Copyright © Escape, 2021. Alteridade © Paulo José Schmidt Brachtvogel , 2021. Editor Daniel Santos da Cunha Assistente editorial Juliane Sperotto Moschini Revisão linguística Denise Klein Kohlrausch Ilustrações da capa Melancholy III (1902) de Edvard Munch Capa, projeto gráfico e diagramação Daniel S. da Cunha | DSC studio: www.dancunha.com
B000p Brachtvogel, Paulo José Schmidt Alteridade / Paulo José Schmidt Brachtvogel. – 1ª. ed. – Morro Reuter (RS): Revista Escape, 2021. 148 p.; 21 cm. Ilustrações da capa “Melancholy III” (1902) de Edvard Munch ISBN 000-00-00000-00-0 1. Literatura brasileira. 2. Poesia. I. Título.
000-000-00 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Nome do(a) Bibliotecário(a) – CRB 0 0000 Índice para catálogo sistemático: 1. Literatura brasileira 000.00 2. Poesia 000.00
Todos os direitos desta edição reservados à: Revista Escape – Selo Editorial Cavalo Sombrio Rua Bela Vista, 801 Centro – Morro Reuter – RS (51) 9 9272-0253 revistadigitalescape@gmail.com www.escapemov.com
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Paulo José Schmidt Brachtvogel
Alteridade #4 Caderno Escape Poesia
Quem me dera fosse eu um poema, Teria pulcritude nos traços, Sensibilizaria olhos e ouvidos, com beleza, formas, cores e sons Nas entrelinhas, ao ser recitado, tocaria a alma, transcenderia a sabedoria, Conheceria o amor... [...]
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Antes de mais nada, agradeço ao meu amigo e editor Daniel Cunha, pela enorme dedicação a este projeto e por ter acreditado no meu trabalho. Sem ele, estes escritos não passariam de simples textos arquivados em meu notebook. Minha gratidão à jornalista Cláudia Kunst, em 2020, coordenadora da Revista Escape, por meio da qual conheci o Daniel. Os dois foram os primeiros a abrir espaço para os meus versos, permitindo que eu fosse um dos colaboradores desse belo projeto cultural.
Não tenho como expressar minha gratidão à Denise Daniela Klein Kohlrausch – pós-graduada em revisão e avaliação de textos -, revisora linguística de primeira linha, incansável incentivadora e orientadora, extraordinária mulher que amo, companheira generosa e, sem dúvida, a mulher mais incrível que já conheci. Aos meus filhos, Felipe e Miguel, agradeço por me fazerem melhor a cada dia. Desejo todo o amor do mundo para esses dois. Pela ajuda e pelo incentivo, quero agradecer à minha amiga do peito, Marlise Stephanini, revisora dos meus primeiros escritos. Da mesma forma, reconheço o apoio e o espaço que me foram dados pelo amigo Alan Caldas, editor do Jornal Dois Irmãos, e pelo colega escritor, Adam Mattos, editor do site Corvo Literário. E, por fim, obrigado aos meus pais, Rosa Schmidt Brachtvogel e Nelson Brachtvogel, pelo incentivo, pela educação, pelo caráter e pela humildade. Sempre estiveram – e continuam – de braços estendidos, prontos para entregar o que há de mais sublime, de mais puro: o mais generoso amor. Paulo José Schmidt Brachtvogel
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Sumário
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Apresentação
É por meio de uma famosa citação de Sócrates que começarei a falar do Paulo José Schmidt Brachtvogel: “Conhece-te a ti mesmo.” Mesmo antes de conhecer a Filosofia, ele já tinha em si o propósito do autoconhecimento. Sempre foi fiel àquilo que lhe desperta o prazer e o bem-estar. Aprendeu a rebelar-se contra tudo o que contrarie seus princípios e seus valores. Admirador da natureza, o poeta captura o que há de mais simples e sublime na obra do Criador. Já dizia Nietzsche que “o que os sentidos apreciam, o que o espírito conhece, nunca em si tem seu fim”, por isso Paulo explora em seus poemas a sinestesia, aguça no leitor as mais variadas sensações. A passagem do tempo e a forma como cada um aproveita a vida são, também, fortes características da poesia do Paulo. Nos versos dele, o embalo não vem da rima, mas das idas e vindas do pensamento enquanto viajamos para dentro de nós.
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A presente obra está dividida em duas partes. Na primeira, somos convidados a apreciar o que há de mais belo ao nosso redor, a valorizar cada ruído, cada aroma, cada sensação que o meio em que estamos possa nos proporcionar. Nessa “fase”, grita nos versos a influência dos heterônimos – especialmente a de Alberto Caeiro – de Fernando Pessoa, escritor brilhante e completo, que faz da Filosofia um ingrediente indispensável para uma completa experiência de vida. Cheios de inquietações e de humildade, os versos de Paulo nos tiram da zona de conforto e nos fazem encarar nossas escolhas: temos parado para contemplar o que nos é oferecido ou estamos apenas “existindo”, presos ao piloto automático do sistema que insiste em nos manter sob controle? Temos respeitado nossos gostos, temos nos permitido contemplar a beleza das coisas, sem nos cobrar a produção em tempo integral? É com muita humildade que o poeta incita a reflexão. Paulo tem em mente o que um de seus poetas prediletos, Alberto Caeiro, afirma: “Eu nem sequer sou poeta: vejo. Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho: O valor está ali, nos meus versos. Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade”. Os versos são livres, e são eles que têm o poder de fazer parar, de fazer pensar. Seus escritos são atemporais, porque contemplam o que é comum ao homem de qualquer época: o autoconhecimento, a contemplação da natureza, o respeito por si e pelo outro, o amor, o desejo, as renúncias... Na segunda parte, o leitor é instigado a questionar seu lugar no mundo, a se perceber como um ser que pode mudar a realidade que machuca ou que atordoa. Por que aceitar tudo calado, como se esta fosse a única opção? E se você puder fazer a diferença? E se puder despertar para uma vida que respeita seu bem-estar individual, mas também se lembra de que não está sozinho no mundo e de que é preciso existir direitos que garantam a todos um lugar ao sol? É provável que não encontre aqui as respostas – e é justamente essa a intenção: que cada um tire suas próprias conclusões, que conheça seus limites e seus princípios. Fica aqui o convite para que, apesar da correria diária, esqueçamos um pouco o relógio e nos entreguemos à poesia. Que nos deixemos tocar pela sensibilidade do poeta, que os versos acolham nossas angústias e façam transbordar nossas emoções. Denise Daniela Klein Kohlrausch Graduada em Letras pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e pós graduada em Revisão e Avaliação de Textos pelas Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT).
PARTE I [..] Traria sentido e plenitude suprema à existência Liberdade e transformação Seria a seiva para o estado poético Nutrido por simbologias, inspiração e magia, A vida seria minha única fonte [...]
