Revista acentuados prova de leitura

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REVISTA COMUNITÁRIA BRASILEIRA NA BÉLGICA

Edição Primavera 2018

Arte, psicologia, literatura e muita cultura

Os mais interessantes artigos

Ainda: a agenda da comunidade brasileira em Bruxelas


DINÂMICA, DIÁLOGO E MOVIMENTO CORPORAL Venha se liberar do stress, reduzir o esgotamento profissional, enfrentar os desafios da vida...

SÁBADO 12 DE MAIO 13:30H Local: C e n t r e C u l t u r e l P I A N O FA B R I E K Sala CASABLANCA Pré-inscrições: aetcis.be@gmail.com

A comunidade humana que se cuida Membros: 10€ Não-membros: 14€ (o dinheiro não deve ser um empencílio)

AETCIS-Belgique

Ação comunitária de empoderamento e resiliência social

Facilitadoras: Ana Teresa Brandão e Camélia Prado


EDITORIAL Querido/a leitor/a: Obrigado por pegar este primeiro exemplar da revista Acentuados. Estamos muito contentes de poder oferecer-lhe mais um meio de comunicação em português. Acentuados? Sim, porque nós como estrangeiros temos nosso acento, nosso sotaque. Mas não nos referimos só a maneira peculiar de falar, mas à nossa maneira de fazer as coisas. Estamos entre dois mundos. Tanto para belgas como para nossos compatriotas no Brasil já somos diferentes. Temos um pouquinho de cada país. Temos acento daqui lá, e de lá aqui. É nossa riqueza, e isso é o que nossa revista vai explorar: nosso jeito de sermos acentuados, nossa riqueza cultural na Bélgica, nossa pluralidade como povo e como comunidade. A revista Acentuados pretende assim ser um espaço real, e não virtual de comunicação, de construção de identidade, de desenvolvimento pessoal e artístico e por que não, de entretenimento e informação para nossa grande comunidade brasileira em Bruxelas. Desfrute da leitura! Ermeson Vieira Gondim Editor •A

´ CONTEUDO

Você também pode colaborar para esse projeto: anuncie com a Acentuados. Sua empresa vai lucrar muito mais.

6 Arte que mexe e remexe Três artistas brasileiros de grande importância na cena artística acentuada de Bruxelas

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Psicologia

A cultura do nascisimo e depressão

6 Destaque: Cinema O Espírito de Luta

13 Charge Joseph Prado César da Fonseca &

Mais informações: +32 488 02 19 89 revista.acentuados@gmail.com

Música e resistência – a arte feita de caus. A influência do dadaismo e do modernismo da música brasileira

14 Brasil todo o dia A agenda de maio

16 Literatura

Prosa, versos e ilustrações de artistas brasileiros em Bruxelas

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COLABORADORES

Ermeson Vieira

Solania Barbosa

Manuela Ribeiro

Elias José da Silva

De origem cearense. Morou por nove anos na Espanha, seis na Inglaterra onde se licenciou em Filme e Vídeo. Obteve um mestrado em Estudos do Cinema na Holanda.

Atriz de teatro, cantora e pintora autodicdata. Interessou-se pela pintura e o desenho desde cedo. Também pintou cenários de teatro.

Formada em letras clássicas e estrangeiras, cozinheira, food designer, curiosa, sonhadora e apaixonada por cerveja, gastronomia, literatura, história, sociologia e antropologia. Adora uma aventura saborosa.

Cearense, educador popular, poeta e terapeuta, autor dos livros: “Saúde e Cultura em Sínteses Criativas - Um mostruário escrito e cantado da educação popular em saúde” e “Diversidade Poética - Lutas de paz, cantos de amor”. Fundador da Comunidade em Movimento da Grande Fortaleza e partícipe da Aneps - Articulação Nacional de Práticas Educativas na Saúde.

Apaixonado pela fotografia, pelas as artes plásticas, pela literatura, psicologia e filosofia, colabora com essa revista na edição de páginas, na escrita de matérias e como editor chefe.

Considera-se uma brincante, que encantada pela vida, faz e refaz numa eterna experimentação, manifestando-se atravez de cores, palavras, notas, gritos toda minha indignação e admiração pela arte de viver.

A cozinha, seus gestos mágicos e suas histórias sempre a acompanharam e não cessam de fasciná-la.

Esta revista é feita coletivamente.

Edmilson Medeiros

Psicologa formada pela Universidade Federal do Ceará, mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará e doutora em Psicologia Clínica e Psicobiologia pela Universidade de Santiago de Compostela, Espanha. Atualmente é professora assistente da Universidade Estadual do Ceará, do curso de Psicologia, com experiência na área de Psicologia Clínica, Psicanálise, Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem.

Sociólogo e até onde vai a sua memória está envolvido na defesa dos direitos humanos, o que já lhe rendeu denuncia por ser comunista, embora se pense um anarquista. Continua trabalhando com direitos humanos apesar da fama que isso traz.”

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Colabora na revista com um artigo sobre o dadaismo e o antropofagismo cultural na música brasileira.

Joseph Prado César da Fonseca ( 13 anos) é o belguinha mais cearense que você pode imaginar, ou é o contrário? Desenha desde que soube pegar num lápis de cêra ( o primeiro, quadrado, foi dado por amiga da sua mãe que é arte terapeuta). Desde então, todos os dias ele desenha: uma atividade que faz parte das suas necessidades vitais. Colabora com uma charge super engajada sobre a falta de consciência nas questões relacionadas com a natureza no Brasil.

revista.acentuados@ gmail.com Fotos privadas (7)

Alessandra Xavier

Se você escreve, faz ilustrações, fotografias, poesias, pinta, etc., entre em contato conosco.

+32 488 02 19 89


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4 ° E d i ç ã o Hi s t ó r i a s Inf ant i s Mu s i c a d a s

Catarina e o Lagarto Um conto de Katia Gilaberte Ilustrado por Bruna Assis Brasil

Contadora: Regina Barbosa Musica: Cecilia Peçanha Atividades Artísticas: Ana Paula F. Ambrósio

13/05/2018 Local: La Petite Portugaise Chausseé de Wavre 214 B- Ixelles Confirmação por e-mail: oca.asbl@gmail.com máximo: 15 crianças ACENTUADOS | 5


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Arte que Mexe E REMEXE Três artistas brasileiros de grande importância na cena artística acentuada de Bruxelas

Afrânio Fonseca, Cecília Peçanha e Maria Teresa Lira são já artistas com uma trajetória sólida e reconhecida na capital belga. A Acentuados traz até você um resumo da obra desses três artitas extraordinários e geniais.

