CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC Érico Carneiro Lebedenco
A evolução do desenho dos tipos sem serifa.
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Pós-graduação em Tipografia Type Design 3 – Família Tipográfica
São Paulo 2015.01
Artigo desenvolvido para a disciplina Type Design 3 – Família Tipográfica. Prof. Marcio Freitas São Paulo 2015.01
A evolução do desenho dos tipos sem serifa.
O desenho dos caracteres tipográficos sofreu várias mudanças formais com o passar dos anos. Estas mudanças estão ligadas à dois fatores principais: um tecnológico e outro cultural. O primeiro se dá principalmente pelas ferramentas e processos utilizados na criação e na reprodução desses caracteres. O segundo é a influência cultural do momento histórico que esses caracteres são criados. Tendo os padrões estéticos refletidos nas suas formas. “A estrutura de um caractere está intimamente relacionada com um conjunto de particularidades que imprimem individualidade e personalidade a seu desenho” (BUGGY, 2007, p. 86). Estas particularidades podem ser exemplificadas como características técnicas de construção dos traços e as suas relações. Altura, largura do traço, eixo, traços de acabamento, entre outros.
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Podemos dizer que a serifa é uma dessas particularidades mais conhecidas. “A serifa é um traço adicionado no início ou ao fim dos traços principais de uma letra.” (BRINGHURST, 2005, p. 363). Sua existência na tipografia é uma herança direta da caligrafia, já que os primeiros tipos móveis foram projetados inspirados na letra caligráfica. Assim, o traço utilizado pelos escribas para dar acabamento e sustentação para as letras foi incorporado na letra impressa.
Fig.1 A mesma estrutura foi usada para TheSerif e TheSans de Luc(as) de Groot.
Como vantagens das serifas, poderíamos destacar, de um lado, o fato de ajudarem a guiar os olhos na leitura rápida da linha e, de outro, de fazerem com que as palavras se encaixem com um pouco mais de firmeza. Quanto às suas desvantagens, podemos dizer que elas não constituem um elemento diferenciador, mas adaptador da forma, uma vez que todas as letras apresentam as mesmas serifas como um acréscimo à estrutura básica (FRUTIGER, 1999, p. 172).
Ou seja, as serifas não fazem parte da estrutura principal de uma letra. Logo, não é um elemento fundamental para o reconhecimento do caractere tipográfico. Sua ausência em tipografias contribui para variações estéticas, sem prejudicar a legibilidade das letras. O primeiro tipo impresso com ausência de serifas foi uma etrusca sem serifa de 14 pt gravada por Wil-
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Fig.2 Etrusco de William Caslon (1745)
liamCaslon para a Oxford University Press por volta de 1745 (BRINGHURST, 2005 p. 278). Em 1816 William Caslon IV publicou o primeiro tipo comercial de letra sem serifas com o nome Two-lines English Egyptian, disponível apenas em maiúsculas e no tamanho de corpo 28 pt.(POHLEN, 2011, p. 614). Já as letras bicamerais (com caixa alta e baixa) sem serifa aparentemente tiveram sua primeira gravação feita em Leipzig na década de 1820 (BRINGHURST, 2005, p. 278).
Fig.3 Two-lines English Egyptian de Willam Caslon IV.
Por volta de 1832 outras três fundições tipográficas também desenvolveram tipos sem serifa, como por exemplo a empresa de William Thorowgood que, pela primeira vez, introduziu o termo “Grotesco” na Inglaterra. Muitos países possuem suas próprias denominações, mas “sans serif” é a mais aceita internacionalmente (POHLEN, 2011, p. 614).
