António Barbedo de Magalhães
A evolução dos modelos educativos e a formação de engenheiros-cidadãos para o mundo
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A evolução dos modelos educativos e a formação de engenheiros-cidadãos para o mundo
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Autor: António Barbedo de Magalhães Titulo: A Evolução dos modelos educativos e a formação de engenheiros-cidadãos para o mundo Edição: Publindústria, Edições Técnicas Praça da Corujeira nº 38 . 4300-144 PORTO www.publindustria.pt Distribuição: Engebook - Conteúdos de Engenharia e Gestão Tel. 220 104 872 . Fax 220 104 871 E-mail: apoiocliente@engebook.com . www.engebook.com Design: Ana Santos Marinho Impressão: Servicepoint março, 2014 Depósito Legal: 371591/14
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CDU 37.01/.04 Educação. Fundamentos da Educação. Educação em relação ao orientando ISBN Papel: 978-989-723-065-3 E-book: 978-989-723-064-6 Engebook – Catalogação da publicação Família: História da Engenharia e Ciência Subfamília: História da Engenharia e Ciência
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Agradecimentos:
A produção deste livro contou com o apoio e o patrocínio dos departamentos de Engenharia Mecânica e de Engenharia e Gestão Industrial e da Direção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, dirigidos respetivamente pelos professores António Torres Marques, José Sarsfield Cabral e Sebastião Feyo de Azevedo. Sem esses apoios e patrocínios a sua produção teria sido completamente impossível, pelo que o autor deixa aqui o seu público agradecimento. O autor agradece também: - às designers Ana Isabel Santos Marinho, que desenhou as capas e paginou todo o livro e Rita Rodrigues, que selecionou ou ajudou a selecionar muitas das imagens deste; - à Lenise Rodrigues, que processou o texto num formato adaptado para edição e tratou das referências bibliográficas e sitiográficas; - aos colegas da equipa editorial, Abel Santos e Falcão e Cunha, pelo seu apoio nos mais diversos aspetos relacionados com a produção do livro e os direitos de autor das figuras selecionadas; - ao Pedro Coutinho e outos quadros da Publindústria envolvidos na sua produção, pela sua compreensão e capacidade de adaptação às preferências do autor.
AGRADECIMENTOS
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Prefácio: Este livro começou por ser um capítulo do livro digital de Introdução à Engenharia Mecânica que o autor se propôs escrever com cerca de quarenta colegas, a maior parte dos quais docentes dos departamentos de Engenharia Mecânica e de Engenharia Industrial e Gestão da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), e alguns outros professores de outros departamentos da FEUP, de outras faculdades e institutos de investigação da Universidade do Porto (UP), do Instituto Politécnico de Bragança e outros. Houve quem estranhasse que desse livro, que será dentro de alguns meses publicado pela Publindústria, constassem três capítulos com temas não relacionados com a Engenharia Mecânica, em sentido restrito, mas de âmbito bastante mais amplo, todos eles da autoria de António Barbedo de Magalhães: 2. Revoluções Tecnológicas e sociais 15. Desafios do Século XXI e Papel dos Engenheiros Mecânicos no Futuro 16. A Evolução dos Modelos Educativos e a Formação de Engenheiros-Cidadãos para o Mundo A justificação pode ler-se no capítulo 15 desse livro: A propósito da crise que o país enfrenta, o autor escreve nesse capítulo do livro de Introdução à Engenharia Mecânica, que “faltou ao país o estudo profundo das suas potencialidades e reais necessidades, para o qual as universidades poderiam dar um maior contributo, desde que estes temas fossem discutidos em conjunto com os diferentes parceiros científicos, técnicos, económicos, políticos e sociais e estabelecidas as necessárias parcerias de colaboração. Faltou pensamento crítico, visão e planeamento estratégico, realismo e ousadia empreendedora, domínios em que os engenheiros, pelas competências que são supostos ter, e não apenas os políticos, têm uma responsabilidade especial.” PREFÁCIO
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De acordo com a visão da American Society of Mechanical Engineers (ASME) para 2028, “os Engenheiros Mecânicos são fundamentais para as tecnologias ao serviço das pessoas. Por isso têm que aceitar o novo imperativo de desempenhar um papel liderante na área política, social, industrial e cultural, de modo a levar a perspetiva da Engenharia às principais questões sociais”. E acrescenta o mesmo relatório que “ao criarem estas soluções de engenharia, os Engenheiros Mecânicos terão de ter em atenção a experiência das gerações anteriores”. É essa a razão da inclusão de um capítulo 2 dedicado não apenas às revoluções tecnológicas mas também às revoluções culturais, políticas, sociais, económicas e financeiras que foram, elas também, causas e consequências das revoluções tecnológicas. Destes três capítulos o que mais estranheza suscitou nalgumas pessoas foi o capítulo dedicado à evolução dos modelos educativos. Porquê um capítulo dedicado à Educação num livro de Introdução à Engenharia Mecânica? O autor, na sua ‘Última Lição’, integrada nas cerimónias da sua jubilação, esclareceu que a mudança do Mundo, para melhor, exige muita Engenharia, mas precisa ainda mais de melhor e mais completa Educação. Tem faltado, em Portugal e em muitos outros países, uma visão estratégica para a educação que permita não apenas a formação de quadros competentes para empresas e instituições públicas, mas pessoas capazes de se realizar contribuindo para o progresso sustentado da Humanidade, na sua interação com o universo. Para isso é necessário que a educação, servindo para o desenvolvimento dos conhecimentos de cada jovem estudante, sirva também para o ajudar a desabrochar e a desenvolver todas as suas capacidades, transformando-as em competências científicas, técnicas, sociais e humanas, criativas e transformadoras da realidade, num quadro ético e atitudinal de respeito e solidariedade de todos para com todos. Não são só as crianças e os jovens a precisar de educação, é toda a sociedade, somos todos, desde que nascemos até morrermos, que precisamos de ser eternos 10
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aprendizes e de nos educarmos com os outros e através dos outros. Foi a necessidade de melhorar a educação do futuro que nesse capítulo 16 agora reformatado e publicado como livro autónomo, fizemos uma rápida reflexão sobre alguns dos principais modelos educativos praticados e desenvolvidos ao longo da história. De facto, sem visão histórica, isto é, sem saber de onde vimos, é praticamente impossível ter consciência de onde estamos e ter uma visão prospetiva que nos permita descobrir para onde e como podemos evoluir. A visão histórica é uma pré-condição para definir estratégias com o realismo e a visão de futuro necessárias para terem eficácia transformadora. Agradeço ao Engº António Malheiro, Administrador da Publindústria, a proposta de fazer uma publicação autónoma dedicada à Educação, pois este tema não diz respeito apenas a quem se interessa pela Engenharia, mas também a um público muito mais vasto que considera a Educação como um fator da maior importância para o progresso da humanidade e se preocupa com a crise que esta atravessa e com a necessidade de desenvolver novos paradigmas da Educação. Este livro contou com os contributos de dezenas de colegas, a quem muito agradeço. Duas pessoas deram-se ao trabalho de rever uma versão provisória do livro, José Gonçalves-Pinto, doutorando em Economia da Troca e Angelina Carvalho, socióloga da Educação. As suas críticas, comentários e sugestões permitiram melhorar muito significativamente o conteúdo deste livro e a sua apresentação. Além disso Angelina Carvalho sugeriu numerosas leituras e emprestou livros onde o autor foi buscar informações e ideias muito importantes que incluiu no texto que agora se publica. Para eles o meu profundo reconhecimento. Porto, 10 de Fevereiro de 2014 António Barbedo de Magalhães Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto PREFÁCIO
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Sumário:
Agradecimentos
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Prefácio
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1. Educação e Sociedade
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2. Modelos Educativos Clássicos
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2.1. Um instrumento para disciplinar e moldar mentes
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2.2. Egito antigo: educação utilitária
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2.3. Índia antiga: disciplina espiritual
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2.4. China: moldar comportamentos e preparar funcionários imperiais
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2.5. Grécia: aprender a pensar com rigor e independência
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2.6. Roma: engenharia e direito
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2.7. Educação religiosa e clássica na Europa medieval e no Mundo Árabe
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3. O paradigma educativo da era industrial e o ensino técnico: uma conceção reducionista da pessoa
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SUMÁRIO
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4. Desenvolvimento de modelos e práticas educativas nos finais do século XIX e princípios do século XX
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4.1. Jules Ferry e o desenvolvimento da escola gratuita, laica e obrigatória em França
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4.2. Kerschensteiner e o Sistema Dual alemão
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4.3. John Dewey e a educação experiencial
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4.4. O movimento das Escolas Novas e da Escola Moderna, a Escola da Ponte e o paradigma da pedagogia social de autodesenvolvimento
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5. Paulo Freire e a Pedagogia do Oprimido
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6. A pedagogia da Obra da Rua “O Gaiato”
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7. Sistemas educativos altamente valorizados pelo PISA: os casos da Finlâdia, da Coreia do Sul e de Shanghai
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8. Algumas mudanças na educação em Portugal depois de 25 de Abril de 1974
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9. Os progressos da psicologia e das ciências neurobiológicas abriram caminho a novas visões sobre a educação
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10. Necessidade de desenvolver e aplicar novos modelos educativos
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11. Pedagogias para desenvolver atitudes cidadãs responsáveis e responder aos desafios da atualidade
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11.1. Informação, conhecimento e sabedoria
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11.2. A pirâmide das aprendizagens
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11.3. A avaliação desempenha um papel muito importante na educação
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12. O Modelo de Bolonha e a formação de Engenheiros do Renascimento do Século XXI
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13. As novas tecnologias de informação e comunicação (TIC), o surgimento de novas ferramentas pedagógicas e a formação de engenheiros-cidadãos para o Mundo
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Referências Bibliográficas
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- Referências Sitiográficas
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SUMÁRIO
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1. EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
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Tradicionalmente considera-se educação “todo o auxílio prestado a outrem para o preparar para a vida” [Vial 1978]. A maior parte dos seres vivos trazem, na sua informação genética, tudo o que precisam de utilizar para sobreviverem e se reproduzirem. Os mais simples não precisam de mais nada do que a informação biológica contida nas suas células. Alguns animais mais evoluídos precisam de algum adestramento adicional, feito instintivamente por imitação dos progenitores e dos mais velhos, para aprenderem a andar, a caçar, a evitar riscos ou a combatê-los. Na espécie humana a informação biológica com que cada ser nasce, transportada pelas células que lhe dão origem, e o instinto, não são suficientes para a sua sobrevivência. Além disso, o homem precisa de desenvolver ‘técnicas mecânicas e morais’, para sobreviver em grupo ou em sociedades mais ou menos organizadas, que requerem um adestramento muito mais longo e a transmissão consciente da cultura do grupo em que nasce. A imitação, a aprendizagem pelo exemplo, é a forma mais frequente e efetiva dos seres humanos aprenderem com as gerações anteriores, quer a linguagem quer as técnicas e comportamentos próprios da cultura da sociedade em que se nasceu e se vive. A aprendizagem destas técnicas só é possível pela linguagem.
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Só esta permite as abstrações e generalizações que o desenvolvimento e a transmissão das próprias técnicas exigem [Abbagnano 1981]. Sem a linguagem teria sido impossível criar sociedades suficientemente solidárias para serem estáveis e duradouras. É a cultura própria de cada sociedade e a educação, isto é, o adestramento físico e instrumental, a disciplina, a obediência, a educação do caráter e o desenvolvimento de boas práticas sociais, que permite aos humanos sobreviver e reproduzir-se. Seguindo de muito perto Abbagnano, entendemos por cultura as técnicas de utilização, de produção e de comportamento que permitem a um grupo de seres humanos satisfazer as suas necessidades, proteger-se das agressões do meio físico e biológico e viver em coletividade de forma mais ou menos ordenada e pacífica. Embora, segundo revelam estudos recentes, a evolução cultural vá influenciando, lentamente, os genes, a cultura aprende-se sobretudo pela educação. Sem isso, morre e, com ela, acaba a sociedade. Uma das funções essenciais da educação é, pois, preservar e transmitir a cultura. Mas, para isso, e para que a própria cultura se possa desenvolver e renovar, é necessário que a educação promova a formação e desenvolvimento da pessoa humana, individual e socialmente considerada. Na transmissão e evolução da cultura foram e são utilizadas diferentes formas de linguagem: falada, gestual, musical, desenhada e, numa fase mais avançada, também escrita. Aliás, a própria estrutura de cada língua é já uma expressão da cultura e da organização social do grupo. Mais recentemente, as técnicas de comunicação de massas, como o cinema, a rádio, a televisão e as novas tecnologias da informação e comunicação digitais desempenham um papel cada vez maior na educação. Por elas se transmitem e desenvolvem valores estéticos e morais e formas de comportamento. As primeiras formas conscientes e organizadas de transmissão da cultura, isto é, de educação, terão sido ritualizadas e sacralizadas, 18
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pela importância de que se revestiam para a unidade e a preservação do grupo, da nação, da religião ou do império. Antes da escrita, velhos narradores, sacerdotes e mestres, desempenharam um papel fundamental na transmissão da cultura, na aprendizagem mais ou menos sistemática das técnicas e na sua exercitação pela recitação, memorização e prática. Assim se ensinaram práticas de recoleção ou agrícolas, de caça e da guerra, sociais e religiosas e se transmitiram conhecimentos históricos, convicções filosófico-religiosas e valores estéticos e éticos. Nessa altura, a morte de um velho narrador era o fim de uma ‘biblioteca’. Se, em virtude da guerra ou de qualquer catástrofe natural, morriam os narradores e velhos mestres de uma dada sociedade antes de transmitirem os seus conhecimentos e cultura a sobreviventes, podia ser o fim de uma sociedade, de uma cultura ou, até, de uma civilização. Com a criação da escrita os impérios passaram a contar com um poderosíssimo instrumento de administração económica, política, religiosa e legal e a sociedade passou a contar com um importante meio de armazenamento e transmissão de informações, conhecimentos e cultura. Isto foi fundamental para a constituição e preservação, ao longo dos tempos, de sociedades complexas e evoluídas, em que muitos pudessem tirar partido da segurança que o grupo dava e da estruturação social e da cultura entretanto criada e acumulada. Na marcha da humanidade, o progresso cultural, e muito especialmente o ético, tem sido lento e penoso, entrecortado por períodos de crise. A capacidade de identificar e aproveitar, com realismo, as possibilidades de fazer melhor, tendo em conta as sempre imperfeitas e injustas circunstâncias, foi e é fundamental para o progresso. O adestramento moral e a aplicação eficaz dos conhecimentos e das técnicas são fundamentais para esse efeito. A educação é, pois, uma necessidade imperiosa sem a qual a sociedade nem sequer existe. Da qualidade dessa educação depende a capacidade de resposta de cada sociedade aos desafios que enfrenta. 1. EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
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2. MODELOS EDUCATIVOS CLÁSSICOS
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2.1. Um instrumento para disciplinar e moldar mentes Ao longo da história da humanidade a educação foi um instrumento privilegiado para disciplinar e moldar as mentes, fator imprescindível para a vivência em comunidade. A educação serviu para desenvolver competências e criar, desenvolver e fazer perdurar grandes civilizações. Serviu, também, para impor o controlo dos súbditos e dos seus comportamentos pelos poderes dominantes, matar a contestação, estiolar a criatividade, promover bloqueios e até desenvolver incompetências para tornar os povos incapazes de se libertarem do jugo dos poderosos. Condicionou, assim, para o melhor e para o pior, a marcha da humanidade e determinou, em larga medida, os paradigmas culturais, sociais, políticos, religiosos e económicos dominantes em cada sociedade e em cada época. O desenvolvimento da escrita obrigou à criação de escolas para o ensino desta laboriosa ferramenta, por vezes com milhares de símbolos, como na China, bem como da aritmética, agrimensura, astronomia, medicina e outras ciências e técnicas de utilidade prática para a agricultura, a economia, a administração, o comércio, a saúde, a guerra e a paz.