Por Ermeson Vieira Gondim

AFRÂNIO FONSECA UMA ARTE FEITA EM MIL PEDAÇOS Usando como base a cerâmica e a porcelana “trouvée”, Afrânio inventa a pop-art brasileira-acentuada revisitando figuras míticas das culturas brasileiras e belgas como Carmen Miranda, o Quindim do Sítio do Pica-pau Amarelo ou o Manneken Pis “reeditados” em formas ou cores expressivas. São esculturas e mosaicos construídos através de um minucioso “assamblage” de dezenas e até de centenas de pedaços de cerâmica encontrados nos mercados de pulgas de Bruxelas, lugares únicos que fazem a arte de Afrânio tão “Bruxeloise” e tão brasileira ao mesmo tempo. Cearense de origem, Afrânio começou a trabalhar com a montagem do mosaico nos meados da década de 90, em São José dos Campos, em São Paulo. Ao encontrar por

O percurso de Afrânio Fonseca 2 anos de história na Universidade Estadual do Ceará 2 anos de Belas Artes na Facudade de Belas Artes de São Paulo Mestrado em Pintura na Academia Real de Belas Artes de Bruxelas Seu trabalho - Manneken Pis branco - é exposto no Museu de Bruxelas.

coincidência uma caixa de com pedaços de cerâmica enfrente a uma loja chinesa, teve a ideia de construir com os cacos vasos inspirados na obra do arquiteto modernista espanhol, Antoni Gaudí. Quando Afrânio veio para Bruxelas em 1999 com a intenção de estudar pintura (coisa que a fez), conheceu o mercado de pulgas da Praça Jeu de Balle, onde encontrou um verdadeiro estoque de cerâmica, e o que é melhor, de graça. Afrânio costuma coletar inúmeros itens abandonados pelos vendedores após a feira. São peças quebradas ou teoricamente sem valor comercial. “Como ele (o objeto) perdeu o sentido, o valor, a função, etc., então eu recupero tudo isso e dou um outro sentido, uma outra função, um outro sentido para estas peças que antes estavam mortas.... Eu crio outra coisa, mas a memória dela (da peça encontrada) vai está lá” – explica Afrânio o que tenta fazer com seu trabalho. É um trabalho de “détournement de finalité” ou de redefinição de utilidade do/s objeto/s encontrados. Um bibelô de um gatinho quebrado, agora faz parte de uma escultura composta com muitos outros objetos encontrados. Assim, a obra de Afrânio por conter diversos elementos num só objeto produz um efeito multifocal. O observador pode encontrar vários itens para enfocar sua atenção. A multiplicidade de elementos também produz uma ampla possibilidade de interpretações. Tudo isso produz um enriquecimento exponencial da experiência do espectador perante a obra. Boa parte do trabalho de Afrânio é composto com porcelana branca que ele gosta de comparar com a escultura clássica feita com mármore branco, entretanto seu trabalho

Foto: Ermeson Vieira 6 | ACENTUADOS


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com porcelana colorida é simplesmente eletrizante. Jogando uma atmosfera tropicalista cheia de cores vibrantes e formas exóticas, Afrânio produz um ambiente exuberante e festivo. O que parece interessar-lhe é a cultura mesma, a re-forma da imagem do signo contido no imaginário cultural coletivo. É uma ação de transgressão e ao mesmo tempo de celebração das culturas clássica e popular. Um trabalho fantástico de um artista excepcional.

Foto: Ermeson Vieira

Página web de Afrânio Fonseca: www.afraniofonseca.com

CECÍLIA PEÇANHA

Com muito chão andado em termos de carreira musical, Cecília Peçanha é uma artista pós-moderna onde quer que elas existam. Ela e sua banda conseguem misturar de maneira perfeita as mais diferentes tendências musicais. Indo da bossa, do jazz, do samba, do choro, passando pela música barroca, medieval, renascentista, até as músicas africana e o reggae. É o calor da fusão e a vontade de mover o público que fazem o ritmo da sua música. Tudo começou com o violão, a flauta doce e o canto quando Cecília ainda era adolescente em Londrina, no Rio Grande do Sul. Decidida a fazer uma carreira musical cursou uma licenciatura em Música na Universidade Estadual de Londrina, no NEUMA (Ensemble Universitário de Música Antiga), onde estudou por três anos. Mais tarde mudou-se para Portugal para fazer um Erasmus. Terminou abandonando a universidade no Brasil, mas seguiu os estudos e formou-se como bacharel em Música Antiga na Cidade do Porto, aperfeiçoando-se assim em flauta doce, canto barroco e violão. Já em 2012 veio para Bruxelas para outro Erasmus e finalizou um mestrado em Música Antiga no Conservatório Real de Bruxelas. Mas nem só de música antiga vive o homem, ou melhor, a mulher. Neste mesmo ano, junto com alguns amigos que fez no conservatório resolveu fundar a Blues Bossa Liberté – a banda que já leva seis anos de existência e que acaba de lançar seu novo CD – Tetraterripelaticais.

Foto: Maria Trofimova

JAM DE BOSSA, BLUES & LIBERTÉ

A palavra que mais define o estilo musical da Blues Bossa Liberté é fusão. Nesse cubinho de fusão musical (meltpot) cabe blues, bossa, jazz, samba, choro, reggae, influências barrocas, africanas, e caribenhas. Cecília tenta definir o estilo com um simples Brazilian fusion, mas a coisa vai mais além disso. Para ela, a arte joga um papel importantíssimo nas nossas vidas e a missão dos artistas como ela é provocar um pensamento, uma reflexão, é tirar as pessoas de suas zonas de conforto. “Tetraterripelaticais ... é justamente uma música que fala dos monstros capitalistas, que estão sugando nosso dinheiro, sugando nossa energia,... que a gente vê na política no Brasil que está uma bagunça e em outro lugares do mundo que também estão problemáticos”. - Afirma.

O percurso de Cecília Peçanha Estudou 3 anos de música na Universidade Estadual de Londriana. Erasmus em Portugal em música barroca Bacharelato em Música Antiga (flauta doce) em Portugal Mestrado no Conservatório Real de Bruxelas

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Foto: Mari-Hélène Tercafs

Mas ao mesmo tempo a música de Cecília é cheia de romantismo, de referências à natureza, ao dia-a-dia das pessoas comuns, de emoções e sentimentos. Ela diz que muito importante lutar contra o “empedramento” dos corações e da perda de sensibilidade tão atuais nos tempos modernos. “A arte está lá para lembrar que somos seres humanos, que temos sentimentos e que precisamos de espaço e tempo para sentir tudo que a gente tem que sentir...” – sentencia com a segurança de alguém que sabe muito bem a importância do seu legado como artista no mundo. Os planos para o futuro são muitos: novas músicas, CDs, shows, clips, etc., mas de imediato a banda estará lançando o novo CD no Sazz’n Jazz dia 9 de maio (uma quarta-feira) e participando do Jazz Weekend que tradicionalmente anima toda Bruxelas com concertos de jazz (25/5 e 27/5 em local ainda a confirmar). Gabriel Salles, Cecília Peçanha, Jeremy Frisch, Gabriel Capilari Blues Bossa Liberté http://bluebossaliberte.wixsite.com/ bluebossaliberte

