sociedade civil. Nós, mídias livres, temos consciência de nossa força e do papel crucial que temos a desempenhar e nos comprometemos, aqui e agora, com a luta pelos princípios e compromissos estabelecidos acima, até que eles se tornem realidade.


INTERVOZES JORNADAS DE JUNHO E A COMUNICAÇÃO 1.1 CONTEXTUALIZANDO AS JORNADAS DE JUNHO Em linhas gerais, os protestos de junho no Brasil devem ser compreendidos como um complexo fenômeno político e social que não possui apenas uma causa ou um elemento definidor. Primeiramente, há um histórico de carências e problemas na prestação de serviços essenciais à população, como saneamento básico, saúde, segurança, educação e transporte público, ainda que, nos últimos anos, tenha havido uma reconhecida melhoria nos índices de desenvolvimento humano. Estas deficiências configuram problemas amplamente compartilhados nas diversas regiões, conhecidos por diversos brasileiros em diferentes cidades e são sentidos principalmente pelas classes com pouco poder aquisitivo. Deste modo, a pauta do transporte público é altamente sensível por abarcar não apenas as classes trabalhadoras, mas a classe média e, de forma mais específica, o segmento estudantil. Para fins didáticos, podemos demarcar quatro fases mais representativas dos protestos: (1) fase preparatória, (2) fase de eclosão, (3) fase de nacionalização, (4) fase de difusão e (5) fase de desmobilização. Inicialmente, podemos falar em uma fase preparatória se levarmos em conta que houve uma série de protestos precedentes contrários ao aumento de tarifas registrado em diversas cidades brasileiras. Em anos anteriores, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Natal, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre foram algumas das cidades que registraram mobilizações similares precedentes, com pautas semelhantes, mas sem alcançar uma dimensão nacional , embora tenha havido grande repercussão. Estas ocorrências não tiveram tanto impacto ou visibilidade, mas significaram a consolidação de organizações como o Movimento Passe Livre (MPL), que liderou as primeiras manifestações em junho de 2013 em São Paulo, colocando a pauta do transporte público como bandeira específica de grupos ativistas do país de forma mais clara. Com esta base desenhada, a fase seguinte marca a eclosão, isto é, o início da série de protestos que repercutiria em uma onda de manifestações nacionais. Isto ocorre a partir da primeira semana de junho, como uma resposta direta ao anúncio das autoridades governamentais de São Paulo sobre o aumento da tarifa do transporte público, que passaria de R$ 3,00 para R$ 3,20. Uma data importante neste início é o dia 6 de junho, quando o MPL convoca um ato na capital paulista. Nessa primeira fase, houve uma forte repressão da Polícia Militar, sob a alegação de cumprir ordens de desobstruir vias interditadas pelo protesto ou alegando reação a ataques dos manifestantes. Houve também manifestações de autoridades públicas apoiando a ação da PM e condenando as manifestações. Porém, ao contrário do que as


autoridades esperavam, a repressão policial gerou um efeito colateral não previsto: novos protestos foram agendados nos dias seguintes (dias 7 e 8) na cidade de São Paulo e a quantidade de manifestantes aumentou de forma significativa (no dia 8, a manifestação somou cerca de quatro mil manifestantes). Com mais repressão policial e com a repercussão em jornais e mídias sociais, as manifestações começaram a ganhar apoio fora de São Paulo e passaram a inspirar outras cidades que também estiveram ou estavam prestes a ter aumento tarifário. A partir do dia 10, começa a fase da expansão dos protestos. Gradativamente, a partir desta data, outras capitais, como Rio de Janeiro e Recife, também registram (ou retomam, como foram os casos de Porto Alegre e Natal) manifestações contra os reajustes nas tarifas do transporte público recém anunciados. Em poucos dias, outras cidades também tiveram seus protestos. Nesta etapa, o foco sai de São Paulo e as manifestações ganham um tom “nacional”. Passam a tratar não apenas do problema do reajuste tarifário, mas da luta pelo direito ao transporte público. Ao mesmo tempo em que crescem as ocorrências de manifestação, também aumenta a repressão policial. A fase seguinte é o que podemos chamar de “difusão”, ou seja, quando a natureza dos protestos se diversifica largamente, tanto em ocorrência de manifestações quanto em variedades de pautas. Isto se inicia principalmente a partir do dia 14: "A partir da segunda semana de protestos, após o dia 13 de junho, data da repressão mais violenta ocorrida em São Paulo, o tom das reivindicações e da composição social dos manifestantes teve um corte menos preciso, apresentando pautas tão genéricas quanto estéreis" (Fonsêca, 2013, p.8).

Esta fase também é caracterizada pelo início da Copa das Confederações, um torneio organizado pela Federação Internacional de Futebol (FIFA) como evento preparatório para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Tal etapa também inclui o anúncio da diminuição da passagem para os valores originais em São Paulo e em outras cidades. Os protestos passam a aglutinar diversos grupos com diversas bandeiras menos pautadas em reivindicações concretas como a mudança tarifá- ria. Temas como “crítica aos gastos públicos com a Copa do Mundo de Futebol” e “crítica à corrupção” passam a ser incorporados nas manifestações de modo mais intenso. A fase termina com o dia 20 de junho, quando ocorrem os maiores protestos em termos de volume de manifestantes com ações simultâneas em diversas cidades, somando milhões de pessoas nas ruas brasileiras. Podemos considerar o dia 20 de junho uma data histórica pela ocorrência de uma grande onda de manifestações que, somadas, são as maiores desde o movimento “Fora Collor” na década de 1990. Em termos de volume, pode-se considerar o ápice das manifestações e, ao mesmo tempo, também o ponto alto da dispersão ideológica: "Nas manifestações de 20 de junho, a direita mostrou uma face dupla: grupos neonazistas serviam para expulsar uma esquerda


desprevenida, enquanto inocentes “cidadãos de bem” de verdeamarelo aplaudiam. O número de participantes no país foi o maior até então. Mas começou a cair logo em seguida. A mudança ideológica dos protestos coincidiu com uma queda abrupta do número de manifestantes" (Secco, 2013, posição 1316).