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Segundo Robert Bringhurst (2005, p. 279), ao longo do século 20 as letras sem serifa evoluíram muito em sutileza, aparentemente em virtude de três fatores principais. Um é o estudo das inscrições gregas arcaicas, com seu traço delgado e elástico e sua abertura grande. Outro é a busca da geometria pura, uma meditação tipográfica feita inicialmente sobre o círculo e a linha e posteriormente sobre figuras geométricas mais complexas. O terceiro é o estudo da caligrafia renascentista e da forma humanística, de importância vital tanto na história recente das letras sem serifa quanto das serifadas. Há muitas formas de se classificar tipografias, e a divisão entre serifadas e sem serifas é apenas uma das mais básicas. “Existem vários modelos de classificação de famílias. A maioria deles estabelece uma tipologia baseada no surgimento ou popularidade de características do desenho tipográfico em determinado ponto da história da civilização ocidental” (BUGGY, 1999, p. 90). Em 1921, Francis Thibaudeau classificou as tipografias existentes de acordo com as formas dos traços e as serifas dos caracteres. Elas foram dividias em 4 grupos principais: Elzevirianas, Didones, Egípicias e Bastão (letras sem serifa). Em 1954, o francês Maximilien Vox expandiu a classificação de Thibaudeau, usando não somente os aspectos formais das letras, como também a influência de personagens e eventos importantes na história da tipografia. Esta classificação Vox, como ficou conhecida, foi adotada pela Association Typographique Internationale (ATypI) em 1962. Posteriormente, com adaptações, foi adotada como classificação oficial de tipos na Alemanha e na Grã-Bretanha (POHLEN).
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Atualmente a classificação Vox possui 4 divisões principais, tipos para texto, tipos display, Pi e não-latinos. Cada uma dessas com uma extensa listagem de sub-classificações. Os tipos sem serifa são classificados como tipos para texto, sendo divididos entre: Grotescas, Geométricas, Neo-grotescas e Humanistas. As tipografias conhecidas como Grotescas surgiram no final do século 19 com o crescimento da publicidade. Esses tipos apresentavam formas e distribuição de peso irregulares, e a maioria delas existia apenas com letras maiúsculas, devido ao seu uso em grandes formatos publicitários. Para chamar a atenção, as letras tinham que ser grandes, destacadas e distintas. Como a modelagem de letras grandes nos tipos de metal era pesada e cara, era usada a impressão em madeira, geralmente associada ao tipo de metal. Os novos formatos de letra eram pesados e destacados, com serifas retangulares grossas. No decorrer do século XIX, desenvolveram-se muitas variações de tipos grandes, inclusive um novo sem serifa, conhecido como grotesco (WILHIDE, 2011, p. 45).
Fig.4 Akzidenz Grotesk de autor anônimo. Aqui com a versão pré era digital, com caixa alta e baixa.
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Em 1898, a Fundição Berthold, de Berlin, publicou a Akzidenz Grotesk, que se converteu imediatamente em um grande sucesso, sendo imitada por várias outras fundições. Como todas as letras sem serifas desta época, ela era utilizada como tipografia display (BOMENY, 2010, p. 240). A Akzidenz Grotesk serviu como referência para a maioria dos tipos sem serifa que seriam projetados dali em diante. Em especial pela adoção dos tipos sem serifa pelas vanguardas artísticas do início do século 20. Jan Tschihold (2007, p.36) cita no seu manifesto da Tipografia Elementar que a forma do tipo elementar a ser usado é a Grotesca (sem serifa), com todas as suas variações. Porém Tschihold reconhecia que as grotescas ainda não era legíveis em corpo de texto, e isso prejudicava a leitura. Mesmo assim estava se firmando as raízes para o desenvolvimento de novas tipografias sem serifa, com bases nos postulados de funcionalidade, percepção e neutralidade da escola alemã de design Bauhaus e posteriormente pelos designers do Estilo Suíço. Ornamentos e decoração eram rejeitados em favor de uma forma pura, rigorosa, e a máquina como instrumento da produção em massa era a inspiração por trás da nova estética funcional. A tipografia tornou-se mais geométrica e despojada. As serifas foram abandonadas e, às vezes, também as letras em caixa-alta, como no tipo de letra Universal criado por Herbert Bayer (19001985) em 1925. A Futura de Paul Renner (1878-1956) foi a primeira face sem serifa desenhada para texto (WILHIDE, 2011, p. 52).
Os tipos sem serifa geométricos aparentam, como o próprio nome descreve, formas mais geométricas, como projetadas com esquadros e compassos. De modo semelhante a suas contrapartes serifadas, Didot e Bodoni, as letras são projetadas racionalmente sem se basearem nas formas caligráficas tradicionais.
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Fig.5 Alfabeto Universal, de Herbert Bayer.
Fig.6 Futura, de Paul Renner.
