“Viver o tripé da universidade pública – pesquisa, ensino e extensão – não é possível para uma mãe estudante” Marianne, estudante de serviço social da UFF
Diariamente mulheres que são mães, e também estudantes, resistem às dificuldades de permanecer na Universidade. Muitas não possuem creches universitárias, ou sequer bolsas de auxílio-creche, e muitos são os assédios sofridos todos os dias por aquelas que ousam ocupar esse espaço hostil. Por que, sim, a universidade é hostil às mulheres mães, mas elas resistem! Este zine traz os relatos de muitas dessas mulheres incríveis e uma amostra da dura realidade vivida por elas. Use-o para iniciar esse debate em sua Universidade, e vamos juntas lutar pelos nossos direitos!
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Lei de estágio é bem clara ao afastar vínculo empregatício. A estagiária/o tem horário de trabalho, obrigações, funções e garantias muito diferentes de um trabalhador regular. Um emprego formal, regido pela CLT, prevê licenças e benefícios para o trabalhador. (...) No estágio, por outro lado, não existe previsão de qualquer licença, estabilidade, salário, etc. A bolsa só é paga durante a vigência do contrato que pode durar por, no
máximo, 24 meses. A lei de estágio foi falha ao não prever qualquer garantia nesse sentido. Ao assumir que o estagiário deve prioritariamente aprender enquanto é estudante, desconsiderando os fatos imprevisíveis da vida - como uma gravidez, que pode ser não planejada, a medida deixou de amparar alunas em condições especiais. Quanto às universidades,a aluna que engravida deve dar entrada em sua licença maternidade, no perí-
odo que for conveniente (é possível requisitá-la ainda durante a gravidez, se houver necessidade de afastamento). O acesso a provas e trabalhos deverá acontecer no ambiente da casa. O CNPQ e a CAPES já regulamentaram a licença maternidade para as bolsistas.” - Trecho do relato da Gabriela Azevedo, advogada de direitos humanos do Rio de Janeiro, que foi mãe durante o mestrado. Completo em: goo.gl/ l571Qv)
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ngressei na faculdade de Serviço Social em 2013. Estava com apenas 17 anos, faltando exatamente um mês para completar meus 18 anos. Desde então fui me adaptando à vida acadêmica e me encontrando no curso no qual eu escolhi. Em dezembro de 2014 descobri que estava grávida. Até o momento minha prioridade era voltada inteiramente para minha graduação, fiquei muito abalada, vinha em minha mente diversos questionamentos. Como vai ser a partir de agora? Quem vai cuidar dessa criança? Como vou articular estudos com cuidados de uma criança recém nascida? E de onde vou tirar dinheiro para suprir as despesas da criança e as da faculdade? Todos estes questionamentos me fizeram criar uma lacuna, meu aprendizado foi comprometido du-
rante os nove meses de gestação. Devido ao extremo cansaço que sentia durante a gravidez, não consegui acompanhar a grande quantidade de leitura que requer o curso de Serviço Social. Após o nascimento da minha filha, entrei no regime especial oferecido pela Faculdade em que estou inserida. O regime dura apenas três meses, sendo assim, se eu quisesse voltar a estudar tinha que adaptar minha filha a mamadeira desde seu primeiro mês, e assim eu fiz: intercalava a mamadeira com o leite materno para que quando eu voltasse a estudar ela já estivesse adaptada a mamar mamadeira e pudesse ficar com seu pai. Os três meses que fiquei em regime especial senti minha aprendizagem sendo atrofiada, eu não estava dando conta. Eram muitas apostilas, inclusive até um artigo científico foi passado para que
eu estivesse elaborando neste período, esta matéria em particular tive que abandonar, pois continuando iria comprometer, ainda mais, meus rendimentos acadêmicos. A única coisa que foi oferecida pela faculdade foi o regime especial. Me senti extremamente desamparada, psicologicamente abalada e financeiramente prejudicada. A carga de ser mãe faz com que a estudante não tenha tempo maior para se dedicar aos seus estudos. Se houvesse assistência estudantil especializada, no que se refere a mães universitárias, este momento da maternidade para nós mães e estudantes poderia ser levado de forma mais serena, amenizando preocupações e questionamentos que estariam presentes da mesma forma, porém com um suporte concreto através da assistência estudantil voltada
para mães universitárias nós poderíamos enfrentar de uma melhor forma, sem comprometer nosso rendimento e dedicação acadêmico. As políticas de assistência estudantil para mães deveriam ser mais comprometidas com a carreira acadêmica das alunas que serão e que são mães. (...) Por eu ser aluna de universidade privada, a minha situação econômica foi afetada drasticamente, minha preocupação aumentava instantaneamente e isso afetava ainda mais meu desenvolvimento acadêmico. Assim como o nascimento da minha filha, batia à porta as mensalidades também.”