2. MODELOS EDUCATIVOS CLÁSSICOS
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2.2. Egito antigo: educação utilitária No Egito antigo, provavelmente a partir da unificação dos impérios do Alto e do Baixo Egito e da invenção da escrita hieroglífica, cerca de 3100 a.C., as escolas funcionavam nos templos. Mas as suas preocupações eram práticas e utilitárias, como prática e utilitária era a moral egípcia. Aqui os arquitetos, engenheiros e médicos, tal como os escribas de categoria mais elevada, a quem competia a administração do vasto território do vale do Nilo e, dum modo geral, todos os profissionais de categoria superior, pertenciam à classe sacerdotal. O povo era quase todo iletrado, mas não estava vedado o acesso a escriba de categoria mais baixa a quem estudasse com êxito, e que desse modo poderia ascender às categorias de escrivão ou de contabilista do estado ou de empresas comerciais. Há muitos registos do Antigo Egito sobre frequentes castigos corporais aos estudantes, que podiam incluir vergastadas e a acorrentação de alunos desatentos, preguiçosos ou malcomportados até se disciplinarem a aprenderem tanto ou mais que os outros. Eram geralmente recordados com toda a naturalidade e como algo imprescindível para disciplinar e moldar o caráter dos jovens. A expectativa religiosa de uma segunda vida determinou um enorme esforço de investigação sobre o corpo humano e a sua preservação, de que resultou um grande desenvolvimento, no Egito antigo, da medicina e, em particular, da cirurgia. A gestão da agricultura impulsionou o conhecimento da geometria, da agrimensura e da astronomia. Os conhecimentos práticos e a disciplina foram os pilares em que se alicerçou a civilização do grande império do vale do Nilo, com fundações tão sólidas que perdurou e se desenvolveu durante milénios.
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2.3. Índia antiga: disciplina espiritual Na Índia antiga, provavelmente a partir de cerca de 2550 a.C. e do desenvolvimento da civilização harappeana do vale do Indo e da invenção da sua escrita, a educação visava principalmente a disciplina espiritual que permitiria alcançar o Nirvana. A cultura indiana vivia da expectativa de ascensão pela transmigração das almas através de uma multiplicidade de existências até alcançar a harmonia interior e a fusão mística com o todo. O mercantilismo era incompatível com a educação da classe superior dos sacerdotes ou brâmanes e, por isso, a administração e as finanças tinham um papel muito restrito na educação. Por razões que ainda desconhecemos, eventualmente relacionadas com sucessivas invasões, a sociedade indiana foi, durante milénios, uma sociedade extremamente estratificada, com uma divisão em castas muito rígida. Nela coabitaram, sem se misturar, os brâmanes ou sacerdotes, os guerreiros, os comerciantes e pastores, os servos e os intocáveis (sem casta ou párias). A educação de cada casta era completamente diferente da das outras e era absolutamente proibida, às castas inferiores, a simples audição da leitura dos Vedas ou livros sagrados. Na prática só as castas superiores tinham acesso à instrução. Nesta, a relação pessoal entre o mestre e os seus discípulos era muito intensa e marcada por uma extrema reverência e grande obediência. Apesar do constrangimento social da divisão em castas, a Índia teve governantes sábios, grandes matemáticos e astrólogos e inspiradores mestres de enorme elevação moral, ascética e espiritual, incluindo alguns dos nomes maiores do pacifismo militante.
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2.4. China: moldar comportamentos e preparar funcionários imperiais Na China o objetivo fundamental da educação era moldar os comportamentos a detalhadas regras de vida em família e em sociedade e preparar funcionários imperiais que soubessem ler, administrar e aplicar as ordens e instruções imperiais, qualquer que fosse a sua região e língua, no respeito pela autoridade e a favor da unidade e do desenvolvimento do seu enorme império. Na China não existiam castas. Além disso, o Imperador Qin, ao criar um estado centralizado, cerca de 220 a.C., destruiu a sociedade feudal e, com isso, acabou com a correspondente estratificação de base hereditária. A partir daí o acesso à instrução foi, quase sempre, muito aberto e mais dependente das capacidades e mérito dos candidatos do que da sua família de origem. O imperador Qin foi um unificador implacável. Para impor o novo modelo de organização política e social, simplificou e normalizou os carateres da escrita e, em 213 a.C. mandou queimar a maior parte dos livros não técnicos e também muitos letrados. Essa destruição dificultou ou impediu completamente o acesso direto das gerações futuras aos textos de Confúcio e de outros clássicos. Tal como aconteceu no ocidente, relativamente às obras de autores gregos e orientais destruídas nos sucessivos incêndios da biblioteca de Alexandria e de outras grandes bibliotecas, às gerações futuras chegaram, em muitos casos, apenas textos de letrados sobreviventes sobre os ensinamentos dos grandes mestres clássicos. Os exames imperiais para seleção de funcionários começam a fazer-se a partir da dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C.), embora, numa fase inicial, a origem familiar, os êxitos no campo de batalha, manifestações de virtude e outros critérios fossem tidos em consideração na seleção [Han a2013]. As crianças escolarizadas eram submetidas ao primeiro exame antes dos dez anos de idade, sendo interrogadas sobre as Conversas de Confúcio e sobre o clássico da piedade filial 24
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Hsiao-ching. Os alunos eram obrigados, acima de tudo, ao respeito e submissão aos mestres, que deviam ser austeros. Em 120 a.C. terá sido criada a primeira universidade imperial, o vértice da pirâmide do sistema educativo chinês. Uma das caraterísticas mais importantes da filosofia chinesa, desde Confúcio, foi a procura permanente da harmonia, feita da conjugação dos diferentes e não da uniformidade, e regulada pelos ritos para ser efetiva [Wang 2012]. De acordo com esta ideologia, a Harmonia era a estratégia para conciliar as relações humanas, em sentido sociológico, e a interação entre a natureza e a humanidade, em sentido ecológico [Wang1 2012]. Embora tenham coexistido diversas escolas filosóficas e pedagógicas na China, o bom senso da filosofia confuciana, a sua reverência para com os mestres e os mais velhos, a sua procura permanente da harmonia, a sua disciplina e rigorosa obediência a normas ritualizadas de comportamento, foram caraterísticas marcantes da educação e da sociedade chinesas ao longo de mais de dois milénios [Unesco a2013]. A importância de Confúcio e a reverência com que os Chineses o veem é bem patente no enorme templo que foi construído à volta do que se supõe ser o seu túmulo e que é o cemitério onde repousam muitos dos seus descendentes [Cemiterio a2013]. Aliás, em 2005, depois de décadas de revolução marxista-leninista-maoista, o Presidente da República Popular da China, Hu Jintao, reabilitou o ideal da Sociedade Harmoniosa, com base na ideologia confuciana, que permanece bem viva, ainda, na China de hoje. Os próprios exames imperiais, a que podiam aceder quaisquer cidadãos devidamente instruídos e educados, e que davam acesso aos mais diversos cargos na administração, também se fizeram durante muitos séculos, só sendo abolidos em 1905. Em termos práticos, na cultura chinesa dominante durante mais de dois mil anos, o que contava na vida era cada um cumprir o seu dever e manter a ordem nas famílias e no estado. O desenvolvimento da
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personalidade própria de cada criança estava longe dos objetivos da educação chinesa. Mas a preocupação pela harmonia e pela ritualização da aprendizagem, para a tornar efetiva, não impediu o desenvolvimento, muito cedo, de técnicas muito avançadas na construção de canais navegáveis, na metalurgia, na cultura do bicho-da-seda e na própria tecelagem e tinturaria da seda, na cerâmica, na impressão e em muitas outras áreas tecnológicas, como também não impediu o desenvolvimento das ciências médicas (a famosa medicina chinesa), da matemática e da astronomia. Apesar da pedagogia confuciana enaltecer o papel da recitação repetida e do estudo aturado como forma de aprendizagem, é a Confúcio que se atribui a sábia constatação: “O que ouço, esqueço, o que vejo, recordo, o que faço, aprendo”.
2.5. Grécia: aprender a pensar com rigor e independência Foram muitas as pedagogias e escolas filosóficas que se desenvolveram na Grécia Clássica. Estas dependiam de cada cidade-estado e dos filósofos mais influentes em cada época e local. De um modo geral, o objetivo da educação era formar bons cidadãos, disciplinados e com boa compleição física e mental. Sobretudo a partir do grande filósofo ateniense Sócrates, um dos principais objetivos foi ensinar e aprender a pensar, com rigor e independência. Em Esparta, ao contrário do que acontecia em Atenas, dominava o espírito de totalitarismo utilitário e o objetivo da educação era formar bons guerreiros. Com esse objetivo as crianças recém-nascidas eram entregues a comissões de veneráveis idosos que certificavam se a criança teria condições para se tornar um bom soldado, só a devolvendo à mãe, durante seis anos, se não tivesse deficiências que fizessem prever que nunca seria um bom guerreiro. Caso contrário,
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deixavam-na morrer. A partir dos sete anos era de novo o estado que se encarregava da educação da classe dos cidadãos guerreiros, submetendo as crianças e jovens a rigorosa disciplina. O atletismo desempenhava uma importante função nessa educação. Com o mesmo objetivo de criar bons guerreiros, era facultada a possibilidade das mulheres, mesmo casadas, de acasalarem com jovens reprodutores para maior glória da raça. A educação moral em Esparta promovia o respeito pelas instituições da cidade-estado, pelas suas leis, pelos magistrados e pelos anciãos. Ao mesmo tempo era incutido o desprezo e ódio aos estrangeiros e, sobretudo, às classes inferiores. O roubo, feito com destreza, era admitido. As mulheres eram educadas para preferir o bem da pátria ao dos seus próprios filhos. Em Atenas, em contrapartida, o ideal cívico era formar cidadãos completos. Embora esta cidade-estado valorizasse também a educação física e a coragem, Atenas procurava desenvolver nos seus cidadãos o espírito de justiça. As letras, a ginástica e a música eram a base da educação do cidadão ateniense. Aqui, finalmente, a educação servia para exercitar os dons naturais inatos de pessoa, e desenvolver a capacidade de cada um pensar autonomamente, pela sua própria cabeça. Para essa filosofia e pedagogia liberais muito contribuíram os
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contactos de Atenas com as suas ricas e requintadas colónias jónicas, que abriram a capital grega para a democracia e para uma cultura sofisticada. De facto, grande parte da cultura, da filosofia e sobretudo da ciência gregas desenvolveram-se nas suas colónias jónicas. Isto porque alguns sábios destas colónias combinaram o seu espírito curioso, observador da natureza e prático, sem medo de ‘sujar as mãos’ e fabricar instrumentos, com o debate franco, democrático e livre e a análise e síntese filosóficas sem as peias de qualquer teologia dogmática (ver o capítulo dedicado às revoluções tecnológicas e sociais do e-book de Introdução à Engª Mecânica coordenado pelo autor deste livro). O maior contacto das colónias jónicas com as civilizações do próximo oriente também foi importante para a riqueza da sua cultura. Tales, de origem fenícia, que nasceu e viveu em Mileto (atual Turquia) nos finais do século VII a.C. e no século VI a.C. (cerca de 624 a 556 a.C.), foi o primeiro grande cientista e filósofo ocidental e mesmo do Mundo e um dos mais importantes precursores da rica cultura grega. O naturalismo evolucionista de Anaximandro, também de Mileto, está repassado por uma profunda inspiração moral ligada à conceção jónica da justiça e da unidade e harmonia do cosmos. Com a sua filosofia procurava fazer a adaptação harmoniosa da lei e da liberdade e deduzir, daí, a organização (democrática) da polis (cidade). Foi neste contexto cultural que se desenvolveu a escola de pensamento pitagórica, em Samos (outra colónia jónica não muito distante de Mileto) e um movimento de mestres ou professores itinerantes, os sofistas. Andando de cidade em cidade, os educadores sofistas gregos tiveram uma influência enorme. Eles não só divulgaram os conhecimentos e as doutrinas de outros pensadores mas também promoveram o desenvolvimento da capacidade de raciocínio audacioso e a independência mental dos seus alunos. Foram eles os fundado28
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res da educação liberal que se manterá, com alguns altos e muitos baixos, durante mais de dois mil anos, no mundo ocidental. A eles se reporta a introdução no curriculum educativo das sete artes liberais, disciplinas que constituem o trívio (Gramática, Dialética e Retórica) e o quadrívio (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música). Estas disciplinas promoviam a formação de personalidades completas, capazes de aprender qualquer profissão, mas não propriamente de profissionais. As profissões técnicas aprendiam-se, na Grécia como em todo o mundo, com os mestres da respetiva arte, e eram transmitidas de pais para filhos, muitas vezes envoltas em segredos profissionais e liturgias em que se misturavam conhecimentos técnicos, artes mágicas e invocações religiosas. Foi neste quadro que se desenvolveu a riquíssima filosofia grega que influenciou outros povos e culturas e chegou até aos tempos atuais. Sócrates (469 a 399 a.C.) e Platão (cerca de 427 a 347 a.C.), ambos atenienses, e Aristóteles (384 a 322 a.C.), nascido em Estagira mas aluno de Platão, em Atenas, durante vinte anos, são vultos maiores da filosofia grega. Aristóteles, como precetor de Alexandre, da Macedónia, exerceu uma enorme influência no seu pupilo, que se tornou Alexandre o Grande e levou a cultura grega a todo o Próximo e Médio Oriente, até à Índia. Os escritos de Aristóteles, sobre os mais variados temas da Lógica, da Metafísica, da Física, História Natural, Matemática e Psicologia e ainda da Ética formam uma impressionante síntese dos conhecimentos da altura. No entanto, e por isso mesmo, foram tomados por muitos seguidores como a verdade final e absoluta, mesmo quando continham graves erros científicos, como a conceção de um mundo centrado na Terra, em torno da qual todas as estrelas e planetas rodavam, em círculos concêntricos, que seguidores pouco críticos propagaram ao longo de quase dois mil anos. Isto apesar de, já no século III a.C., Aristarco de Samus ter admitido a hipótese heliocêntrica, hipótese
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que muito depressa foi esquecida por não corresponder aos critérios estéticos e ético-religiosos então dominantes. De facto só Copérnico, (1473 a 1543) e depois Galileu (1564 a 1642) ousaram pôr em causa a teoria geocêntrica e substituí-la pela teoria heliocêntrica, isto é, com a Terra e os restantes planetas a rodar em torno do Sol. Foi com base na filosofia dos clássicos gregos que se desenvolveu a cultura ocidental, inclusive a romana e a educação liberal, predominantemente privada.
2.6. Roma: engenharia e direito A sociedade romana, mais pragmática, avaliava as coisas pela sua utilidade. Bons organizadores, legisladores, administradores, militares, engenheiros e arquitetos, os romanos não promoveram significativos desenvolvimentos filosóficos, científicos e pedagógicos. A educação visava a formação moral e prática e incluía a leitura, a gramática, a retórica, e tudo quanto era necessário para saber combater. Incluía o estudo da Lei das doze tábuas estabelecida cerca de 450 a.C. que permaneceu, durante dois mil anos, a base do direito romano e ainda hoje influencia o direito ocidental [Doren 2007]. O direito romano dos pais sobre os filhos e o papel das matronas romanas junto destes tinham como resultado que a educação fosse predominantemente familiar, ao contrário do que acontecia na Grécia ou na China. Além da família, foram tendo importância crescente as escolas particulares (não estaduais), nas quais se usavam métodos pedagógicos pautados mais pelos castigos físicos (como no Egito) do que pelo estímulo da curiosidade dos alunos. O exército romano foi uma excelente escola não só das artes da guerra mas também de disciplina e de engenharia. A pá, além da espada e das setas, fazia parte integrante do equipamento de cada legionário. Os exércitos incluíam companhias de engenharia capazes de construir, em poucas horas, as defesas de um acampamento.