Por fim, a partir do dia 21 começa a fase de desmobilização. A partir desta data há um gradativo declínio do número de manifestações, que ainda se mantêm até o final do mês e com algumas ocorrências nos meses seguintes, mas sem a intensidade e amplificação característica das fases anteriores. Para Ortellado (2013), durante os momentos finais da campanha contra o aumento das passagens, a luta foi tomada pela difusão de pauta e, quando o aumento da tarifa foi revogado (principalmente em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro), a agitação permaneceu órfã e a dispersão de bandeiras se apoderou do processo, estabelecendo-se, assim, um ativismo processual pouco orientado a resultados. 1.2 MANIFESTAÇÕES DE JUNHO E A COMUNICAÇÃO Em todas as fases das Jornadas de Junho, o papel dos meios de comunicação foi um item importante na evolução dos eventos. Ao mesmo tempo, vale ressaltar que não devemos considerar a comunicação como um elemento definidor ou central. Como vimos anteriormente, há todo um contexto social, político e econômico precedente que torna a comunicação uma peça nesta complexa engrenagem e não seu motor norteador. Para entender o papel da comunicação neste cenário, devemos, inicialmente, situar os protestos de junho no Brasil como um fenômeno maior da nova forma de ações coletivas emergentes. Como explica Silva (2013), historicamente, pelo menos até boa parte do século XX, as ambiências criadas por movimentos sociais, organizações civis, partidos, sindicatos e associações foram o locus natural para o envolvimento político de indivíduos que se engajavam em determinadas causas, bandeiras ou reivindicações. Sob a tutela de uma ação coletiva, o cidadão se enquadrava na estrutura da organização que sustentava uma pauta específica, responsável por coordenar as atividades, mobilizar recursos, arregimentar outros cidadãos e ganhar visibilidade, tornando suas demandas parte da agenda pública, angariando apoio e criando as condições políticas para sua implementação. Neste cenário, o uso de meios de comunicação significava uma dimensão duplamente estratégica: de um lado, como instrumentos direcionados para arregimentar novos militantes capazes de multiplicar e operacionalizar as ações coletivas (algo materializado na produção própria de boletins, panfletos, jornais e demais produtos de mídia); de outro lado, como canais para a obtenção da visibilidade e do apoio da opinião pública, que passava necessariamente pela mediação das instituições midiáticas e pelo jornalismo tradicional que representavam um filtro e, ao mesmo tempo, uma barreira a ser rompida. Não por


acaso, paralelamente às negociações e ao lobby no plano político, manifestações públicas, passeatas, abaixo-assinados e campanhas se tornam ações fundamentais de visibilidade e de demonstração de força. O surgimento da internet para o uso civil a partir dos anos 1990 traz novos elementos para este quadro. Mas é a emergência de redes sociais online e a popularização de aparelhos multimídia móveis, no século XXI, que têm repercutido em mudanças substanciais na dinâmica até então preponderante da ação coletiva (Silva, 2013). O movimento antiglobalização e a Batalha de Seattle, no final dos anos 1990, marcam esta nova forma de ação coletiva que passou a utilizar a comunicação digital como elemento mobilizador e organizador das manifestações. Com a popularização de dispositivos móveis conectados em rede – como celulares – e das mídias sociais digitais, principalmente a partir da primeira década deste século, a evolução desta nova forma de manifestação atinge seu patamar mais bem delineado com as grandes ondas de protestos no início desta década, como a Primavera Árabe nos países do Oriente Médio, o Ocuppy Wall Street nos EUA, o Movimento 14 vozes silenciadas mídia e protestos to 3M na Espanha e a Revolução das Panelas na Islândia. E, em 2013, os protestos na Turquia e no Brasil. Em todos os casos, há um contexto social, político ou econômico favorável aos protestos, um estopim para sua eclosão e o uso intenso da comunicação digital em sua dinâmica e desenvolvimento. O papel mobilizador foge do modelo clássico baseado em uma grande organização com capital político suficiente para centralizar todas as direções do movimento. Como exemplificam Malini e Antoun (2013), ao analisar o movimento 3M na Espanha, esta mobilização passa a ter na comunicação digital uma aliada importante. "Uma das características nos grandes protestos é a emergência do “perfil oficial” de um ato de mobilização. De base anônima ou coletiva, os perfis oficiais ativistas se destinam a publicar convocatórias de encontros, resultados de decisão coletiva, testemunhos de repressão e compartilhamentos de canais de transmissão ao vivo dos protestos. Eles atestam e, ao mesmo tempo, distribuem os registros principais dos acontecimentos. Atuam como coordenadores da mobilização, e não como produtores de reflexão sobre os rumos da manifestação" (Malini, Antoun, 2013, p.228).