Náufrago
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Náufrago Perdido, desperta desalentado, Com o corpo aspergido da água salgado do mar, A areia conglutinada na face e nas partes nus do corpo Em meio à angústia proporcionada pela cena, Vagarosamente, coloca-se de pé Na busca pela compreensão do que fazia ali, Olha o entorno e percebe que está em uma ilha Uma ilha coberta de vegetação mista, com árvores enormes e verdes Inala o perfume das flores: Gardênias, jasmins, lavandas, cravos Sobressai-se o cheiro inconfundível de mel das álisso... O silêncio ruidoso de sua mente é quebrado pelo canto dos pássaros: Pintassilgos, canários, corrupiões, azulões e corruíras, Uma verdadeira sinfonia O céu azul cintilante, o reflexo das águas mansas, Sente uma leve brisa... Um náufrago confuso à procura de uma saída Mesmo que sua alma sinta a doçura do lugar, Como desvendar o mistério e partir? — O que era eu? — pergunta-se E essa saudade de alguém, de qualquer coisa que o angustia? Busca explicações, embora só encontre um vácuo dentro de si Uma ilha cheia, mas sem ninguém para lhe fazer companhia Como aquela, existem outras ilhas desconhecidas, Construídas por mãos divinas... Vê seu reflexo nas águas, Um estranho aos seus olhos Transparece uma dolorosa instabilidade sem sentido A brisa é fresca... Monta uma fogueira, Nela coloca as impurezas da ilha, Aqueles gravetos, as lascas Sem razão, espera encontrar alguém, Embora ainda não saiba quem...
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Sentado, imóvel, olhando na direção do horizonte, Ouvindo os pássaros, sentindo o perfume das flores, Naquela ilha cheia de vida, Um tesouro abstrato da sua imaginação
O despertar
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O despertar No anoitecer gélido, Acomodado junto ao supedâneo, Contemplo a construção simétrica e harmoniosa, Com colunas e pórticos jônicos, Circunvalado pelo jardim recoberto de hera As luzes, reverberadas por candeeiros concatenados, Proporcionam beatitude! Absorto nas obras helenísticas, As aspirações, a razão e o irracional, Os questionamentos socráticos, A busca das verdades pelas suas ideias, As perguntas frequentemente reveladoras... O saber, injustamente retribuído com uma taça de cicuta! “Acalma-te poeta, a intenção não é a de emular Nem a de exortar... Quais as perguntas que te fizestes ultimamente? Do que tens medo? Pergunta-te, sê um crítico, não hesites! Eis o ardil, conhece-te a ti mesmo, é fundamental...” Na presença da solitude, Refutando imagens icônicas, Repleto de perguntas, Repasso o epítome que desafia... Recolho-me às mais profundas nuances do ser As luzes, impetuosas, irrompem... Uma epifania... É o despertar da filosofia O triunfo da Eudaimonia Compreensível? Está indo a fundo? Não... Tudo acaba no silêncio reflexivo deste poema...
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Reações adversas
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Reações adversas De espírito inquieto, Fascinado por tudo que reverbera vida, Espreitando as folhas decíduas dos Plátanos Variegadas, com predomínio de tons rubros, Elas caem lentamente, Dançam num zigue-zague suave, Planam junto ao éoloSou como uma dessas folhas, Vólucre, ermo, Solto no tempo Evitando as sombras, Escabreando-me dos labirintos injungidos, Na busca pela luz, pelo pundonor Sozinho, como sempre fui, como sempre serei, Urdindo meu destino, Desfaço tramas, Desembaraço nós Emancipando-me de toda mágoa, De toda culpa, De toda negação, De certa forma – ainda incerta, Sou escultor de mim mesmo Perscrutando a alma, Entre o ser e o deixar de ser, Sem vaidades, Carregado de emoção – muito mais do que de razão Há mudanças que não podem ser refletidas em espelhos Mas desfruto dessa compleição, Do nascimento de um novo eu A folha que cai não sabe seu destino, Ela apenas obedece à lei natural, Muda sem saber Eu, com minha natureza humana,
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Posso mudar a mim, Mas talvez, também, Não consiga mudar meu destino O mundo, muitas vezes, não faz sentido, Nem desejo eu que faça O mundo é este, assim como é, Não mudará Quem precisa mudanças sou eu Se nada entendo, ou muito pouco entendo, Nada, ou muito pouco, tenho que entender Não sei onde vou parar, Pois o pouco que sei nunca suficiente será Independente das minhas mudanças, Dos meus desejos, De quem fui, De quem sou, De quem serei, Ou até da minha partida, A natureza permanecerá com seu conjunto de cores, De sons, de aromas e de sabores A aurora continuará precedendo o nascer do sol, Assim como o crepúsculo seguirá antecedendo a noite Cabe a mim a mudança, E, ao mundo, apenas ser mundo...
Eu: em construção
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Eu: em construção Ao abrigo deste vasto cerúleo, Contemplei — e ainda contemplo — Uma grande quantidade de acontecidos Sob este sol que doura nossos dias, Ando ao encontro da sabedoria Ao buscar o conhecimento, Elevo, também, meu desalento Não sou como um papel em branco, Que aceita qualquer escrita Conheço a minha alma, Não me iludo com ela Não abro mão de sentir as emoções, Mesmo que elas me atormentem Aprendi que muitos problemas são insolúveis, Embora seja possível superá-los Faço-o sem negá-los, Permitindo que se cumpram naturalmente, Aceitando-os, Buscando compreendê-los Jogo o jogo da vida, Aceito o que o destino me reserva: O bem e o mal, O sol e o cinza esfumaçado Aceito o meu próprio ser, Com o lado positivo e o lado negativo Pertenço a mim, Poetizo a minha liberdade, Idealizo a elevação harmoniosa da sabedoria Por consequência de personalidade, Tenho consciência das minhas vontades, E onde há vontade, há caminhos... Assim, caminho em direção ao campo lavrado Este me acolherá em seu seio
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A morte — única certeza da vida — Encontrá-la-ei somente Quando me faltar o ar da vida Não antes disso — como para alguns acontece — Não sei o que há depois, Mas sei que, depois de mim, O vento soprará suave e penetrante, Do mesmo jeito que sempre soprou... As sombras sempre se desfazem Não deixarei que o brilho da luz me cegue Ao contrário, contemplá-la-ei... Mergulhando na contemplação, — Pois sem ela, nada é possível — Renascerei aos poucos, De forma autônoma, Vivendo a vida por completo, Com devoção!
Essência
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Essência Olhar, sentir, ouvir São experiências particulares, Únicas, incertas e imperfeitas Nunca poderemos compartilhar a mesma experiência, Pois ela é servida em doses individuais Cantando, adentro o bosque Há pássaros de diversas espécies, Chilreiam sons claros e alegres Dançam, envaidecidos, suas coreografias Não sabem que dia é – para eles, isso não importa Cantam, pois sua natureza os fez assim Os narcisos amarelos Formam lindos canteiros circulares, Adornam e dão cor às sombras das árvores Distintamente de alguns, Não me satisfaço em apreciar apenas as sombras, Pois elas não têm vida, não têm cor, São vazias, não protagonizam Aqueles que gastam demasiado tempo acomodados à sombra, Acabam perdendo a oportunidade de enxergar para além de onde a vista alcança Ouço o som da cascata Retumbante é o encontro das águas com as pedras Fecho os olhos e aprecio... Respiro fundo... O frescor da terra umedecida, A fragrância do mato... Passo a mão sobre as dormideiras E me pergunto: Quais serão suas percepções? O que sentem para retraírem-se? Sobre isso, nada posso afirmar Sei das minhas sensações: Sinto suas folhas levemente aveludadas,
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Escorregando lentamente Sob a palma das minhas mãos A natureza é real, É viva, É vida! Assim como a natureza, Também a vida é atraente, Suntuosa, fascinante Sou aventurado por compreender isso Muitos não o sabem: Desperdiçam seu tempo desejando e acumulando coisas, Como se imortais fossem Reservam para si apenas as sobras da vida A pele crispada e as cãs Não dão certeza de termos vivido muito Para alguns, são apenas evidências De que “foram” por muito tempo, Mas não viveram Não exploraram o olhar, o sentir e o ouvir Não se permitiram experimentar sensações Além do “prazer” de ter, De possuir, De acumular... Abdico dessas ilusões, O que perco é inferior ao que ganho, Assim, não ando no vazio A vida tem pressa!