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A construção de estradas era tão perfeita que se tornavam imunes às chuvas e inundações. A sua largura devia permitir a passagem de carros puxados por juntas de bois. Muitas estradas romanas continuam utilizáveis, ao fim de mais de dois mil anos. Os engenheiros romanos inovaram na construção de aquedutos e pontes suportadas por arcos de pedra extremamente resistentes com uma pedra de fecho de desenho inovador e o recurso ao cimento hidráulico. A engenharia de pontes era fundamental para o funcionamento da economia e para a conquista e o controlo militar e político do vasto império. As tribos germânicas de além Reno consideravam-se protegidas dos romanos pela intransponível barreira do rio Reno. Mas as legiões romanas construíram, em 55 a.C., uma primeira ponte de madeira de mais de cem metros (a Ponte Júlio Cesar) em apenas dez dias para provarem que eram capazes de ultrapassar essa barreira [Roman a2013]. Para os invasores bárbaros, que em 476 conquistaram Roma e acabaram com o Império Romano do Ocidente, a educação servia para integrar os jovens no clã e não para desenvolver a sua personalidade e capacidade de pensamento autónoma.
2.7. Educação religiosa e clássica na Europa medieval e no Mundo Árabe Desde 380 d.C., o cristianismo tinha-se tornado a religião oficial do império. Não só para a sua própria sobrevivência mas também para cristianizar os invasores, a Igreja tentou salvar e promover a educação cristã e clássica. Assim, durante a Idade Média europeia, os mosteiros de algumas ordens religiosas, e muitas catedrais criaram escolas não só para a formação de sacerdotes e monges mas também, em muitos casos, para educação de leigos. A formação moral e religiosa ocupava aí um lugar central. A cópia e recópia dos textos antigos nos mosteiros
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muito contribuiram para a preservação da cultura, da ciência e de muitas das técnicas da época clássica. A partir do século XII e, sobretudo nos séculos XIII e XIV, as guildas, corporações ou associações profissionais, desempenharam um papel importante no controlo das práticas profissionais e comerciais e também da própria formação dos aprendizes das diferentes artes e ofícios. (Curiosamente as primeiras guildas ou corporações profissionais de artesãos ou mercadores de que há notícia foram criadas na Índia cerca de 3800 a.C.). A rigidez destas corporações e a sua aversão à livre concorrência desregulada fez com que fossem morrendo com o advento da era industrial [Evans 2007, Technical a2013]. A leitura e escrita em latim contribuíram para manter a unidade religiosa e cultural e um certo universalismo europeu, apesar das sucessivas invasões por hordas de povos de diferentes línguas e costumes. Foi assim que a Europa Ocidental chegou ao Renascimento com uma mesma língua franca, não apenas da teologia mas também da literatura e da ciência, o que foi um fator muito importante na divulgação, na Europa, das ideias renascentistas. Uma outra comunidade de língua e religião, árabe e muçulmana, também contribuiu para a preservação e transmissão da cultura clássica, nomeadamente da filosofia e ciência gregas. Esse foi um precioso contributo de Casas da Sabedoria ou academias que funcionaram junto de grandes bibliotecas que traduziram para árabe textos dos clássicos gregos que tinham sido traduzidos para siríaco por cristãos. A educação árabe, baseada no Corão, de que as crianças deviam recitar as principais passagens as vezes necessárias para as aprender e decorar, era feita na família, nas mesquitas ou em madrasas. Era frequente os jovens de famílias mais abastadas viajarem de madrasa em madrasa, recebendo lições de sucessivos mestres cuja fama se espalhava de terra em terra. Por isso, muitas vezes as madrasas funcionavam mais como dormitórios e residências de estudantes itinerantes do que como escolas. Estas eram diferentes umas das outras e 32
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dependiam dos conhecimentos e qualidades dos seus mestres e, por vezes, das restrições impostas por governantes ou eventuais mecenas. O facto de os muçulmanos considerarem que o texto do Corão foi ditado por Deus ao Profeta Maomé travava, muitas vezes, o âmbito dos debates. Mas isso não impediu que nalgumas mesquitas ou madrasas se fizessem grandes debates entre muçulmanos, cristãos e judeus. Quer na Idade Média da europa cristã, quer nas sociedades islâmicas ou judaicas, a revelação e os livros sagrados que a registam foram, por um lado, uma enorme força de educação moral e religiosa, e, por outro, um travão ao pensamento racional e crítico e até à simples observação e estudo da natureza. Nas diferentes sociedades e culturas, a própria escrita por vezes teve um efeito bloqueador de futuras mudanças, por uma fixação na forma como em dado momento o conhecimento foi registado, como se o ‘filme’ da marcha da sociedade parasse no momento em que alguém a ‘fotografou’. Mas, noutros casos, foi a mesma escrita que permitiu transmitir a terceiros novas ideias e valores, provocando importantes transformações da sociedade. Enquanto a instrução, os conhecimentos e a cultura foram privilégio de grupos muito reduzidos de pessoas ou guardados em livros e bibliotecas raros, foi fácil, a qualquer tirano, matar uma cultura e séculos de conhecimentos acumulados. Casos houve em que foram muito longos os hiatos culturais e civilizacionais resultantes de atos bárbaros como a destruição da Biblioteca de Alexandria ou as razias feitas por invasores nómadas que destruíram sociedades sedentárias muito mais cultas e evoluídas.
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3. O PARADIGMA EDUCATIVO DA ERA INDUSTRIAL E O ENSINO TÉCNICO: UMA CONCEÇÃO REDUCIONISTA DA PESSOA
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Desde a revolução industrial do século XIX o paradigma educativo dominante no ocidente foi e ainda é o paradigma industrial, esquematicamente caraterizado pelas seguintes componentes: a) Modo de conhecimento racional, positivista; b) Conceção reducionista da pessoa, individualista, subordinada a um modelo exterior e à sociedade; imagem mecanicista da pessoa, económica, racionalista, egocêntrica e materialista; c) Visão da sociedade como agregado de indivíduos que persegue os seus próprios interesses, com objetivos nacionalistas, com a correspondente diluição do sentido do humano e do universalismo medieval; d) Domínio e exploração da natureza sem quaisquer preocupações de equilíbrio ou harmonia cósmica; e) Domínio dos interesses económicos, procura do lucro e da posse; f) Definição da normalidade pela conformidade e ausência de crítica; g) Responsabilidade individual de cada um pelo seu próprio destino; individualismo; competição; trabalho e domínio de si como condições de sucesso; desejo de liberdade; h) Estratégia de mercado, que permite a acumulação de capital com vista ao reinvestimento; utilitarismo para o próprio, como critério de 3. O PARADIGMA EDUCATIVO DA ERA INDUSTRIAL
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valor; industrialização como sistema de produção e de acumulação; incitamento ao trabalho por meio de recompensas materiais; i) Crença no progresso material e no desenvolvimento técnico e económico [Bertrand 1994, Hubert 1967]. Com o desenvolvimento das técnicas foi necessário formar operários com conhecimentos cada vez mais vastos. O treino profissional de crianças nas fábricas, muitas vezes a partir dos 6 anos de idade, deixou de ser suficiente. A partir de meados do século XIX alguns países europeus começaram a preocupar-se com o ensino técnico dos operários, técnicos e engenheiros necessários para as novas indústrias. O progresso mais rápido e profundo na educação técnica na Alemanha, na França e nos Estados Unidos, a partir do século XIX, nomeadamente a criação de Institutos Mecânicos (Mechanics Institutes), terão sido a principal razão pela qual a indústria destes países começou a suplantar a do Reino Unido. Nessa altura, e até aos finais do século XIX, o Reino Unido nem sequer tinha um sistema nacional de educação primária. Em Portugal as primeiras escolas técnicas (Conservatórios de Artes e Ofícios) foram criadas em 1836, em Lisboa e em 1837, no Porto [Vocational a2013, Ensino a2013]. Nos finais do século XIX foram criadas novas escolas técnicas para ensinarem do nível mais elementar ao complementar. Uma delas foi a Escola Técnica do Infante D. Henrique, no Porto [Pagina a2013, Escola a2013]. Foi no quadro do paradigma educativo industrial que se formaram operários disciplinados capazes de ler instruções e desenhos, de ler manuais de funcionamento e de manutenção e trabalhar com máquinas e outros equipamentos industriais para fabricar produtos cada vez mais sofisticados e maravilhosos. Quer nas escolas industriais quer nas outras escolas da época e baseadas no paradigma industrial, a educação não desenvolvia o espírito crítico. Por isso os operários e técnicos que estas escolas formavam, 36
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tal como os cidadãos que frequentavam as restantes escolas, saíam destas treinadas para obedecer sem questionarem as instruções que lhes davam. Foi deste modo que se chegou à belle époque, nos inícios do século XX, em que a ciência e a tecnologia pareciam tudo resolver e concretizar os sonhos mais extraordinários, como a fotografia, o cinema, o automóvel, a aviação e a iluminação elétrica das cidades. Foi com base neste paradigma educativo que se formaram os soldados capazes de fazer a guerra com armas cada vez mais sofisticadas sem questionarem as ordens dos seus superiores e o sentido da própria guerra. Foi também com esta educação, que abafava o espírito crítico, que se desenvolveram os nacionalismos cegos e se mobilizaram milhões de europeus para as duas guerras mundiais (de 1914 a 1918 e de 1939 a 1945) e se arrastaram outros tantos milhões de não europeus para essa barbárie sem sentido em que a Europa quase se autodestruiu.
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4. DESENVOLVIMENTO DE MODELOS E PRÁTICAS EDUCATIVAS NOS FINAIS DO SÉCULO XIX E PRINCÍPIOS DO SÉCULO XX
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4.1. Jules Ferry e o desenvolvimento da escola gratuita, laica e obrigatória em França Em 1861, a sociedade industrial de Mulhouse enviou um petição ao senado para este criar um sistema de instrução obrigatória para todos. Em 1866, Jean Macé criou a Liga do Ensino, que se bateu pela instauração de uma escola gratuita, obrigatória e laica. Em 1867, a Lei Duruy organizou, oficialmente, o ensino primário feminino impondo, nomeadamente, a abertura de uma escola feminina em todos os concelhos (arrondissements) com mais de 500 habitantes. Impulsionadas por Jules Ferry e Ferdinand Buisson, e por um movimento mais vasto para a democratização da escola, as leis Ferry dos finais do século XIX tornaram a escola obrigatória, dos 6 aos 13 anos, laica (desde 1881) e gratuita. Em 1886 a Lei Goblet interditou, mesmo, aos religiosos de ensinar no sistema público. A escola tornou-se um ascensor social para os filhos dos trabalhadores e dos agricultores, que passaram a aceder à educação. A seguir à Revolução Francesa e durante todo o século XIX foram criadas em França as chamadas Grandes Escolas ou institutos superiores de formação para as áreas industriais e comerciais. Tendo-se tornado insuficientes para satisfazer as crescentes necessidades da economia da 2ª Revolução Industrial começaram a ser criadas outras escolas
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de formação técnica e profissional de nível médio. A formação vocacional, em França, ao contrário do que aconteceria na Alemanha, era feita integralmente dentro das escolas então criadas.
4.2. Kerschensteiner e o Sistema Dual alemão Georg Kerschensteiner (1852-1932), que foi diretor das escolas públicas de Munique, de 1895 a 1919, depois de ter sido professor do ensino elementar e antes de ir ensinar para a Universidade de Munique, foi o grande pedagogo e educador popular que desenvolveu o modelo de Escola de Trabalho. Foram, em grande parte, as suas ideias que modelaram o sistema dual alemão de formação profissional. Kerschensteiner era um amante da música e gostava de tocar piano com amigos, nomeadamente com a violinista Paula Fischer-Thalmann, que acabaria por ser morta num campo de concentração nazi, por ser judia. Tinha, além disso, um forte sentido ético e de serviço [Rohrs 2000]. Para ele o principal objetivo do processo educativo era o desenvolvimento da personalidade. E o objetivo final era o progresso moral da comunidade. Considerava que um passo importante nesse sentido era a educação vocacional pelo trabalho. Considerando que o trabalho tinha um grande valor formativo e educativo, promoveu a aprendizagem pela integração da escola, do trabalho e do aluno-aprendiz. Segundo ele, “a educação tem como objetivo ético preparar para a cidadania útil. Ninguém pode ser considerado um cidadão útil de um estado se não (…) realizar qualquer trabalho que contribua (…) para os objetivos da comunidade estadual. Todo o cidadão que não dê o seu contributo, de acordo com as suas capacidades, não é apenas um cidadão inútil, como age, desde logo, de uma forma imoral” [Coelho 2011]. “O papel do estado é o de educar cidadãos úteis através da escola
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de trabalho e promover o trabalho comum e moral, na aceção de que todas as atividades se revestem de igual importância na comunidade”. “Kerschensteiner defendeu que a educação deve levar o cidadão a prestar um serviço consciente à sociedade e não um serviço cego a um estado (…) A educação de qualidade é uma educação ética e não política, ou seja, para os valores e não para o domínio pelo poder” [Coelho 2011]. As suas três principais preocupações eram o estabelecimento da educação vocacional, a inculcação da responsabilidade social e a ligação da educação à vida [Rohrs 2000]. Para ele a instrução dos cidadãos sobre os seus deveres devia preceder a instrução sobre os seus direitos. Tal como Dewey, que muito admirava, insistia na necessidade de desenvolver trabalho ativo, responsável na comunidade laboral e submeter-se, voluntariamente, aos representantes eleitos dos estudantes na administração escolar. Essa era uma condição sem a qual não haveria educação cívica. No entanto, enquanto Kerschensteiner considerava a escola como um complemento da aprendizagem prática da educação vocacional, Dewey considerava a educação escolar como fundamento para a posterior educação vocacional [Rohrs 2000]. As ideias e experiências práticas educativas de Kerschensteiner tiveram uma grande influência no sistema dual, escola-trabalho, da educação alemã e terão tido um papel muito importante no desenvolvimento industrial da Alemanha.
