A combinação de estilos de letras e o resgate estético como princípios fundamentais da tipografia

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC Érico Carneiro Lebedenco

A combinação de estilos de letras e o resgate estético como princípios fundamentais da tipografia. Pós-graduação em Tipografia Type Design 2 - textos e publicações São Paulo 2014.02


Artigo desenvolvido para a disciplina Type Design 2 – textos e publicações. Prof. Leopoldo Leal São Paulo 2014.02


A combinação de estilos de letras e o resgate estético como princípios fundamentais da tipografia.

o sistema com alfabeto dual foi certamente a principal inovação no alfabeto latino. As letras maiúsculas, versais, com suas bases na Antiguidade Romana. Enquanto as minúsculas têm suas raízes na minúscula Carolíngia, o sistema de escrita adotado pelo império de Carlos Magno, que pelo seu poderio influenciou boa parte da cultura européia. Porém a sua adoção não foi imediata (TWYMAN, 1981). A escrita com formas maiúsculas e a escrita com formas minúsculas coexistiram por muito tempo, mas o uso combinado dos dois em um mesmo sistema se deu apenas durante a Renascença. Até então, cada sistema de escrita era “único” com técnicas e ferramentas próprias. “A escrita teve início com o pincel, o junco, o cinzel e a pena, e resquícios dessas ferramentas também são evidentes nos formatos de letras.” (DESIGN MUSEUM, 2011, p. 34). Usando o alfabeto latino como objeto de estudo, podemos citar as escritas romanas que coexistiram na antiguidade: as Capitalis Monumentalis, esculpidas em monumentos e que serviram de inspi-


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Fig.1 Inscrição em capitalis monumentalis, Arco de Titus, Roma.

Fig.2 Detalhe de fólio escrito em minúscula carolíngia.

ração para as maiúsculas como as compreendemos; a Rústica Romana, de uso informal; a Quadrata, escrita mais formal usada em documentos, e a Cursiva Romana, usada cotidianamente e que ao contrário das anteriores, era predominantemente composta de minúsculas, com ascendentes e descendentes. Com o passar dos anos os estilos foram mudando de acordo com os padrões culturais e com as ferramentas utilizadas. A letra Uncial, foi um modelo de escrita com pena chata que resistiu por muitos séculos e que se tornou a base para a construção da já citada minúscula Carolíngia. Em sequência houve o surgimento das pesadas letras Góticas usadas nos livros manuscritos medievais. A técnica de impressão com tipos móveis de metal introduzida no século XV, principalmente a fundição de tipos, mais do que um avanço tecnológico nos campos da comunicação e da linguagem gráfica, serviu como reforço visual de um alfabeto com duas


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variações de letras, fundamentando as bases para minúsculas que combinam com maiúsculas capitulares dentro de um mesmo sistema de escrita. Surgia assim um dos primeiros recursos de linguagem gráfica intrínseco a tipografia, a combinação de formas e estilos. Enquanto formas, entendemos os elementos estruturais construtivos das letras. Quantidade de traços, sentidos e a relação entre eles, que produzem a armação básica de uma letra. Os detalhes que determinam o estilo da letra são assimiladas como uma “ressonância”, que não prejudica o processo de leitura, contanto que o conjunto de caracteres tenha sido concebido de acordo com as regras básicas. O verdadeiro caractere é modelado ao redor da armação básica de uma letra. O elemento artístico, ou o que é chamado de “estilo” manifesta-se na zona de ressonância da escrita. (FRUTIGER, 1999, p. 170)

O estilo pode se caracterizar por uma mudança formal específica ou pelo acabamento estético da letra, que remete à uma modelagem ou ferramenta de escrita (a pena chata, por exemplo).

Fig.3 Forma estrutural comum para estilos de letra diferentes.