https://bluebossaliberte.bandcamp.com/

MARIA TEREZA LIRA EXPRESSIVIDADE, RAIZ E ALMA Foto: Ermeson Vieira

A arte de Tereza Lira é certamente feita mais de memórias e coração que de tinta e papel. Em todos seus inumeráveis traços, está presente a memória do pai que colocava para dormir ao som dos cordéis seus treze filhos. O imaginário de um sertão cheio de pacíficos pássaros, vegetação exuberante e mulheres geralmente nuas, faz lembrar quem sabe um paraíso de mulher – livre, belo, sem carências materiais ou espirituais, e sem figuras masculinas opressoras. Aparece frequentemente também figuras simbólicas da cultura popular como Maria Bonita e Lampião. Mas mais que justiceiros, estes parecem representar uma espécie de Adão e Eva dentro do jardim do Éden do sertão, esse espaço onde ficou cristalizado entre o real e o imaginário, quem sabe influência da literatura medieval cheia de monstros, princesas e heróis. Alguns trabalhos impressionam pela minúcia dos traços e pela percepção de que Tereza passou longos dias para realizar uma única obra. Quando mistura formas geométricas com seus motivos inspirados no cordel e na cultura popular nordestina, seu trabalho ganha uma dimensão incrivelmente modernista, comparável a muitos dos grandes da Semana de Arte Moderna de 1922. Completamente autodidata, Tereza Lira, começou como é natural em casa quando ain-

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da era criança desenhando com uma pedra de giz por todas partes. A paixão pela arte cresceu levando-a a vender mais tarde seus primeiros quadros a óleo aos turistas na orla marítima do Recife. Eram quadros românticos de bucólicas praias de coqueiros a balançar ao vento e mimosas casas de telhado de palha à beira de um espumoso e verde mar. Com 27 anos de idade, mudou-se para Bruxelas onde decidiu dedicar-se a suas novas pinturas a nanquim e ao canto repentista que o faz com a excepcional maestria dos mais inspirados improvisadores nordestinos. Tereza conta que cresceu entre sanfoneiros e repentistas na cidade de Caruaru de onde é natural, e que também cantava repentes no Mercado da Madalena quando se mudou para Recife. “Nos sábados eu era a primeira a chegar”. – afirma com alegria. Ain-


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da hoje ela faz os seus repentes, especialmente para animar suas exposições ou em algum sarau artístico. “Eu tomo duas pingas e eu posso fazer repentes a noite todinha... sem papel, só com o violão... adoro!”. Sua identidade está totalmente ligada à terra e à cultura do Nordeste que certamente é o que a inspira a sua arte e lhe dá forças para seguir. O coração não vem só das lembranças mas também da sua forma mesmo de criar: “Sempre à noite eu me acordo, começo fazendo essas fisionomias, esses retratos imaginários... às vezes eu desenho de olho fechado, que eu acho muito bom, e depois eu abro os olhos e a partir desse rabisco que fiz, eu começo a desenvolver minha imagem, o que eu acho que vai dar lá dentro... a maioria das vezes é sempre assim”. É uma arte baseada na intuição, no sentimento, no coração.

https://w w w.facebook. com/mariatereza.lira

Ermeson Vieira é formado em Filme e Vídeo pela Universidade do Leste de Londres, mestre em Mídia pela Universidade de Amsterdã e editor da Acentuados

No momento prepara um novo trabalho. Na verdade são cinco livros com desenhos a lápis com temas variados: fisionomias, frustações, alegrias, harmonia e o universo. Talvez seja um resumo da sua obra. Mas o melhor que você mesmo a experiencie, pois como Tereza mesmo afirma: “É justamente aquilo que você não sabe explicar que se torna mais interessante”. É o mistério da arte.•A

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PSICOLOGIA

Foto: loveombra, CC0 Creative Commons

CULTURA DO NARCISISMO E DEPRESSÃO POR ALESSANDRA SILVA XAVIER

A depressão é a principal causa de incapacidade mental em termos mundiais e estima-se que, até 2020, seja a segunda causa de incapacidade para a saúde.

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egundo a Organização Mundial de Saúde, uma a cada 20 pessoas é atingida por um episódio depressivo moderado ou grave durante o curso da vida. Entretanto, a complexidade do fenômeno que engloba fatores genéticos, bioquímicos, psicológicos e sociofamiliares demonstra que a saúde mental relaciona-se diretamente com a cultura e a construção subjetiva da trajetória psíquica do sujeito. A psicanálise nasce no final do século XIX, início do século XX. A temática do inconsciente já existia na época, entretanto Freud consegiu criar uma possibilidade de compreensão teórica do inconsciente, oferecendo uma inteligibilidade ao mesmo. O inconsciente possuiria um funcionamento próprio, obedeceria a determinadas regras e caracterizar-se-ia por possuir uma energia livre, atemporal e marcado pelo princípio do prazer. Enquanto determinante da vida psíquica, apresentaria seus conteúdos através das suas formações: lapsos, sonhos, sintomas, atos falhos e fantasias. O sistema inconsciente é capaz de produzir elementos que permitem atráves da escuta clínica a compreensão do sentido da subjetividade do paciente. Sentido este, que entra em conflito muitas vezes, com o conhecimento consciente. A compreensão de um


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sujeito marcado por um inconsciente, significa considerar um sujeito ambivalente, em conflito, que questiona a si mesmo, que se pensa, que se sente culpado sem ter clareza da origem disso, e que necessita de um outro tipo de acolhimento para o seu sofrimento. Necessita de uma escuta que o ajude a pensar seus conflitos, seus desejos e suas fantasias. A velocidade das comunicações, o uso das novas tecnologias, implica em sujeitos com capacidades influenciadas por essas mudanças na sua capacidade de espera e frustração. O mundo tem passado por mudanças intensas nos últimos trinta anos. A tecnologia tem permitido o controle do espaço, do tempo e da vida. A capacidade de clonar seres vivos, decodificar e intervir na estrutura genética, acarreta mudanças não somente no mundo concreto mas na configuração dos sujeitos que nascem e vivem nesse contexto. A diminuição das estratégias de convívio, das narrativas, a falta de perspectiva de futuro e desconexão com o passado, produzem um sujeito desenraizado (Arendt,2007), à deriva. O uso de selfie, por exemplos, pode ser visto como a necessidade de provas de que o sujeito existe, assim como para alimentar o olhar que o outro tem de mim. O registro da imagem e a confirmação pelo olhar do outro, fornece uma segurança, pactuando o fato de que preciso que o outro saiba e confirme que eu existo, como se as coisas que o outro não sabe ou não confirmou que eu sou, o que fiz, o que vivi fazem com que as mesmas não tenham sido vividas.