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4.3. John Dewey e a educação experiencial John Dewey (EUA 1859-1952) escreveu vários livros sobre educação, nomeadamente: My Pedagogic Creed (1897), The School and Society (1900), The Child and the Curriculum (1902), Democracy and Education (1916) e Experience and Education (1938). Nestes livros argumenta reiteradamente que a educação e a aprendizagem são processos sociais interativos. Para ele a escola é uma instituição social através da qual se pode e deve dar a reforma da sociedade. De acordo com este filósofo e pedagogo americano, os estudantes desenvolvem-se num ambiente em que possam experimentar e interagir e, por isso, devem ter um papel no estabelecimento do seu currículo e tomar parte na sua própria aprendizagem. Para Dewey o objetivo da educação é o desenvolvimento de todo o potencial de cada criança e jovem para se preparar para a sua vida futura, o que exige assumir o comando de si próprio e de todas as suas capacidades. Para a educação ser mais efetiva, os conteúdos devem ser apresentados de modo a permitir aos estudantes relacionar a informação com experiências anteriores, aprofundando a relação com o seu novo conhecimento. Ao mesmo tempo considera que confiar em demasia nas crianças também pode prejudicar o processo de aprendizagem. Para resolver este dilema, Dewey defende uma estrutura educativa que encontre o meio-termo entre fornecer conhecimento e ter em conta os interesses e as experiências do aluno. A criança e o curriculum são os dois limites de um mesmo processo. Tal como dois pontos definem uma reta, também a criança e os factos e as verdades dos estudos definem a instrução (1902). Através desse raciocínio Dewey tornou-se um dos mais famosos defensores da aprendizagem pelas mãos na massa (hands on learning) ou educação experiencial (experiential education), o que está relacio-
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nado com mas não é o mesmo que aprendizagem experiencial (experential learning). De acordo com a sua visão, a aprendizagem resulta das impressões que nos deixam objetos reais e, por isso, é impossível a aprendizagem sem utilizar objetos que nos impressionem a mente. As ideias de Dewey influenciaram seguidores e muitos modelos de educação experiencial. A Aprendizagem Baseada em Problemas (Problem Based Learning, PBL), por exemplo, incorpora muitas das ideias de Dewey relativas à aprendizagem através da investigação ativa. Dewey também influenciou Kerschensteiner, tendo-se encontrado com ele quando este último fez uma visita aos Estados Unidos em 1910, para participar numa reunião organizada pela International Society for the Promotion of Industrial Education. Dewey não só reimaginou a forma como o processo de aprendizagem deve ter lugar mas também o papel do professor. Como explicou em 1897, o professor não deve ser aquele que se coloca à frente na sala a distribuir ‘postas’ de informação a ser absorvida por estudantes passivos. Em vez disso, o papel do professor deve ser o de facilitador de guia [John a2013].
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4.4. O movimento das Escolas Novas e da Escola Moderna, a Escola da Ponte e o paradigma da pedagogia social de autodesenvolvimento Outros modelos de escola, mais centrados nas crianças e jovens do que nos saberes, têm sido testados e desenvolvidos mas ainda não conseguiram substituir o paradigma industrial, já substancialmente enfraquecido e descaraterizado mas ainda reinante. Um deles foi o modelo das Escolas Novas (New Schools ou Progressive Education) que se tentou desenvolver desde os finais do século XIX. Cada escola era um internato misto, situada no campo, com diversas casas com cerca de 10 a 15 alunos, cada, para prevalecer um ambiente familiar, em que a experiência pessoal da criança e os trabalhos manuais que realizava estavam na base do seu desenvolvimento intelectual. A prática da autonomia relativa dos estudantes era a fonte da sua educação moral. A eleição dos chefes pelos alunos, o desenvolvimento da capacidade de julgamento, a realização de trabalhos individuais de pesquisa e o estímulo ao espírito de iniciativa eram algumas das suas marcas características [Reis 2005]. O Movimento da Escola Moderna, fundado em Portugal em 1966 por Sérgio Niza e Rosalina Gomes de Almeida, desenvolveu-se numa altura em que a Escola Nova, como pedagogia ativa, estava já a ficar esclerosada, altamente burocratizada e academizada, para denunciar e combater essa esclerose. Na sua génese estão ideias de Celestin Freinet (França, 1896-1966), como primeiro passo para uma pedagogia que parte da prática pedagógica dos professores à procura de uma escola popular. “Na escola tradicional, quem é o ‘senhor todo-poderoso’ é o professor. Na ‘Escola Nova’ propõe-se que o poder deve residir na importância que a criança tem; o professor deve servir a criança. Para nós, parece-nos que a escola deve ser fundamentalmente um lugar
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onde se vai trabalhar; é o grupo composto por professores e alunos que constitui a escola. É por isso que as nossas escolas são organizadas cooperativamente: os nossos planos de trabalho – diários, semanais ou anuais – são debatidos pelos alunos e pelos professores, assumidos pelas partes, e depois avaliados por todos. Outra característica muito marcada é a ligação da escola à vida. As crianças, com o professor, irão aos locais de trabalho, ver e aperceber-se como é a vida social, e as pessoas de fora da escola vêm à escola dizer-nos como é o seu trabalho, o que fazem, como são remuneradas, etc. Isso é um princípio fundamental para nós. Esta ligação faz-se da escola para a vida e da vida para a escola. Essa interpenetração tem que ser assumida porque a escola e a vida são uma e a mesma coisa. Uma outra coisa que para nós é fundamental é partir da expressão livre da criança, daquilo que a criança já sabe, com todas as suas marcas de classe. O programa que se tem que de estudar na escola parte assim do que é a nossa vida vivida. (…) O que distingue a nossa metodologia é a prática do trabalho criador, na aula, orientado pelo espírito científico, a partir da expressão livre e individual para a expressão social através do grupo. A escola não faz revoluções; mas pode contribuir para acelerar ou retardar o processo histórico” [Niza 2012]. Como dizia Sérgio Niza no 1º Congresso Nacional do Movimento da Escola Moderna, “para nós, a escola é uma ferramenta; com ela, transformaremos a sociedade”. A Escola da Ponte, na Vila das Aves, fundada em 1976, é uma Escola Básica Integrada pública portuguesa que conseguiu um estatuto excecional de autonomia para poder desenvolver um modelo pedagógico diferente do tradicional. Os alunos (cerca de 175, dos três ciclos do ensino básico), ainda que inscritos formalmente por anos de escolaridade, formam grupos heterogéneos sem divisão por anos ou por turmas. Os espaços são abertos e os alunos contam com o apoio de 29 orientadores pedagógicos (em vez de professores) para os ajudarem nos seus trabalhos de grupo e no seu desenvolvimento pessoal e comunitário. 4. MODELOS EDUCATIVOS DOS FINAIS DO SÉCULO XIX
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A relação da escola com os pais dos alunos é muito intensa e frutuosa. A dedicação e a disponibilidade dos orientadores escolares são enormes. A escola está organizada por 3 núcleos, Iniciação, Consolidação e Aprofundamento. Os orientadores estão organizados por 5 dimensões: Artística, Identitária, Linguística, Lógico-Matemática e Naturalista. Em cada ano os alunos decidem, na Assembleia da Escola, os direitos e deveres que consideram fundamentais para aquele ano. Para desenvolver a autonomia das crianças e adolescentes, estes autoavaliam-se e, quando consideram que atingiram um objetivo proposto, submetem-se a uma avaliação por um orientador. Quando, depois de recorrer a todas as fontes disponíveis alguma criança considera que precisa de ajuda, escreve isso na folha “Eu preciso de ajuda”. Um professor organiza, então, pequenos grupos de estudo para esclarecer quem tiver dúvidas. Cada aluno e a maioria dos orientadores pedagógicos são responsáveis por algum aspeto do funcionamento da escola. Estes grupos reúnem-se uma vez por semana para resolver problemas [Escola1 a2013, Alves 2001]. A pedagogia empregue nesta escola tem semelhanças com a da Summerhill School criada no Reino Unido em 1921 [Summer a2013]. Outro modelo também parecido com o da Escola da Ponte baseia-se na ‘pedagogia social de autodesenvolvimento’ [Grand 1976]. Esta pedagogia visa a aprendizagem dos seguintes saberes: a) Saber fazer, associando o trabalho manual com o intelectual, para compreender a génese, as funções e os limites das tecnologias já inventadas; b) Saber pensar para ser capaz de analisar criticamente a realidade e as palavras dos outros, para se autoconstruir e assumir uma
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reflexão pessoal e crítica da sociedade em que estamos inseridos (para isso será necessário, evidentemente, desenvolver o conhecimento e a consciência históricos); c) Saber dizer e escutar, exprimir-se, comunicar e desenvolver atitudes de responsabilidade cívica partilhada e eficaz; d) Saber partilhar para melhorar a qualidade das relações inter-humanas e construir um mundo mais fraterno; e) Saber viver em conjunto e construir comunidades de pessoas solidárias, renovando incessantemente as relações dialéticas entre as liberdades e necessidades de todos. Esta pedagogia, que se insere no ‘paradigma inventivo’, visa desenvolver nas pessoas e nas comunidades, a sua capacidade de invenção social e de criação de novas instituições sociais (políticas e económicas incluídas), mediante a cooperação sinergética de pessoas e grupos diferentes e complementares. Neste modelo procura-se combinar a aprendizagem técnica, prática, com o espírito crítico e a criatividade, não apenas para a produção e a inovação material mas também para a inovação social.
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5. PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
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Paulo Freire nasceu no Recife em 19 de Setembro de 1921 e faleceu em São Paulo em 2 de Maio de 1997. Embora nascido numa família da classe média, na infância fez a experiência da pobreza e da fome durante a depressão iniciada em 1929, agravada pela morte do pai em 1933. Segundo ele próprio disse, a fome impediu-o de aprender e fez com que se atrasasse nos estudos. Apesar disso, com quatro anos de atraso, conseguiu entrar na Faculdade de Direito do Recife e tornou-se advogado, profissão que nunca exerceu. Em contrapartida dedicou-se ao estudo da filosofia da linguagem e foi professor. Nos inícios dos anos sessenta realizou as primeiras experiências de alfabetização popular. Com a sua equipa fez a alfabetização de 300 cortadores de cana do açúcar em apenas 45 dias [Freire a2013]. Esse extremamente rápido êxito deveu-se ao facto de ter desenvolvido um método revolucionário de alfabetização, particularmente eficaz por utilizar uma pedagogia crítica, uma constante consciencialização política e uma prática dialética com a realidade. Para Paulo Freire “alfabetizar é conscientizar” e “pensar certo é fazer certo”. Encarregue pelo governo de João Goulart de lançar e dirigir um grande Plano Nacional de Alfabetização, foi preso pouco depois, na sequência do golpe militar que instaurou a ditadura no Brasil em 1964 5. PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
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e acabou com o plano de alfabetização. Isto porque a sua pedagogia era o oposto da ditadura dos poderosos: “Em regime de dominação de consciências, em que os que mais trabalham menos podem dizer a sua palavra e em que as multidões imensas nem sequer têm condições para trabalhar, os dominadores mantêm o monopólio da palavra, com que mistificam, massificam e dominam. Nessa situação, os dominados, para dizerem a sua palavra, têm que lutar para tomá-la. Aprender a tomá-la dos que a detêm e a recusam aos demais, é um difícil, mas imprescindível aprendizado – é a ‘pedagogia do oprimido’ ” [Fiori 1975]. A sua pedagogia visa a libertação dos oprimidos e, simultaneamente, também a dos opressores. Como afirma Paulo Freire: é “(…) a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos - libertar-se a si e aos opressores”. Esta tarefa é coletiva porque, como Paulo Freire disse: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”. Da sua vivência com os oprimidos do Brasil, da Bolívia e do Chile, onde trabalhou no Movimento da Reforma Agrária da Democracia Cristã, resultou a consciência de que “os oprimidos, (…) acomodados e adaptados, ‘imersos’ na própria engrenagem da estrutura dominadora, temem a liberdade, enquanto não se sentem capazes de correr o risco de assumi-la. (…) Este é o trágico dilema dos oprimidos, que a sua pedagogia tem que enfrentar”. Continuando a citar o livro Pedagogia do Oprimido “A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertária, terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se com a praxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação”. Crítico acérrimo da educação tradicional, dissertadora, que chama de ‘educação bancária’, Paulo Freire afirmou: 50
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“Em lugar de comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a conceção ‘bancária’ da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los (…) porque fora da busca, fora da praxis (…)”. E acrescenta que neste modelo “educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também.” “Na visão bancária da educação, o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro”. Em contraposição, “a razão de ser da educação libertadora está no seu impulso inicial conciliador. Daí que tal forma de educação implique a superação da contradição educador-educandos, de tal maneira que se façam ambos, simultaneamente, educadores e educandos”. “Na medida em que esta visão ‘bancária’ anula o poder criador dos educandos ou o minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores: para estes, o fundamental não é o desnudamento do mundo, a sua transformação. O seu ‘humanitarismo’, e não humanismo, está em preservar a situação de que são beneficiários e que lhes possibilita a manutenção da sua falsa generosidade (…). Por isso mesmo é que reagem, até instintivamente, contra qualquer tentativa de uma educação estimulante do pensar autêntico, que não se deixa emaranhar pelas visões parciais da realidade, buscando sempre os nexos que prendem um ponto a outro, ou um problema a outro”. “Na verdade, o que pretendem os opressores ‘é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime, e isto 5. PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
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para que, melhor adaptando-os a esta situação, melhor os domine’ ”. “A questão está em que pensar autenticamente, é perigoso. O estranho humanismo desta conceção ‘bancária’ se reduz à tentativa de fazer dos homens o seu contrário – o autómato, que é a negação de sua ontológica vocação de Ser Mais”. “A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres ‘vazios’ a quem o mundo ‘encha’ de conteúdos; não pode basear-se numa consciência espacializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos homens como ‘corpos conscientes’ e na consciência como consciência intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas relações com o mundo”. “Enquanto, na educação ‘bancária’ (…) o educador vai ‘enchendo’ os educandos de falso saber, que são os conteúdos impostos, na prática problematizadora, vão os educandos desenvolvendo o seu poder de captação e de compreensão do mundo que lhes aparece, em suas relações com ele, não mais como uma realidade estática, mas como uma realidade em transformação, em processo”. “A tendência, então, do educador-educando como dos educandos-educadores é estabelecerem uma forma autêntica de pensar e atuar. Pensar-se a si mesmos e ao mundo, simultaneamente, sem dicotomizar este pensar da ação”. “A educação problematizadora se faz, assim, um esforço permanente através do qual os homens vão percebendo, criticamente, como estão sendo no mundo com que e em que se acham”. Mais adiante, no mesmo livro (Pedagogia do Oprimido), Paulo Freire fala da importância da palavra e do diálogo: Se é dizendo a palavra com que ‘pronunciando’ o mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significado enquanto homens. Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao 52
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A EVOLUÇÃO DOS MODELOS EDUCATIVOS
mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes. Não é também discussão guerreira, polémica, entre sujeitos que não aspiram a comprometer-se com a pronúncia do mundo, nem com buscar a verdade mas com impor a sua. “Porque é encontro de homens que pronunciam o mundo, não deve ser doação do pronunciar de uns a outros. É um ato de criação. Daí que não possa ser manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro. A conquista implícita no diálogo, é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens”. “Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda”. “Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não é possível o diálogo”. “Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade. A 5. PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
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pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante”. “A autossuficiência é incompatível com o diálogo, (…) neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que em comunhão buscam saber mais”. “Não há também, diálogo, se não há uma intensa fé nos homens. Fé no seu poder de fazer e refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de Ser Mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos homens”. Não é possível resumir em poucas palavras a riqueza da filosofia e da pedagogia libertadora de Paulo Freire. Mas não resistimos a fazer uma referência, ainda que mínima a uma das suas preocupações: “A investigação temática, que se dá no domínio do humano e não no domínio das coisas, não pode reduzir-se a um ato mecânico. Sendo processo de busca, de conhecimento, por isso tudo, de criação, exige de seus sujeitos que vão descobrindo, no encadeamento dos temas significativos, a interpenetração dos problemas”. “Por isso é que a investigação se fará tão mais pedagógica quanto mais crítica e tão mais crítica quanto, deixando de perder-se nos esquemas estreitos das visões parciais da realidade, das visões focalizadas da realidade, se fixe na compreensão da totalidade”. No seu último livro, escrito pouco antes de falecer, Paulo Freire critica o ‘cientismo’, fomentado por especialistas, que habitualmente conduz a uma fragmentação do conhecimento e reforça a necessidade de desenvolver visões críticas integradoras. No prefácio desse livro, Donaldo Macedo faz uma excelente síntese do mesmo, que reproduzimos parcialmente. Depois de se referir às ‘máscaras’ e ‘luvas’ metafóricas com que, segundo Paulo Freire, alguns educadores fragmentam corpos de conhecimento de modo a reduzir o trabalho intelectual a um mero tecnicismo, considera que deste modo é travado o fluxo de informação que seria necessário para 54
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A EVOLUÇÃO DOS MODELOS EDUCATIVOS
alcançar uma visão mais crítica do mundo. Segundo Paulo Macedo “foi esta preocupação acerca da abordagem tecnicista à educação que motivou Paulo Freire a escrever Pedagogia da Autonomia e a destacar outros conhecimentos fundamentais que todos os professores devem ter ou, pelo menos, com os quais devem tomar contacto, mas que raramente são ensinados na sua preparação para a docência”. Ele (Paulo Freire) argumenta que “Ensinar exige o reconhecimento de que a educação é ideológica”; “Ensinar exige ética”; “Ensinar exige a capacidade de ser crítico”; “Ensinar exige o reconhecimento dos nossos condicionamentos”; “Ensinar exige humildade”; “Ensinar exige reflexão crítica” entre outros aspetos. Estes são, com efeito, os títulos de alguns dos subcapítulos do último livro de Paulo Freire [Freire 2012]. A importância da ‘pedagogia do oprimido’ como método de alfabetização e como pedagogia da libertação levou o autor deste capítulo a levar para Timor o livro e um professor conhecedor desta pedagogia, quando em 1975 teve responsabilidades na descolonização do sistema educativo timorense. Por esta via ou, provavelmente pela via de alguns dirigentes da Fretilin que também o levaram para o território, o método de Paulo Freire foi utilizado nas montanhas de Timor-Leste durante os longos e dificílimos anos de ocupação por forças indonésias e de luta pela sua liberdade e independência. Provavelmente será ao libertador método de Paulo Freire que Timor-Leste deve hoje, em parte, o facto de ser um país independente e de língua portuguesa. Muita gente pensa que a eleição de Lula da Silva e a transformação que o Brasil teve na 1ª década do século XXI se deveu, em parte, a este pedagogo excecional. Por isso, em 13 de abril de 2012, pela Lei 12.612, Paulo Freire foi declarado Patrono da Educação Brasileira.
5. PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
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6. A PEDAGOGIA DA OBRA DA RUA “O GAIATO”
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Criada na década de 40 do século XX, pelo Padre Américo Monteiro de Aguiar, (1887 a 1956) a Obra da Rua tem diversas casas em Portugal, duas em Angola (Benguela e Malange) e uma em Moçambique (Maputo). Em cada uma destas casas vivem cerca de 150 rapazes, de idades inferiores a 25 anos, em comunidades que procuram ser o mais familiares possível, cada uma sob a liderança de um sacerdote católico. A maior parte dos rapazes são crianças ou jovens abandonados pelas famílias, geralmente filhos de famílias pobres e desestruturadas, que viveram na rua e que encontraram na Casa do Gaiato o lar que não tinham. Os seus principais princípios pedagógicos são [Casa a2013]: 1. Regime de autogoverno. Os chefes são eleitos pela comunidade. Com propriedade, o Padre Américo dizia que a Casa do Gaiato é obra de rapazes, para rapazes, pelos rapazes. 2. Liberdade e espontaneidade. Vigora o regime de porta sempre aberta. 3. Responsabilidade: “Em nossas casas todos e cada um tem a sua responsabilidade”.
6. A PEDAGOGIA DA OBRA DA RUA “O GAIATO”
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4. Virtudes humanas: Solidariedade, generosidade, camaradagem, amor ao próximo “Os mais velhos cuidam dos mais novos”. 5. Vida familiar: “Não somos asilo, nem reformatório, nem colónia penal. Não há nem nunca houve fardas ou uniformes”. “A família é o modelo da Obra”. 6 . Ligação à natureza. 7 . Formação religiosa. A pedagogia está centrada na pessoa do gaiato, é uma pedagogia personalista do ‘encontro’ [Martins 2004]. O ambiente físico, geralmente uma quinta onde os rapazes se expandem, trabalham e produzem uma parte do seu sustento, é um fator pedagógico importante. A pedagogia é católica, centrada no amor e com conteúdo moral e religioso. O autogoverno é o corolário da vida em família, é uma autogestão comunitária, com participação ativa nas decisões relacionadas com a vida em comunidade, com autonomia e autocontrolo. O Padre Américo dizia: “Ninguém pense fazer homens de rapazes domados. Eles fazem-se uns aos outros. A nós, adultos, basta-nos orientar”. O Padre Américo colocava o educando em condições de poder exercer o seu dom da liberdade, expressando um comportamento atitudinal natural e espontâneo: “A liberdade é o dom mais precioso que Deus nos dá […] Tudo vos é permitido… menos pecar ”. Ao mesmo tempo, o sistema de disciplina nestas comunidades não deixa que os rapazes sejam abandonados a si mesmos, segundo a sua vontade. O dia-a-dia da comunidade exige-lhes o cumprimento livre de determinadas obrigações. Com efeito, o trabalho é considerado um dos fatores educativos mais importantes. A oração, a missa, a catequese e a participação nas conferência vicentinas e noutras atividades de serviço aos outros desempenham um lugar de relevo na educação católica que a Obra da Rua promove. 58
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A EVOLUÇÃO DOS MODELOS EDUCATIVOS
“Nós acreditamos no Altar como único centro de toda a educação séria, duradoira e construtiva”, dizia o Padre Américo . No ambiente familiar da Obra da Rua ao padre da rua cabe o papel de ‘pai’, sendo o de ‘mãe’ desempenhado por senhoras assistentes. O papel do padre de rua como educador é determinante, tal como a ‘filosofia de comando’ exercida pelo maioral e pelos chefes eleitos em assembleias comunitárias. Estas assembleias são reuniões da comunidade convocadas pelos ‘chefes’, pelo chefe-maioral ou pelo padre da rua para tratar de todos os problemas da comunidade, incluindo os de indisciplina. Funcionam como uma espécie de terapia de grupo e proporcionam um espaço de recuperação moral e reconversão dos gaiatos. Nem sempre o padre da rua participa nestas assembleias. Quando os rapazes não cumprem as suas obrigações e os seus deveres comunitários ou cometem faltas comportamentais, a assembleia (ou, nalguns casos, o chefe maioral ou o padre de rua), pode aplicar castigos. Estes têm a função pessoal e social de ajudar a distinguir o bem do mal, a verdade e a mentira e lutar contra as más tendências anteriores dos rapazes. Não há regras para os castigos porque cada caso é um caso e cada rapaz é um rapaz. O castigar devidamente é muito difícil, pois o que está em causa é a formação da consciência moral do gaiato. Todos os castigos são de ordem moral, pois a liberdade de que o gaiato goza requer a escolha dos seus próprios castigos, para os receber frutuosamente. A Obra da Rua preocupa-se com o futuro profissional e familiar dos seus educandos, promovendo a realização de cursos, técnicos ou outros, superiores incluídos, e proporcionando, aos mais velhos, oportunidade para conhecerem raparigas e ajudando-os a encontrar o seu caminho fora da Casa do Gaiato. Muitos gaiatos, mesmo depois de empregados e casados, visitam as suas casas e alguns continuam a trabalhar ou a apoiar a Obra da Rua.
6. A PEDAGOGIA DA OBRA DA RUA “O GAIATO”
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7. SISTEMAS EDUCATIVOS ALTAMENTE VALORIZADOS PELO PISA: OS CASOS DA FINLÂNDIA, DA COREIA DO SUL E DE SHANGHAI
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A EVOLUÇÃO DOS MODELOS EDUCATIVOS
Desde o início dos anos 2000 que a Finlândia tem aparecido, sistematicamente, nos primeiros lugares das análises que a OCDE tem feito trienalmente aos sistemas educativos de mais de setenta países e economias, através do PISA (Programme for International Student Assessment). Este programa avalia as competências e conhecimentos de estudantes com 15 anos, perto do final da educação obrigatória para a maior parte dos países, nomeadamente nos domínios da Leitura, Matemática e Física e também em áreas transversais e funcionais como a capacidade de resolução de problemas. Outros países que têm sido cotados nos três primeiros lugares são Singapura e a Coreia do Sul. Em 2009 a cidade-província de Shanghai, a maior cidade chinesa (23 milhões de habitantes em 2010) ficou classificada em 1º lugar [OECD a2013, PISA a2013, Organização a2013]. Curiosamente nestas avaliações, a classificação dos Estados Unidos da América e da Noruega, que segue um modelo muito competitivo parecido com o americano, têm-se mantido no meio da tabela, a grande distância da Finlândia [Finlandia a2013]. A Finlândia era, em 1970, um país pobre, predominantemente rural e relativamente atrasado. O seu sistema educativo era centralizado e burocrático. A partir dos anos 1990 o sistema começou a ser
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descentralizado e desburocratizado. O sistema de inspeção estadual foi eliminado e substituído por um sistema de autoavaliações e o desenvolvimento de uma cultura de autoavaliação. O plano que os finlandeses então desenvolveram não visava a excelência, mas sim a equidade. E foi com este objetivo que investiram na formação inicial e na formação contínua de professores, quer de professores de especialidade (de disciplinas específicas), quer de professores de turmas (de acompanhamento geral de grupos de estudantes) [School a2013]. Desde o início da educação obrigatória, aos sete anos, cada criança é objeto de minuciosa e profunda análise das suas necessidades reais e acompanhada em função disso. Este cuidado com cada criança mantem-se ao longo de todo o ciclo de estudos obrigatório até aos 16 anos. Embora cada criança participe na sua autoavaliação, comente o desempenho de colegas e seja objeto de uma avaliação qualitativa, que procura ser motivadora, só a partir dos 13 anos é que a avaliação se torna quantitativa e só no final da educação básica, aos 16 anos, os estudantes passam a ser sujeitos a testes de avaliação externos.
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A EVOLUÇÃO DOS MODELOS EDUCATIVOS
Os professores, que são selecionados entre os melhores mestres que saem das universidades, participam em ações de formação contínua ao longo da sua vida profissional. Têm também frequentemente as suas aulas assistidas por outros professores mais experientes, que as comentam com o objetivo de os ajudar a melhorar o desempenho e não o de atribuir qualquer classificação que afete o seu salário. As escolas fazem autoavaliações regulares, mas não há rankings nacionais para as distinguir. Aliás, todo o ensino obrigatório é público e gratuito. As escolas geralmente não têm mais de 300 a 500 alunos, em grupos mais ou menos heterogéneos e constantes de 20 a 25 estudantes. Estes grupos não são propriamente turmas de nível. Neste modelo personalizado de aprendizagem e desenvolvimento de capacidades podem coexistir na mesma sala alunos em diferentes níveis, que acompanham os seus colegas embora com atividades que poderão ser diferenciadas. Não é impossível ter em simultâneo, numa mesma sala, além dum professor que ajuda a maioria dos estudantes a aprender, mais um ou dois professores, um dos quais a apoiar os que têm mais dificuldades e outro a trabalhar com os alunos mais talentosos. Estes últimos por vezes ensinam os que têm mais dificuldades. Quando necessário, também são criados grupos separados de alunos com maiores dificuldades, acompanhados por psicólogos e educadores especificamente formados para o efeito. Alunos com necessidades especiais podem ser colocados em escolas também especiais onde a aprendizagem pode ter um caráter mais prático. As escolas estão geralmente muito bem apetrechadas, têm gabinetes para os professores e oferecem almoço a todos os alunos. Embora nas escolas o ambiente seja de muito à-vontade e familiaridade entre professores e alunos, o respeito é enorme. O número de horas que os alunos passam na escola não é muito elevado e os trabalhos de casa deixam, geralmente, muito tempo para as crianças brincarem. Geralmente, além do cozinheiro, cada escola praticamente não tem pessoal auxiliar. Nos recreios há professores a acompanhar os alunos, 7. SISTEMAS EDUCATIVOS VALORIZADOS PELO PISA
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eventualmente a jogar ou a brincar com eles, cabendo a todos cuidar pelo bom estado e limpeza das escolas. A descentralização, para as autarquias, das responsabilidades contratuais, a grande autonomia pedagógica de cada escola e de cada professor, a desburocratização e um menor peso das avaliações contribuem muito para o gosto com que todos trabalham e para o sucesso do sistema educativo finlandês. Apesar do acompanhamento especial assegurado a muitos dos alunos, nalguma ou algumas fases do seu percurso e apesar de nas escolas secundárias haver em média um conselheiro por cada 200 alunos, para apoio psicológico e orientação, o que se poupa em burocracia e avaliações permite ter um sistema que não é mais caro do que o francês (cerca de 7% do PIB). O papel dos professores, neste sistema centrado muito mais nas crianças e adolescentes do que nos saberes, é o de ajudar os alunos a aprender e a desenvolverem-se. A dedicação dos professores às crianças e o respeito destas, dos pais e da sociedade para com os professores, a igualdade de oportunidades e o tratamento personalizado são fatores muito importantes no bem-estar de todos e no êxito do sistema [Robert 2011, Scribd a2013, Metodo a2013]. Na Coreia do Sul a educação é extremamente valorizada pela população, que a encara mesmo de forma obsessiva. Os bons resultados no PISA são conseguidos à custa de muita memorização, de muitas horas de trabalho e estudo, na escola, ‘nas explicações’ e em casa. Ao contrário da Finlândia, as crianças, adolescentes e jovens não têm tempo para brincar. Além disso o seu enquadramento moral é muito puritano (como o foi no século XIX, em Inglaterra, na época vitoriana). Além dos horários escolares serem pesados, as crianças e adolescentes coreanos estudam, em média, mais três horas e dormem menos uma hora por dia do que os estudantes americanos da mesma idade. A competitividade nas turmas é enorme. Muitas famílias e muitos 64
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jovens sacrificam-se para obterem resultados suficientemente bons para poderem entrar nas melhores universidades. O peso psicológico dos exames é causa frequente de suicídios de jovens estudantes [Korea a2013]. Por causa disso e da educação coreana matar a imaginação e a criatividade, alguns dos principais responsáveis políticos coreanos são muito críticos do seu sistema educativo e consideram que a pedagogia empregue não é a melhor. Isto apesar dos excelentes resultados que tem obtido no PISA, que não tem em devida conta estes parâmetros. Mudar o sistema, no entanto, tem-se revelado muito difícil [World a2013]. Em Shanghai, como em toda a China, há mais de dois mil anos que a educação e os professores são extremamente respeitados. Embora em grande parte da China o sistema educativo seja muito tradicional, embotando a curiosidade e a criatividade e, por vezes, a possibilidade das crianças serem crianças, tal como acontece na Coreia do Sul, em
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Shanghai, em Hong Kong e noutras províncias têm sido feitas reformas e progressos absolutamente notáveis. Em Shanghai, desde 1985 houve uma enorme vontade renovadora do sistema educativo da cidade. As qualificações dos professores admitidos têm vindo a aumentar. Foi eliminado o exame que havia no fim da instrução primária e reduzido o enorme peso que tinham os restantes exames. Foram abolidos os testes municipais com perguntas de escolha múltipla e passou a dar-se prioridade a exames que testam as capacidades para a vida real. A preocupação com a integração de numerosos migrantes das áreas rurais (cerca de 21% da população) reduziu fortemente os problemas que estes migrantes internos da enorme China ainda representam para a educação nas cidades. A fim de melhorar as escolas com mais baixa qualidade da periferia da cidade, o governo de Shanghai promoveu a colocação temporária de quadros administrativos e professores de escolas de qualidade ou de experientes professores reformados integrados em organizações não-governamentais para apoiar a gestão das escolas com piores resultados e ajudar os professores mais jovens, inexperientes ou fracos a preparar planos de aulas e melhorar a sua performance pedagógica. Um dos objetivos é ajudar estes professores a aprender como ajudar os alunos mais fracos, aqueles que muitos professores não gostam de ensinar até experimentarem que essa também pode ser uma tarefa muito gratificante. Este esforço de apoio às escolas e aos alunos mais fracos dos bairros pobres da periferia, muitas vezes no quadro de programas estabelecidos entre estas e as escolas de melhor qualidade do centro da cidade, tem sido um fator de enorme importância para a melhoria global do sistema educativo de Shanghai [China a2013]. Embora a disciplina seja muito estrita, deu-se alguma flexibilidade aos planos de estudos, autonomia às escolas e possibilidade dos alunos fazerem escolhas curriculares e de estudar ou investigar, 66
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autonomamente, tópicos que os interessam, com o objetivo de promover o bem-estar social, desenvolver o pensamento crítico e criativo e aprenderem a aprender. Apesar de tudo isto, que tem semelhanças com o caso finlandês, estima-se que 80% dos estudantes se ‘empanturram’ com a frequência de escolas noturnas e de fim-de-semana para garantirem que passarão nos exames. O governo tem consciência deste problema nacional e, num programa de reformas para a década até 2020, procura reduzir o peso do trabalho semanal dos estudantes. Para que as reformas sejam efetivas, os professores têm que receber 240 horas de formação no prazo de cinco anos [Asia a2013]. Em todos estes três casos de sucesso só há um ponto comum: a enorme valorização social da educação e o respeito pelos professores. Em dois deles, Finlândia e Shanghai, há outro traço comum: a especial atenção dedicada a pessoas e grupos com maiores dificuldades de integração ou de aprendizagem que, na falta de cuidados especiais, não aprenderiam nem desenvolveriam as suas capacidades e tenderiam a criar problemas e a afetar todo o sistema educativo.