Alteridade
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Alteridade Quem me dera fosse eu um poema Teria pulcritude nos traços, Sensibilizaria olhos e ouvidos, Com beleza, formas, cores e sons Nas entrelinhas, ao ser recitado, Tocaria a alma, transcenderia a sabedoria, Conheceria o amor... Traria sentido e plenitude suprema à existência Liberdade e transformação Seria a seiva para o estado poético Nutrido por simbologias, inspiração e magia, A vida seria minha única fonte E depois de lido, Ficaria ali, na estante, guardado, Até a curiosidade de outra mente despertar Não precisaria me preocupar com as cãs, Nem com a pele crispada No máximo, com as páginas amareladas Mas, como não sou um poema, Meu tempo é finito Sou composto por matéria deteriorável Embora tenha ainda muitos dias — Ao menos quero tê-los — Quero, através deles, encher meus olhos, Saciar minha devoradora fome de saber Só terei meu fim, Quando este alcançar seu objetivo Até lá, ludibriá-lo-ei...
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Requintes de um dia cinza
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Requintes de um dia cinza Trajando vestes escuras, Traz consigo um pé-d’água alvacento Acolho igualmente os dias encobertos, Por serem embrumados, Belos e deslumbrantes, como os demais Dou graças por contemplá-los A chuva cai, sublime Alvadia, sapateia, Supre, rega, provém É seu propósito, sua natureza, Por que não hei de admirá-la? Tiquetaqueante, o tempo passa... Toldada, turva, A noite reina A Lua não sai do escondedoiro Parece ausente, mas sei que lá está, Por isso a reverencio... Eu, na minha exiguidade, Diante da majestosa natureza, Descubro equilíbrio A paz que pertence a ela, Pertence a mim também... Ela é o que é, Exatamente como deveria ser, Assim como eu o sou... Somos instantes Iminentemente, Já não somos os mesmos de outrora Tudo está em permanente movimento, E a permanência é apenas uma ilusão A cada novo movimento, Uma nova imagem
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Nunca seremos prontos, acabados, infalíveis e perfeitos A única perfeição é a de existir...
Jornada
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Jornada Olho em direção ao horizonte Nele observo uma ampla faixa de terreno, Por onde busco traçar meu caminho Viajo pelas mãos do destino, O rumo é incerto Estar nas mãos do destino maltrata-me, Angustia-me de muitas maneiras Mesmo assim, deixo-me levar Olho por entre os vales, até onde os meus olhos alcançam Não vislumbro nada para além Contento-me com tudo que aqui está Há muita beleza no meu entorno: O canto dos sabiás, O sol dourando o amanhecer, A chuva que sapateia no solo encharcado No fundo, meu coração identifica-se com a paisagem esverdeada, Repleta de vistas panorâmicas, Identifica-se com o sossego Não sei onde o destino me levará Durante o caminho, travarei batalhas Algumas me frustrarão, Sobre outras triunfarei Prevalecerei no conflito com a vaidade, Pois sou o que sou, E o que somos, senão temporários? Não quero ser exaltado pelo que não sou... Só abdicar-me-ei de duelar com a velhice: Além da impossibilidade de vencê-la, Ela me trará a sapiência que ainda não possuo!
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Ressonância
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Ressonância Em mim, as palavras flertam umas com as outras Desse interesse, brotam meus versos Assim como a semente concebe a flor, Gera seus caules, Desenvolve o conjunto de folhas, Desabrocha suas pétalas, Produz a cor e o perfume Para germinar, A flor precisa de ar, de água e da luz do sol Meus escritos, de essência, de ritmo e de inspiração As flores nascem, crescem, reproduzem-se e morrem Meus versos planam livres sobre a superfície Durarão para além dos meus dias Se não durarem, Já não terei motivos para me importar... Meus versos são simples como a flor, Muitos não os compreendem, Não os apreciam – não há problema nisso Na flor não há o que ser compreendido Só que ela é flor e que é encantadora – ou não... O que causa encanto merece ser apreciado Que meus versos também possam ter essa mesma sorte Se não tiverem, que superem as expectativas, Embora elas não caibam ao poema, E sim à consciência de quem lê Que possam trazer sentimentos Se não trouxerem, Que não se afastem dos sonhos utópicos do poeta Esses sim, repletos de amor e de ternura Que contenham história Se não tiverem, que sejam silenciosos e vibrantes, Como uma chama que, às vezes, produz vultos, treme
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Outras vezes, torna-se mais amarelada E, por fim, empalidece... Se produzirem crítica, Que seja dita na mais bela linguagem Que seja real Se não for, Que faça sentido Desejo que meus poemas não tenham fim Se tiverem, que não sejam o fim de tudo Que tenham a virtude terrena, O sentir comum... Esses versos, porém, construíram sentido em mim, Por isso, quero-lhes incubados ao estreito do coração
Traços embrumados
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Traços embrumados Acomodado ao pé da frondosa congonha, Na sombra erma e olvidada que se adumbra, Buscando o ignoto nume, Eu e a soturna Insciência Na falta da inspiração, Acerco-me das palavras Prefiro as pulcras Como num quebra-cabeças, ligo-as Peças que constroem obras, Formam ideias, pensamentos, Carregam sentidos, Símiles a essas estrofes, onde aparecem As palavras são como ferramentas, Ajudam a comunicar-me Posso aventá-las, Declarar fatos, Causar dúvidas ou o saber, Explorar, descrever E, ainda, podem não dizer O não dito também são palavras Há liberdade e sonhos nas palavras Encho meu peito em um hausto de desejo: Num exercício de onirismo alucinatório, Do sono, quero acordar poeta Verbetar, brincar com elas, Mas, se eu nunca vier a ser poeta, Vou permanecer equânime a admirá-las... Com as palavras busco a essência, O processo de constituição A mente voa livre, Não carrega peias Quem fui, sou e serei, Amei, amo e amarei
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Renego ser quem não sou, A entregar o que não tenho Tenho em mim o que preciso: Amor, desejo do saber e uma alma que não se dissolve, Evolucionária, progressiva No exórdio destes modestos traços, Iria apenas falar da rosa, Que se destaca além do charco, De singular beleza e delicadeza, Do aveludado das pétalas aromadas, Dos seus lóbulos de bordos denteados, Da sua cor viva... Mas essa perversa insipidez, Essa maldita falta de inspiração... Fadado ao destino, Apesar da minha soturna Insciência, Tenho em mim a companhia das palavras...