filhos do desejo de alguém, para sobreviver precisamos nos sentir desejados. Segundo Maud Manoni o maior desejo é ser desejado pelos outros. Os investimentos afetivos recebidos pelos sujeitos muitas vezes os colocam no lugar de fracasso ou de medo do fracasso. As idealizações impossíveis de serem atingidas ameaçam o tempo todo tanto pela sua imposição e demanda (como idealizações de beleza, sucesso, perfeição, dinheiro, amor) quanto pela impossibilidade de sua obtenção. Nesta rede de tensão, instaura-se muito facilmente a desesperança, o mal-estar e a raiva de si. Pois o medo de não sermos mais desejados nos submete ao outro. O ser humano para crescer precisa se separar do primeiro objeto de amor (os pais) e se apropriar de si e da sua identidade; tal caminho é doloroso e, sem apoio familiar, dos grupos e do Estado é muito fácil achar tal percurso impossível. Para compreender a gênese de uma personalidade autodestrutiva é preciso considerar: o ambiente (em que medida não ofereceu cuidados, proteção e bons vínculos que permitisse ao sujeito lidar com perdas e desenvolver confiança em si e nos outros); a forma de lidar com as perdas decorrentes dos processos de luto e melancolia; a internalização e identificação com as agressões do ambiente e os efeitos do masoquismo como componente da subjetividade.

Na melancolia, ocorre a perda de um objeto narcísico (um objeto que fazia parte do próprio sujeito) e tal perda, representa uma parte de si mesmo o que pode deflagar sensação de vazio e Em 1914, Freud elabora questões imlevar à depressão. Entretanto, tal perda O uso de selfie, portantes para compreender a relação só irá paralisar o sujeito, se esse não do sujeito com seus ideais, sua forma possuir habilidades psíquicas nepor exemplos, pode ser de se relacionar com os outros, concessárias construídas ao longo da sigo e os investimentos feitos sobre vida, para lidar com a falta, a dor, visto como a necessidade de o desamparo. Pois são situações o mundo. Segundo ele, os pais têm um projeto de grandeza para os que mobilizam momentos inifilhos, acreditando que eles con- provas de que o sujeito existe, ciais da vida humana e que diante seguirão o sucesso que aqueles das quais os registros psíquicos não conseguiram e que irão res- assim como para alimentar o que existem são de angústia e detituir a esses pais todas as dívidas sespero. A construção de recursos olhar que o outro tem de psíquicos para lidar com esses estade felicidade na vida. O bebê estaria envolvido em uma onipotência dos emocionais, é feita com o cuidamim. narcísica, ao ilusoriamente acreditar do das pessoas que acolhem o bebê e que pode tudo, pois teria o mundo a seu que ajudam a suportar a dor oferecendo controle. Ao longo da infância, a verdade estratégias para lidar com o sofrimento desobre si será considerada a verdade que os pais corrente dos problemas que aparecem. disseram. Na adolescência, essas verdades passarão a ser questionadas e o sujeito irá se perguntar se quer para si o Uma das saídas é ser capaz de encontrar alternativas que os pais queriam para ele ou se são aquilo que os pais criativas para o sofrimento, investindo em novos obdisseram que ele era. Esse momento de conformação ou jetos. Ao longo da vida, é preciso constituir formas de de diferenciação será decisivo para os processos de idenlidar continuamente com perdas e frustrações. Alguma tificação presentes nesse momento, pois irão mobilizar das elaborações das perdas na adolescência envolvem a fantasias de competição e destrutividade, luto pelas ideacapacidade de autonomia e independência dos cuidados lizações impossíveis e ambivalências amorosas. parentais, perdas e modificações do corpo etc. A forma que o sujeito encontra de lidar com perdas, separações Em um contexto pobre de esperança e de recursos emoe frustrações é guardando dentro de si a memória ou cionais escassos é possível os pais terem projetos para elementos dos objetos perdidos através de processos de os filhos, entretanto, sem perspectivas de alcançar esse identificação ou seja, os objetos amados e perdidos ficalugar e dar os pais aquilo que eles esperam, é possível rão para semprecomo uma parte de nós. No luto normal, desencadear um imenso vazio. Segundo a Organização quando ocorre a perda do objeto, ocorre um processo de Mundial de Saúde a depressão aumentou 18% entre 2005 ressignificação dessa perda e reinvestimento em outros e 2015 afetando 322 milhões de pessoas em todo o munobjetos. do, a maioria mulheres. Em algumas pessoas, a melancolia derivaria de uma O ser humano é um ser que deseja. Através da cultura e constituição do psiquismo muito frágil em seu início. Alda linguagem produzimos alterações nos instintos e progumas pessoas já adentraria no mundo com um prejuízo duzimos desejo. O homem descobre que pode usar painicial, pertencendo a um ambiente pouco acolhedor, o lavras e instrumentos para modificar o mundo, alegra-se qual propiciaria intenso sofrimento psíquico, devido ao quando cria e e entristece-se quando não consegue avancomprometimento da capacidade de receber cuidados e çar diante dos desafios. Todos os seres humanos somos vivenciar a experiência e construção do sentimento de continuidade do self. ACENTUADOS | 11


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Os sujeitos narcísicos transitam entre a solidão, a arrogância e a agressividade. Pois para estabelecer uma relação com o outro é preciso se colocar no lugar do outro. O sujeito narcísico é simultaneamente sensível e agressivo. Entretanto, mesmo diante da arrogância, devido à solidão, se deprimem e isso é o que permite sair desse lugar e procurar ajuda. O sujeito narcísico quando se depara com uma perda, muitas vezes não sabe direito a coisa que ele perdeu, sente algo que dói mas às vezes não sabe onde nem quando perdeu. Outras vezes se depara com o fato de que nunca teve esse investimento ou essa coisa valiosa em relação a si mesmo e sente que perdeu algo que equivalia a si mesmo. Geralmente são pessoas que não sabem o que fazer quando deixam de ser aquela criança maravilhosa ou não se sentem mais perfeitos e idealizados. Essa sensação de que perderam uma parte de si mesmas, refere-se ao fato de que a ideia do eu é um ilusão, mas uma ilusão que é necessária para o sujeito poder levar sua vida. Na melancolia e na depressão é como se o eu não existisse ou tivesse deixado de existir. O eu precisa de uma continuidade no tempo. O melancólico é como se fosse um sujeito no vácuo, flutuando, perdido, sem existência.

vria diante de um mundo sem referências, perdido, esvaziado. Neste contexto, se tudo é permitido ao indivíduo e se tudo é uma escolha individual, ocorre a perda da transcendência, de valores de referência e a depressão revelaria uma espécie de patologia da insuficiência e do vazio do sujeito na modernidade. Ao se deparar com um contexto em que se pode desejar tudo, o sujeito já não sabe mais o que desejar. Se antes, o conflito do sujeito era porque desejava mas não podia, o conflito atual caracteriza-se pelo não saber o que desejar, não conseguir desejar.