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8. ALGUMAS MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO EM PORTUGAL DEPOIS DE 25 DE ABRIL DE 1974
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A seguir à Revolução de Abril de 1974 a separação entre ensino técnico e liceal foi abolida. Acabaram as escolas técnicas e os liceus. As novas escolas secundárias, contudo, assumiram um modelo licealizante. Ao tentar acabar-se com uma dimensão elitista na educação secundária, acabou-se com a formação tecnológica. Perdeu-se, assim, muito capital educativo, de conhecimento e material, fundamental para a formação prática. Mais tarde, nas décadas de 80 e 90 do século passado foram sendo criadas escolas artísticas e tecnológicas. O acesso a estas escolas era a seguir ao ensino básico. A aprovação de uma nova Lei de Bases do Sistema Educativo em 1986 (Lei 46/86 de 14 de Outubro) abriu caminho a importantes evoluções, nomeadamente no que se refere à educação tecnológica e ao ensino dual, parte na escola e parte em ambiente de trabalho. A partir de 1989 foram sendo criadas escolas profissionais com níveis de autonomia de organização, gestão e curricular mas com um núcleo ou core curriculum obrigatório. As formações tendiam a ser de largo espetro. A maior parte destas escolas são privadas, com o estatuto de utilidade pública, detidas por sociedades constituídas por autarquias, por empresas ou outras instituições.
8. MUDANÇAS EM PORTUGAL DEPOIS DE 1974
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Estas escolas gozam (em 2012) de grande autonomia e preparam para o desempenho de competências profissionais (e não para um posto de trabalho ou profissão específica). A progressão assenta num sistema modular (e não por ano académico) e vai-se fazendo ao longo do ano, ao ritmo próprio de cada estudante. No final a quase totalidade dos estudantes inscritos termina com um diploma profissional de nível 3, depois de ter feito um estágio em regime de trabalho fora da escola. Além disso fica com o diploma do 12º ano, que lhe dá acesso ao ensino superior em igualdade de condições dos estudantes do ensino regular. Em 1995, para sensibilizar jovens em idade escolar para escolhas vocacionais ligadas à Indústria, o INFORCE - Instituto de Formação para a Competitividade Empresarial lançou, em conjunto com alguns centros tecnológicos, o programa Pense Indústria, que até hoje tem mobilizado milhares de jovens, com relevo para o concurso internacional F1inschools (The Formula One - Technology Chalange) [Flinschools a2013]. Foi também a partir de 1995 que começaram a criar-se Cursos Profissionais em escolas do ensino regular, ao nível do secundário (10 a 12º anos de escolarização). O número de escolas com cursos profissionais ou profissionalizantes e, sobretudo, de estudantes inscritos, tem aumentado progressivamente desde o ano de 1999. Em 2010/2011 estavam 344 621 jovens inscritos no ensino secundário em Portugal dos quais 197 918 no ensino regular (57,4%) e 146 703 (42,6%) noutros cursos, dos quais 110 462 (35,1%) em cursos profissionais. Nesse mesmo ano dos 463 833 alunos inscritos (381 183 jovens e 82 650 adultos) no 3º ciclo do ensino básico (7º ao 9º ano de escolaridade), 343 238 (67,5%) frequentavam o ensino regular. Dos restantes 32,5%, 59 324 frequentavam cursos de Revalidação e Validação de Competências Científicas (RVCC) (para profissionais sem as qualificações académicas do ensino básico completas), 35 188 frequentavam 70
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Cursos de Educação Formação (CEF) e 22 464 Cursos EFA (Educação Formação de Adultos). (Angelina Carvalho, Os cursos Profissionais na Escola Profissional Amar Terra Verde: Qualificar, Desenvolver, incluir (estudo encomendado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE); CNE, Estado da Educação 2012). Nos finais da década de 90 o governo português tentou promover uma componente de aprendizagem por projetos na educação básica e secundária. Apesar dos méritos da iniciativa, não foi acompanhada da formação de professores e do debate necessários para obter a suficiente adesão e participação dos professores, pais e estudantes para ter sucesso. No século XXI esta componente foi sendo reduzida e progressivamente eliminada dos curricula e métodos pedagógicos da maior parte das escolas.
8. MUDANÇAS EM PORTUGAL DEPOIS DE 1974
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9. OS PROGRESSOS DA PSICOLOGIA E DAS CIÊNCIAS NEUROBIOLÓGICAS ABRIRAM CAMINHO A NOVAS VISÕES SOBRE A EDUCAÇÃO
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A EVOLUÇÃO DOS MODELOS EDUCATIVOS
Um dos mais eminentes psicólogos do século XX foi Jean Piaget (1896 a 1980). Através da minuciosa observação de seus filhos e principalmente de outras crianças, identificou quatro estágios de desenvolvimento cognitivo no ser humano: o estágio sensório-motor, pré-operacional (pré-operatório), operatório concreto e operatório formal. Para ele, as crianças só podiam aprender o que estavam preparadas para assimilar. Aos professores cabia aperfeiçoar o processo de descoberta dos alunos [Piaget a2013]. Uma das suas principais conclusões foi de que “a capacidade cognitiva humana nasce e se desenvolve, não vem pronta”. Por outro lado afirmava que “o conhecimento não nasce no sujeito, nem no objeto, mas origina-se da interação “sujeito-objeto”. Os seus trabalhos inspiraram e levaram ao desenvolvimento, na Europa e nos EUA, a partir das décadas de 1970 e 1980, de uma educação mais centrada na criança. Para ele, a educação não era para tentar fazer com que a criança se tornasse semelhante ao adulto típico da sua sociedade. “Para mim, educação é fazer criadores”, isto é, inovadores e não conformistas, dizia Piaget [Piaget a2013]. Piaget define o conhecimento como a capacidade de modificar, transformar e ‘operar’ sobre um objeto ou uma ideia, de tal modo que se torne compreendida pelo operador através do processo de
9. NOVAS VISÕES SOBRE A EDUCAÇÃO
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transformação. A aprendizagem ocorre em resultado da experiência, quer física quer lógica, com os próprios objetos e a maneira como são trabalhados. Por isso, o conhecimento tem que ser assimilado num processo ativo do aprendiz com capacidade mental amadurecida. Esta pode ser apoiada por instrutores num contexto educativo. Para ele são as relações de cooperação, do tipo de ‘relações entre pares’ e não de autoridade que criam espaço para o intercâmbio intelectual e para a reconstrução do conhecimento. É este o clima favorável para a emergência de soluções construtivas para os problemas. Nestas circunstâncias o conhecimento que resulta é flexível e regulado pela lógica dos argumentos mais do que determinado pela autoridade externa [Piaget a2013]. A partir da década de setenta do século XX diversos investigadores aprofundaram o conhecimento da mente, isto é, das funções superiores do cérebro humano relacionadas com a cognição e o comportamento [Mente a2013]. Eduard De Bono (Malta, 1933-) pôs em evidência as limitações do pensamento lógico linear e do pensamento crítico baseado na argumentação e a necessidade de desenvolver a criatividade e o ‘pensamento lateral’ por meio de provocações que fazem nascer observações e perspetivas soltas sobre um assunto e desabrochar ideias criativas. Investigações posteriores de outros autores confirmaram as ideias de De Bono. Howard Gardner demonstrou que não existe apenas uma inteligência lógica mas múltiplas inteligências e formas diferentes de aprender. Identificou e analisou sete delas, embora admitindo a existência de outras: 1- lógico-linguística, 2- lógico-matemática, 3- musical,
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4- corporal/cinestésica, 5- espacial, 6- interpessoal, 7- intrapessoal [Gardner 1999] Para ele, a inteligência é “um potencial biopsicológico para processar a informação que pode ser ativada num contexto cultural para resolver problemas ou criar produtos que têm valor numa cultura”. Para Gardner, na era pós-confuciana e pós aristotélica em que vivemos, é importante ligar a inteligência com outras ‘virtudes’, nomeadamente a criatividade e a moralidade. Com base na sua formação em ciências cognitivas e neurociências, por um lado, recorrendo à história, à antropologia e outras ciências humanísticas, por outro, e tendo em vista a evolução económica e política da sociedade, Gardner considera fundamental desenvolver as seguintes cinco mentes para o futuro: a mente disciplinada, a mente sintetizadora, a mente criadora, a mente respeitadora e a mente ética [Gardner 2006].
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Daniel Goleman acrescenta às sete inteligências de Gardner a inteligência emocional, com os seus quatro domínio: autoconsciência, autogestão, consciência social e administração de relacionamentos [Goleman 2002]. Para ele, emoção é um sentimento e os raciocínios daí derivados, estados psicológicos e biológicos e o leque de propensões para a ação. Num dos seus livros carateriza algumas emoções: ira, tristeza, medo, prazer, amor, surpresa, aversão e vergonha [Goleman 2002]. Uma vez que as relações entre as pessoas têm mais de emocional do que de racional, a inteligência emocional (ou inteligência social) é fundamental para a vida em sociedade e muito especialmente para uma boa liderança. Daí a importância de desenvolver soft skills, as capacidades e competências de interação com os outros [Skills a2013]. Ao fim de mais de trinta anos de estudos sobre o cérebro e a mente, o neurocientista António Damásio no seu livro sobre a construção do cérebro consciente [Damásio 2010] afirma: “Podemos dizer que as culturas e civilizações não teriam surgido na ausência da consciência, o que faz da consciência um desenvolvimento notável da evolução biológica”. A consciência só surgiu quando o cérebro foi capaz de criar um protagonista, o eu, e de ter desenvolvido a linguagem, que tornou a consciência conhecida. É a consciência que permite gerir e proteger a vida de forma eficiente. Nas células, a homeostase assegura a regulação da vida. Nos seres humanos a homeostase alarga-se ao espaço sociocultural e à procura deliberada do bem-estar pessoal e social. Segundo Damásio, “há cada vez mais provas convincentes de que os desenvolvimentos culturais ao longo de gerações sucessivas levam a alterações no genoma”. Esta última conclusão alimenta a esperança de que os esforços das pessoas de cada geração para se tornarem melhores, a si mesmas e ao Mundo, a longo prazo deixarão marcas na própria natureza humana. Contribuir para isso talvez seja o principal sentido da vida de cada um. 76
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A educação pode e deve ter nisso um papel positivo importante. E isso não se faz se a educação for orientada para a formatação das crianças e jovens em conformidade com o modelo sociocultural e político-económico vigentes. No seu livro O desafio do século XXI: Religar conhecimentos [Morin 1999] Edgar Morin expõe o que considera ser um duplo problema fundamental: “1. O desafio da globalidade, ou seja, a inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre, por um lado, um saber fragmentado em elementos disjuntivos e compartimentados nas disciplinas, por outro, realidades multidimensionais, globais, transnacionais, planetárias, problemas cada vez mais transversais, pluridisciplinares, até mesmo transdisciplinares; 2. Portanto, a não pertinência do nosso modelo do conhecimento e de ensino, que nos faz sabermos separar (os objetos do ambiente que os rodeia, as disciplinas umas das outras) e não o religarmos àquilo que, todavia, é ‘tecido em conjunto’. (…) Assim sendo, quanto mais multidisciplinares se tornam os problemas, mais incapacidade existe para pensar a sua multidimensionalidade; quanto mais planetários se tornam os problemas, mais impensados. Incapaz de encarar o contexto e o complexo planetário, a inteligência fica cega e irresponsável”. O Professor Humberto Mariotti, da Business School São Paulo, no seu livro afirma que “O modelo de pensamento prevalecente em nossa cultura tem-se mostrado cada vez menos eficaz para lidar com duas das caraterísticas mais destacadas dos tempos atuais: a instabilidade e a incerteza: Esse padrão mental tem sido chamado de pensamento linear, linear-cartesiano, ou pensamento binário (…)” [Mariotti 2010]. Sem minimizar a enorme importância do pensamento linear binário para o desenvolvimento científico, Mariotti considera, na linha de Edgar Morin, que é necessário acrescentar a esta forma linear de pensar e de falar uma forma circular, complexa, como nas reuniões de brainstorming. Nesta forma circular de pensar, para a qual a nossa
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linguagem está pouco apetrechada, as consequências também são causas, como na cibernética onde o feedback é fundamental para a autorregulação dos sistemas. Esta forma integradora, abrangente e global de pensar em vez de eliminar os contrários ou de escolher uma visão em prejuízo de outra (pensamento binário) é capaz de as integrar como visões complementares e levar ao ‘abraço solidário’ e a ‘soluções amigáveis’. Este tipo de soluções, ecológicas, ‘hospitaleiras’ são fundamentais para evitar os efeitos colaterais como “a devastação do meio ambiente, os fanatismos, os fundamentalismos (…)”, a reação das bactérias aos antibióticos, as guerras e os seus efeitos colaterais e tantos outros resultantes da utilização em exclusivo do pensamento linear e da análise compartimentada dos especialistas. Para aprender a ‘liderança de destino’, tão necessária nestes tempos de incertezas, não basta a ‘aprendizagem por assimilação’, em que as informações são absorvidas mas o indivíduo não muda a sua forma básica de pensar e agir. É necessário desenvolver também a ‘aprendizagem por adaptação’, em que “há mudanças internas, que resultam da interação do indivíduo com o mundo, que, por sua vez, também se modifica”.