Se devemos afirmar que os protestos não surgiram unicamente em razão da comunicação digital, ao mesmo tempo é preciso reconhecer que dispositivos móveis e plataformas online tiveram um papel fundamental na catalisação de vontades, reivindicações e sentimentos de mobilização. Na visão de Manuel Castells (2013), os protestos no Brasil foram forjados no bojo de uma nova cultura de comunicação, de uma nova cultura das redes. "De forma confusa, raivosa e otimista, foi surgindo por sua vez essa consciência de milhares de pessoas que eram ao mesmo tempo indivíduos e um coletivo, pois estavam – e estão – sempre conectadas,


conectadas em rede e enredadas na rua, mão a mão, tuítes a tuítes, post a post, imagem a imagem. Um mundo de virtualidade real e realidade multimodal, um mundo novo que já não é novo, mas que as gerações mais jovens veem como seu" (Castells, 2013, p.179-180)

Para o autor, a onda de protestos no mundo e também o caso brasileiro constituem um efeito contemporâneo daquilo que chama de “cultura da autonomia”, baseada na constituição de redes de apoio e mobilização por meio do compartilhamento em plataformas como redes sociais: [...] a autocomunicação de massas é a plataforma tecnológica da cultura da autonomia. A partir dessa autonomia, as palavras, as críticas e os sonhos do movimento se estendem à maior parte da sociedade. No Brasil, mais de 75% dos cidadãos apoiavam o movimento duas semanas depois de seu início na Avenida Paulista (Castells, 2013, p.180).

Outra característica da relação entre comunica- ção digital e os protestos contemporâneos é o incremento da mobilização individual. Estudo 15 realizado por Fisher e Boekkooi (2010), que analisou o papel do ambiente digital no engajamento de participantes em protestos como o Occupy Wall Street, afirma que o uso da internet tende a mobilizar um percentual expressivo de indivíduos isolados que não estão pessoalmente conectados ao círculo mais amplo de pessoas que se engajam em atividades de movimentos sociais. Ao mesmo tempo, a disposição de ferramentas interativas nas mãos dos indivíduos faz com que a ação coletiva dependa menos da configuração de uma forte identidade prévia e centralizada no papel das organizações – como apontavam as teorias clássicas dos movimentos sociais (Gohn, 2010) – e passe a se estruturar principalmente a partir de interesses comuns ocasionais ou do compartilhamento de objetivos transitórios, sem necessariamente estar vinculada a uma organização, partido ou sindicato. Isso explica, em parte, a expansão dos protestos no Brasil, principalmente a partir da terceira fase. Os aparelhos móveis como celulares também foram elementos importantes no registro e difusão de cenas de violência policial por meio do que alguns analistas têm chamado de sousveillance (Bakir, 2010), isto é, uma “vigilância” do manifestante sob as autoridades por meio desses dispositivos digitais. Isso foi capaz de provocar um contra agendamento da cobertura da mídia tradicional, que sensibilizou e angariou o apoio da opinião pública. Se, por um lado, as mídias digitais exerceram uma função mobilizadora e difusora das manifestações, os meios de comunicação tradicionais, principalmente através do jornalismo formal, também tiveram seu papel na evolução dos eventos. Num primeiro momento – especialmente na primeira fase –, a maior parte da imprensa tratou as manifestações não como um ato de direito e exercício da cidadania, mas como um “transtorno” para o trânsito das cidades, dando saliência ao


choque entre manifestantes e policiais e enquadrando os primeiros como motivadores da violência e causadores da destruição de equipamentos públicos e danos a prédios privados. Este foi um posicionamento que se tornou mais evidente nos editoriais dos jornais e nas colunas opinativas que reforçaram críticas aos protestos, cobrando e incitando os governos a agir para repreender as manifestações. Houve uma mudança do enfoque da cobertura principalmente após a segunda fase. Isso ocorreu principalmente devido aos registros de violência por parte da Polícia Militar, que também passou a atingir repórteres que cobriam as manifestações, e ainda devido à nacionalização dos protestos que ganhavam o apoio da opinião pública. Há, assim, uma mudança no enquadramento midiático que passou a retratar as manifestações como ações legítimas e os casos de depredação como ações de grupos isolados. Neste momento, o volume de matérias sobre os protestos aumenta em todo país, e o jornalismo formal acaba se transformando também em elemento difusor: leitores, telespectadores e ouvintes passaram a ter sua ração diária de notícias sobre os protestos e o tema passou a ser o principal tópico de agendamento midiático.

REFERÊNCIAS CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. FISHER, Dana R., BOEKKOOI, Marije. Mobilizing friends and strangers: Understanding the role of the internet in the step it up day of action. Information, Communication & Society, 13 (2), p. 193–208, 2010. FONSÊCA, Daniel. Não dá para não ver: As mídias nas manifestações de junho 2013. São Paulo: Fundação Friedrich Ebert, 2013. Disponível em: http://library.fes.de/pdffiles/bueros/brasilien/10419.pdf, acesso em janeiro de 2014. GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Edições Loyola, 2010. MALINI, Fábio; ANTOUN, Henrique. A internet e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes sociais. Porto Alegre: Sulina, 2013 ORTELLADO, Pablo. Os protestos de junho entre o processo e o resultado. In: JUDENSNAIDER, Elena, LIMA, Luciana, ORTELLADO, Pablo, POMAR, Marcelo. Vinte centavos: a luta contra o aumento. São Paulo: Veneta, 2013.


SECCO, Lincoln. As Jornadas de Junho. In: HARVEY, David, MARICATO, Ermínia et. al. Cidades Rebeldes: Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013. Posição 1289-1403 (Versão Kindle) SILVA, Sivaldo Pereira da. Ação coletiva e engajamento político na era da comunicação digital: Aderência, mobilização e ativismo em redes sociais online. Texto apresentado no I Seminário de Pesquisadores do CEADD. Salvador: Facom, 2013.