Os tipos contemporâneos, expostos no cinema, que poderiam caracterizar essa forma de expressão da subjetividade seriam os zumbis, pessoas que perderam a capacidade de falar do seu sofrimento, que estão vivas, andando, mas é como se não soubesse ou não tivessem consciência nem noção da sua existência porque perderam essa capacidade de articulação narrativa do seu sofrimento. Pois, se o outro também não reconhece o meu sofrimento eu viro um morto vivo. Por isso que a relação com o outro é tão importante, por isso que a psicanálise é tão importante no contexto contemporâneo, porque faz a mediação desse sofrimento com a escuta de um outro ser humano. Diante de um contexto social de anomia, de ausência de leis e palavras, quando o sujeito não consegue encontrar formas de lidar com o que sente, se não consegue ter controle sobre seu corpo ou achar alternativas para suas dores, essa experiência de vida pode acabar se tornando uma experiência de morte. Além disso, o sujeito da contemporaneidade também é um sujeito com muita dificuldade em construir intimidade, devido à tentativa de se proteger e pela falta de habilidades em construir e se relacionar com o outro, o que ocasiona sentimentos de isolamento e de profunda solidão, revelando um grande paradoxo, pois na tentativa de se isolar para se proteger do outro acaba sofrendo, pela solidão, exatamente pela tentativa de se proteger em não sofrer.

A lógica do mercado, a lógica da produção do consumo, a lógica da mercadoria, exige que os produtos sejam descartáveis, alimentando uma indústria de constante novidade. Neste contexto, a criatividade humana perde espaço, porque novidade não é criatividade e os sujeitos ficariam presos a um universo de imagem, vazio, insustentável, de consumo incessante, presos e alienadados ao desejo do outro, passivos, irritados, incapazes de tolerar a alteridade, infantilizados. A isca ideal para uma existência que se sustenta no consumo de objetos externos •A

Não existe história da experiência humana sem sofrimento, sem tristeza. Os casos de depressão dizem sobre o lugar do sofrimento na nossa cultura e dizem da forma como os sujeitos são afetados pelo contexto cultural. A subjetividade contém a singularidade de cada um, a particularidade da cultura e os aspectos universais comuns a todos os seres humanos, que envolve aspectos corporais e de linguagem. O sujeito se questiona e se pergunta sobre a vida, questiona a autoridade, o que é relevante, pois coloca o sujeito como responsável pela sua vida mas também introduz um nível de sofrimento e um peso muito grande porque nesse contexto, tudo o que ocorre com o sujeito é de sua responsabilidade. Guy Debord (1997) ao discutir sobre a sociedade do espetáculo, revela que ao sujeito contemporâneo parece que não existe nenhum valor sólido sobre o qual este possa se apoiar. Diante de uma sociedade caracterizada pelo predomínio das imagens, pela fuidez, o sujeitose

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A depressão seria pois, o sintoma da vida que se tem, pois a saúde não seria a ausência de doença e sim, a possibilidade de adoecer, aprender com a doença e lidar com as questões trazidas pela vida. A saúde não seria o não sofrer e sim se sentir capaz de lidar com o sofrimento quando ele vier, sem ser devastado por ele. sendo capaz de entender o que está por trás daquele sofrimento e desenvolver saídas existencias que permitam substituir o sofrimento por outras saídas mais criativas. Algumas das saídas pouco criativas para o sofrimento envolvem a anestesia, via medicação ou drogas.

Alessandra Xavier: é psicologa formada pela Universidade Federal do Ceará, mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará e doutora em Psicologia Clínica e Psicobiologia pela Universidade de Santiago de Compostela, Espanha. Atualmente é professora assistente da Universidade Estadual do Ceará, do curso de Psicologia, com experiência na área de Psicologia Clínica, Psicanálise, Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem.

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. São Paulo: Editora Forense-Universitária, 10ª edição, 2007. BOTEGA NJ, Furlanetto L, Fraguas R Jr. Depressão. In Botega N J (org.). Prática Psiquiátrica no Hospital Geral: Interconsulta e Emergência. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 225-46. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997 DEPRESSION: A Global Crisis World Mental Health Day, October 10 2012 disponível em: http://www.who.int/mental_health/management/depression/wfmh_paper_depression_wmhd_2012.pdf FREUD, S. ____ (1914-15). “Sobre o narcisismo – uma introdução”. In: Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (v. XIV). Rio de Janeiro: Imago, 1996.


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CHARGE

Por Joseph Prado César da Fonseca

Foto colagem: Ermeson Vieira

Segundo tradição que remonta ao platonismo, habilidade ou disposição dirigida para execução de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional (dicionário Houaiss) A arte é em certa medida parte do nosso processo “civilizatório”, ou como algumas vezes gostamos de pensar o que nos torna humanos. Nesse processo de pensar e criar a partir do seu entorno ou de sonhos (inspirações): pinturas, sons e objetos. Ela é ao mesmo tempo o que nos faz transcender o humano. Mas, quando a arte rompe com essa tradição humana do que se entende como belo, de equilíbrios, de precisões? Quando ela rompe com a “racionalidade” e a “consciência”? Quando ela se torna a chave para o exato momento da explosão inicial? Pleno de cores/não cores, luz/sombra, formas/não formas, frio/quente, sons/não sons/ruídos, matéria/ não matéria, ser/não ser, não tempo, não ordem. Ou como muitos temem, o caos. Nesse lugar ela assume uma das suas face... “Não escrevo, não falo! – para assim não ser: não foi, não é, não fica sendo!” PassadoPresenteFuturo, tempo é um contínuo. Tudo é arte. Arte é rompimento, rompimento é arte. Um esta para outro como outro esta para um. O rompimento leva a arte e a arte torna possível o rompimento. MÚSICA E RESISTÊNCIA – A ARTE FEITA DE CAUS. A DESTRUIÇÃO TAMBÉM É CRIAÇÃO - DA LAMA AO CAOS, DO CAOS À LAMA Por Edmilson Alves Medeiros “A ânsia de destruir é também a ânsia de criar” Mikhail Bakunin

Durante a primeira Grande Guerra Mundial no início do século XX (1914-1918), artistas auto exilados na Suíça se reuniram no mítico Cabaré Voltaire para inaugurar a “arte do caos”, a anti-arte, uma arte que buscava romper com os padrões tradicionais artísticos e com a estética racional burguesa, capitalista. Intitulado Movimento Dada - nome escolhido de forma acidental numa consulta ao dicionário pelo artista Tzara Tristan. O Movimento Dadaísta foi sobretudo o movimento do desconforto, do incomodo, seja nas artes plásticas, na literatura, no teatro ou na música. Tzara Tristan ensinava como “construir” uma poesia Dada desta forma: Para fazer um poema Dadaísta

arte é a representação de tudo aquilo que é belo. É dessa forma que normalmente a entendemos: o equilíbrio das formas e cores, a harmonia dos sons, a precisão dos gestos. Para alguns até a racionalidade na criação.