Incentivados pelos ideais do funcionalismo da Bauhaus, designers buscavam alcançar as formas básicas e universais das letras, de modo a não apresentar nenhum elemento que pudesse comprometer o reconhecimento dos caracteres. Mesmo com toda esta bagagem racional, as pesquisas realizadas na época chegaram a conclusão de que a geometria pura não é percebida de modo confortável pelos nossos olhos. (Emil) Ruder reforçava o fato de que a geometria não seria o suficiente para construir uma letra bem formada. Esta precisaria sofrer vários ajustes visuais para que determinada tipografia passasse a sensação de ser bem proporcionada (BOMENY, 2010, p. 253).
As letras “a” e “g” das geométricas costumam se apresentar apenas em um nível, os círculos utilizados não são perfeitos, e compensações óticas são feitas para que a largura dos traços aparentem igualdade em todas as partes das letras. No decorrer dos anos 30 as fundições incentivaram a criação dos tipos sem serifa, tentando de alguma forma reproduzir os ares da Bauhaus (BOMENY, 2010,
Fig.7 Specimen da Helvetica impresso na Alemanha por volta de 1967 para o mercado americano.
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p.218). As Neo-grotescas foram criadas inspiradas nas primeiras letras grotescas, como a Akzidenz Grotesk, porém com ajustes óticos na construção das letras. Seus traços, mesmo pesados, eram mais harmônicos, além disso possuiam caixas altas e baixas, e acabamentos mais refinados. O Estilo Suíço encontrou na Helvetica a expressão tipográfica para seu ideal funcionalista e racional – não esquecendo que os movimentos de vanguarda do início do século já haviam assumido os tipos sem serifa com o significado de modernidade (BOMENY, 2010, p. 241).
Com o desenvolvimento de tecnologias como a fotocomposição, somado aos ideais de simplicidade e formas neutras do Estilo Suíço, a segunda metade do século 20 viu surgir várias tipografias neo-grotescas que persistem em uso até hoje, como Helvetica, DIN, Bell Gothic e Univers. Mesmo com esse aparente sucesso, as formas das neo-grotescas apresentam um resultado questionável em corpos de texto. Isto porque a modelagem racionalista das letras pode causar desconforto no leitor devido ao ritmo artificial que produzem. A estrutura da letra tem um ritmo próprio, no qual os caracteres com seus traços, verticais, horizontais e oblíquos produzem um conjunto final de forma rítmica (BOMENY, 2010, p.262). Mesmo com a transição tecnológica dos tipos físicos para os tipos digitais no final do século 20, muitos designers se voltaram para o passado, em busca de soluções para o desenvolvimento de uma forma sem serifa mais confortável e dinâmica. Para que as sem serifas se mostrassem eficientes como tipografia de texto, com alta legibilidade, houve um resgate das formas caligráficas tradicionais.
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Esses tipos sem serifas humanistas resgatam as proporções clássicas das letras, levando em conta contrastes entre os traços, eixo inclinado referente ao ângulo da pena chata, formas mais abertas, entre outros elementos anatômicos. As tipografias Syntax, Frutiger, Gill Sans, Myriad e Scala Sans são algumas delas.
ABCEDFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcedfghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890 Fig.8 Myriad é uma sem serifa humanista criada por Robert Slimbach e Carol Twombly para a Adobe Systems.
O design dos tipos sans serif humanistas tende a ser altamente legível em uma grande variedade de tamanhos e situações; os contornos limpos das sans serifs ajudam na leiturabilidade em tela e ainda adicionam um ar contemporâneo a fonte (Ubuntu). (MAAG; TEASDALE,não paginado)
Atualmente podemos perceber uma valorização muito grande das sem serifas humanistas em relação as demais por causa da sua grande legibilidade. Mesmo assim é possível encontrar tipografias que combinam as proporções caligráficas com formas quase sintéticas, que relembram os estudos da Bauhaus, de Hebert Bayer. A tipografia Ubuntu, criada pela type foundry Dalton Maag, é um exemplo desta nova abordagem das sem serifas. Humanista, com leves contrastes nos traços, acabamento levemento modelado e eixo sutil-
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This is the Ubuntu Font Family. It is a unique, custom designed font that has a very distinctive look and feel. Fig.9 Tipografia open source Ubuntu, criada pela Dalton Maag para o sistema operacional de mesmo nome.
mente inclinado. Estas características estão combinadas com formas incomuns para algumas letras. Optar pelos mais simples, quase radicais, formatos para “u” e “n”. Podem parecer incomuns, mas na tela em tamanhos pequenos, é uma vantagem, porque as formas são simples e limpas (MAAG;TEASDALE, não paginado).