Singeleza
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Singeleza Meus pensamentos são como pássaros: Livres! Voam por toda parte De muitas naturezas, Planam com diferentes asas, Veem o mundo com mais cores Para eles, as flores não carregam apenas cores Veem-nas, sempre, como se nunca as tivessem visto antes Levam suas sementes – há mais flores nas sementes, Disseminam toda a sua beleza... Voam para conhecer, explorar Nunca negarão a poesia que há nas coisas Planam em meio à solidão Acompanham-nos apenas a filosofia e os sentidos Tudo que olham, fazem-no com suas ideias Mas só uma outra vontade – não a das ideias – que forma o pensamento Um pensamento pode se tornar uma ideia Uma ideia nunca será apenas um pensamento Minha alma é a causa dos meus pensamentos, Como quando sonho: Meus pensamentos são reais, mas também podem ser sonhos Os sonhos podem ser a satisfação de um desejo – ou não Escrevo e, até aqui, seria este poema um pensamento? Ou seria ele um sonho? Talvez uma ideia? Quem sabe, à medida em que o escrevo, torne-se real, Assim como os pássaros...
Frações
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Frações Observando-me no espelho, A face ligeiramente crispada, Os cabelos calvos e algumas cãs Fostes tão depressa, Nem pude me despedir, Ainda lembro dos teus risos inocentes, Das tuas travessuras Sei que de mim te escondes, Por detrás desta face já punida pelo tempo Sinto-te viajando em meus pensamentos Carrego-te nos meus mais profundos desejos, Nas minhas esperanças mais inocentes, Nos meus mais doces sonhos Te conquistei aos poucos Mesmo que nascera meu, Criei eu meu ser infinito, Embora finito É o eu dentro de mim, Foi e será passado amanhã Amanhã serei outro, Mesmo amando aquele que hoje me habita Desejo o eu vindouro, Iludo-me com ele, Ele me fará evoluído A insciência me tortura, O atual, nada sabe, O próximo, pouco mais do que nada Recolho-me ao devir Conheço-te, foi meu por empréstimo Tuas mudanças, Tuas transformações, tuas verdades, Serviram-me de protótipo Cada um foi único, Por essência, original,
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Cujas cópias atendem pelo mesmo nome A ampulheta não para O espaço, o tempo, Nascemos e morremos, O que nos é comum A diferença é o que fazemos nesse meio Não há outra coisa que queira, Senão a vida Para saciar meu desejo: Essa vontade ávida de vida Transformei-me em frações de mim mesmo...
Pêndulo
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Pêndulo Ei, poeta, tu és feliz o tempo todo? É claro que não... A tristeza está presente em mim, Convivemos harmoniosamente – ela e eu Não me envergonho de não sorrir o tempo todo, Não sofro por conta das minhas imperfeições Nelas existe beleza, vida Sou imperfeito – e o perfeito é imperfeito Ora sinto-me feliz, ora triste Carrego comigo frustrações, Elas não nascem do externo, Embora muitas nasçam do que interpreto dele Mergulho nas profundezas em busca da felicidade Em muitos momentos, encontro-a, Mas ela não pode ser eterna Se fosse, perderia todo o seu valor Não suportaria uma vida inteira de felicidade, Seria entediante Sinto-me feliz em meio à natureza, Gosto das cores, dos aromas e dos sons que ela produz Sinto que o vento se diverte com as fragrâncias das flores Vejo a felicidade das borboletas, Que dançam num balé de cores junto às flores Olho a água do rio: ela corre suave, cristalina, Delineando seu curso Despede-se, dando passagem a outras águas subsequentes Contemplo os raios do sol dourando as copas das árvores A natureza não me julga, Eu sim a julgo – e aí está mais uma das minhas imperfeições...
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Parca
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Parca Antes da partida, Beijou-me a face Com os olhos, assenti Deixou-me nas mãos um embrulho Junto dele, suas últimas palavras: “Busque o equilíbrio No final da tarefa, Estarei lá para conferir...” Ao abrir, a surpresa: vários quebra-cabeças Entre as montagens, Figuras sombrias, Outras, contendo beleza Retratam o amor, O perdão, a solidariedade, A natureza Do nascer até o ocaso do Sol, Cabe a mim a escolha do que montar... Mas, de alguma forma, Em algum lugar, Em algum momento, O trabalho terá que ser entregue Neste dia, prestarei contas É estranho... apesar das dificuldades, Poderei levar comigo a sensação de alívio, De liberdade, De trabalho concluído Ou não...
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O tempo
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O tempo Vejo o tempo em todas as direções Tudo ao meu redor está presente, Estou no meu momento presente, Posteriormente, não mais estarei O presente é só uma fatia de tempo O passado, o agora e o futuro, Como funções temporais isoladas, São apenas ilusão Eu me espalho no tempo Não sou só o eu aqui e agora, Não estou aqui de uma só vez Estou disperso neste espaço infinito O pregresso, o atual e o porvir, Simultâneos! Sou um conjunto de eus espaço-temporais...
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Eu em meio à multidão
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Eu em meio à multidão Em silêncio, Perdido em pensamentos, Volto-me ao movimento Espreito as atitudes da multidão Guiados por suas paixões, Mudam constantemente de opinião O que os atraía ontem, não mais atrai hoje, Os sonhos, constantemente deixados de lado, Substituídos... Os amigos de outrora, já não fazem mais contato Não ficamos mais sós Podemos encontrar companhia Com um simples toque na tela do celular Um toque indolor e o mundo se abre à nossa frente Permito-me ficar só comigo mesmo, Enfrentar meus medos, Minhas frustrações, Contemplar meus pensamentos, Sonhos e esperanças Cultivar a solitude é uma arte: Ler meu livro favorito, Ouvir meu ritmo predileto, Rabiscar alguns versos, Desenhar em uma folha qualquer, Contemplar a natureza com seus sons e aromas Vislumbro o prazer de fazer o que deveria ser feito, Guiado por sentimentos Emudeço Deixo que a poesia fale por mim Deixo-me levar pelas palavras Permito que elas consolem minha alma, Já tão maltratada pela impiedosa frieza Daqueles que se perderam no tempo
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Paulo Brachtvogel
E em meio à tecnologia Eu, além da solitude, Aprecio o revigorante acalento do calor humano E das conversas com pessoas reais...
Memória de uma paixão
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Memória de uma paixão Depois das longas noites de outono, O sol dourava o dia que insistia em nascer cinza Daquelas datas não guardo lembranças, Nem mesmo sentimento pelas folhas secas guardadas em livros Estava ausente de mim, E aquele outono me trouxe de volta, Atraiu meus sonhos, meus desejos... Minha alma se libertou das amarras, Planou ao encontro do amor Tinha fome, Apetência dos teus lábios açucarados Que eu não possuía Almejava o riso radiante Que o sol camuflava Aspirava teus sussurros Que a brisa não soprava Ansiava por espreitar aquele olhar lúbrico, vivaz De esferas verdes douradas com pintas de avelã, Que os pássaros, livres, contemplavam Imaginava teus cabelos que, como o orvalho, Não me acariciavam Desejava teu quadril, Que a lua guardava... Reivindicava teus ideais, sem ao menos conhecê-los Este anelo de algo longínquo e inatingível Transformou-se no sol que nascera para meus olhos, No combustível que libera energia para o coração, Que vigora minha alma e minha razão Por ela só posso sentir É minha poesia diária, Transformou-me em primavera O pequeno e vasto jardim, Onde colho os detalhes despercebidos
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Paulo Brachtvogel
Perco-me no teu pequeno infinito Estou exatamente onde desejo estar E não mais sair...