Trecho do relato da Stella Rezende, estudante de Serviço Social da Faculdade Redentor de Itaperuna, RJ. Completo em: goo.gl/qH1EeH
Arte: Larissa Brandão
“Fui mãe aos 26 anos. Meu filho tem 2 anos e 3 meses. Nossa! É bem cansativo! Quando eu engravidei eu fazia faculdade, mas tranquei por não conseguir dar conta da correria e cansaço. Decidi voltar por hoje ele já ser grandinho, e saber que a mamãe vai, mas volta. É uma super logística, que eu preciso do apoio da família toda! (risos) Busco Arthur na aula às 17hs, deixo na casa da minha mãe ou da minha sogra, me arrumo e vou pra aula às 18:30. Quando saio às 22h, vou buscá-lo e seguimos para casa. Nós só temos 1 carro em casa e meu marido é peça fundamental para essa logística funcionar. Ele ajuda demais! A faculdade na pessoa dos professores: Sim, sinto que eles entendem minha
necessidade de em alguns momentos precisar sair mais cedo. Graças a Deus! (Risos) Sinceramente, eu acho que podia ter um lugar, um apoio para que as alunas que precisam levar os filhos tenham suporte. Um fraldário, por exemplo. Eu me esforço muito para nunca faltar e dar conta de acompanhar a turma. Participo das aulas ativamente, mas tem dias que a rotina puxada fala mais alto e eu fico exausta! Apenas existo na aula. Ser mãe não é fácil, nunca foi, mas pra mim é maravilhoso. Vou conseguir me formar e fazer com que o meu filho se orgulhe de ter uma mãe que enfrenta olhares tortos por deixar um bebê com os avós e ir estudar.” Relato de Marília Nobre, estudante de Gestão Comercial, na Faculdade CDL, Fortaleza
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eu nome é Danielly, tenho 30 anos, faço nutrição. Tô no penúltimo período e sou mãe de uma garotinha de três anos, que eu tive em 2012. Eu não pedi licença maternidade porque coincidiu com o final do período e eu entrei logo de férias. Foi quando começou a minha saga, porque a Yasmim (filha) nasceu com problema, prematura de 31 semanas, teve paralisia cerebral grau 1 e precisava de terapia. Todos os dias da semana. Então, quando voltaram as aulas, tive um pouco de dificuldade para conciliar as terapias e idas ao centro de reabilitação. Tive resistência por conta de alguns, uma professora, inclusive, que também é mãe! A gente procura encontrar apoio nesse tipo de gente, mas acaba não encontrando. Eu cursei a disciplina dela ainda por um mês e coincidiu do horário bater um pouco e aí chegou um dia, eu chegava atrasada, questão de uns 40 minutos, e ela disse que eu tinha que escolher entre continuar na disciplina ou seguir com minha vida de mãe. Então eu optei. Não demorou muito tempo, a menina recebeu alta das terapias. E é assim: A gente encontra esse tipo de tratamento, porque esse meio acadêmico é um pouco cruel com quem é mãe. A gente não encontra apoio, a gente é meio que deixada de lado pelo povo da sala, da turma com quem você estuda, você não encontra tempo pra fazer trabalho... Eu
sou praticamente mãe solteira, estou separada. Em partes, sempre fui eu mesma, e tem essa dificuldade muito grande. E assim a gente vai percebendo os papos das amigas que já saíram e que voltaram, e tem filho. Estão tentando voltar e encontram preconceito. Tem preconceito com quem é mãe, com a gravidez em si, e não sei porque. É até hipocrisia do próprio sistema que cobra da mulher que tem que ser mãe “ah, você tem certa idade e não é mãe?” Mas aí quando a gente é mãe, não tem meios pra te acolher. Surgiu a proposta de ter uma creche aqui, mas até agora... já estou saindo