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A espiritualidade clandestina de José Saramago
Sóc os Aos
A espiritualidade clandestina de José Saramago
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• António Avelãs
Oprofessor e crítico literário Manuel Frias Martins esteve no Espaço ABC (sede do SPGL) numa conversa sobre o seu livro “A Espiritualidade Clandestina de José Saramago”, com 1ª edição em 2014 e 2ª edição, aumentada, em 2020. Em 2015 recebeu o prémio de Ensaio Eduardo Prado Coelho. Partindo da análise das obras “bíblicas” de Saramago – O Evangelho Segundo Jesus Cristo e Caim - mas também considerando a personagem Blimunda de Memorial do Convento, passagens de Claraboia e o texto escrito por Saramago a pedido de Jordi Savall para a edição das Sete Palavras de Cristo na Cruz, de Haydn, Manuel Frias Martins sustenta na sua obra a tese de uma espiritualidade laica em Saramago. A sua exposição sustentou-se na distinção clara entre religiosidade e espiritualidade. Saramago assume-se como ateu ou não crente, mas nas suas obras perpassa, segundo o autor, uma espiritualidade (clandestina), assente na contemplação do belo, na compaixão pelos sofredores e por uma evidente admiração de Jesus na sua dimensão humana. Sublinhou Frias Martins a dificuldade de definir espiritualidade, tanto mais que a religião se apoderou da expressão. Mas, sustenta o autor, pode haver religião sem espiritualidade – e exemplifica: que espiritualidade há nos inquisidores? – como pode haver espiritualidade sem religiosidade, como acontece em Saramago. MFM propõe a espiritualidade como “o estado poético do espírito”, acrescentando que “a experiência poética é a transcendência (mais um termo de que a religião se apropriou, mas que nela não se esgota) da própria razão”, colocando-se no plano do belo, do deslumbramento, do emocional. Analisando o Evangelho Segundo Jesus Cristo, MFM considera que Jesus é “o herói trágico à maneira grega”, tendo lido a propósito a Palavra Sete do texto escrito por Saramago para a edição da obra de Haydn atrás referida (pode lê-lo aqui). E sublinhou o significado espiritual do último parágrafo do “Evangelho”: “Jesus morre, e já vai deixando a vida, quando de súbito o céu por cima da sua cabeça se abre de par em par e Deus aparece, vestido como estivera na barca e a sua voz ressoa por toda a terra, dizendo Tu és o meu Filho muito amado, em ti pus toda a minha complacência. Então Jesus compreendeu que viera trazido ao engano, como se leva o cordeiro ao sacrifício (…) e subindo-lhe à lembrança o rio de sangue e de sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar toda a terra, chamou para o céu aberto onde Deus sorria. Homens, perdoai-lhe porque ele não sabe o que fez (…)“. O filho que perdoa ao pai que o leva à morte - o sublime do perdão, o perdão do imperdoável. Saramago é um ateu que pensa Deus, um Deus não religioso, mas literário. Não como um crente, mas como uma busca de sentido. Um Deus que ele define, entre outras formas, como “o silêncio do Universo, e o homem o grito que dá sentido a esse silêncio”. Frias Martins sublinhou também a preocupação ética que atravessa a obra de Saramago. Uma ética da compaixão. Referindo-se à celeuma que o Evangelho Segundo Jesus Cristo suscitou – recorde-se a censura da obra por parte do secretário de Estado Sousa Lara, vetando a sua candidatura a um prémio europeu – Manuel Frias Marins sublinhou a leitura positiva que da obra fizeram, muitos cristãos, entre outros, Leonardo Boff e Frei Bento Domingues que considerou que “José Saramago captou a essência dos Evangelhos”.