INTERVOZES Em nome do público, mas sem o público 'N' em todo mundo sabe, mas rádios e TVs abertas no Brasil operam com concessões públicas. É comum as pessoas pensarem que as emissoras de rádio e TV são donas dos canais e que podem fazer deles o que bem entendem. Na realidade, o conteúdo transmitido pelo rádio e pela TV trafega pelo ar, no chamado espectro eletromagnético, um bem público e finito. Para transmitir determinada programação, as emissoras precisam, portanto, de uma autorização do Estado, ou seja, uma concessão pública. Está no artigo 21 da Constituição Federal: “Compete à União (...) explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão (...) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens”. Em tese, rádio e televisão estão na mesma categoria que os serviços de energia elétrica, de navegação aérea, de transporte ferroviário e rodoviário, por exemplo. No entanto, diferentemente destes serviços, a radiodifusão opera sem critérios claros e com privilégios estranhos a um sistema democrático. Para que se tenha uma ideia, a lei que define as concessões públicas vale para todas as modalidades de serviço, menos para a radiodifusão. As emissoras de TV recebem a concessão por 15 anos e as de rádio, por 10 anos, e durante todo esse período os detentores das concessões não têm que prestar contas a ninguém sobre o uso que fazem delas. Assim, embora a concessão seja pública, ela é usada para fins privados. É comum, por exemplo, que emissoras as utilizem para promover a criminalização dos movimentos sociais e impor uma agenda política que lhes interessa. Também é comum a discriminação contra mulheres, negros, indígenas, homossexuais, pessoas com deficiência e idosos, além de determinadas religiões e classes sociais. Estipulam padrões estéticos, éticos e morais, impondo valores que promovem e perpetuam preconceitos. A sociedade, em nome de quem é dada a concessão, não tem como proteger-se, apesar da Constituição garantir este direito. Ao se debruçar sobre o atual modelo de outorgas – concessões, permissões e autorizações – de rádio e TV no Brasil, o que se encontra é um quadro pior do que a pessoa mais pessimista poderia esperar. Os empresários e políticos representantes das elites reinam sozinhos, ditam as regras e não cumprem nem o pouco que a lei prevê. Não há participação da sociedade no debate sobre a concessão e renovação das outorgas, que acontece sem responder a nenhum critério público. O processo é lento e sem transparência. Também não há fiscalização por parte do poder público, o que permite que haja emissoras em funcionamento com outorgas que já venceram há quase 20 anos. Deputados e senadores continuam controlando emissoras, embora a Constituição proíba. Licenças de TVs e rádios educativas são usadas para escapar da obrigatoriedade de licitação e proteger negócios com fins comerciais. As concessões públicas são usadas para dar lucro para as empresas - que determinam a programação


de acordo com o mercado publicitário -, mas nenhum tostão é revertido em benefício social. Nem sequer o contrato, documento que deveria estabelecer os deveres dos concessionários e as sanções, no caso de descumprimento de obrigações, é tornado público. A ilegalidade e a imoralidade sustentam um sistema de comunicações concentrado e impedem que os meios reflitam a pluralidade e a diversidade existentes na sociedade brasileira. O monopólio e o oligopólio proibidos pela Constituição em seu artigo 220, por exemplo, estão presentes regional e nacionalmente. O controle sobre as concessões e sua renovação deveria ser um instrumento para evitar esse quadro, mas as brechas legais e a ausência de regulamentação das obrigações das emissoras impedem a aplicação do que diz a Constituição. Para piorar, impera no Brasil a histórica promiscuidade entre governos, parlamento e empresários da radiodifusão. Não é à toa, nunca uma outorga de rádio ou TV deixou de ser renovada no Brasil. Embora o quadro seja dramático, não significa que não existam saídas. Elas dependem fundamentalmente de algumas mudanças legais e de vontade política dos órgãos competentes, especialmente do Ministério das Comunicações e da Anatel. Esses dois órgãos, que deveriam garantir o interesse público no setor, pouco ou nada fazem para isso. Enquanto são implacáveis com as rádios comunitárias não legalizadas, fecham os olhos para as constantes ilegalidades praticadas pelas emissoras comerciais. Além disso, o processo de renovação das outorgas é, na prática, automático, já que não conta com nenhuma avaliação do uso feito pelos concessionários e nem abre espaço para novos concorrentes. O que era para ser concessão se transformou em capitania hereditária. Ficam aí algumas perguntas: é democrático que a liberdade de expressão seja um direito de 11 famílias e que os 190 milhões de brasileiros tenham apenas a liberdade de trocar de canal? Será que nunca houve no Brasil um fato que justificasse a não renovação de uma concessão de rádio ou TV? Com que justificativa renovam-se contratos de emissoras que praticam diversas irregularidades fiscais e trabalhistas? Será que nos interessa a grilagem eletrônica promovida por emissoras que se apropriam de um espaço público e o negociam a seu bel prazer? Do ponto de vista econômico, interessa-nos um mercado em que há barreiras de entrada eternas e em que se protege aqueles que têm poder de mercado significativo? É democrático a população não participar de nenhuma das etapas desses processos? O debate sobre concessões de rádio e TV é um debate sobre democracia. Se é por esses veículos que circulam ideias, valores, informação e cultura, e se eles são um dos principais espaços em que identidades se afirmam ou se desfazem, eles têm que estar livres de interesses privados. Se é em nome do público que são dadas as concessões, é preciso que ele seja ouvido sobre como quer que esse espaço seja utilizado.