“Pegue um jornal. Pegue a tesoura. Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema. Recorte o artigo. Recorte em seguida com atenção algumas palavras que

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formam esse artigo e meta-as num saco. Agite suavemente. Tire em seguida cada pedaço um após o outro. Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco. O poema se parecerá com você. E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público”. Mais importante que a ordem, as normas tradicionais de produção da arte era o desejo de criar, a intenção motivadora, a pulsão da arte. O Dadaísmo influenciou também alguns artistas brasileiros do início do século XX, alguns deles membros do Movimento Modernista, como por exemplo: Flávio de Carvalho, Manuel Bandeira, Ismael Nery e Mario de Andrade. Movimento que por sua natureza expressa bem essa ideia de ruptura, de criar outra forma de ver e fazer arte. “(...) Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: - “Meu pai foi à guerra!” - “Não foi!” - “Foi!” - “Não foi!”. (...) Vai por cinquenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A fôrmas a forma. Clame a saparia Em críticas céticas: Não há mais poesia, Mas há artes poéticas...” Urra o sapo-boi: - “Meu pai foi rei!”- “Foi!” - “Não foi!” - “Foi!” - “Não foi!”. Outros, sapos-pipas (Um mal em si cabe), Falam pelas tripas, - “Sei!” - “Não sabe!” - “Sabe!”. (Poema Os Sapos - Manuel Bandeira) O Movimento Dadaísta que criava a partir da decomposição está pois contra outros movimentos culturais que acreditam no progresso e na construção positiva do mundo como o Futurismo, o Expressionismo ou o Cubismo. A chamada “brasilidade” não foi construída a partir Dadaísmo, mas do Movimento Modernista brasileiro que propunha a deglutição dos elementos estrangeiros, assim como os indígenas canibais deglutiam os colonizadores europeus para construir sua própria identidade cultural. Por essa razão o modernismo brasileiro ficou assim conhecido como o movimento antropofágico (canibal). Descolonizar o país devorando elementos do colonizador dentro das suas entranhas era seu principal objetivo. Porém o Movimento dadaísta influenciou além das artes plásticas e a literatura a música no Brasil. Um bom exemplo disso é A Banda Geladeira Metal, onde seu integrante afirma não fazer arte (a não-arte) e que a música se decompõe e compõe no momento da apresentação e que é apenas expressão. E pelos comentários dos vídeos, os comentários de que “isso não é arte” são mais elogiosos do que comentários. Alguns afirmam que em

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suas performances ao vivo causa além de “agonia” auditiva, além de revolta como no caso de uma performance sobre uma epilepsia simulada com comprimido efervescente, pois foi vista como “não”-respeitosa aos que sofrem com a doença. O “não”, é prefixo classificatório da banda que faz performances entre teclados martelados, guitarras distorcidas acompanhadas de grunhidos, gritos e outros ruídos produzidos pela boca. Mas o Movimento Dadaísta não é responsável por todas as rupturas na arte brasileira, que é construída sobretudo de resistência, onde em algum momento rompe o tecido social numa explosão e o amálgama, a fusão, secular de diferentes elementos se faz presente. O Movimento modernista e o que veio depois de uma arte genuína brasileira só foi possível também pela resistência das não-formas, das não-racionalidade, das não-formalidades, dos não-sons, da não-harmonia, das não-regras, da não-arte já feita no Brasil. Avançando para música brasileira produzida nas últimas décadas é possível identificar nomes como Chico Science & Nação Zumbi ou o movimento Manguebeat dentro essa resistência, esse amálgama, essa ruptura. A releitura de “ Maracatu Atômico” de Jorge Mautner exemplifica bem essa fusão entre a lama dos mangues do maracatu de Recife, suas percussões, o caos da cidade e seus aparelhos eletrônicos. A arte canibalizada e liquidificada de Mauro e Quitéria na canção “Õ Blesq Blow”, mostra da lama ao caos numa língua criada por eles mesmo, onde fragmentos de várias línguas escapam num sotaque próprio em meio a palavras que quase pensamos entender. A mente racional talvez diria: Uma locura caótica, mas para um artista habilidoso o que importa é a máxima de que de tudo pode-se fazer arte•A

Edmilson Alves Medeiros é cientista social, formado pelaPontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi coordenador de educação comunitária no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo. Título do primeiro álbum de estúdio da banda Chico Science & Nação Zumbi Grande Sertão : Veredas – João Guimaraes Rosa. Ed. Nova Fronteira. Rio de Janeiro 1988. Pag.530 Fontes: http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=91 http://jenesuispaslatradition.blogspot.be/2015/03/dadaismo-e-sua-polemica. html https://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-seculo-20/dadaismo/ https://www.todamateria.com.br/dadaismo/ http://dododadaismo.blogspot.be/p/dadaismo-no-brasil.html http://www.casadobruxo.com.br/poesia/m/sapos.htm http://www.overmundo.com.br/overblog/geladeira-metal-terrorismo-geral https://diversom.wordpress.com/2014/11/17/resenha-o-blesq-blom-titas/

TÁ NA REDE... Uma língua como herança - Documentário educativo sobre o ensino do português como língua de herança na Inglaterra


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BRASIL TODO DIA - AGENDA DE MAIO ARTE N’ATIVA 4 - 5/05 Hospitality Brussels 2018 Deixe-se maravilhar pelos aromas e cores das especialidades culinárias e artesanais do Oriente Médio, da África e da América Latina. O Brasil é representado pela Arte N’Ativa. Onde: Place Ste. Catherine. 08/05 - 19h Noite do Cerrado Brasileiro Luc Vankrunkelsven (Wervel) introduz uma discussão sobre a importância mundial do Cerrado brasileiro. Onde: Rue des Goujons, 152 - 1070 - Anderlecht. 13/05 - 16:30h Atelier Côco de Roda O Coco de Roda é uma dança rítmica típica do Norte e Nordeste do Brasil. Onde: Centro Cultural De Markten; Marché aux Grains 5, 1000 Bruxelles 26/05 Participaçao do festival: DIY DAY Um festival do-it-yourself (faça você mesmo) situado no coração de Bruxelas. Com mais de 30 oficinas, arte ao vivo e música, teatro de rua, zona infantil, etc. Onde: Recy-K. 55 Quai Fernand Demets, 1070 Bruxelas. 13/05 - 13h Feijoada do dia das mães e brocante beneficente Venha saborear uma deliciosa feijoada, assim como visitar a brocante n’ativa com renda em prol da associaçao. Onde: Rue des Goujons, 152 - 1070 - Anderlecht. 25/05 19:00h Exposição: Preto no Branco Cleverson de Oliveira/ Ronaldo Oliveira Dois artistas, conterraneos, originarios da cidadde de Curitiba que se reencontram em Bruxelas e festejam com a alegria estampada em suas telas. Entrada franca. Onde: Rue des Goujons,

152 - 1070 - Anderlecht. 27/05 16:30h Workshop Côco de Roda Animado por Alessandra Marroquim. Dança popular do nordeste Brasileiro. Onde: Centro Cultural De Markten; Marché aux Grains 5, 1000 Bruxelles A.E.T.C.I.S Associação Europeia de Terapia Comunitária Integrativa e Sistêmica.

