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A Cultura e a sua importância para o desenvolvimento do país

A Cultura A Cultura e a sua importância para o desenvolvimento do país

• Ana Mafalda Pernão IProfessora Escola Artística de Música do Conservatório Nacional e Membro da CE do SPGLI • Cristina Coelho IProfessora, violoncelista e delegada sindical Escola Artística de Música do Conservatório NacionalI

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Foto: Freepik

Zelar pela conservação e desenvolvimento do nível cultural de um país não parece ser nem tarefa fácil nem suficientemente compensadora para que os nossos governantes se sintam confiantes naquele que deveria ser o grande investimento e desafio das próximas gerações. Assistimos aos rápidos desenvolvimentos tecnológicos que sem dúvida apontam caminhos brilhantes em muitas áreas e dimensões das nossas vidas. O deslumbramento perante todas as possíveis maneiras de nos tornarmos mais exatos e produtivos contaminou todas as áreas do conhecimento, mesmo aquelas onde quantificar e digitalizar se torna uma tarefa inglória. Durante a pandemia, bastou o “tempo parar” e o confronto com a efemeridade humana tornou-se angustiante. As manifestações culturais espontâneas, o refúgio no livro, no cinema ou na música estiveram mais presentes que nunca. A humanidade foi relembrada e a natureza humana condicionada acima de tudo pelas emoções. Momento ideal para enfrentarmos o nosso país, pobre na sua vida cultural, e bem diagnosticarmos a doença da qual padecemos. O usufruto cultural é um direito do qual já prescindimos há demasiado tempo. Vivemos numa “cultura” que oscila entre a recreação massiva e o evento esporádico para uma elite educada e endinheirada. Esta é a oportunidade para apostarmos num plano de recuperação cultural sólido, articulado e descentralizado, em que a intervenção pública seja afirmativa, onde a cultura de todos seja um direito para todos. O funcionamento e a criação de estruturas artísticas, dotadas de uma vida própria, em vários pontos do nosso país, permitiriam uma fruição contínua e uma progressiva alteração dos hábitos dos portugueses. O conceito de cultura enquanto evento assente na peça vendida avulso substituído pela temporada frequentada pelas populações residentes, com o consequente abandono da precariedade laboral dos artistas residentes, seria a melhor forma de alterar e dignificar o estatuto do artista. Torna-se muito importante alterar o financiamento da cultura, exigir um financiamento público claro que não deve optar pelo “pagamento à bilheteira”. A convergência para a média europeia da despesa pública portuguesa em cultura em percentagem do PIB levaria a uma quase duplicação dos montantes. Seria uma forma de financiar a requalificação do nosso património, reforçar e alargar as estruturas artísticas existentes em Portugal bem como alterar a contratação precária de muitos trabalhadores. Que cultura nos espera com as promessas eleitorais do governo eleito? O modelo de financiamento proposto no programa eleitoral

do Partido Socialista continua a apontar para um financiamento pontual, atribuído aos vencedores de concursos e que tem por base a afetação de verbas a identidades muitas vezes estabelecidas há vários anos. Pensa no turismo e na venda da imagem e atração do país. Pensa na “modernização” da cultura aplicando-lhe a receita PRR e sobretudo tenta mais uma vez não gastar dinheiro. Atente-se que não se questiona o apoio a criadores e à atividade cultural independente, apenas se defende que esta não deve ser a base e sustentação cultural de um país, mas antes o resultado de políticas culturais públicas e duradouras onde a cultura passa a ser um dado adquirido. Para uma política cultural estrutural e de continuidade, é imprescindível um orçamento efetivo, dimensionado às atividades que se pretendem realizar. O programa do PS baseia-se em larga parte no recurso aos fundos previstos no PRR. Em nenhuma das seis prioridades definidas na sua visão estratégica existe referência a qualquer valor do orçamento que lhe será destinado. Pretende-se, no programa: “aumentar a ambição orçamental de investimento da Cultura para 2,5% da despesa discricionária