As principais características dessa tipografia são as hastes ligeiramente curvadas e a ausência de esporas e incisões nas letras. Ou seja, as junções de traços nas letras “a” e “n”, por exemplo, ocorrem nas extremidades das hastes, abrindo mão de características presentes a praticamente todas as tipografias anteriores a ela. Mesmo assim a legibilidade do caractere não é prejudicada. Podemos indagar se o próximo caminho dos tipos sem serifa será uma hibridização entre os conceitos sintéticos funcionalistas com as formas mais amigáveis da tipografia humanista. Afinal de contas o projeto de tipos não está mais limitado a materialidade, tendo os avanços tecnológicos a favor de uma tipografia mais limpa e bem proporcionada, de acordo com sua utilização e suporte.
Referências BRINGHURST, Robert. Elementos do estilo tipográfico. Tradução André Stolarski. São Paulo: Cosac Naify, 2005. WILHIDE, Elizabeth, Como criar em Tipogfia/Design Museum. Tradução Elisa Nazarian. Belo Horizonte: Editora Gutenberg, 2011. BUGGY. O MECOTipo: método de ensino de desenho coletivo de caracteres tipográficos. Recife: Buggy, 2007. FRUTIGER, Adrian. Sinais e símbolos: desenho, projeto e significado. Tradução Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 1999. BOMENY, Maria Helene Werneck. Os Manuais de Desenho da Escrita. São Paulo: Ateliê Editorial, 2010. TSCHIHOLD, Jan. Tipografia Elementar. Tradução Christine Röhrig, Gabriele Ella Elisabeth Lipkau. São Paulo: Altamira Editorial, 2007. POHLEN, Joep. Fuente de Letras. Barcelona: TASCHEN, 2011. Figura 1 _______. Letra “n”na fonte TheSerif e TheSans de Luc(as) de Groot. 2015, P/B. Sem formato. Figura 2 CASLON, William. Etrusco. 1745. Reprodução de Robert Bringhurst. 1992, P/B. Sem formato Figura 3 CASLON, William. Caslon_5938.gif. 1816. Largura: 500 pixels. Altura: 175 pixels. 85 kb. Formato GIF. Caslon - 2E Egyptian 2 a det a 500_3492.jpg. 1816. Largura: 500 pixels. Altura: 58 pixels. 37 kb. Formato JPG. Disponível em: <http://www.typophile.com/node/51985>. Acesso em: 20 mar. 2015. Figura 4 _______. StandardFont.jpg. Largura: 1. 675 pixels. Altura: 842 pixels. 294 kb. Formato JPG. Disponível em: < http://typophile.com/files/StandardFont.jpg >. Acesso em: 20 mar. 2015. Figura 5 BAYER, Herbert. Herbert-Bayer-universal-alphabet.jpg. 1925. Largura: 1. 200 pixels. Altura: 909 pixels. 484 kb. Formato JPG. Disponível em: <http://indexgrafik.fr/wp-content/uploads/ Herbert-Bayer-universal-alphabet.jpg >. Acesso em: 20 mar. 2015. Figura 6 RENNER, Paul. tumblr_m9l0kmHtxQ1qig1qio1_500.jpg. 1928. Largura: 500 pixels. Altura: 687 pixels. 138 kb. Formato JPG. Disponível em: <http://36.media.tumblr.com/tumblr_ m9l0kmHtxQ1qig1qio1_500.jpg>. Acesso em: 20 mar. 2015. Figura 7 D. Stempel AG Typefoundry. Helvetica Specimen Booklet 8663411512_120ddf8ccd_o.jpg. 1967. Figura 8 _______. Reprodução da tipografia Myriad Pro. Criada por Robert Slimbach e Carol Towmbly. Figura 9 _______. Reprodução da tipografia Ubuntu, da typefoudry Dalton Maag. Disponível em:<http://font.ubuntu.com/>.Acesso em: 20 mar. 015.