Escola Informação Nº30, fevereiro 2021

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De pequenino é que se ganha o destino Foi numa data carregada de sentido – 27 de janeiro, dia em que se comemoram as vítimas do holocausto e, também, o encerramento do campo do Tarrafal – que se realizou a primeira conversa do ciclo, promovido pelo Museu do Aljube Resistência e Liberdade, “Cidadania, porque sim”. “De pequenino é que se ganha o destino: cidadania e inclusão na escola”, com David Rodrigues(1). Uma conversa que se prolongou por um amplo debate, mas de aqui nos limitamos a dar uma nota sintética dos cinco pontos em que se desdobrou a sua apresentação.

Lígia Calapez

ESCOLA

Informação

Jornalista

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Digital

Porquê valorizar cidadania e inclusão, em particular na educação e em particular nas primeiras idades? Antes do mais, começou por sublinhar David Rodrigues, porque todo o conhecimento que temos atualmente aponta para que “as experiências que nós temos na infância e na juventude acabam por se tornar muito determinantes para toda a nossa vida”. Uma ideia corroborada por Freud. Por Piaget, que defendeu que a inteligência se constrói nos primeiros anos de vida. Por Vigotski, “o grande educador russo, que nos falou da importância que tinha o modelo socio-histórico”, da apropriação de uma cultura, pela criança, e de como essa cultura é determinante para ela organizar a sua personalidade. Uma segunda razão: “Quando estamos mergulhados num determinado ambiente, esse ambiente é um grande mestre”. Aprendemos no envolvimento, aprendemos a interagir, a negociar com o que está à nossa volta. Uma negociação muito precoce. Em que importa que os ambientes sejam ricos, estimulantes, diversos. Por último: a neuroplasticidade. O nosso cérebro é uma estrutura em mutação. “De certa maneira, o mundo está sempre a mudar e o nosso cérebro está

sempre a mudar com ele”. Um processo mais ativo quando somos jovens. Por isso, “quanto mais precoce for a nossa experiência, mais efeito vai ter sobre a estrutura e sobre a organização do nosso cérebro”. As várias facetas da inclusão “O Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas definiu, em 2019, a inclusão como um direito multiplicador”. Ou seja, “um direito que, ao ser exercido, acaba por ativar direitos que vêm na sequência dele”. O que, à partida, lhe confere particular relevância. Reportando-se à Declaração Universal dos Direitos Humanos, David Rodrigues considerou que a Declaração fala de educação como um fenómeno social e destacou que o que se pretende com a inclusão é “que tenhamos esta oportunidade de compreender, de tolerar e de amizade – que é fundamental para o desenvolvimento da nossa vida coletiva”. Um objetivo que se prende estreitamente com o facto de a inclusão ser um fenómeno complexo. Como todos os fenómenos humanos. Porque são muitos e em interação entre si. “E esta interação com os outros é fundamental, porque dá uma perspetiva transfatorial

– isto é – não são só os fatores, mas como é que eles interagem uns com os outros”. Entrando em áreas mais polémicas, David Rodrigues afirmou que “a inclusão não depende de recursos”. Não, naturalmente, porque dispense recursos – “quanto mais recursos nós tivermos, melhor” – mas porque “o valor da inclusão não está dependente só dos recursos”. Uma vertente da questão que “tem alguma coisa a ver com uma perspetiva situacionista”. Ou seja: “Muitas vezes nós olhamos, em educação, para o aluno, não onde ele está, mas onde nós achávamos que ele devia estar” Como se, parafraseando Sérgio Godinho, estivéssemos “à espera do comboio na paragem do autocarro”. Esta uma questão muito importante numa perspetiva de inclusão, defendeu David Rodrigues: “Nós irmos encontrar o aluno no lugar onde ele está e não no lugar onde nós achávamos que ele devia estar. E deveria talvez. Mas nós vamos ter com os alunos nas capacidades, nas atitudes e nas competências que eles têm e não naquelas que nós achamos que eles podiam ter”. Finalmente, o orador chamou a atenção para um facto muitas vezes ignora-


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