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Segundo Michael Twyman (1981, p. 194), a combinação de maiúsculas e minúsculas não é a única disponível na articulação da linguagem gráfica intrínseca a tipografia. Os tipos itálicos introduzidos por Aldus Manutius foram concebidos como um sistema alfabético único, inspirados na escrita cursiva humanista. Eles não eram vistos como uma variação do alfabeto romano implementado. Somente após o uso feito por Robert Estienne que o itálico passou a ser considerado como uma variação do mesmo sistema alfabético de escrita. Ele usou o itálico para distinguir o idioma francês do latim em seus dicionários, utilizando assim uma combinação de estilos e formas diferentes para facilitar a compreensão da informação contida no texto. Sem data muito bem definida, também fo-

Fig.4 Diagrama de uma família tipográfica convencional (contendo versaletes inclinados). Os fios mais pesados indicam a extensão básica da família nuclear.


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ram incorporadas as letras versaletes. São letras com características de construção similares as maiúsculas, porém com altura proporcional das minúsculas sem ascendentes (altura de x), muito utilizadas para siglas e subtítulos. Em pouco tempo as maiúsculas itálicas foram desenvolvidas para acompanhar suas minúsculas. E com a força da propaganda no século XIX, os alfabetos em negrito e negrito itálico se tornaram mais comuns. Em um determinado momento, o repertório organizado em famílias tipográficas consistia em nove alfabetos co-relacionados: maiúsculas romanas, minúsculas romana, maiúsculas itálicas, minúsculas itálicas, versaletes, maiúsculas negrito, minúsculas negrito, maiúsculas itálicas negrito e minúsculas itálicas negrito. No século XX esse repertório foi ampliado significativamente por causa dos avanços tecnológicos e hoje em dia é comum encontrar famílias tipográficas com muitas variações de peso e largura nas suas letras. Vale destacar que originalmente esses sistemas alfabéticos eram distintos e não foram planejados para uso conjunto. Principalmente quando abordamos a combinação de letras romanas com letras itálicas. Apenas no século XVII que é visto o desenho de um itálico subordinado ao seu equivalente romano. Até então a combinação entre esses dois estilos, normalmente de tipógrafos diferentes, requeria avaliação crítica das formas, proporções e pesos, e muita habilidade do compositor para funcionarem em conjunto. O início da tipografia enquanto atividade, também instituiu o resgate estético-formal das letras como uma das bases para criação de tipos. Todo tipo de letra é, de certo modo, uma retomada do que já houve, mesmo quando a narrativa histórica está sendo contestada ou re-interpretada. O tipo mais antigo copiava a letra gótica, manuscrita, a escrita padrão do período medieval. Os


Fig.5 Uma pĂĄgina da BĂ­blia de Gutenberg com 40 linhas.


9 tipos de letra subsequentes refletiam seu próprio meio específico, do tipo de metal à tela. Mesmo hoje, quando o processo digital aparentemente separou o design tipográfico do mundo físico, o passado ainda se acha presente nos formatos de letra. (DESIGN MUSEUM, 2011, p.32).

Enquanto os primeiros tipos de metal reproduziam a escrita gótica nos livros, o pensamento renascentista queria regressar na história. Em pouco tempo, o resgate dos elementos clássicos da antiguidade marcou o retorno do alfabeto com maiúsculas romanas combinadas com as minúsculas de traços caligráficos. Mesmo com a redescoberta do pensamento científico nesse período, Robert Bringhusrt diz que: [...] as letras não são apenas objetos da ciência, pois também pertencem ao âmbito da arte e participam da sua história. Elas têm mudado com o tempo do mesmo modo que a música, a pintura e a arquitetura, e a ela são atribuídos os mesmos termos históricos aplicados a esses campos: renascentista, barroco, neoclássico, romântico e assim por diante. (2005, p.135).