O monte
Alteridade
O monte Sentindo o frio na espinha, O vento levemente sopra a face Os pássaros, alvoroçados, cantam Diante dos olhos, um foço de luz, Um extenso vale molhado da névoa, De cores, de aromas e de sabores... Naquele monte escarpado, Um tesouro às escondidas, Onde o sol não brilha, se põe... Um interlúdio para reverenciar Eu com minha alma em chamas, Batimentos desalinhados, Volúpia e simetria... Tocando as pétalas desabrochadas, A passo e passo, adentro o vestíbulo Desajuizado a explorar, Desembainhado a dançar... Abrandando os sussurros dos ventos, Osculações abrasadas na cerviz Os pomos... pomos belos e bem delineados, Aprecio-os, provieram do Éden Como eles, o colo embebido No enlace dos corpos, ofegantes, Os amantes entregam-se lascivamente Sobre o outeiro, em cinesia, suspirando em brasas... Como testemunhas, os céus, os sóis e os deuses Regozijam-se! Ah, a natureza e sua beleza misteriosa... As fímbrias a vascolejar, As borboletas a voar, O deleite do poeta, A moldura do artista... Apego-me às memórias daquele Monte de Vênus!
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A árvore
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A árvore Na rota que costuma atiçar minha imaginação, Ando ao encontro do profundo índigo das águas, Onde o céu é contemplado Ali, solitária está Ponho-me a observar-te O contorno dos teus troncos lenhosos, Teus ramos esculturais se entrelaçam, Tomados endemicamente pelos caules filiformes e folhas alongadas das “barbas-de-velho” Tua beleza faz com que minhas palavras vibrem, Com que minha alma palpite És graciosa e te destacas em meio às demais Te tornastes seca em meio à superfície úmida Talvez, estrategicamente, para mais beleza possuíres Já fostes frondosa, Mas, para mim, és bela assim Tu, para mim, não és a mesma que és para os outros que por ti passam, incólumes Queria eu levar-te para perto de mim, Para que pudesses, acompanhada de uma represa, Ornar meu vergel Mas, se tu minha fosses, Talvez perderias o teu encanto... Só por eu ter essa sensação, Já não sou merecedor de tua posse Contentar-me-ei em apenas passar por ti Perco-te de vista Ficastes para trás Tua imagem ainda me é clara Trata-se de uma transparência intuitiva Lembrar-me-ei de ti fotograficamente Pois tu não me pertences, Nem eu a ti,
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Só os breves momentos em que te aprecio, Estes, reais e bem empregados, são teus...
Enlevo
Alteridade
Enlevo Com um ruído estrídulo, a sineta soa Apressados, todos correm O encontro é no pátio relvado e sempre bem aparado Na ciranda, ordenados em círculos, O ponto máximo é expressado através de um “verso bem bonito, Um adeus e vá-se embora”! As alocuções proferidas acanhadamente Tinham objetivo: A menina dos olhos doces, de jabuticaba, Da pele macia e abrasada, Longos cabelos negros e lisos, De vestido rúbido E sorriso exibido A timidez ingênua camuflava o romantismo temporal, Muitas vezes, declarado em manuscritos anônimos, Entregues pelo comparsa que, no primeiro momento, não revelava o autor... Cerrando os olhos, sinto a fragrância das cópias azul- arroxeado... Quanto mais álcool no mimeógrafo, mais nítida era a impressão Ah, a fonética e a fonologia, a variedade linguística, Os substantivos, os adjetivos e os pronomes... Lugar, espaço e paisagem, mapas, escalas gráficas e numéricas, Litosfera, atmosfera e seus fenômenos... Por que o tempo muda? Egito, Grécia, Roma e seu legado cultural... Biodiversidade, cadeia alimentar, decompositores, A terra e o universo, álgebra, as formas e medidas... Acrônico... Eu e esse meu cacoete de sentir o tempo, Esse hiato abstrato, Observando pela janela os sonhos juvenis, Rememorando a poesia e o romantismo das rodas de ciranda...
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O vento
Alteridade
O vento Sinto falta do teu alento, Dos teus sussurros... Do teu balanço suave, De quando me tocavas a face! Por onde te perdestes? Por ti guardo meu amor em segredo Minuciosamente te observo, Poderia desenhar-te nesse instante! Como bom amante, tu me chamas: “Vamos viajar por entre esses muros, Correr pelos jardins, Tocar as flores e as árvores, Ver as cachoeiras, Ouvir os pássaros, Deslumbrarmo-nos com o pôr do solE com a lua cheia...” Leva-me contigo, Que as horas depressa se vão... Deitado sobre o gramado, Eu, imóvel, sonho acordado!
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Acalento
Alteridade
Acalento Sentado na varanda, observo: A noite desce Envolta na neblina, A lua brilha, bela donzela Seria eu o único infeliz por não tê-la? Nada me atrai como teu brilho Sinto no canto dos olhos as lágrimas, Entremeado pelas lembranças Para sempre guardarei Tua beleza... As palavras custam ao poeta! Assim como o silêncio Soa como indiferença... Sou homem de outras têmperas! Ei, poeta! Deixa que teus versos vertam Que escorra pela tinta da caneta O mais puro sentimento... Deixa arrelvar-te de flores Incendiar de amor tua alma livre Quero somente acalentar-te No aconchego do meu peito!
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Esta noite
Alteridade
Esta noite Esta noite, quero-te da cabeça aos pés Quero perder-me nas curvas do teu riso Ei-de cuidar-te e amar-te... Perdido em teus sussurros, Teu corpo tomado em brasas, Eu, compenetrado em teus lábios, Com um pulsar rítmico, Agitado como as ondas do mar que se chocam na areia, Em meio à ressaca Seguro-te em minhas mãos, Como um cálice de vinho Coloco-te suavemente sobre o piano, O som das notas se misturam num prazeroso balanço nupcial... Ergo a cabeça, os versos dançam diante dos olhos Lábios cerrados, olhos fechados Estou entre as estrelas, Em um looping ardente... Vejo florescer o sorriso nos teus lábios Então a lua, nua, me acolhe: “Deita-te em meu ventre, Poeta”! Ah se ela soubesse, Que nele queria eu morar E como se fora um vinho... embriagar-me...
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Luna
Alteridade
Luna Meus olhos nunca foram tão teus Apesar das tuas sombras, Não perdes o brilho, Não te deixas ofuscar Observar-te-ei De longe, de perto, No pensamento... Sei que não posso ter-te só para mim És livre, plena, Dama da noite, Observam-te os outros, como eu, Num flerte revival O silêncio esconde a felicidade A energia, a leveza que tu trazes quando chegas... Ficar sem te ver seria um desafio, Um teste de resiliência... Doce, Perfeita dentro das tuas imperfeições, Como em um sonho, Ergo o cálice ao alto Brindando, bebo mais um gole de Merlot Num suspiro, exclamo em pensamento: Ah, se tu fosses minha... Mas, se tu fosses só minha... Talvez perderias teu encanto
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Vicissitude
Alteridade
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Vicissitude Atrai-me observá-lo em sua retrospecção reconfortante: Disposta, uma toalha rendada e adornada de flores, Um piquenique circunvalado pelo sombral relvado Satisfaz-se de apetitosas iguarias Entre os outeiros, o Sol reverbera nas árvores As andiras dão ainda mais formosura ao lugar Do repouso à exploração, À fatigante e tensa escalada, entre obstáculos Entremeado, uma fenda erodida, Uma queda d’água alvadia Banha-se semicúpio, embevecido O cenho franzido do estafo se desfaz, O olhar é de afeição, de plenitude... Segue, além, o cume Do píncaro, a abóbada celeste com traços matizados Nuances amarelo-avermelhadas, Os sons a reboar entre as sendas... Com olhos cerrados, vai às nuvens, O ocaso flameja deslumbrante... Recordações de um menino, A beatitude, A alma curiosa inata e insaciável, A fonte do pensar... do criar... Amar o mundo Para além da realidade... Na exuberante e ruidosa confusão, No carpete da sala, vê o campo relvado Nos sofás e nas almofadas, as montanhas íngremes cobertas de rochedos E, no chuveiro, uma bela cachoeira...