Será assim, pela via do virtual, que é algo que não é real (é mesmo o seu oposto), que podemos cumprir pelo menos uma das virtudes da arte? Tal como António Damásio (2017) nos chama a atenção, sem os sentimentos e a subjetividade, “componentes mentais que mais diretamente permitem a inteligência criativa”, a arte e a cultura não poderão contribuir para o desenvolvimento global e para uma sociedade mais coesa.

do Orçamento de Estado e promover a capacitação das instituições para a captação de fundos europeus”. A despesa discricionária corresponde à despesa do Estado que não é obrigatória, e sobre a qual efetivamente se decide em determinado ano. Esta é uma referência bastante imprecisa para uma qualquer ambição de elevar a despesa cultural. Mais, parece remeter esta despesa completamente para a esfera discricionária, quando se deveria pretender que os gastos culturais também assentem numa componente obrigatória, como ocorre em qualquer outra área. Alguém definiria o valor a alcançar para a despesa com a saúde ou com a defesa em função da despesa discricionária? Se tivermos em conta que no Relatório do Orçamento de Estado para 2022 não vem indicada qualquer verba para a despesa discricionária, e que o objetivo aí definido propunha atingir 2% desse valor (o qual se desconhece), o que está em causa como verba conhecida e real para cumprir o programa do PS é apenas o valor de 644,4 milhões de euros, prevista para a despesa total consolidada. Temos, assim, um programa que terá de ser concretizado com 0,285% do PIB nominal, quase metade do valor da média da União Europeia, que se cifra em 0,5%. Se tivermos em conta o que países da dimensão do nosso lhe atribuem, como a Hungria ou a Estónia, por exemplo (com 1,1% do PIB), então estamos muito longe de considerar a cultura como um investimento e essencial para o desenvolvimento do país. Se nos debruçarmos um pouco nas propostas concretas, e partindo da primeira prioridade definida, a promoção do livro e da leitura, percebemos que há um enfoque na digitalização e no acesso através de conteúdos online, que culmina na proposta de digitalização de livrarias. Também no que diz respeito à criação, volta a definir-se a digitalização como uma forma de promover a aproximação da cultura com o seu público, quando se preconiza “promover a digitalização das artes, no âmbito do PRR, incrementando a taxa de digitalização de obras artísticas”. Será assim, pela via do virtual, que é algo que não é real (é mesmo o seu oposto), que podemos cumprir pelo menos uma das virtudes da arte? Tal como António Damásio (2017) nos chama a atenção, sem os sentimentos e a subjetividade, “componentes mentais que mais diretamente permitem a inteligência criativa”, a arte e a cultura não poderão contribuir para o desenvolvimento global e para uma sociedade mais coesa. Saber e sentir (para voltar a Damásio) são fundamentais, não através de uma interação longínqua, porque virtual, mas de uma vivência real e concreta. Encontramos no programa apresentado algumas ideias interessantes. Restam, porém, dúvidas sobre a sua sustentação financeira. Como vamos criar “um programa de bolsas e residências artísticas”, “um novo museu de arte contemporânea”, e adquirir obras para os serviços públicos passarem a ser salas de exposição (!) sem um orçamento específico para tal? Como se sustentarão os artistas e os projetos que se conseguirão instalar nos espaços que forem identificados através do “mapeamento conjunto com os municípios de edifícios, terrenos, oficinas, fábricas, ateliers e outros espaços sem ocupação”? E porque apenas afirma o PS que pretende “repensar os incentivos ao mecenato cultural”? Não será evidente que essa é uma necessidade há muito sentida por todos, artistas e empresas? Um novo quadro legal para o mecenato é fundamental, coexistente com um reforço do financiamento público, pois tal como se afirma no programa, há que recorrer a “fontes de financiamento diversificadas”. Sem a pretensão de pelo menos igualar o seu orçamento ao da média europeia, continuaremos sem perspetivas de um desenvolvimento sustentado na cultura e, logo, no país.

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