Da mesma maneira que os movimentos artísticos resgatam ou repudiam características estéticas e formais, assim também é com as formas das letras na tipografia. Durante o século XV a influência estética da escrita com pena era muito forte, mas com a evolução tecnológica e científica, os tipos tornaram-se cada vez mais modelados e seus sistemas coexistentes (romanos, italicos, versaletes, etc) mais coerentes entre si. Pode-se identificar uma crescente racionalização das formas, passando pelas letras Românticas e Realistas, na virada do século XIX para o século XX, e chegando ao auge com as Modernistas Geométricas. Após essa crescente racionalização no desenho das letras, houve uma nova onda de resgates realizados durante o século XX. Bringhurst comenta que:


10 Com a redescoberta da caligrafia veio a redescoberta da pena larga, do eixo e da escala humanistas das letras da Renascença. O modernismo tipográfico é fundamentalmente a reafirmação da forma renascentista. Não há um fronteira rígida entre o design modernista e o revival renascentista. (2005, p.149).

E ainda no século XX, “as letras pós-modernas, assim como os edifícios pós-modernos, frequentemente revisitam e reciclam formas neoclássicas, românticas e outras formas pré-modernas” (BRINGHURST, 2005, p.150). Ou seja, há uma constante espiral de resgates para redesenho em novas técnicas tipográficas e inspiração para novos tipos, se alternando com inovações conceituais e tecnológicas. Mesmo a Perpetua (1928) e os tipos sem serifa, como a Gill Sans (1926), tem certa qualidade lírica e se baseiam em proporções clássicas. Uma hipótese levantada por Adrian Frutiger (1999,p.170) é que “quando a letra passa por inovações radicais ou perde a qualidade, a letra encontra certa resistência na concepção do leitor e o processo de leitura é prejudicado.” A legibilidade se dá pela familiaridade que o leitor tem com as formas das letras, logo uma mudança radical necessita ser acompanhada de algum elemento que o leitor consiga identificar. Ainda sobre os revivals tipográficos, é preciso levar em consideração que todas as vezes que um processo de redesenho para uma nova tecnologia é feito, adaptações são necessárias para o novo mecanismo. Em vários casos a nova tipografia possui apenas elementos de mesmo estilo e não uma fidelidade ao desenho original. Suas proporções, altura e contrastes de traços precisam se adaptar a um novo método de impressão ou visualização. Muitos tipos novos foram desenhados nos últimos cem anos, e boa parte dos tipos mais antigos foi ressucitada. De 1960 a 1980, a maior parte dos novos tipos e dos revivals foi dese-


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Fig.6 Monotype Gill Sans Conspectus – página do Monotype Recorder, 1935/6.

Fig.7 Perpetua, projetada por Eric Gill (1928) e comercializada pela Monotype.

nhada para fotocomposição, e desde 1980 quase todas foram projetadas para composição digital. No entanto, a maioria das fontes mais antigas hoje vendidas em formato digital já tinha passado por um outro filtro estilístico. Essas fontes foram regravadas no início do século XX ou como tipos de fundição, ou em forma de matrizes para Linotipo e para Monotipo. (BRINGHURST, 2005, p.155).

Sendo assim, mesmo que um projeto de design de tipos tenha começado como um revival, se o resultado for comparado com o design original das letras, é possível perceber diferenças significativas em vários aspectos. Muitas vezes por características das ferramentas utilizadas, do suporte tecnológico, das limitações do material de pesquisa ou mesmo da personalidade do designer de tipos. Chegando ao ponto em que o revival deixa de ser uma cópia para se tornar um novo sistema alfabético com características próprias, e as vezes híbridas de estilos diferentes.


Fig.8 Vários exemplos de tipos com o nome “Garamond”. A versão do topo (Monotype Garamond), assim como a Garamond 3 e ITC Garamond, são na verdade revivals baseados no trabalho de Jean Jannon, mas que erroneamente foram atribuidos a Claude Garamond.


13 Os fatores que motivam os projetos de novos tipos podem ser dos mais diversos. Alguns são motivados por um resgate histórico, outros por uma razão pragmática de uso, outros tendem para a manifestação de uma expressão gráfica pessoal específica, entre tantas outras razões possíveis. Mas independente dos fatores motivadores, o que são gerados, por fim, são novos insumos que podem ser utilizados por outros designers que queiram dar aos seus trabalhos um caráter visual particular, de acordo com as características semânticas e pragmáticas de seus projetos. (GOMES, 2010, p.53).