Quimera
Alteridade
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Quimera A madrugada está fria Meus pensamentos, como as nuvens, pairam sobre o mar Ouço sua poesia de sons... Meu sono navega em meio às culapadas, à procura da calmaria... Passa das três, ela deve estar dormindo Procuro a constelação de Órion, o caçador e seus dois Cães... As estrelas brilham cintilantes, como refletissem a beleza dos seus olhos... Passa das três e, pelo balanço das ondas, deixo-me levar... No conforto do travesseiro, meu parceiro, que tudo sabe, É ele que sopra os versos enquanto sonho... São oito e oito. A contragosto, do sonho desperto. Mesmo acordado, continuo enamorado, Perco-me, subitamente, nas curvas do riso daquela pequena... Sem perder-se da vigília, o coração pulsa... A razão, estremecida de vaidade, ergue e revela-se: “Acorda-te, já te perdestes de novo? Essa alma de poeta coloca amor e paixão em tudo...” Olhar quimérico, complacente, Vejo a pedra sob a cachoeira Impacta sobre ela a pressão das águas Com o tempo ela muda, Torna-se resvaladiça, lapida-se! Se ela pudesse, sairia dali? Se saísse, continuaria mudando? Voltaria a ser bruta? “Desadormece-te, poeta, desta abstração! Ama e observa a natureza, Pertences a ela, pertences a ti... Sente o perfume das flores, Senta-te à sombra da figueira, Fica aqui no alto, rodeado de verde
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Paulo Brachtvogel
Observa lá longe e sem saudade Os muros de concreto que a humanidade tanto ama”!
Equinócio
Alteridade
Equinócio Acompanho a fuga do frio que roçava a pele Despede-se, deixando uma cor amarelada Com seus cânticos, Os pássaros celebram o desabrochar do novo... Exercendo seu reinado, o Sol brilha magistralmente... Por todos os lugares, Uma aquarela de flores, O ar se cobre de aromas Num balé de cores, As azuis dançam com as amarelas, As brancas com as laranjas, As verdes com as lilases Dançam, assim, as borboletas Belas, em torno das flores As abelhas, a zumbizar, Percorrem os jardins em busca do néctar Setembro... meu setembro! Tu sempre chegas para transformar...
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Ruidosa harmonia
Alteridade
Ruidosa harmonia Entre as flores de algodão, Melancolicamente foi entoado Para o embalo da fria e dolorosa labuta, Reinventou-se Com progressão de acordes, Com a melodia nas raízes do jazz, O suingue vibrante dos solos de guitarra, Cantava o estado de espírito... Superficialmente conheço o Blues — Ou deduzo que o conheço — Assim como suponho conhecer-me Sei da origem dele, Assim como sei da minha Meu “barômetro” se perde em pensamentos: O do Blues, em poesia... Sou uma obra em andamento: Indefinida, imperfeita, Com ruídos desarmônicos Ante o clássico, expressivo, sensual e vigoroso O suingue paroxístico, A rítmica de poética simples, Harmônica e perfeita... Não resisto ao seu balanceio superno, Mesmo que o quisesse Assim como o Blues, Eu também hei de mudar Ele invita à introspecção, Assim como em seu compasso ritmado, Os pensamentos ondeiam, Urdindo vários modos de experimentar o mundo Já não sou o mesmo eu que residia em mim, Não serei o mesmo do porvir... Habita-me um grupo sucessivo de “eus”
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Paulo Brachtvogel
Refuso o eu acabado e finito Fora de mim, alheado ao que penso, As escaladas pentatônicas do Blues... Olhando para dentro, Antessinto o fluir do redivivo. Translúcido, alumiado, Eu e minha cisma O Blues é ignaro Composição e compositor, não. Aleatoriamente tropológico, Pude sorvê-lo como um bom Merlot De repente, flagrei-me a espreitar a filosofia Com a harmonia da gaita de boca, Acerquei-me do saber...
Desperecer
Alteridade
Desperecer Da janela, observo-o Todos os dias, está no mesmo lugar Passa horas sentado no banco, no átrio Ali, rodeado pela sebe, ermo, estático, Demonstra que nada sente, Mas nada sentindo, é porque sente Seu silêncio dissente da alegria de outrora, Ele era – o que não é mais O sorriso formoso, de pele rosada, Tornou-se a face engelhada, esquálida Absorto, de olhar distante... A impressão de esperar algo, ou alguém O amanhã que nos alegra, a ele, não mais Na insipidez, alheou-se de si, Deixou que os candelabros se apagassem Antessinto sua melancolia No ignoto de seus pensamentos, O perecer Sofre sozinho, pelo amor e pela alegria Que há dois anos, o cortejo levou...
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Unção
Alteridade
Unção Esguio, de caminhar silencioso e charmoso, Com piscar suave, vagaroso, As orelhas, despreocupadas, na posição vertical, Os bigodes, relaxados e afastados das bochechas, Davam a sensação de que estava sorrindo A cauda ondeava de forma elegante Sentado, parecia um lorde Preto, exceto no peito, Onde carregava uma mancha branca, Como se uma gravata fosse Independente, de hábitos solitários, De difícil aproximação O animal arisco, Ao encontrar seu companheiro, A guarda baixou Aproximou-se do velho morituros, Acometido por grave doença, Abandonado pelos familiares O velho, antes de olhar distante, Tristonho, sem esperanças, Passou a demonstrar afeto pelo bichano Passavam horas do dia juntos O velho acariciava-o sob o pescoço, O felino retribuía, esfregando sua cabeça Abaixo dos joelhos do amigo que escolhera O velho, outrora tristonho, Passou a cultivar um sorriso alegre e rosado Havia ali uma bela e verdadeira amizade Os passeios antes nunca cogitados, Agora eram frequentes Era notável a afinidade entre os dois O animal passeava aconchegado sobre os ombros do velho
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Paulo Brachtvogel
Há sete dias os populares se reúnem a comentar Com exclamações O gato sumiu! Ninguém mais o viu Veio se despedir do velho Assim como chegou, Misterioso, Enigmático, Com seu amigo partiu...
