[2016] OPRESSÃO E CLASSE: Ousamos Lutar! Tese da União da Juventude Comunista ao XXIII COBRECOS

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Opressão e classe: ousamos lutar! “Elogio Da Dialética A injustiça avança hoje a passo firme. Os tiranos fazem planos para dez mil anos. O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são. Nenhuma voz além da dos que mandam. E em todos os mercados proclama a exploração: Isto é apenas o meu começo. Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem: Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos. Quem ainda está vivo nunca diga: nunca. O que é seguro não é seguro. As coisas não continuarão a ser como são. Depois de falarem os dominantes, falarão os dominados. Quem pois ousa dizer: nunca? De quem depende que a opressão prossiga? De nós. De quem depende que ela acabe? De nós. O que é esmagado, que se levante! O que está perdido, lute! O que sabe e o que se chegou, que há aí que o retenha? Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã. E nunca será: ainda hoje.” Bertolt Brecht

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) estima que 90% das pessoas trans estejam na prostituição. São, em sua maioria, mulheres trans, travestis, negras, pobres e com baixa escolaridade. As empresas de callcenter, que geralmente são terceirizadas, são as que mais empregam a população trans ­ em troca de baixos salários, péssimas condições de trabalho e alto nível de exploração. A terceirização também é uma realidade cada vez mais presente nas universidades hoje. As principais áreas terceirizadas são limpeza, manutenção e segurança, e a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras são pessoas negras, mulheres e LGBTs. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicadas, dos 7,2 milhões de brasileiras e brasileiros trabalhando na limpeza, cozinha e manutenção de casas e escritórios em 2009, 93% eram mulheres, e negros e negras representavam 61,6% do total. Não há dúvidas de que a carne mais barata do mercado continua sendo a carne negra. O salário médio de um homem negro no Brasil não chega à metade do que recebe um homem branco. Uma mulher negra tem rendimentos que só chegam a 30% do salário de um homem branco.


Dados como esses evidenciam a relação estreita que existe entre exploração e opressão. No capitalismo, a classe trabalhadora é responsável por produzir, trocando sua força de trabalho por salário. Do outro lado, está a burguesia, que se apropria da mais­valia produzida pela trabalhadora e pelo trabalhador, transformada em lucro, e controla os meios de produção. Para que o capitalismo continue se reproduzindo, foi necessário, ao longo da história, consolidar no imaginário social justificativas para a exploração de uns em detrimento de outros. Embora os diversos tipos de opressão precedam a consolidação do capitalismo como sistema econômico mundial, é notória a maneira como ele se apropria da opressão para legitimar a exploração ainda maior dos grupos oprimidos, que são representativos nos empregos mais degradantes ou no exército industrial de reserva. De todo modo, estão materialmente mais suscetíveis a aceitar os menores salários e cargos mais precários para sobreviver, convencidas e convencidos ideologicamente da própria inferioridade perante os grupos opressores. As consequências são que, embora a classe trabalhadora seja, em sua unidade, alvo de exploração, as condições de trabalho e remuneração e de vida de trabalhadores e trabalhadoras negras, mulheres e LGBTs sejam exponencialmente piores. Uma vez que o racismo, o machismo e a LGBTfobia são estruturais e estão a serviço do capital, o fim das opressões ocorrerá, necessariamente, mediante a destruição completa do sistema capitalista e a construção do socialismo. Nós queremos mais! Desde a década de 70, é possível detectar nas diversas tendências dos movimentos de combate às opressões de todo o mundo o uso crescente de conceitos como empoderamento, representatividade e protagonismo. Por um lado, cada vez mais pessoas negras, mulheres e LGBTs tem tido consciência sobre a opressão a que são submetidas. São negras e negros que valorizam sua história e cultura, e se negam a calar diante de qualquer ato racista, e exigem se reconhecer na mídia. São mulheres aguerridas que denunciam as agressões machistas, na sua dimensão física e simbólica, e se recusam a assumir o papel de docilidade e submissão que lhes é designado. São LGBTs que saem do armário, assumem suas identidades e afetos nas ruas e ocupam a política por mais direitos. São inúmeras as contribuições, que devem ser reconhecidas e valorizadas. No entanto, por mais importantes que sejam esses debates, é essencial reconhecer as suas fragilidades, contradições e limitações, e buscar superá­las, para conquistar a emancipação completa dos grupos oprimidos. Já faz algum tempo que o capitalismo descobriu que é mais vantajoso ­ política e economicamente ­ fazer concessões à parcela das pessoas oprimidas que pode se tornar consumidora do que negar completamente a existência de negras/os, mulheres e LGBTs. Desde então, vem surgido diversos produtos e serviços voltados a esses públicos, como também muitas propagandas passam a mudar ­ ainda que gradualmente ­ para incluir as/os oprimidas/os. Nos últimos anos, as mudanças podem ser vistas principalmente no ramo turístico, na indústria cultural, na moda e na mídia. Essas situações são frequentemente interpretadas como conquistas, até mesmo por movimentos que