Espaço de escuta, de conversa e de criação de laços Ciranda de Palavras: 9/05 e 23/05 - 19h Local: PianoFabriek, Rua du Fort, 35, SaintGilles 1060 Dinamica, diálogo e movimento corporal: 12/05 - de 13:30h a 16:30h Local: PianoFabriek, Rua du Fort, 35, SaintGilles 1060 (Sala CASABLANCA) aetcis.be@gmail.com 0478 28 26 60 FAM & EVENTS A Fam & Events tem por ambiçao criar, apoiar e realizar projetos que valorizem a cultura brasileira em todas as suas vertentes. Buscamos a troca de experiências, informaçoes e a colaboraçao entre as comunidades. https://www.facebook.com/FAMANDEVENTS

CONSELHO DE CIDADANIA 3, 4 e 5/05 1° Feira de Cultura Comunitária Brasileira na Bélgica 3/05 18h-20h - Cerimônia de abertura. Concerto com o cantor Sérgio Bastos, que trará um repertório tipicamente brasileiro com os clássicos da MPB; Comidas típicas 4/05 10h-16h - Apresentações de capoeira e outras atividades; 5/05 10h-16h - Ofici-

nas para crianças com um dos artistas + pintura dos rostos infantis e distribuição de brindes. Informações e detalhes: 0493481119 - Celia Brito. CONSULADO BR. Até 9/05 Prazo para a regularização da situação eleitoral para as eleições presidenciais. Info: http://cgbruxelas. itamaraty.gov.br/pt-br/ Main.xml Endereço: Rue du Trône 108, Ixelles 1050 Bruxelas EMBAIXADA BR. 9/05 18h – 21h Vernissage - Alexandre Keto Artista de Rua - busca por meio dos seus desenhos, promover um diálogo original entre pessoas e o continente Africano e retratam aspectos da cultura Iorubá (habitantes da África Ocidental), Banto (localizados principalmente na África Subsaariana) e Ashanti (que vivem em Gana). Onde: Avenue Louise 350, 1050 Bruxelas Evento no Facebook

WOWO LUSOFONAS WOWO COMMUNITY LANÇA REDE DE MULHERES LUSÓFONAS WoWo Luso é uma rede de apoio ao empreendedorismo feminino que responde às necessidades da mulher lusófona, ativa e dinâmica, que deseja desenvolver-se profissionalmente e ter visibilidade. 15/05 8:30–17:30h (em apoio a Brascam - Brazilian Belgian Business Network) Workshop Diálogos de Poder. Objetivo: Técnicas eficazes de comunicação nos negócios (como conse-

guir um “sim” definitivo). Pela WOWO: 338,80 Euros (incl. TVA) Onde: 81, Av de Tervuren - 1040 - Bruxelles Mais informaçõe: OCA LUSO 13/05 - 11h 4° edição Historias infantis Musicadas - Contação do conto: Catarina e o Lagarto de Katia Gilaberte. Contadora: Regina Barbosa. Musica de Cecilia Peçanha. Onde: La Petite Portugaise - Chauseé de Wavre 214 B- Ixelles Confirmar por e-mail: oca.asbl@gmail.com Biblioteca virtual: Ciranda do livro em Portugues, adulto e infantil Informações: Tel: +32 486916224 Facebook Æ RAIZ MIRIM 9/05 - 14h - 14:30h Dia mundial do Português como língua de herança (comemoração para crianças) Brincadeiras. lançamento de livro, lanche, capoeira, contação de histórias etc. Onde: Consulado do Brasil - Rue du Trône 108, Ixelles 1050 Bruxelas Confirmar por e-mail: info@raizmirim.org +32 492 87 26 57 9/05 - 18:30h Lançamento do Livro "Brasil, Conto a Conto" Contos coletados por Ângela Mota Onde: Consulado do Brasil - Rue du Trône 108, Ixelles 1050 Bruxelas Mais informações: info@raizmirim.org +32 492 87 26 57

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LITERATURA pés livres, vento no rosto, LEVEZA-LIVRE! Era verão, o sol lhe castigava áspero, sorria amarelo e cínico todos os dias. Nem parecia o mesmo sol que coloria as ruas das crianças voando em suas bicicletas.

E

Por Manuela Ribeiro

ra pobre e maltrapilha, mas sonhava e sentia como qualquer outra criança. Triste, desnutrida, desgrenhada e certamente cheia de vermes, a menina do “Capelinha” vivia a sonhar com uma bicicleta novinha-tinintante de Natal. Passava as tardes, após vender seus picolés, namorando às vitrines do centro, cheias de sonhos das formas mais diversas, mas o maior e mais feliz era aquele que ela não cansava de ver nos parques… tinham crianças montadas neles, cheiro de tinta fresca e o vento gostoso no rosto. Era verão, época de Natal!! E o calor das esperanças fervia dentro dela. Dessa vez, ela não esperaria passiva por Papai Noel. Todos os anos, nas vésperas de Natal, ela jurava ter visto um risco no céu, uma melodia de renas passando, ou uma luz vermelha distante que ela jurava ser o nariz da primeira rena do Papai Noel. Fato é que, o bom velinho nunca havia acertado o seu endereço. Ela vivia a se perguntar se tinha sido pouco precisa nos seus desenhos ou se a dificuldade de achar a sua “casa” adivinha do fato dela não ter uma daquelas lareiras que via das casas dos filmes. De que era boa menina, não tinha dúvidas, cuidava de sua irmã mais nova como se fosse uma bonequinha de louça, agüentava a bebedeira da mãe, apanhava sem nem saber o porquê e sem fugir, trabalhava duro nas ruas tentando vender picolés e… não vendia muitos, seu jeito maltrapilha não lhe conferia muita confiança. As pessoas geralmente lhe fugiam ou ignoravam, eram poucas as que compravam algo e muitas delas compravam por dó ou para se livrar daquela aparição que destoava do colorido verão. Quem iria querer ver filhote de cão, sarnento e cor de rosa, passeando pelas praias e ruas ensolaradas? Isso lá merecia alguma luz? Mesmo assim, ela estava decidida a vender picolés o suficiente para levar algo de comer para casa e comprar sua tão sonhada bicicleta, queria mesmo era a sensação de

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A fome era mais rápida e a pobre menininha decidiu tomar aquele último picolé para esfriar o turbilhão de sentimentos e sensações confusas e quentes dentro dela. Chorava a água que nem mais tinha em seu corpinho seco e desnutrido. Lançou a primeira mordida no picolé e saboreou como se fosse verdadeiro banquete, aquele pedacinho correu frio a sua gargantinha, apagando por um segundinho que fosse o calor e a fome que lhe doíam tanto. Lançou a segunda dentada e se viu fresca, sentada em sua bicicleta nova e cor de rosa, correndo livre e feliz... sentia o frescor e perfume do parque,mas não demorou a voltar ao calor áspero de sua realidade... a bicicleta evaporou como água em panela quente. Fechou os olhos e mordeu com vontade o último pedaço... Ah, como era fresquinho... o gostinho de limão... agora estava livre do calor, da culpa, do medo, da fome... corria livre entre as demais crianças e suas bicicletas novas, nada mais lhe preocupava... se entregou! Tinha abandonado aquela pequenina carcaça seca e cheia de areia que há tanto tempo foi invisível •A

Manuela Ribeiro: Formada em letras clássicas e estrangeiras.