Inconstância
Alteridade
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Inconstância Se fossem estes os meus últimos versos, Como seriam? Saudaria a natureza: Tu me fazes tão bem... Altiva, reverenciar-te-ei, Senão em todos, mas na maior parte dos meus dias Admirarei a vestimenta verde opaca dos teus prados, O frescor das árvores e dos arbustos frondosos, As pétalas perfumadas, Delicadas e aveludadas das rosas carmesins Compadeço-me, talvez, por serem efêmeras... Apreciarei o aroma das plumérias, Dos jasmins, dos álisso-doces, das gardênias e das demais flóreas que embalsamam... Atentarei para o cântico dos cardeais, Dos trinca-ferros, das corruíras, dos sabiás do campo, Dos azulões, dos uirapurus e de todos os pássaros canoros Cobiço essa liberdade e ousadia... Contemplarei, do alto do outeiro, O primeiro alvor, A abóbada celeste Os matizes, Resplandecendo os raios dourados, O régio, Zonado, laranja-avermelhado, Até o ocaso flamejante de Helius Na noite, adorarei a lua, que reverbera sobre o mar suas vestes platinadas, Digna da deidade de Selene Diante deles, revigorar-me-ei A natureza é magistral, mas não sabe... Não sabe de suas cores, de seus aromas, De sua majestosa beleza Que vive... Não sente, nem pensa,
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Paulo Brachtvogel
Por isso é perfeita Eu o sei, penso e sinto... Pouco sei e só sei o que sei, Nada disso me torna perpétuo, só imperfeito... Quando partir, tudo que vi Ficará do jeito que vi da última vez Partirei, nada mudará Se for o contrário, não será pela minha partida Vivi ao meu próprio gosto, sem refusas, Conhecendo a mim mesmo, Sem apoquentar-me com o externo, Unicamente com minha consciência Sou apenas uma gota, um grão que se diluirá Tenho alma... Já a natureza Tem cor, brilho, imponência, plenitude... Envolto no atro, estarei numa comutação, Mesmerizado com tamanha virtuosidade A paixão por refletir Torna impossível partir incólume...
[...] E depois de lido, Ficaria ali, na estante, guardado, Até a curiosidade de outra mente despertar, Não precisaria me preocupar com as cãs, Nem com a pele crispada, No máximo, com as páginas amareladas [...]
PARTE II
O grito
Alteridade
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O grito Nuvens densas revolvem-se em direção à cidade Andorinhas em revoadas Buscam abrigo Ergo a cabeça, Uso lentes Neste momento, sei claramente que nada sei Acerca das mazelas do mundo Enganamo-nos a nós mesmos e as pessoas à nossa volta, Fingindo que sabemos tudo que precisamos saber, Ou fechamos os olhos Lá distante — ou não tão distante assim — Alguém busca guarida, Arrasta sua miséria pelas ruas De pés descalços, Com puídos trajes, Um menino faminto examina sobras Não sente fome só do saber... Desamparado, vive na escuridão, Não encontra luz Um pouco mais à frente, O marido, defensor da família e dos bons costumes, Encontra-se às escondidas com a amante Defende a honestidade, sonegando impostos, Comunga de joelhos, mas venera torturadores Vive a esbravejar: “bandido bom é bandido morto” Mesmo que proteja o seu filho pego em um grande esquema de corrupção A injustiça anda pelas ruas com passos firmes Fome, miséria, incompreensão e hipocrisia, Tudo aos olhos dos cristãos de domingo, Que dão de ombros e se deixam levar pelo conformismo, Já não seguem mais os exemplos do seu Deus Afinal, quem sou eu? O que tenho eu a ver, estando na base dessa pirâmide social?
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Paulo Brachtvogel
Não importa quem sou, mas o que sou... Minhas palavras, daqui, não têm eco — Ou a sociedade está surda para ouvi-las — Mas elas ressoam por toda parte, Incluindo nossas consciências Mesmo que silenciadas no inconsciente, Se as ouvissem, perceberiam que não nascemos assim, Transformamo-nos... Ainda há tempo para mudar Iniciar um caminho por engano Não significa que devemos prosseguir nele Somos uma série continuada de mudanças Já não somos os mesmos de ontem Despertamos lentamente, Se assim quisermos Dói quando atingimos a consciência... Porém, existe dor maior Do que a da fome? Do que a da falta de oportunidade? Do que a da tirania? Do que a dos entes dos mortos por falta de hospitais? Devias indignar-te por não te indignar! Fugir da nossa consciência É tão difícil como tentarmos nos esconder Do reflexo diante do espelho... Minha alma deseja voar, Levar amor e consciência às pessoas, Libertá-las de algumas amarras
Famigerado
Alteridade
Famigerado Marvan — um conhecido — tem um violino O som por ele produzido é frio, Vazio, desalmado Dura tanto quanto podem durar os sons das músicas maldotadas, Sem sentido, incompreensíveis Marvan toca para sujeitos grotescos, Vazios, De curtas vistas, Sem profundidade Eles são instrumentos, Meros joguetes Incapazes de identificar as mãos que os açoitam, Seus pensamentos são como bexigas furadas: Perdem o fôlego soprando, Mas não são capazes de expandir Não entendem a maravilhosa satisfação que está no ato de pensar Marvan se diz novo, Mas é velho: Velho de coração, Velho de pensamento, Velho de inteligência Marvan se faz de amável, Mas essa amabilidade, no fundo, É uma astúcia dos covardes: Eles mentem friamente! Marvan é entusiasta do senso comum, Pois é ele que o mantém protegido, Empoderado, privilegiado Ele não é livre, É escravo dos poderosos Retira dos menos favorecidos Travestido de bom moço,
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Paulo Brachtvogel
Condena o futuro desses homens Marvan e eu somos conterrâneos, Compatriotas do mesmo céu azulado, Onde não se chocam nuvens nem pensamentos, Lugar de predomínio das nuvens prateadas, frias e rasas Onde o vento sopra alinhado, Sempre na mesma direção Marvan e eu somos diferentes, Minhas passadas não são solitárias Carrego em mim a nobreza da revolta Perante os poderosos, nunca hei de me curvar Amo a liberdade Tenho em mim o espírito dos poetas Sou o que devo ser Meus anseios são profundos Não me preocupo com grandes honras, Nem com grandes tesouros Mas sim com riquezas de outra natureza Marvan é amargo, sulfúrico Eu aspiro os puros aromas dos mares, Aspiro as fragrâncias do ar na terra fresca O que eu quero não poderia ele querer: Eu quero a beleza das borboletas Que voam num vasto jardim de flores variegadas Quero um mundo de cores refletidas em bolhas de sabão Entretanto, mais do que tudo, Quero despertar os que ainda dormem!
A rosa
Alteridade
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A rosa Sobre meu coração, Chovem gotas frias de desalento... Turvas são as águas, Nelas me sinto como um náufrago Tento retorquir, Flamejando em meio à multidão atingida pela maldição do facciosismo... Diante desse tempo úmido e frio, Domados atrozmente por avalanches de distorções e invenções Carregadas de vazio, Sem ideias, Embriagados pelo inculto... Suas mudanças revelaram-se navalhas Que não cicatrizam... Feridos, desempregados, desabrigados e famintos, Sob marquises pleiteiam acomodação Onde estás, rosa? Tu que te tornastes símbolo, carregada em punhos cerrados Sempre fostes resistente Precisamos que cresças entre escombros de pedras brutas, Que floresças nos corações e nas mentes, Que transformes a melancolia em esperança
Antinômicos
Alteridade
Antinômicos De amor enclausurado De rancor anistiado, escancarado... De Luzes ofuscadas, apagadas De insipiência, inépcia resplandecida De desigualdades latentes De solidariedade olvidada... De ausência de inspiração poética, O entusiasmo comutado pela prostração melancólica Direitos subtraídos, Privilégios mantidos Progressivo? Só os desprovidos, Ausência utópica Órfãos de expectação Vamos excarcerar a estrela da esperança, O sonho, a felicidade, O brilho no olho da gente, A felicidade de ser criança, de abraçar... A estrela não pode se apagar... Livres somos, livres estamos Escolhamos juntos brilhar!