questionam a lógica do capital. No entanto, embora reconheçamos a dimensão positiva dessas medidas, nos parece importante questionar: Em que medida a representatividade mediada pelo capital levará à emancipação da totalidade das oprimidas e dos oprimidos? De que maneira ela contribui para a emancipação das pessoas oprimidas da classe trabalhadora, cuja situação de exploração segue intacta diante dessas medidas, talvez até fortalecida? É suficiente termos nossa existência reconhecida pelo capital? As respostas não são fáceis. Mas o que há de fundamental nesse debate, e que pretendemos enfatizar, é que nós, exploradas/os e oprimidas/os de todo mundo, estamos morrendo todos os dias nas mãos do capital. Não podemos nos contentar com as migalhas que ele nos atira, sonsamente. Nós precisamos de mais! Temos urgência de ir além! E é por isso que os movimentos sociais, especialmente aqueles que se pretendem populares e de massas, devem ser capazes de organizar suas lutas pontuais de maneira a apontar para a luta mais ampla, a perspectiva de longo prazo, de maneira verdadeiramente consciente e ousada. Apenas a organização e a luta coletiva dos grupos oprimidos da classe trabalhadora poderá levar ao fim das opressões e à nossa completa emancipação. Compreendemos que a emancipação dos grupos oprimidos passa necessariamente pela total superação do capitalismo. A realidade é contraditória, e devemos estar preparadas e preparados para enfrentá­la com tranquilidade e organização; no entanto, é importante cuidar para que nossas práticas, prioridades e debates sejam coerentes e apontem sempre para a construção de um outro modelo de sociedade, que seja socialista, sem classes e livre de opressões. Que fazer? É muito importante que cada vez mais mulheres, pessoas negras e LGBTs desenvolvam a força necessária para se contrapor a todo tipo de atitude opressora à qual são acometidos. Da mesma forma, é essencial que os movimentos garantam formações sobre o assunto, além de paridade de gênero e raça nas instâncias de poder e uma série de outras medidas que garantam a construção de um ambiente mais acolhedor onde as pessoas oprimidas possam intervir e se construir como sujeitos políticos. É possível perceber que, nos últimos anos, a Enecos tem andado a passos largos nesse sentido. Mas ainda precisamos fortalecer ­ e muito ­ a atuação da executiva a luta contra as opressões, no que diz respeito a sua dimensão coletiva e militante. Durante este Congresso, aprovaremos as prioridades das ações da Executiva para esse ano. Cada vez mais, se faz essencial perceber a relação que as três bandeiras históricas estabelecem entre si, bem como a sua centralidade para a luta política da Enecos: democratizar a comunicação é essencial para garantir que as vozes dos oprimidos/as e explorados/as tomem a arena pública e contribuam para a disputa de consciência da classe, assim como lutar por uma educação popular e emancipadora e por