INTERVOZES - Natasha Cruz O debate em torno da redução da maioridade penal voltou à agenda pública nos últimos dias, quando a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados desengavetou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Na pauta da CCJ desde o dia 17 de março, a PEC 171/93 ainda não foi votada. De lá para cá, o debate ganhou destaque na cobertura midiática. De blogueiros à grandes redes nacionais de televisão abordam o tema. Nada mais natural. Mas, qual a real contribuição da mídia para o debate da redução da maioridade penal? Antes de entrar no assunto, é preciso ter em mente que a atual composição do Congresso Nacional é considerada a mais conservadora desde a redemocratização. Abancada da bala, com seus 55 deputados, nunca antes esteve tão consolidada. De acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o número de parlamentares policiais ou próximos desse segmento, como apresentadores de programas de cunho policialesco, cresceu de forma alarmante. Nas pautas defendidas, a revisão do Estatuto do Desarmamento, o recrudescimento penal e a redução da maioridade. A GRANDE (DES)CONTRIBUIÇÃO MIDIÁTICA "E você? [repórter] Não tenho o que falar não. Não fui eu, não. [jovem acusado e facilmente identificável pela reportagem] Garoto que chega a mandar até alô (...) porque nega qualquer envolvimento, mas o fato é que tratam-se de dois adolescentes, segundo a polícia, de alta periculosidade. Pessoas que apresentam sim risco para a comunidade, que estavam à solta. Infelizmente, por serem menores, o período em que eles vão passar (privados de liberdade) é muito curto. [repórter]"

- Programa Cidade 190 (de Fortaleza, CE), da emissora TV Cidade. "Ele tem apenas dezessete anos. De aparência franzina, é considerado pela polícia como um adolescente infrator dos mais perigosos do bairro do Guamá, periferia de Belém. Conhecido com Joãozinho é acusado de aterrorizar a população da área e pratica em média quatro assaltos por dia, para ele o tipo de arma usada é o que menos importa.[repórter]

- Programa Barra Pesada, do Diário Online, da emissora RBA. Os recortes transcritos acima nos dão um claro panorama de como a mídia historicamente aborda notícias relacionadas a adolescentes acusados da autoria de atos infracionais. Nos programas policialescos (ambos os casos citados acima), a


abordagem é conhecida e as violações também: discurso de ódio, criminalização da pobreza, exposição indevida e identificação de adolescentes em conflito com a lei, ridicularizarão de vítimas e acusados, julgamento antecipado, incitação à violência. Os programas policiais, autointitulados jornalísticos, enfatizam uma suposta “alta periculosidade juvenil” e nos bombardeiam com manchetes sobre atos infracionais praticados com alto grau de violência e atentados contra a vida, sem apresentar as reais estatísticas da violência, ou muito menos problematizá-la. As violações de direitos nestes programas vêm gerando uma maior incidência de órgãos fiscalizadores como o Ministério Público, que ajuizou em diferentes estados Termos de Ajustamento de Conduta e Ações Civis Públicas contra as emissoras responsáveis por sua veiculação. Mas e quando esta abordagem não é predominante apenas nos programas policias? E quando ela é prerrogativa também dos noticiários locais e nacionais das grandes emissoras de TV? Como esquecer o esdrúxulo comentário de Rachel Sheherazade no SBT Brasil? E aos defensores dos Direitos Humanos que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: “faça um favor ao Brasil: adote um bandido!”. [âncora, Rachel Sheherazade]- Programa SBT Brasil, emissora SBT. A eficiência midiática em provocar uma sensação de pânico na população é incontestável! Os adolescentes são retratados como os algozes, responsáveis pela onda de violência no País. Quando e se apreendidos, são logo liberados pela “aberração que é o Estatuto da Criança e do Adolescente”, que serve apenas para "proteger os delinquentes juvenis". “Vão para a engorda”, eles bravejam. Legitimar uma alteração na legislação vira tarefa fácil nessa conjuntura... Mas, quando vemos a mídia debater com profundidade a conflitualidade e a violência, ou retratar ou dados sem distorções ou omissões? O QUE A MÍDIA OMITE SOBRE A REDUÇÃO A maioria dos atos infracionais que levam a medidas de privação de liberdade de adolescentes não envolve crimes com alto grau de violência e atentados contra a vida. Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça, de 2012, revela que os delitos cometidos por adolescentes são predominantemente de roubo, furto e tráfico (aproximadamente 80% do total). Os adolescentes, na realidade, são mais vítimas do que autores de violência. O último Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), realizado em 2012 nas cidades com mais de 100 mil habitantes, estimou que mais de 42 mil adolescentes poderão ser vítimas de homicídios até 2019. De acordo com os dados, para cada grupo de mil pessoas com 12 anos completos em 2012, 3,32 correm o risco de serem assassinadas antes de atingirem os 19 anos de idade, taxa que representa um aumento de 17% em relação a 2011. A IHA mostrou ainda que adolescentes negros ou pardos possuem aproximadamente três