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Caleidoscópio
Alteridade
Caleidoscópio Teus lábios doces e quentes Mãos suaves como a pele da uva... Vou gritar para que o vento leve Ecoe meu amor aos quatro cantos... Prendes-me em tua teia de versões, caleidoscópio! Somos uma nação de sonhos, versões e filosofias Nossa canção é doce, mas protesta... Nosso externo de profundas sombras, Ameaças à nossa liberdade... Não, não queremos beber desse cálice! Iremos além das brumas... São o verso e a prosa contra o metal, Contra a fúria triste... Nosso grito ecoará livre Na liberdade dos pássaros, Na dança das borboletas... Ainda somos livres para amar... Quero ser para ti como o setembro é para a primavera... O sabiá que canta, eufórico, na presença das flores...
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Não há poesia nisso
Alteridade
Não há poesia nisso No silêncio noturno, Ouve-se apenas o tic-tac melancólico do relógio Os ponteiros avançam para além das três Falta-me o sono Busco olhar a vida Vejo nela o reluzir da esperança, Reparo na sua voluptuosidade, A disposição radiante de viver... O silêncio é interrompido por um estrondo, Seguido por uma violenta tempestade, Acompanhada de fortes rajadas de vento Olho em direção à janela laconicamente tremeluzida, A maioria das pessoas do entorno dorme – apesar da tempestade Dormem na tempestade... Ainda que aquecido o quarto, faz frio lá fora Tudo que está por vir se assente na incerteza Vejo pessoas vagando, Levadas pela violência da intempérie Que, apesar do sopro da corrente, sufoca O vendaval pega todos de surpresa Nada estava previsto Alguns incentivam o enfrentamento: “É apenas uma brisa fresca, podem vir” Os desprevenidos ouvem o conselho Aos poucos, dão-se conta De que a recomendação não confere com a realidade, Não é apenas uma “brisa fresca”, A situação é bem mais grave Do que aquela inicialmente mencionada: Pânico, escassez, desprezo, egoísmo, ignorância, A falta de refúgio... Perdem o presente e o futuro Mergulham na surda aflição da morte Sonhos são interrompidos
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Paulo Brachtvogel
Não por falta de força, Mas de oportunidade de viver a vida inteira... Um poeta não pode se privar da realidade A realidade não pode abandonar um poeta... Mesmo mudo, As palavras falam, querem ser ouvidas... Choro, não somente por ter lágrimas, Mas porque sinto Tento compreender a vida: Não há nada mais belo e valioso do que ela! Entretanto, um trovão pode ser fatal Uma voz dissonante, Um comando pode ser letal Ficam aos que choram as lembranças, Com seus corações dilacerados, enlutados Não há nada que mais amo do que a Vida, A minha, a tua, a de todos... É nela que reside a esperança – mesmo quando uma parte desdenha a tempestade Sem vida, Não há poesia, Não há arte, Não há nada...
Tabuleiro
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Tabuleiro Sobre a dramática mesa de mogno, Esculpida com grifos estilizados, Onde figuram criaturas míticas aladas De estilo gótico De peças pulcras, ouradas Majestosamente disposto Encontra-se o tabuleiro de xadrez Sentados em lados opostos, Dois senhores corpulentos, Vestidos com tecidos nobres Sobre suas cabeças, cartolas acinturadas De rara seda de confecção francesa, Ambos com uma das mãos apoiada em bengala, ornada com pedras preciosas Guiados por suas paixões insensatas, Movem as peças com precisão, Uma a uma Peões contra peões Quando, por ventura, algum destes se lança Com sucesso, Ameaçando o rei, A torre, o bispo, o cavalo ou a rainha Movem-se sem piedade: Em punho, a lâmina do ataque amolada O peão não queria outra coisa senão a vida Considerava-a irresistível, Só queria saciar seu desejo: A vontade ávida de vida! Mas cometeu seu erro fatal, Passou a querer mais... Quem espiava, Jamais aceitaria um peão ascender Quem comandava era a ganância,
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Não havia lugar ao sol para o peão O tabuleiro continuará a existir, Como se o mundo fosse O que não existirá mais será o peão sacado, Para o escárnio do vencedor Caberá aos peões Que não se opuseram à luta dos seus entre si, Assistir, mais uma vez, À vitória dos reis que comandam o jogo!
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[...] Mas, como não sou um poema, Meu tempo é finito, Sou composto por matéria deteriorável Embora tenha ainda muitos dias, Ao menos quero tê-los Quero, através deles, encher meus olhos, Saciar minha devoradora fome de saber Só terei meu fim, Quando este alcançar seu objetivo Até lá, ludibriá-lo-ei...
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Sobre o autor
Paulo José Schmidt Brachtvogel nasceu em Itapiranga/ SC, Brasil, em 22 de setembro de 1980, é poeta, técnico em transações imobiliárias, acadêmico do curso de História e aficionado por Filosofia. Começou a escrever em 2009, mas suas publicações só iniciaram em 2020, durante o período da pandemia. Atualmente, mora na cidade de Dois Irmãos/RS. É colaborador da Revista Digital Escape e da página Corvo Literário, editor da página de poemas Lúcida Loucura, tem seus textos publicados, periodicamente, no jornal local, além disso, o escritor já participou de três antologias.
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Índice remissivo das imagens Obras do pintor expressionista norueguês Edvard Munch (1863-1944). As imagens, de domínio público, foram aprimoradas digitalmente e estão sob a licença creative Commons 0. Páginas 006 e 007 - 136 e 137 Duas mulheres na costa (1898) de Edvard Munch. Original do Rijksmuseum. Páginas 008 e 009 Melancholy III (1902) de Edvard Munch. Original do Art Institute of Chicago. Páginas 010 e 011 - 138 e 139 - 146 e 147 Cabeça de mulher contra a costa (1899) de Edvard Munch. Original do Art Institute of Chicago. Páginas 012 e 013 Jovem na praia (1896) de Edvard Munch. Original do Art Institute of Chicago. Páginas 016 e 017 Auto-retrato ao luar (ca. 1904-1906) de Edvard Munch. Original do Art Institute of Chicago. Páginas 110 e 111 Cabeça de um velho com barba (1902) de Edvard Munch. Original do Art Institute of Chicago. Páginas 134 e 135 The vampire II (ca. 1895-1902) de Edvard Munch. Original do Art Institute of Chicago. Páginas 140 e 141 Dois seres humanos (1894) de Edvard Munch. Original do Art Institute of Chicago.
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Esta obra foi composta em Minion Pro, em outubro de 2021, para a revista Escape.
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Este livro é um suplemento da revista digital Escape, editado pelo selo editorial de livros independentes Cavalo Sombrio, utilizando recursos gráficos de macrovector / Freepik.