uma formação de comunicadores conscientes e combativos tem como objetivo contribuir para a construção de um outro modelo de sociedade, socialista, livre de opressões e exploração. O combate às opressões, embora exija estudo e trabalho específicos, deve perpassar por todos esses debates. Quanto mais profunda é a nossa compreensão sobre o que há de fundo e uno em nossas bandeiras históricas, melhor será a nossa capacidade de planejar e organizar nossas lutas. Sabemos que uma educação mercantilizada e precarizada é necessariamente hostil ao acesso e permanência de pessoas negras, mulheres e LGBTs. A comunicação hegemônica, controlada por empresas milionárias de famílias brasileiras das mais poderosas, é necessariamente contrária aos interesses dos grupos oprimidos. Cortes nos direitos sociais, aumentos das tarifas de transporte, criminalização das drogas, avanço da terceirização, adesão à Ebserh pelos hospitais universitários: todo retrocesso nos direitos da classe trabalhadora reflete mais duramente sobre as trabalhadoras e trabalhadores oprimidos. Portanto, é essencial que cada vez mais estudantes mulheres, negras, negros e travestis, homens trans, transexuais e o conjunto das LGBTs participem ativamente de todas as formulações políticas da Enecos, e que a pauta das opressões seja vista como parte essencial de todas as outras. Sob essa perspectiva, acreditamos que as seguintes lutas deverão ser centrais para o movimento estudantil da comunicação durante 2016: ­ Contra os cortes de verbas nas áreas sociais por parte do governo federal, especialmente na educação. Contra cortes de bolsas, fechamento de bandejões e outros prejuízos à permanência estudantil, que tem como objetivo fazer com que a juventude, especialmente os grupos oprimidos, pague a conta da crise. Por mais assistência estudantil nas universidades, com políticas específicas voltadas à população trans e às estudantes mães. Dois espaços importantes de articulação nesse sentido serão a Plenária Nacional do Movimento por uma Universidade Popualr (MUP) e o II Encontro Nacional de Educação (ENE). ­ Contra o PLC 30/2015, que amplia a terceirização para atividades­fim. Contra qualquer atraso nos pagamentos dos trabalhadores terceirizados das universidades, ainda que apoiado na justificativa do contingenciamento decorrente de poucos repasses financeiros e cortes no orçamento. Que a universidade garanta assistência física e psicológica dos trabalhadores e, especialmente, das trabalhadoras terceirizadas em situação de vulnerabilidade. O movimento estudantil de comunicação deve contribuir dando visibilidade para a pauta, incentivando a organização dos terceirizados e mobilizando estudantes, em seus institutos e campus, através dos Centros e Diretórios Acadêmicos, Diretórios Centrais de Estudantes e do MUP, para se solidarizar e colaborar com a luta dessas trabalhadoras e trabalhadores sempre que necessário, de acordo com suas habilitações, aptidões e prioridades.


­ Contra a redução da maioridade penal. Contra os programas policialescos que disseminam o ódio, criminalizam a pobreza, e incentivam a redução da maioridade penal e a criminalização, encarceramento e genocídio da juventude negra. ­ Pela legalização do aborto. Contra qualquer projeto de lei que se oponha a esse direito. ­ Pela rearticulação dos movimentos que produzem e militam em defesa da comunicação comunitária e popular, para que voltem a debater, formular e intervir na luta pela democratização da comunicação e nas políticas públicas que lhes dizem respeito. Contra a criminalização dos veículos comunitários. ­ Pela apropriação e uso da lei do direito de resposta nas mídias por parte dos movimentos sociais que lutam contra as opressões. Para tanto, acreditamos que é necessário intensificar ainda mais o diálogo com outros segmentos da classe trabalhadora, como o movimento sindical combativo, os movimentos de periferia e a comunicação popular, no sentido de unificar as lutas contra as ofensivas do capital no Brasil, que afetam de maneira especialmente cruel os grupos oprimidos. Não aceitaremos migalhas. Nós queremos o bolo todo. E confiamos na juventude que se movimenta através da Enecos para radicalizar as lutas, rumo à vitória! Ousar lutar, ousar vencer! ➔ Assinam essa tese: Fernanda Ramos ­ UFF/RJ ­ União da Juventude Comunista (UJC) Thayane Guimarães ­ UFF/RJ ­ União da Juventude Comunista (UJC) Márcio Feitosa ­ UFCA/CE ­ União da Juventude Comunista (UJC) Antonio Lima Júnior ­ UFCA/CE ­ União da Juventude Comunista (UJC) Leonardo Gütschow ­ Universidade Metodista do ABC/SP ­ União da Juventude Comunista (UJC) Ricardo Vos ­ Universidade Anhembi Morumbi/SP ­ União da Juventude Comunista (UJC) Ariel Franco ­ UFG/GO ­ União da Juventude Comunista (UJC) Bruno Souza ­ UFG/GO ­ União da Juventude Comunista (UJC) Arthur Veloso ­ UFJF/MG ­ União da Juventude Comunista (UJC) Rhaic Piancó ­ UESB/BA ­ União da Juventude Comunista (UJC) Breno Árleth ­ UFCA/CE


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