vezes mais probabilidade de serem assassinados do que adolescentes brancos. De acordo com os dados das pesquisas: “Mapa da Violência 2012 e de 2013” em 2011, a vitimização dos jovens negros também aumentou substancialmente, de 71,7%, em 2002, para 154%, em 2010. O Brasil já possui a quarta maior população carcerária do mundo e o investimento de nossas políticas públicas segue na linha de mais recrudescimento. O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sianse) é absolutamente violador de direitos básicos fundamentais. Exemplo disso é uma recente denúncia formulada pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes do Ceará (Fórum DCA) e Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca), denunciando o Estado Brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos por graves violações nas Unidades Socioeducativas do Ceará. Relatos de torturas sistemáticas no interior das Unidades Socioeducativas, superlotação em todas as Unidades, denúncia de estupro cometido por agente público e até episódios de dopagem coletiva. Finalmente, não há atualmente qualquer estudo que comprove que o recrudescimento de sanções aplicadas a adolescentes diminuiria os índices de violência no Brasil ou mesmo geraria uma maior sensação de segurança para a população. O que está em risco com a aprovação da PEC 171/93 é um imensurável retrocesso para a sociedade brasileira, que sequer chegou a conseguir implementar integralmente o ECA e a lei 12.594/2012 (que institui o Sinase). PARA ENGROSSAR O CALDO: INTERESSES EM JOGO Vale lembrar que vários dos programas policiais que se arvoram na defesa do rebaixamento da idade penal são comandas por parlamentares que integram a bancada da bala. Mais uns tantos deputados e senadores são concessionários do serviço público de rádio e TV, muito embora o artigo 54 da Constituição Federal proíba isso. São muitos interesses em jogo. Basta ver o ataque à qualquer tentativa de debater a necessidade de avançarmos na regulamentação da comunicação no Brasil, à exemplo do que já fizeram tantos outros países. Quem acompanhou as sessões da CCJ que tiveram como pauta a PEC 171/93 deve ter percebido como o debate sobre a redução da maioridade em si foi escanteado. Não bastasse a superficialidade e as distorções midiáticas, os parlamentares não chegaram a fazer um debate aprofundado sobre o tema. Nada perto disso. A coisa toda acabou virando uma grande queda de braço entre oposição X situação. O acirramento da polarização em curso no País pode chegar a uma concretude em breve: um gigantesco e imensurável retrocesso para os direitos humanos dos adolescentes.


EMIR SADER (artigo de opinião) A mídia tradicional brasileira é um cadáver. Um cadáver moral, um cadáver de bom jornalismo, um cadáver de boa informação, um cadáver de pluralismo, um cadáver de honestidade e de dignidade. Como essa mídia chegou a esse ponto? Como rifou a credibilidade e o papel importante que (ao menos alguns de seus órgãos) já teve na democratização do pais? É certo que vários fatores contam para a decadência irreversível da mídia. Entre eles a internet, sem dúvida, e com ela toda a mudança de hábitos em relação a veículos impressos – tanto jornais quanto revistas encontram-se em processo acelerado de extinção –, mas também ao peso decrescente da televisão (considerando tanto uma redução de sua audiência quanto da credibilidade do seu jornalismo). Mas a débacle acelerada da mídia no Brasil tem outros fatores que aceleraram e decretaram sua morte. No essencial, o desencontro entre a mídia e o país, os destinos escolhidos e reiterados pelo povo brasileiro e as posições conservadoras de mídia brasileira. A mídia já tinha se desencontrado da democracia, quando apoiou as mobilizações desestabilizadoras que levaram ao golpe de 1964, que essa mesma mídia saudou como a salvação da democracia, embora se tratasse da instalação da mais brutal e duradoura ditadura que o Brasil já conheceu. Foi, até ali, o pior momento vivido pela mídia, comprometendo-a com o que de pior tinha o país, que iria infelicitálo por muito tempo, com consequências até hoje. Todos os jornais que ainda andam por aí – Folha, Estadão, Globo, entre outros – se comprometeram com o fim da democracia e a instauração da ditadura. A Abril se incorporaria depois, com relações umbilicais com a ditadura também. Esses órgãos nunca conseguiram se livrar dessa pecha. O Globo tentou uma autocrítica, inverossímil, a tal ponto que recém fez um editorial similar àquele com que saudava “a salvação da democracia” em abril de 1964. A Folha passou por uma desastrada operação de tentar enfraquecer o caráter repressivo da ditadura – chamando-a de “ditabranda” – como que para justificar suas relações carnais com a ditadura, a ponto de emprestar carros da empresa para disfarçar operações repressivas dos órgãos da ditadura. Teve que recuar, quando se deu conta do desastrado da operação que tentava. No fim da ditadura toda a mídia acreditou que, apoiando a transição democrática, virava a pagina da ditadura e do seu passado nela. Todos éramos democratas a partir dali. O próprio caráter conciliador e ecumênico da transição parecia passar diploma de liberal a todos os que se distanciassem minimamente da ditadura – até o ACM e o seu PFL.