Conclui-se que o design de tipos, desde os primeiros tipos móveis até os tipos digitais produzidos hoje em dia, possuem base em estilos de época e técnicas de escrita existentes antes da sua concepção, de forma direta ou indireta. Direta quando o designer de tipos escolhe de forma arbitrária usar elementos estéticos que remetem a um estilo específico, fazendo com que seu alfabeto tenha uma carga semântica particular. Indireta quando mesmo não associando formas e acabamento a estilos específicos (de época, por exemplo), suas letras seguem estruturas de construção solidificadas pelo uso e a constante exposição através dos anos. Inclusive, esses regastes podem se apresentar em níveis diferentes. Desde inspirações para detalhes específicos, incorporando-os ao seu próprio projeto (como características anatômicas das letras), até desenvolver uma tipografia redesenhando todo o sistema de escrita original o mais fiel possível. E juntamente com o processo de resgate, existe a constante combinação entre sistemas e tipos diferentes para o aprimoramento do repertório gráfico na linguagem. A cada avanço tecnológico e cultural, novos caracteres e estilos são incorporados nas famílias tipográficas visando aperfeiçoamento na comunicação das mensagens escritas.



Referências BRINGHURST, R. Elementos do estilo tipográfico. Tradução André Stolarski. São Paulo: Cosac Naify, 2005. TWYMAN, Michael. L., Articulating graphic language: a historical perspective. Em: Towards a new understanding of literacy, editado por Merald E. Wrolstad & Dennis F. Fisher. Nova York: Praeger Special Studies, pp.188-251, 1981. GOMES, Ricardo Esteves. O design brasileiro de tipos digitais: A configuração de um campo profissional. São Paulo: Blucher, 2010. FRUTIGER, Adrian. Sinais e símbolos: desenho, projeto e significado. Tradução Karina Jannini. São Paulo:1999 Como criar em Tipografia/Design Museum. Tradução Elisa Nazarian. Belo Horizonte: Editora Gutenberg, 2011. Figura 1 STEINER, Hubert. TitusTexte.jpg . 2004. Largura: 387 pixels. Altura: 165 pixels. 27 kb. Formato JPG. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:TitusTexte.jpg>. Acesso em: 16 set. 2014. Figura 2 _______. Minuscule caroline.jpg. 2010. Largura: 1.397 pixels. Altura: 1.829 pixels. 185 kb. Formato JPG. hDisponível em: <ttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Minuscule_caroline.jpg>. Acesso em: 16 set. 2014. Figura 3 FRUTIGER, Adrian. Uma estrutura comum. 1980, P/B. Sem formato. Figura 4 BRINGHURST, Robert. Diagrama de uma família tipográfica tradicional. 1992, P/B. Sem formato. Figura 5 GUTENBERG, Johannes. Gutenberg bible Old Testament Epistle of St Jerome.jpg. 1454/55. Largura: 600 pixels. Altura: 836 pixels. 179 kb. Formato JPG. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Gutenberg_bible_Old_Testament_Epistle_of_St_Jerome.jpg>. Acesso em: 16 set. 2014. Figura 6 GILL, Eric. Gill Sans. Monotype Recorder. 4371216178_31714abc8a_o.jpg.1935/6. Largura: 2.211 pixels. Altura: 3.069 pixels. 1,3 mb. Formato JPG. Disponível em: <https://www. flickr.com/photos/36844288@N00/4371216178/in/pool-gillsans/>. Acesso em: 16 set. 2014. Figura 7 GILL, Eric. Perpetua. Monotype. tumblr_m7zh3guI8U1qcaxv1o1_1280.jpg.1925. Largura: 1.123 pixels. Altura: 816 pixels. 242 kb. Formato JPG. Disponível em: <http:// dailytypespecimen.com/post/28914309399/perpetua-specimen>. Acesso em: 16 set. 2014. Figura 8 _____. Many types of garamond.gif. Largura: 383 pixels. Altura: 1.000 pixels. 57 kb. Formato GIF. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/File:Many_types_of_garamond.gif>. Acesso em: 16 set. 2014.



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