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A EVOLUÇÃO DOS MODELOS EDUCATIVOS
Ken Robinson chama a atenção para o facto de, em todo o lado, os sistemas educativos terem por base e incutirem uma ideia muito limitada da inteligência e das capacidades, valorizando em excesso algumas formas de inteligência e talentos, em desfavor doutras e das relações dumas com as outras [Robinson 2009]. Numa altura em que a humanidade enfrenta enormes incertezas e vive desafios e mudanças de magnitude, velocidade e complexidade como nunca antes experimentou, não faz sentido centrar as atenções nos conteúdos e nos exames estandardizados. “O facto é que, tendo em conta os desafios que enfrentamos, a educação não precisa de ser reformada: precisa de ser transformada. A chave dessa transformação está em personalizar a educação e não em uniformizá-la – descobrir os talentos de cada criança, colocar os estudantes num ambiente onde queiram aprender e onde possam identificar de forma natural as suas verdadeiras paixões. A chave está em adotar os princípios fundamentais do Elemento” [Robinson1 2009]. Segundo Ken Robinson “o Elemento é o ponto onde a aptidão natural e a paixão pessoal se encontram”. Segundo este pedagogo, a criatividade que advém da paixão permite descobrir o sítio onde os nossos talentos e desejos se entrecruzam.
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10. NECESSIDADE DE DESENVOLVER E APLICAR NOVOS MODELOS EDUCATIVOS
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Na linha destes últimos autores pensamos que, de facto, os programas e, sobretudo, os métodos pedagógicos e os modelos educativos dominantes na generalidade dos países estão completamente desajustados das necessidades dos tempos de hoje e do futuro. A impotência que muitos licenciados e mestres desempregados sentem, agora, em Portugal e noutros países, perante uma realidade que mudou e já não é aquela para que foram preparados, é disso um sinal. O sistema fê-los ignorantes de tudo o que não fosse a sua especialidade, deixou-os indefesos perante o modo como funciona o Mundo e a sua economia, embotou-lhes a criatividade, inibiu-lhes a capacidade de assumir riscos e de empreender. Matou neles a curiosidade de saber o que não lhes ensinavam, de observar e analisar a realidade com espírito livre e crítico e a capacidade de construir algo diferente da sociedade de consumo em que foram e se deixaram encaixar. Matou neles a atitude crítica, responsável, interventiva e solidária com que poderiam construir alternativas. Como vimos ao longo deste capítulo, a educação moldou as diferentes culturas e sociedades. Dela dependeu e depende o modelo de sociedade em que a humanidade viveu ou quer viver. O apetrechamento para o mundo de incertezas e de rápidas mudanças em que já vivemos e os desafios do século XXI exigem
10. NECESSIDADE DE NOVOS MODELOS EDUCATIVOS
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sistemas educativos muito mais flexíveis do que os atuais, em que todas as múltiplas inteligências de cada um se possam desenvolver e os seus talentos possam revelar-se e desabrochar, sem prejuízo de sólidas bases científicas, disciplina, atitude construtiva e solidária, cidadania e comportamentos éticos. Em nossa opinião a educação tem que estar muito mais centrada nas crianças e nos jovens, nos métodos e nas práticas. A participação ativa dos estudantes no seu próprio desenvolvimento e na escola são fundamentais. A aprendizagem de uns com os outros, a responsabilidade de uns para com os outros, como vimos nalguns modelos educativos apresentados, a liberdade e participação democrática nas áreas e no âmbito pedagogicamente mais recomendável, deverão ser partes integrantes do desenvolvimento da personalidade, da capacidade de avaliação e de julgamento e da responsabilidade dos jovens.
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O trabalho técnico que pode exigir o recurso a competências manuais, a educação física e cinestésica, a arte e as diversas formas de comunicação e interação devem ser estimulados. A criatividade, a iniciativa e a solidariedade, também. O desenvolvimento da sensibilidade social, ambiental e ética e da capacidade de observação e análise da realidade, física, social, económica e política, o conhecimento das lições da história para desenvolver a visão prospetiva são fundamentais para todos nos tornarmos capazes de, consciente e eficazmente, contribuirmos para a construção de um mundo melhor. Na liberdade responsável, ou melhor, na responsabilidade livremente assumida, fá-lo-emos tanto melhor quanto o fizermos com os outros, em solidariedade, com o gosto da realização pessoal ao serviço de todos, com o ‘elemento’ de paixão que a vocação e o sentido de missão nos derem.
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11. PEDAGOGIAS PARA DESENVOLVER ATITUDES CIDADÃS RESPONSÁVEIS E RESPONDER AOS DESAFIOS DA ATUALIDADE
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11.1. Informação, conhecimento e sabedoria Para responder aos desafios da atualidade é necessário desenvolver capacidades e competências que potenciem a construção de alternativas para o bem comum. A educação pode e deve ter nisso um papel fundamental. Mas para tal, são necessárias novas pedagogias e uma participação muito mais ativa de todos os envolvidos no sistema educativo, de uma forma interativa, realista e aberta. A simples transmissão do conhecimento está muito longe de ser suficiente. Aliás, hoje em dia, a informação já não está só nos mestres, nem só nas bibliotecas, mas encontra-se na internet, facilmente acessível, com a ajuda dos motores de busca. Essa é uma razão, a somar a muitas outras, para que o ensino e a transmissão de informação pelos professores não seja a sua tarefa principal. Para transformar o mundo não basta informação, é preciso conhecimento, resultante de muita informação interligada e estruturada para poder ser eficazmente utilizada. E também não basta conhecimento, é precisa sabedoria para orientar o conhecimento com ética e para o bem comum, num quadro cada vez mais complexo e incerto. A sabedoria requer conhecimento aprofundado do real, das ciências e das técnicas, inspiração e criatividade para descobrir alternativas, 11. RESPONDER AOS DESAFIOS DA ATUALIDADE
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consciência ética, social e ambiental para as avaliar e empreendedorismo e soft skills para as tornar realidade. O envolvimento pessoalmente assumido, a participação social transdisciplinar e intercultural e as relações de confiança são condições para o êxito. No relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, presidida por Jacques Delors, publicado no livro, são destacados os quatro seguintes pilares da educação [Delors 1996]: a) Aprender a conhecer, que visa mais o domínio dos instrumentos do conhecimento do que um repositório de conhecimentos; b) Aprender a fazer (que é indissociável do apender a conhecer); c) Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros; d) Aprender a ser, o que exige o desenvolvimento integral da pessoa humana. Nesse mesmo livro é dado um interessantíssimo exemplo de interação da escola com a família e com a comunidade envolvente. Isso faz-nos lembrar a necessidade e a possibilidade da escola não ser um espaço fechado mas, pelo contrário, ser um contagiante espaço aberto e interveniente, capaz de fazer da cidade e da sociedade, em geral, uma sociedade da mútua aprendizagem, uma sociedade educativa [Delors1 1996]. O desenvolvimento das capacidades e competências necessárias para construir um melhor futuro passa pela criação e permanente renovação de comunidades pedagógicas dinâmicas e criativas em que todos, estudantes, professores, famílias, empresas e sociedade em geral vão desenvolvendo uma cultura reflexiva, crítica e construtiva. Semear, em todos, o desejo e o gosto de aprender e desenvolver-se e de cada um se assumir como aprendiz curioso é, também, uma função das escolas.
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É IMPORTANTE QUE OS INTERESSES INSTALADOS NÃO DEFRAUDEM AS EXPECTATIVAS DAS CRIANÇAS
11. RESPONDER AOS DESAFIOS DA ATUALIDADE
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11.2. A pirâmide das aprendizagens De acordo com o National Training Laboratories, uma organização sem fins lucrativos criada em 1947 em Bethel, Maine, USA, dedicada à Psicologia comportamental, à inovação organizacional, ao desenvolvimento humano e da liderança, citada na pirâmide das aprendizagens, para um estudante médio, será a indicada na “Pirâmide das Aprendizagens” da figura da página seguinte. Este diagrama, ainda que esquemático e simplificado e apesar de algumas das percentagens serem contestadas, coloca em evidência, de forma expressiva, o que muitos pedagogos sabem: fazer e ensinar aos outros são as melhores maneiras de aprender. Tendo isto em conta, um estudo realizado pela Education International e por The Europan Students Union, com o apoio do Lifelong Education Programme da União Europeia, aposta claramente na aprendizagem centrada nos estudantes [rw Union]. Este modelo pedagógico baseia-se na aprendizagem ativa, em vez da tradicional, passiva. A ênfase é colocada na aprendizagem e compreensão aprofundadas, numa maior responsabilização e prestação de contas por parte dos estudantes. Estes têm que ser e se sentir mais autónomos e estabelecer, com os professores, relações de interdependência e de respeito mútuo, no quadro de uma aproximação reflexiva, crítica e construtiva de ambas as partes. Esta pedagogia corresponde a uma nova mentalidade e cultura no sistema de educação superior (poderíamos também dizer aprendizagem superior uma vez que já não faz sentido falar em ‘ensino superior’). De acordo com este novo paradigma, a aprendizagem faz-se através da comunicação e interação dos estudantes entre si e destes com os professores e/ou orientadores-líderes. A principal
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responsabilidade pela aprendizagem está do lado dos estudantes que, para o efeito, deverão ter também alguma margem de liberdade para estudarem o que desejam, desde que inserido numa sólida formação científica de base e no desenvolvimento efetivo das necessárias capacidades e competências. Na mesma linha, o relatório final do grupo de trabalho Aperfeiçoar o modelo educativo da U. Porto, aprovado em 17 de junho de 2011, propõe a “criação em todos os planos de estudos de um conjunto de ‘créditos de livre escolha’, devendo a oferta destes ser assumida e compatibilizada por todas as UOs”. Muitas outras universidades já o fizeram ou estão em vias de fazer o mesmo.
11. RESPONDER AOS DESAFIOS DA ATUALIDADE
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11.3. A avaliação desempenha um papel muito importante na educação A avaliação classificativa e, sobretudo, a avaliação formativa, desempenham papéis muito importantes na educação. É a avaliação que permite tomar consciência do que se sabe ou ainda não, das capacidades mais ou menos desenvolvidas ou a precisar de maior atenção e esforço para se atingirem objetivos. A autoavaliação é, de todas, a mais importante. Se nos treinarmos e aprendermos a fazê-la, ficaremos a dispor de um poderoso instrumento de melhoria de comportamentos e de capacidades, fundamentais para a realização nossa e dos outros. Sendo a forma de avaliação mais importante, é também a mais difícil. A coincidência do avaliador e do avaliado não permite um distanciamento que facilitaria a lucidez e correcção do julgamento. É muito fácil a avaliação sofrer da cegueira ou incapacidade do avaliador exatamente nas áreas mais críticas em que mais necessária seria a objetividade e a independência do avaliador. Daí resulta a enorme importância das avaliações feitas por terceiros, de estudantes pelos professores, de professores pelos estudantes e de estudantes por estudantes e de professores por outros professores. A avaliação por terceiros, garantindo um maior ou menor distanciamento, geralmente útil para a independência da avaliação, arrisca-se a utilizar critérios que se afastem dos valores, objetivos, vocação e missão do avaliado. Estas múltiplas dificuldades fazem com que a avaliação, por mais cuidada que seja, seja sempre pouco rigorosa e arriscada. É muito fácil cometer erros de auto ou de heteroavaliação. Daí a necessidade de usar de prudência e reservas na avaliação e nos seus resultados, admitindo sempre que não é perfeita e pode, mesmo, ser muito injusta. A participação dos estudantes na avaliação e, nomeadamente o desenvolvimento de um espírito crítico e criativo e de uma cultura
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de autoavaliação e de exigência, fazem parte de um bom modelo educativo. A revisão dos trabalhos de uns alunos por outros alunos, como já se pratica em muitos casos e que o autor deste capítulo aplicou em quase todas as unidades curriculares a seu cargo, do 1º ano do 1º ciclo superior ao doutoramento, contribuiu muito para a aprendizagem de uns estudantes com os outros e para a criação, nas turmas, de verdadeiras comunidades de aprendizagem. O respeito e a confiança mútuos são imprescindíveis, e isso exige a cultura e prática de elevados padrões éticos, mais do que quando os estudantes tinham uma atitude mais passiva e menos responsável diante de quem os queria e tentava ensinar e avaliar. Entre os docentes também a crítica construtiva de outros docentes, os ‘amigos críticos’ que observam e comentam aulas de colegas, como já começou a fazer-se na Universidade do Porto e noutras universidades, é uma componente igualmente valiosa desta pedagogia, que precisa de ser assumida não apenas por professores e alunos mas pelas próprias instituições também [Pego 2011].
11. RESPONDER AOS DESAFIOS DA ATUALIDADE
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12. O MODELO DE BOLONHA E A FORMAÇÃO DE ENGENHEIROS DO RENASCIMENTO DO SÉCULO XXI
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Em junho de 1999, 29 Estados Europeus subscreveram a Declaração de Bolonha, cujo objetivo central era: “o estabelecimento até 2010 dum Espaço Europeu de Ensino Superior, coerente, compatível, competitivo e atrativo para estudantes europeus e de países terceiros, Espaço que promova a coesão Europeia através do conhecimento, da mobilidade e da empregabilidade dos diplomados, forma de assegurar um melhor desempenho afirmativo da Europa no Mundo”. Com esse objetivo foi estabelecido e generalizado um sistema de créditos académicos (ECTS), não apenas transferíveis mas também acumuláveis, independentemente da instituição de ‘ensino’ frequentada e do país de localização da mesma. Em sucessivas reuniões dos Ministros da Educação Europeus foi reconhecida a importância da aprendizagem ao longo da vida e de um maior envolvimento dos estudantes na “gestão das instituições de Ensino Superior”. No comunicado da reunião de Leuven/Louvain-la-Neuve do processo de Bolonha, faz-se referência à aprendizagem centrada nos estudantes com vista a alcançarem os desejáveis resultados da sua aprendizagem. Também o Relatório final do grupo de trabalho Aperfeiçoar o modelo educativo da U. Porto, acima referido, no seu ponto III considera
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importante implementar o paradigma do ensino e da aprendizagem centrado no estudante com a correspondente necessidade de fazer a “transição de um sistema de ensino baseado na transmissão de conhecimentos para um sistema baseado no desenvolvimento das competências dos estudantes, em que as componentes de trabalho experimental ou de projeto, entre outras, e a aquisição de competências transversais devem desempenhar um papel decisivo”. Valorizar a aprendizagem eficaz e a criação de hábitos de trabalho nos estudantes, corresponsabilizando-os pela construção dos próprios conteúdos de aprendizagem, promover a sua participação em projetos de investigação, em atividades cívicas e de voluntariado, cooperar na formação de colegas com maiores dificuldades ou mais jovens, são outros pontos considerados no relatório. Este salienta a importância da ética e da integridade académica. De acordo com o mesmo relatório, “A transformação do paradigma pré-Bolonha, centrado no professor, para um outro paradigma centrado nos estudantes, para além de razões de natureza teórica, foi inquestionavelmente impulsionada pela evolução das tecnologias de apoio ao ensino e aprendizagem, nomeadamente daquelas que dizem respeito às plataformas de e-learning (e.g. Moodle), aos repositórios de conhecimento com livre acesso (e.g. Repositório aberto, Wikipedia) e aos motores de pesquisa de informação (e.g. Google). Independentemente de todos os restantes fatores, estes três, que se desenvolveram de forma largamente independente das preocupações pedagógicas, seriam suficientes para introduzir um efeito democratizador nas relações de ensino e aprendizagem”. Pelo seu lado, os engenheiros que são necessários formar hoje são muito diferentes dos engenheiros tradicionais que se formavam no século passado. Já o vimos atrás, no capítulo sobre os desafios do século XXI. De acordo com o conceito que o Professor Thomas Miller, da North Carolina State University apresentou na reunião promovida pela 94
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A EVOLUÇÃO DOS MODELOS EDUCATIVOS
COTEC em 6 e 7 de setembro de 2004, em Lisboa, substancialmente reformulado pelo autor deste capítulo, podemos esquematicamente apresentar na Tabela 1 o modelo tradicional e o novo modelo de Engenheiro do Renascimento do século XXI, lado a lado para melhor assinalar as diferenças. Tabela 1 - comparação entre as caraterísticas de um engenheiro do século XX e um engenheiro do século XXI.