Foto: Ermeson Vieira

A MENINA DO CAPELINHA

Era manhã, ela ajeita o isopor: morango, limão, amendoim e mangaba. Ganha as ruas, desce e lá estavam o azul e amarelo tomados por cabeças suadas em biquínis e sungas da moda. Estavam todos possuídos pela alegria e amorozidade das férias de verão e proximidades do Natal. Ela aborda dois, três, quatro e quinze... era invisível. Vende dois picolés e ganha um sorriso tímido... eram gotinhas geladas que refrescavam o seu sonho. Andou três a quatro praias debaixo do sol quente e o sorriso derreteu com a falta das vendas. Estava morta de cansaço e fome, fazia dias que havia comido um pedacinho de frango que o seu Pedro da vendinha lhe presenteara. Seu estômago parecia já ter esquecido da breve passagem do frango por alí. Sentou, fazia um calor de enlouquecer e seus pezinhos pareciam duas fatias de rabanadas fritinhas. Foi então que um menininho que vinha correndo de longe esbarrou em seu isopor e derrubou todos os seus picolés. Estava perdida, como voltaria para casa com um real? Que diria a sua mãe? Certamente lhe faria sangrar o dinheiro em pontapés e vassouradas!!! E a bicicleta? Tudo havia derretido naquela areia suja de praia. Maldita areia, maldito menino, maldito sol, maldita fome! Foi então que ela percebeu que restara um picolézinho no isopor... Comer ou vender? De qualquer forma, era o último cristal de esperança.


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LITERATURA

POESIA

É MADRUGADA Minha mão segurando teu peito como se quisera impedir teu coração de fugir, de fingir.. O toc, toc faz dançar meus dedos um por um com o bailarinas apaixonadas E de uma, viro múltipla querendo sem querer amando sem amar morrendo aos poucos de amor por você Poema e pintura de Solania Barbosa Foto: Madeinitaly, CC0 Creative Commons

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solfrevo@yahoo.fr

A FESTA DO RIO Por Ermeson Vieira Gondim

ra uma vez um povoado bem pequeno e pitoresco. Não havia nem muita gente nesta cidadezinha, mas todos os anos os habitantes celebravam um desfile. Eles vestiam suas mais extravagantes e divertidas fantasias. Havia inclusive uma banda de música que animava dita parada.

Um dia um forasteiro foi convidado a fazer parte da festa. Ele aceitou, colocou uma fantasia bastante divertida como os demais cidadãos. Finalmente quando o desfile começou ele se deu conta de um grande e inusitado detalhe: o desfile se dava por dentro de um rio que ficava perto da cidadezinha. Quando viu as pessoas entrando no rio o homem ficou inclusive irritado. Porém quando a banda começou a adentrar-se no rio, o homem não aguentou mais de estupor e declarou quase erdido de tanta incompreensão: –Que estúpido pôr sua melhor fantasia e meter-se em um rio! Neste momento uma sábia mulher de idade avançada contestou: –Assim é a vida, devemos pôr nossas melhores fantasias e nos meter no rio da vida antes que ela passe. Esta festa é para a vida e a celebramos todos os anos. O homem pensou por um instante e depois pôs-se a dançar descontraído com todos os demais •A

Ermeson Vieira: Amante da escrita criativa.

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LITERATURA ATO DE ACOLHER OS FILHOS E FILHAS DA VENEZUELA

Filhos e filhas da Venezuela Povos de Latino América Milhares chegam ao Brasil É não é pra fazer festa... Que sejamos solidários Com os queridos hermanos Sem fronteiras para o amor Com carinhos os acolhamos Seja assim nossa atitude Para com este povo irmão Emigrantes destes tempos De enormes contradições Aviltante é o sofrimento Das crianças e anciãos Jovens homens e mulheres Em êxodo sem casa e pão Meninos e meninas Mulheres e homens Fardos do desespero Abdômen nas costelas Panelas sem ter pão... Independente das políticas E diferenças dos Estados-Nação Das disputas de interesses Que regem o mundo cão Que reine a sólidariedade O princípio da amorosidade Se faça em ato de acolher Determinação humatária Políticas humanas plenas Relações internacionais Não só comida e agasalho A dor da fome não espera Haja pão remédio e teto Haja diálogo rumo a paz Que a economia do horror Que os embargos do desamor Não feche as fronteiras da paz! Que o povo venezuelano Não seja sufocado Que sua soberania Não seja ameaçada E a vida do seu povo Não seja aviltada Pela força bruta e desumanizada Que não se importa Com tantas vidas ceifadas!

CELEBRAÇÃO O passarinho que vive em mim anda solto não mais portas, grades, gaiolas só o vai e vem morrendo para renascer diferente O passarinho que agora vive canta feliz celebrando a morte do medo e a ressurreição do encantamento não mais esperas e solidão. só a visão permanente do infinito. Poema e pintura de Solania Barbosa

Elias José da Silva, Educador Popular, poeta, terapeuta, coordenador da Estratégia Cirandas da Vida, de Fortaleza, Ceará - Brasil.

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solfrevo@yahoo.fr


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LITERATURA PRISÃO Tadinha da Clara Tadinho do Pedro Tadinha da Paula Quando ódio em vão A bandeira tingiu suas mãos de sangue preto, indio, pobre, lgbt, quilombola E bala, gás, porrada nos sem teto, professores e em quem mais se atrever hora essa! Assistimos nas tvs a morte explícita das favelas, os 4 tiros quê fizeram ecoar a voz da mariele, o pato pateta que muchou e já perambula pelas ruas tristonho e bocas cheias de ódio que cospem mentiras Enquanto outras vozes ecoam esperança apesar da chuva, do frio e do tiro no pescoço Breve a risada justiceira ecoará vitoriosa! E eu, apesar da dor dessa prisão plantarei árvores de livros para reavivar a memória Poema e pintura de Solania Barbosa solfrevo@yahoo.fr

REDAÇÃO Redator em chefe: Ermeson Vieira Publicidade: Lígia Dantas revista.acentuados@gmail.com Redação: Ermeson Vieira, Alessandra Xavier, Manuela Santos Ribeiro, Solânia Barbosa, Elias José da Silva, Edmilson Medeiros Layout: Ermeson Vieira

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