do curso, e acho que eu estava grávida quando houve o projeto. Acho que as mães devem se unir, porque apesar de ter dificuldade que só quem é mãe vai entender outra mãe. Agora que minha filha está estudando, ela entra 13h, então às vezes a aula vai até depois do meio-dia, e não tenho condição de ficar depois do meio-dia, eu sempre saio antes. Sempre vou assistir aula com aperto no coração porque às vezes não tem com quem fique (com a filha), ou se fica é só por algum momento, e tipo, é muita preocupação na cabeça. Já pensei algumas vezes em desistir. Sempre, segunda feira mesmo foi a última vez que eu pensei nisso (risos). Acho que quase todo dia eu penso em desistir pra só cuidar dela, porque é muito difícil encontrar alguém pra ficar muito. Minha mãe sempre me ajuda, mas ela fica
mais pelo turno da manhã, então a tarde é mais complicado e as disciplinas aqui, como o curso é integral, é sempre uma é de manhã a outra é de tarde, desse jeito. E às vezes o professor não segue o que tá lá quando sai a confirmação de matrícula, muda o horário... Você vai contando que é aquele horário, já pra deixa tudo organizado, e do nada ele muda. As pessoas que são mães, como elas são vistas? Porque eu não vou mentir, eu também via. Ah, é aquela pessoa que é desorganizada com o tempo, que é vista como uma pessoa que não dá prioridade (nos estudos), porque lógico o filho da gente é prioridade da gente né?! Mas o bom é que a gente abre a cabeça. Eu sou uma pessoa totalmente diferente do tempo que eu não era mãe, entende? De verdade mesmo. A maternidade abriu minha cabeça pra muitas coisas. Eu agradeço muito, pra muitos aspectos a minha cabeça mudou. Você aprende a olhar as pessoas de outra forma e a ajudar. Não existe essa palavra: conciliar. Não tem como conciliar porque é um dia de cada vez. Ás vezes ela chora (a filha): “mamãe não vá”, “não vai mamãe, não vai”. Dói lá dentro. Tem que deixar com outra pessoa, porque às vezes você vai ficar trancada no quarto com o computador (pra fazer trabalho). Mas é um mal necessário, também porque a gente tem essa coisa de maternidade ser muito de culpa, né? E culpa porque só a gente que sente, porque o pai não sente, nunca vi. Aí a gente aprende a trabalhar isso aí, e
antes de ser mãe, sou ser humano, tenho meus gostos, minhas escolhas, meus sonhos para serem conquistados. A gente vai vivendo aí, uma hora da certo. É aquela coisa, assim, precisava ter uma discussão maior pra ter um apoio, pra não haver a evasão, desistência. Porque acaba tendo. Eu mesma tranquei, abandonei, acho que foi um ano e meio. Pra poder voltar. Já são oito anos, dava tempo de fazer dois cursos de nutrição, praticamente. Bom, eu diria para as mulheres mães e estudantes: conheçam o feminismo. Acho que o feminismo ajuda muito. Pode ser que esteja na moda e tal, mas eu acho que a maternidade e o feminismo são coisas que estão ligadas. Eu acho que muda muito a cabeça da mãe, acho que você estar aqui na universidade e você não mudar como pessoa, não se aprofundar em nada, ficar só naquele caminho fechado... não vale a pena. Acho que se as mulheres parassem, até as que não são mães, e houvesse mais compreensão e menos julgamento... E pras que são mães e estão encontrando dificuldades, que não desistissem, que não abandonassem, porque apesar de tudo a gente é um indivíduo que se está aqui, escolheu estar aqui, quis ter alguma coisa, quis ter um futuro melhor né? Que não desistissem.” (Relato da estudante de Nutrição do Piauí, Danielly Marques.)