Engenheiro do
Engenheiro do Renascimento do
século XX
século XXI Identificador, avaliador e formulador de
Solucionador de problemas
problemas, além de solucionador, com outras pessoas de outras áreas científicas, artísticas ou técnicas e de outras culturas Combina o conhecimento e as
Tem elevados conhecimentos
competências técnicas com liderança,
e competência técnica
empreendedorismo e capacidades de gestão e de relacionamento Conhece o contexto técnico, político e comercial do produto do seu trabalho
Percebe o contexto técnico do
Tem preocupações de sustentabilidade
produto do seu trabalho
económica, social e ambiental e comporta-se eticamente Tem atitude e desenvolve competências de cidadania mundial
Facilmente estereotipável
12. O MODELO DE BOLONHA
Não é facilmente estereotipável
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Durante muitos anos as melhores escolas de Engenharia do mundo basearam no modelo CDIO (Conceive, Design, Implement and Operate) a sua programação e pedagogia. Este modelo inovador para a formação da geração seguinte de engenheiros foi desenvolvido inicialmente no MIT (Massachusetts Institute of Technology, EUA), no final dos anos 90 e adotado por numerosas escolas de engenharia de muitos outros países [CDIO a2013, CDIO1 a2013]. O autor deste capítulo, por diversas vezes, defendeu a necessidade de completar esse sylabus com mais três componentes essenciais: IdEF, Identify, Evaluate and Formulate, de modo a dar origem ao IdEF-CDIO. Isto porque não basta Conceber, Projetar, Executar e Operar qualquer sistema ou produto da engenharia. Antes disso, mais difícil e importante do que isso, é preciso Identificar (os problemas, as necessidades e as oportunidades), Avaliá-los (ver se são importantes e justificam um estudo aprofundado e soluções urgentes ou, ao menos, tão rápidas quanto possível) e Formulá-los (identificando as
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A EVOLUÇÃO DOS MODELOS EDUCATIVOS
suas principais causas, os mais relevantes parâmetros de que depende e como relacionar causas com efeitos ou seja, pôr os problemas em equação), para depois os resolver. Com o objetivo de promover o desenvolvimento de capacidades e competências de trabalho em grupo pluridisciplinar, de liderança e de empreendedorismo, em 2004 Barbedo de Magalhães propôs à Direção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto o lançamento dos projetos PESC (Projetar, Empreender e Saber Concretizar), projetos liderados por estudantes e envolvendo, em cada grupo, necessariamente estudantes de mais do que um curso e em diferentes níveis da sua formação. Estes grupos podiam mesmo incluir estudantes do ensino secundário, como aconteceu nalguns casos. O modelo, apoiado pelo Presidente do então Departamento de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial, Professor António Torres Marques, que foi um dos seus subscritores, contou com o total apoio do Diretor da FEUP, Professor Carlos Albino Veiga da Costa e envolveu um número relativamente elevado de professores e estudantes. Houve projetos que deram origem a empresas, algumas das quais ainda hoje estão ativas e produtivas. Numa segunda fase, o modelo foi alargado a toda a Universidade do Porto, com a designação de Projetos Lidera, igualmente liderados por estudantes. Apesar do excelente acolhimento por parte do Reitor, Professor José Carlos Diogo Marques dos Santos, o seu sucesso foi afetado por dificuldades financeiras e burocráticas. Outras universidades, portuguesas e de outros países, têm levado a cabo projetos baseados nos mesmos princípios, contribuindo fortemente para o desenvolvimento de capacidades e competências dos estudantes que são cada vez mais reconhecidamente necessárias. Com o mesmo objetivo a Aalborg University, na Dinamarca, utiliza um modelo de trabalho de projeto baseado em problemas. No modelo
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de Aalborg grande parte da aprendizagem é feita pela participação em grupos que trabalham para a resolução de problemas reais [rw model]. Tudo isto significa que muitas universidades europeias se têm modificado substancialmente e tentado adaptar às necessidades da Europa e dos tempos de hoje. Na agenda da Conferência Ministerial de 2012 prevê-se analisar, no quadro do Processo de Bolonha, a necessidade de reformar o governo das universidades europeias e reforçar a sua liderança e capacidade de gestão. Num documento preparatório é realçada a importância de promover a interdisciplinaridade, estimular o empreendedorismo e enfatizar o envolvimento cultural e social das universidades. Numa reunião preparatória foi salientada a importância de ir para além de Bolonha e da Europa, na construção do sistema de educação superior. A dinâmica de Bolonha tem sido de grande valia para as universidades europeias e para a formação e mobilidade dos seus jovens. “Convém aqui referir que, do ponto de vista da estratégia comunitária da União Europeia, o Processo de Bolonha se enquadra na agenda política delineada pelos Chefes de Estado e de Governo, na cimeira europeia de Lisboa (2000), prosseguida na cimeira de Barcelona (2002), a qual definiu o objetivo de, até 2010, fazer da Europa: ‘(...) a economia do conhecimento mais competitiva e mais dinâmica do mundo, capaz de um crescimento económico duradouro acompanhado de uma melhoria quantitativa e qualitativa do emprego e de maior coesão social’ ” [Bolonha a2013]. No entanto a realidade europeia em 2010 e anos seguintes é muito diferente daquilo que em 2000 e 2002 se previa. Em vez da esperada competitividade a Europa e, sobretudo, os países do Sul da Europa, encontram-se em recessão e com taxas de desemprego absolutamente dramáticas. Não é fácil explicar como e porque se chegou a uma situação
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tão deprimente e tão diferente da que se esperava. Mas isso significa que os europeus e a grande maioria dos cidadãos do mundo continuam ao sabor de gigantescos interesses e ignorantes dos mecanismos do seu funcionamento e, por isso, impotentes para os controlar e alterar. Não vale a pena atirar pedras a políticos manietados por poderes bem maiores do que os seus, ou mesmo a corruptos ou corruptores, porque o mais importante é que os cidadãos assumam as suas responsabilidades, participem ativamente na vida política e façam melhor, no contexto real em que vivemos, ou apoiem eficaz e competentemente quem quer fazer melhor política e libertar-se do peso avassalador dos grandes interesses instalados.
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13. AS NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC), O SURGIMENTO DE NOVAS FERRAMENTAS PEDAGÓGICAS E A FORMAÇÃO DE ENGENHEIROS-CIDADÃOS PARA O MUNDO
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A EVOLUÇÃO DOS MODELOS EDUCATIVOS
Em 2004 Salman Khan, ex-aluno do MIT e da U. Harvard a trabalhar em Boston, para ajudar, nos seus estudos, uns primos que viviam a milhares de quilómetros, no sul dos EUA, começou a enviar-lhes pequenos vídeos, que colocou no YouTube. Os primos gostaram e deram a conhecer a colegas e amigos. Outras pessoas descobriram-nos no YouTube e, a certa altura, alguns professores usaram-nos em sala de aula ou como instrumentos de aprendizagem em casa. A partir daí a sala de aula transformou-se. Em vez do professor ter de expor todo o tempo, passou a expor menos e a ter mais tempo para falar com os seus alunos, ajudá-los e estimulá-los. Os estudantes, antes calados para ouvir o professor, puderam pôr-lhe questões e interagir uns com os outros, passando a aprender também com os colegas. A sala de aula humanizou-se. E a função do professor, transformado em incentivador e tutor, tornou-se mais nobre e efetiva. As novas TIC permitiram que alunos de diferentes turmas, de diferentes escolas, de diferentes países passassem a interagir entre si e com os seus professores em qualquer parte do Mundo. A sala de aula passou a ter uma dimensão global, sem fronteiras, limitada apenas pelo acesso à rede informática. Os estudantes puderam aprender ao seu próprio ritmo, visualizando os vídeos as vezes que fossem necessárias a cada um, e colocando
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questões aos colegas, aos pais, a outros professores ou estudantes e ao próprio Salman Khan. Este foi gravando cada vez mais vídeos sobre os mais diversos temas, geralmente com durações entre 5 e 20 minutos e criou, em 2006, uma ‘academia’ com um crescente número de colaboradores para poderem responder às milhentas questões que os alunos e os professores iam pondo e acompanhar cada aluno, registando dúvidas e problemas de aprendizagem de cada um para melhor os poderem acompanhar e apoiar. Nasceu, assim, um novo modelo pedagógico, proporcionado por uma ‘academia’ privada apoiada pela Fundação Bill Gates e por outros donativos, a que qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, nomeadamente estudantes do ensino secundário e superior, pode recorrer gratuitamente. Um número crescente de universidades, nomeadamente nos EUA, tem criado programas para o desenvolvimento de ‘competências globais’ dos engenheiros. Setembro de 2012 marcou o arranque da primeira unidade curricular especificamente com esse objetivo, Global Engineering nos Seminários do 5º ano do Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica. Esta iniciativa conjunta da Universidade de Maryland, nos EUA, com a FEUP, com aulas dadas simultaneamente nas duas universidades com recurso a videoconferência, contou com a participação do Professor Marc Zupan, da U. Maryland e dos professores António Barbedo de Magalhães e Abel Santos, da FEUP e ainda de mais alguns colegas, de um lado e outro do Atlântico. Os alunos das duas universidades fizeram diversos trabalhos em grupos de trabalho mistos, luso-americanos, em torno da temática da Engenharia Global (Engenharia para o Mundo). De facto, a responsabilidade maior dos Engenheiros é melhorar as condições de vida de todas as pessoas do planeta. Para isso, é necessário um maior saber sobre como o mundo funciona, nomeadamente a sua economia e finanças. Por isso diversas escolas de engenharia criaram, também, programas de relações internacio102
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nais integrados nos cursos de engenharia, em que esses mecanismos de funcionamento e a história dos acontecimentos que enformam a realidade mundial são estudados. Mais importante ainda é a formação de Cidadãos do Mundo, nas escolas de Engenharia [Lohmann 2006, Parkinson 2009]. É muito trabalhoso ser-se um cidadão ativo, empenhado, realista e eficazmente consequente. Mas os caminhos mais fáceis, que a preguiça procura, não resultam. Provocam o apodrecimento das situações e suscitam revoltas violentas, como muitas que a História regista, que mudaram mais as aparências do que as realidades. Acreditamos que é o trabalho lúcido, consistente, paciente, perseverante e solidário que permite alcançar os melhores resultados. Os Indianos alcançaram a sua independência pela via pacífica e os timorenses conquistaram a sua liberdade porque não recorreram ao terrorismo. A própria Revolução de Abril de 1974, embora feita com as armas do MFA (Movimento das Forças Armadas), não foi sangrenta e, desse modo, poupou os portugueses a muito sofrimento e traumas e a muitos efeitos colaterais que o uso da violência inevitavelmente provocaria. Os engenheiros foram os principais obreiros das inovações que alimentaram a segunda Belle Époque que maravilhou a sociedade do consumo da segunda metade do século passado e dos primeiros anos do século XXI em curso. Mas não conseguiram evitar, nem eles, nem os economistas, nem os políticos, nem os cidadãos em geral, as bolhas financeiras especulativas que deram origem à crise financeira iniciada em 2008. Também ainda não conseguiram confrontar os oráculos das agências de rating de que depende a sorte, o desemprego e a fome de muito milhões de pessoas, com critérios mais humanos de avaliação. Para as gerações de hoje, o grande desafio é reconstruir a economia e a sociedade, a nível mundial, com base em novos paradigmas em que o lucro, desempenhando um papel dinamizador
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da economia, não seja o único fator a determinar o seu rumo. A sustentabilidade social e ambiental, e até a económica, não é possível se os critérios de avaliação forem meramente financeiros e se os juízes dos mercados e da economia estiverem ao serviço da especulação. Algo continuará profundamente errado se os valores humanos não se sobrepuserem aos financeiros. Esta mudança, tão necessária, não se fará sem muito estudo, sem muito trabalho e sem muito empenhamento cívico e solidário. Construir uma economia social de mercado, ao serviço do bem comum, é o grande desafio dos dias de hoje. É preciso que a educação potencie o estudo do funcionamento da economia, das finanças e da política, em liberdade e sem tabus e que, graças à participação cívica informada e bem formada dos cidadãos, a transparência se vá estendendo a todas as áreas, incluindo os paraísos fiscais, o tráfico de armas, de mulheres e de crianças, de drogas e de perniciosas influências que subvertem a economia e a sociedade e destroem as pessoas e o ambiente. É preciso desenvolver a capacidade de observar e estudar a realidade, sem preconceitos, nomeadamente as realidades que mais
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nos afetam e que alguns desejam esconder, e tirar daí as ilações consequentes. As novas tecnologias da informação e da comunicação permitem-nos fazê-lo com pessoas de todas as culturas, especialidades e profissões, com uma liberdade que antes muito poucos tinham. A escola em geral e as universidades em particular têm nisso uma enorme responsabilidade. Se o sistema educativo não preparar cidadãos observadores e críticos, capazes de identificar e estudar os problemas com que a humanidade se debate e de dar um contributo decisivo para a sua resolução, terá falhado a sua missão. De facto, é necessário um Novo Renascimento cultural e, com ele, um Renascimento na formação dos Engenheiros, dos Economistas, dos Juristas, dos Médicos e dos Biólogos, dos universitários, dos políticos e dos cidadãos em geral, que coloque, cada vez mais, o conhecimento ao serviço da Humanidade. O exercício responsável da cidadania tem que desempenhar um papel fundamental neste Renascimento do Século XXI. É preciso restaurar a confiança na economia, na política, na sociedade e de cada um em si próprio e isso só é possível pondo em prática valores profundamente humanos de liberdade, equidade e fraternidade. Cabe aos jovens e a todos os que estão vivos e lúcidos dar o seu contributo empenhado. Só assim construiremos um futuro digno para todos.
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Sobre o Autor António Barbedo de Magalhães nasceu nos Açores em 1943, quando o pai esteve mobilizado no arquipélago como oficial de Engenharia durante a Segunda Grande Guerra. Formou-se em Engenharia Mecânica na FEUP em 1968, com média de 17 valores, tendo trabalhado durante parte do curso, . Doutorou-se na Universidade de Gand, Bélgica, em Ciências Aplicadas, na área da Metalurgia. É autor de cinco patentes de invenção. Em 1975, estando em Timor a fazer o serviço militar, foi o coordenador de uma equipa luso-timorense que desenvolveu um projeto para a reestruturação do ensino tendo em vista a preparação da autodeterminação. Esse projeto suscitou enorme interesse entre muitas centenas de professores e outros timorenses. Infelizmente a guerra civil e a invasão do território por forças indonésias apoiadas pelos EUA, Austrália e outros países impediram que se concretizasse esse projeto. Foi docente da FEUP de 1968 até fazer 70 anos, em 2013. Introduziu componentes experimentais nalgumas das disciplinas que lecionou. Promoveu a revisão de relatórios de estudantes por outros estudantes, desenvolvendo a participação destes na aprendizagem dos colegas (peer learning). Lançou em 2004 os Projetos PESC (Projetar, Empreender, Saber Concretizar), depois rebatizados com o nome de Projetos Lidera, por serem liderados por estudantes. Fez diversas comunicações e artigos sobre a necessidade de desenvolver novos modelos pedagógicos e novos paradigmas da Educação. Em 2012 foi o regente (do lado da FEUP) com o Professor Marc Zupan (da Universidade de Maryland, nos EUA) da primeira unidade curricular da FEUP para o desenvolvimento de ‘competências globais’ dos engenheiros, designada por ‘Global Engineering ‘ lecionada simultaneamente nos dois países com recurso a videoconferência.
www.engebook.com
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ISBN: 978-989-723-064-6