A eleição de Fernando Collor serviu para que a mídia – em sua quase totalidade – tratasse de se localizar do lado da nova modernidade, contra a velha esquerda, esclerosada, jurássica, estatista. Se distanciava da incomoda polarização democracia/ditadura, para situar-se no marco das dicotomias que o neoliberalismo colocava – estatal/privado. A euforia voltava a tomar conta de boa parte da mídia, que erigia em Collor seu novo herói, que salvava a direita brasileira tanto do Lula, quanto do Brizola. Com a queda do Collor a euforia se transferiu para o FHC. Consolidava-se o cenário neoliberal, longe daquele da ditadura e da transição democrática. O fracasso de FHC foi fatal para o destino futuro da mídia. Porque além de perder seu ídolo maior, teve que encarar o desafio que ela não soube enfrentar: o governo Lula. Quando acreditava que tinha se livrado desse desafio, com as duas vitorias sucessivas do FHC, veio o fantasma do Lula – que consolidou o desencontro da mídia com o país. Não é um problema de compreensão, mas de interesses e de ideologia. A grande mídia, como conjunto de empresas que vivem de publicidade, tem o rabo preso com estas, que mantem essas empresas. Além disso, foi sempre o órgão das elites dominantes ao longo da historia do país. Saiu da ditadura abraçando a versão liberal da transição, aquela que militava na democratização pelo restabelecimento do Estado de Direito sem qualquer transformação mais profunda das estruturas de poder herdadas da ditadura. E, com Collor e FHC, aderiu à versão neoliberal do liberalismo. Lula representava exatamente o oposto. Passou a revalorizar o Estado em detrimento da centralidade do mercado pregada pelo neoliberalismo e pela mídia. Colocava o acento nas politicas sociais e não nos ajustes fiscais. Deslocou a prioridade das alianças do Brasil do Estados Unidos, da Europa e do Japão, para a América Latina e para o Sul do mundo. A incapacidade de assimilar Lula – o que significaria uma impossível autocrítica por parte da mídia – levou-a a se assumir como força opositora frontal, ao mesmo tempo que negava as transformações positivas que o Brasil viveu desde 2003 e se dissociou do povo e do país. Essa atitude acabou sendo decisiva para o suicídio da grande mídia brasileira. Sacrificaram qualquer objetividade informativa, qualquer possibilidade de ser um espaço de debate pluralista, reservando suas posições apenas para os editorias. Ao contrario, editorializaram tudo, negaram a realidade, atuaram como mídia partidária do bloco opositor. Foram assim não apenas perdendo audiência, mas perdendo credibilidade também. Hoje concentram sua atuação como força partidária da oposição tentando inviabilizar a continuidade dos governos do PT – seu maior objetivo. Concentram campanhas de terrorismo econômico, de denuncismo de escândalos, de tentativa de desestabilização política, convocando manifestações contra o governo Dilma. O que acelera ainda mais a crise final da mídia impressa e a perda de credibilidade da radial e televisiva.


ENECOS I Produzido no GET de Combate às Opressões

Vagabundo. Pivete. Bandidinho. Criminoso. Elemento de alta periculosidade. Esses são apenas alguns dos termos frequentemente utilizados nos programas de rádio e televisão para se referir a adolescentes negras/os e pobres que cometem ou são suspeitas/os de cometer crimes. Em tempos de volta do debate em torno da redução da maioridade penal, discutir as narrativas construídas pela mídia a respeito de jovens infratores é essencial. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, recentemente desengavetada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, representa um dos maiores retrocessos do ponto de vista dos direitos humanos antes mesmo de ser aprovada. A proposta vai na contramão da tendência mundial, seguida pelo Brasil, que estabelece a maioridade penal em 18 anos. Estudos na área de criminologia mostram que a tomada de medidas punitivas como essa não têm relação com a diminuição dos índices de violência. Nesse sentido, a Enecos não se furta à responsabilidade de denunciar o papel verdadeiramente criminoso e perverso desempenhado pelos meios de comunicação brasileiros na defesa da redução da maioridade penal. Segundo pesquisa do Conselho Nacional de Justiça, de 2012, aproximadamente 80% dos delitos cometidos por adolescentes são roubo, furto e tráfico. Isto é, a maioria das infrações que motivam a prisão de adolescentes brasileiros não envolve alto grau de violência ou atentados contra a vida. O dado contradiz o discurso da mídia sobre a “alta periculosidade” de adolescentes infratores, construído através de uma estratégia de destaque a homicídios praticados por adolescentes junto ao ocultamento de dados que revelam a verdadeira representatividade de tipo de caso. Na verdade, jovens brasileiros são as maiores vítimas de homicídios. De acordo com o último Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), realizado em 2012 nas cidades com mais de 100 mil habitantes, mais de 42 mil adolescentes poderão ser vítimas de homicídios até 2019. O índice comprovou ainda que adolescentes negras/os ou pardas/os possuem aproximadamente três vezes mais probabilidade de serem assassinadas/os do que adolescentes brancas/os. É evidente que a proposta de redução da maioridade penal não representa solução para o problema da violência no território brasileiro. Na realidade, a PEC 171/93 apresenta apenas uma garantia: mais encarceramento da juventude negra e da periferia, jogada em um sistema prisional que não reeduca, e tampouco contribui para a ressocialização de quem nele ingressa. Ainda assim, diariamente, programas de rádio e TV deliberadamente ocultam os dados que contradizem a defesa da redução da maioridade penal. Apresentadores alimentam o discurso de ódio contra a juventude negra, exigindo aos berros a


radicalização da punição por parte do Estado e o justiçamento dos “cidadãos de bem”. Capas de jornais expõem a identidade de infratores e suspeitos, e contribuem para a associação da juventude negra à marginalidade, justificando o recrudescimento da violência policial sob a perspectiva da “guerra ao tráfico”. A grande mídia se vale da credibilidade para exercer o seu próprio julgamento – onde a condenação da jovem e do jovem negro já é certa, sendo terminantemente negado qualquer direito de defesa. Pois vocês são responsáveis por cada pessoa jovem negra que é amarrada a um poste e espancada por um “cidadão de bem”! Vocês são responsáveis por cada jovem negro que é assassinado nas periferias das grandes cidades, arrancando aplausos no asfalto! Vocês são responsáveis por cada jovem negra que é condenada, antes mesmo de nascer, a ter limitadas as suas possibilidades de futuro! Cada linha dos seus jornais que defende, implícita ou explicitamente, a redução da maioridade penal é um gatilho apertado contra a cabeça de um jovem ou uma jovem negra. A Enecos é composta por estudantes de comunicação social que NEGAM essa mídia racista, covarde e assassina. Mídia defensora da criminalização e do encarceramento da juventude negra NÃO PASSARÁ! Redução da maioridade penal NÃO PASSARÁ!