A grande maioria das Universidades constrói uma política de assistência estudantil baseada em bolsas e auxílios, o que está intimamente relacionado à lógica de financeirização dessas políticas. Mas se você ofereceu um número X de bolsas, e tem um número maior que X de estudantes que necessitam dessas bolsas, o que acontece? Um grupo de estudantes ficará sem condições de permanecer na Universidade. Além disso, esse tipo de política facilita o controle político e assédio moral das instituições em relação aos estudantes, afinal qualquer ameaça de corte já faz quem precisa das bolsas tremer na base! Por isso as políticas universalizantes, mais amplas, como a criação de moradia estudantil, restaurantes universitários e creches, devem ser prioridade, pois elas atendem um número muito maior de pessoas. Cobre da sua Universidade esse tipo de ação!
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eu filho tinha já voltado da escola, já tinha jantado e ele só ia me acompanhar a jantar. Vários funcionários já tinham me parado, falando que se eu falasse com sicrano podia conseguir, falei com sicrano
e ele disse que não. Fui falar com beltrano e ele disse que não. Nisso eu fiquei naquele ping pong falando com várias pessoas. E nisso se juntaram alguns alunos do meu curso que começaram a protestar. Mas foi uma situação muito vexatória. A
hora que me falaram que alguém permitiu , já foi muito constrangedor.” Trecho do relato de Bia, estudante de Sociologia da UFF, que está no 3º período e é mãe desde o ensino médio
Arte: Dana Loyzaga Maturro
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uando eu descobri que estava grávida, foi um mar de sensações, e continua sendo durante a gestação. Não me considero adulta, tenho só 21 anos, não sei nada da vida, então boa parte dessas sensações é medo. Eu estava começando a ser totalmente independente dos meus pais, e não é fácil... agora imagina ter que ser independente por você e por seu filho? Eu digo que tive muita coragem para aceitar esse desafio, desafio que no fundo você encara totalmente sozinha. Eu sou jovem, tinha meus estudos numa faculdade federal boa, tinha meu trabalho, meus amigos, minha vida social e meus sonhos. Agora sou mãe solteira e não tenho nenhum apoio do pai do bebê. Admito que pensei em abortar, por essas razões e por muitas outras, mas me considero PRIVILEGIADA, faço parte de uma pequena minoria de meninas que tem condi-
ções físicas, psicológicas e financeiras para ter esse bebê, e principalmente por ter o apoio da minha família: a maioria das mulheres e meninas não tem a mesma sorte que a minha. Para ser mãe você antes precisa estar totalmente forte. Eu decidi trancar a faculdade porque no inicio da gestação tive vários problemas de saúde, e morando sozinha numa cidade como Juiz de Fora eu não tinha condições de cuidar de mim, porque quando se esta grávida, e os tabus e mídias não falam sobre isso, você precisa de apoio total, familiar e/ou do pai do bebê,e eu não tinha nenhum dos dois, já que minha família morava longe e o pai do bebê não quis me ajudar. Eu não tive muitas escolhas então, ou trancava a faculdade, ia embora para ser cuidada com zelo e amor pela minha família, ou ficava e acabava com a minha saúde e a do bebê. Ser universitária mãe/grávida, solteira e morar sozinha é quase impossível.
Eu não parei de estudar não, até porque eu acredito que a maior riqueza do ser humano é o tamanho do seu conhecimento, e uma vez que se começa a estudar, impossível parar; porém não estudo pela UFJF, mas faço cursos a distância em outra instituição, que é particular. (...) Sonho em voltar a estudar na UFJF, mas admito que talvez não no mesmo curso, antes de engravidar eu já estava planejando trocar de área, mas se eu tiver condições eu vou voltar com toda certeza, nem que seja com os livros de baixo de um braço e o bebê no outro. Ter a sua vaga e fazer parte de uma instituição federal é um privilegio dado a poucos, não parece quando se esta lá dentro, mas os estudos apontam que menos de 10% da população brasileira faz faculdade, tanto particular quanto federal. Eu teria permanecido em Juiz de Fora caso a UFJF tivesse esse tipo de política de assistência estudantil (creche univer-
sitária ou bolsa creche, moradia estudantil, etc), pois eu nunca consegui nenhum apoio ou bolsa por parte dela, e por isso trabalhava e estudava. Um dos motivos de eu ter ido embora foi porque trabalhar e estudar era muito pra minha saúde e a do bebê, talvez se eu pudesse só ter que me dedicar aos estudos estaria freqüentando as aulas mesmo com o barrigão. E se eu tivesse certeza que ao voltar eu teria creche universitária ou bolsa creche, ficaria muito mais segura para voltar a morar em Juiz de Fora, porque sem isso, voltar é só uma possibilidade, eu corro riscos de nunca mais poder terminar meus estudos por falta de apoio da faculdade, não só de apoio como por falta de orientação. A faculdade não te da orientações caso engravide, caso você seja mãe, o máximo que ela te diz é sobre a licença maternidade.” Trecho do relato de Dana, que cursou BI de Ciências Humanas na UFJF
contra o decreto 977 O decreto 977, de 10/11/93, impede a construção e ampliação de creches universitárias. “Fica vedada a criação de novas creches, maternais ou jardins de infância como unidades integrantes da estrutura organizacional do órgão ou entidade, podendo ser mantidas as já existentes, desde que atendam aos padrões exigidos a custos compatíveis com os do mercado.” Por isso muitas creches universitárias foram municipalizadas, dificultando o acesso das estudantes. E em tantas outras universidades, continua não existindo creche. E os empecilhos à permanência das mulheres nas universidades não param por aí: em muitos locais o auxílio creche tem um valor inferior às demais bolsas de permanência, as moradias estudantis e restaurantes universitários não aceitam a presença de crianças, e as mulheres que amamentam em público ou precisam levar seus filhos às aulas sofrem com o assédio moral.
+ bandeijão + moradia + creches +auxílio creche com valor equiparado às demais bolsas
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erviço social foi meu segundo curso, eu fiz produção cultural antes, também na UFF. Eu já comecei Seso grávida. No começo, quando não tinha barriga, não fazia muita diferença. Mas com o passar do tempo, fui ficando mais pesada, tendo mais dificuldade de acompanhar as aulas, pelo incômodo de não caber na carteira e do próprio deslocamento. Depois que eu tive a Luane (filha, 2 anos), tive muita dificuldade. A UFF tem o regime especial de aprendizado, que é tipo uma licença maternidade, que me dá o direito de cursar um semestre a distância. Mas a maioria dos professores me passavam matéria como se eu não tivesse uma criança recém nascida dentro de casa. Eu tentava conversar com eles por e-mail, mas só uma
professora foi mais solidária. Serviço Social tem muita carga de leitura, e eu tinha muita dificuldade de acompanhar tudo, com a Luane tão nova. Quando acabou, eu não tive nem possibilidade de pensar em mamada livre, já tive que acostumar ela desde cedo a dar a mamada espaçada, para poder voltar pra aula assim que acabasse a licença maternidade. Como era meu segundo curso, eu precisava me formar logo. Quando você sabe que vai ser mãe, a necessidade de entrar logo no mercado de trabalho aumenta, a família cobra, todo mundo cobra. Quando eu voltei, deixava ela com Lucas, o meu companheiro, que sempre me ajudou muito. Eu sempre digo que a maternidade tem mais capacidade de ser plena quando a paternidade funciona.