ENECOS I Produzido no GET de Qualidade de Formação de Comunicadoras/es A Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (ENECOS) sempre entendeu como fundamental o debate sobre a regulamentação do trabalho para jornalistas. Contudo, também entendemos que é prejudicial para a manutenção dos direitos e conquistas desses trabalhadores a visão do diploma como único meio para contratação de profissionais jornalistas pelos meios de comunicação. O diploma é um instrumento importante de realização acadêmica, mas não garante a qualidade da nossa formação, e tampouco exclui a necessidade de uma regulamentação mais profunda do trabalho. A garantia legal da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista é uma bandeira antiga da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e de diversos sindicatos de jornalistas profissionais. O projeto defendido pela FENAJ se finca na ideia de que o mercado deve ser reservado àqueles que tenham curso superior em Jornalismo. Entendemos o diploma como um marco inicial importante na regulação das relações que envolvem capital e trabalho, mas esse instrumento não pode servir como argumento para a defesa de princípios de reserva de mercado. Tampouco podemos cair no erro de acreditar que o diploma seja por excelência um atestado de qualidade de formação, tendo em vista os inúmeros problemas estruturais presentes na maioria das faculdades de comunicação do Brasil. Entendemos a importância da construção do saber jornalístico referenciado pela academia, mas nunca sob uma perspectiva de exclusividade ou de reserva de mercado. A ENECOS é favorável à regulamentação do trabalho como forma de garantir avanços na conquista de direitos por parte dos trabalhadores, especialmente daqueles que se encontram em relações de venda da sua força de trabalho e sua propriedade intelectual para empresas de comunicação. Uma regulamentação que fortaleça a luta por piso salarial, melhores condições laborais e a consolidação de direitos trabalhistas para a categoria constrói-se com base em demandas que vão muito além do diploma. Portanto, achamos necessário problematizar que a defesa da obrigatoriedade do diploma, tal como é colocada pelas Propostas de Emenda à Constituição defendidas pela FENAJ e outras entidades (PEC 33/09, PEC 386-B/09 e PEC 206/12), não garante a regulamentação do trabalho sob uma perspectiva de defesa da comunicação, sua construção e exercício, como um direito. Pelo contrário, a lógica de reserva de mercado defendida por essa entidade revela um projeto conservador de comunicação que ignora o importante trabalho empenhado por muitas comunicadoras e comunicadores populares que fazem jornalismo sem o crivo das universidades. Acreditamos que a comunicação é um direito humano fundamental, e que essas propostas em nada contribuem para o avanço da luta por direitos por parte desses


comunicadores, frequentemente criminalizados e alienados do acesso à educação pública continuada. Além disso, atentamos para uma mudança significativa da PEC 206/12, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB/SE), em relação à proposta número 33 de 2009, de que é originária. Enquanto a proposta mais antiga se referia à restrição do exercício da profissão a “portador de diploma de curso superior de comunicação social, com habilitação em jornalismo”, a PEC 206/12 diz que “a profissão de jornalista é privativa de portador de diploma de curso superior de Jornalismo”. A mudança torna explícita a defesa, por parte dos apoiadores da proposta, da criação de cursos de jornalismo a partir da perspectiva apresentada pelas Novas Diretrizes Curriculares do Jornalismo (NDJ’s) de segmentar a grande área da comunicação social em cursos cada vez mais específicos. As reflexões sobre diploma e currículo se aproximam à medida que fazem parte dos debates em torno da qualidade da formação do comunicador. Estudantes devem se fazer ouvir a respeito da formação que tem e da que desejam, dado que, ao mesmo tempo, influenciam e são influenciados pelos currículos. A ENECOS, entidade representativa dos estudantes de Comunicação Social do Brasil, é contra as NDJ’s (vide 122º tópico do caderno de posicionamentos políticos da executiva), assim como qualquer tentativa de consolidar a separação do jornalismo da grande área da Comunicação Social. Ao tratar sobre a obrigatoriedade do diploma em cursos de jornalismo, a PEC 206/12 exclui comunicadores populares cuja formação se dá fora dos espaços formais da academia, e passa por cima da decisão das Escolas de seguir afirmando o jornalismo como componente do campo epistemológico da Comunicação Social. A proposta é uma afronta à autonomia universitária e um desrespeito à luta autônoma de professores e estudantes que constroem o cotidiano dos cursos de Comunicação Social e optam por não aderir às NDJ’s. Por todos os motivos supracitados, fica claro que os setores que hoje defendem a obrigatoriedade do diploma não tem interesse em aprofundar o debate em torno da regulamentação do trabalho sob uma perspectiva verdadeiramente emancipadora. A pauta, portanto, não contempla os posicionamentos políticos históricos desta Executiva. Seguiremos fazendo oposição a qualquer medida que descaracterize a Comunicação Social como área de conhecimento e que reduza a regulamentação do trabalho ao diploma. Compreendemos que o papel da ENECOS é seguir lutando pela qualidade da nossa formação enquanto comunicadores, debate que envolve a universalização do acesso à universidade, a ampliação de projetos que garantam a permanência de estudantes, a consolidação de currículos que priorizem a formação crítica e a valorização da comunicação produzida por todos. Nos colocamos a favor da regulamentação do trabalho de jornalistas para além do diploma. Contra a segmentação da Comunicação Social em áreas de conhecimento específicas. Contra a marginalização de comunicadores e comunicadoras populares que batalham diariamente pelo empoderamento de suas vozes e pelo exercício dos seus direitos fundamentais. Na defesa da comunicação como um direito humano. Enecos, presente!


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