Eu passei pelo menos 7 meses só tendo a relação com a universidade de sair correndo pra aula e voltar pra casa pra dar mamar, porque não consegui reservar leite e não podia dar de mamar lá. O pior de tudo é que eu nunca pude contar com a assistência estudantil da minha universidade. A assistência estudantil da UFF, como de boa parte das universidades federais, não existe pra estudante mãe. No máximo, tem um auxílio creche de 80 reais, que é um valor ridículo. Não temos creche, nem um auxílio creche decente, e também não há projetos pensados pra que as estudantes consigam acompanhar a dinâmica da universidade sendo mães. Uma das coisas mais importantes que você perde quando se torna mãe é o tempo. A estudante que não é mãe tem
a possibilidade de ir pra moradia, que a mãe não tem. Com o padrão de produtividade que existe hoje na academia, a estudante mãe também não tem chance de participar de pesquisa e extensão, porque não se encaixam na nossa dinâmica. Viver o tripé da universidade pública não é possível pra uma estudante mãe. Não plenamente. A universidade precisa ter uma política muito mais séria de assistência estudantil para estudantes mães, especialmente de creche. Se eu tivesse acesso ao berçário, não teria que esperar dois anos pra poder concorrer a uma vaga na creche da UFF. Poderia ter minha filha, com 3 meses pôr no berçario, e poder estudar. A creche da UFF é municipalizada hoje, e as vagas são distribuídas por sorteio. Não ter berçário e creche
é uma das coisas mais cruéis. Se a criança tivesse acesso ao bandejão também ajudaria muito. Eu sempre acho que políticas universalizantes são as melhores saídas pra conseguir abarcar todo mundo, e a
Arte: Emanuelly Araujo
bolsa está sempre vinculada a algum critério que exclui uma parte. Mas uma política séria de bolsas, de assistência a estudante mãe e ao pai, com ajuda de custos, também seria importante. Eu não conseguia
ser uma estudante normal, ler meus textos, fazer uma boa prova, ou acompanhar as atividades acadêmicas que eram extras. Eu sempre fui militante, mas essa parte da minha vida acabou durante um
bom tempo. Só voltei quando a Luane já estava mais crescida. Pra mim, militar contribui pra minha formação em Serviço Social, que é uma formação crítica, marxista. O movimento estudantil não é feito para quem é mãe, como também não é feito para quem é trabalhador. Ele tem horários e uma dinâmica que não abarcam essas pessoas. Eu estou sempre me virando nos trinta, sendo auxiliada pelo Lucas (companheiro) para conseguir militar, e auxiliando ele também. O movimento estudantil ainda é muito branco, muito masculino, muito difícil para quem trabalha e é mulher, negra/o ou LGBT. Ser mãe torna as coisas ainda mais complicadas.” Relato da estudante de Serviço Social, Marianne
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u pensei que não conseguiria sair da situação da qual, comumente, vemos as mulheres jovens, mães, passarem: parar tudo para viver em função da casa e filho. Entretanto,decidi que não ia passar por isso, porque minha mãe sempre me falou, sem nunca ter lido Virgínia Wolf, que uma mulher precisava ter seu lugar e seu dinheiro. Então, não me rendi (muito por causa das avós materna e paterna do meu filho, que sempre me apoiaram). O pai do Augusto (filho) sempre foi muito companheiro também. Quando engravidei estudava em uma instituição privada, era bolsista e vivia outra realidade que não aquela de chegar de carro, de almoçar no restaurante caro, de comprar os livros; eu era um corpo estranho pra quase todo mundo só porque eu não tinha dinheiro. (...) Por exemplo, se eu tivesse parado tudo para ficar em casa não me julgariam, porque eu estaria cumprindo o meu “papel”. Como eu saio para trabalhar e estudar, consequentemente, passo menos tempo em casa, ou seja, tenho que enfrentar as recriminações. Tirando as mulheres do movimento feminista, os comentários sempre são de duas maneiras: 1) o espanto de ver uma mulher e mãe na Universidade, fazendo tudo o
que faço ou 2) a recriminação; “como você consegue deixar seu filho?”. Ninguém age com naturalidade vendo essa situação, o que me faz pensar que é muito comum uma mãe universitária, mas é quase um milagre a sua manutenção no espaço acadêmico. Ou sai pelas contingências da vida ou pela pressão. A creche universitária seria um espaço importante pra mim, atualmente, pois eu passaria mais tempo com o meu filho (às vezes tenho uma lacuna de duas horas entre as aulas e não posso ir para casa, por exemplo), além de garantir um encontro diário das mães universitárias, que poderiam se conhecer melhor (eu não sei quase nada sobre as mães da UFJF) e agitar. Ninguém acha natural uma mulher se tornar mãe e continuar na Universidade. Costumo escutar como sou guerreira por fazer o que faço e, então, entendo que sou uma resistência dentro desse espaço; uma exceção. Todo mundo quer saber como eu dou conta, porque, claro, não era pra eu dar conta. Eu consigo porque insisto, porque quero continuar ocupando esse espaço, porque outras mulheres fazem uma corrente pra me ajudar. (...) Trecho do relato de Anelise Freitas, estudante da UFJF
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Arte: Ana Seno
Uma campanha: Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Coletivo de Mulheres da Enecos