ATUALIZAÇÃO EM DOENÇAS HEMATOLÓGICAS
DE FORO MALIGNO E BENIGNO
O segundo dia da Reunião Anual SPH 2022 destaca o update de conhecimentos em doenças hematológicas malignas, nomeadamente a leucemia linfoblástica aguda do adulto (P.4), as gamapatias monoclonais de significado indeterminado e o linfoma difuso de grandes células B de alto risco (P.5). O papel dos cuidados paliativos em hemato-oncologia também será discutido (P.6) neste dia que acolhe um momento alto – o simpósio conjunto da Sociedade Portuguesa de Hematologia com a European Hematology Association (P.12-13). Já no sábado, o foco recairá nas doenças benignas, em particular a drepanocitose (P.14), as trombocitopenias congénitas e adquiridas (P.15) e a eritrocitose (P.16). Outros momentos a não perder são a Junior Lecture sobre a doença do enxerto contra o hospedeiro (P.18) e a Lição dedicada aos novos alvos terapêuticos da anemia com sobrecarga de ferro (P.19). Por sua vez, o programa de Enfermagem destes dois dias aborda temas como os desafios, as inovações, o percurso dos doentes e as emergências em hemato-oncologia (P.8-11), terminando com a partilha de experiências no tratamento com células CAR-T e reflexões sobre o futuro da enfermagem oncológica (P.20-21)
Reunião Anual da Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH) 2022 | www.sph.org.pt | Publicação de distribuição gratuita ACEDA À VERSÃO DIGITAL SOCIEDADE PORTUGUESA DE HEMATOLOGIA Alguns dos hematologistas e enfermeiros que participam no programa científico, na Comissão Organizadora e na Comissão Científica da Reunião SPH 2022 (da esq. para a dta.):Terapêuticas atuais para a LLA no adulto
Nas últimas décadas, tem-se assistido a significativos avanços no tratamento da leucemia linfoblástica aguda (LLA) nos adultos. Na primeira preleção do programa educacional da Reunião SPH 2022, serão elencadas as terapêuticas disponíveis atualmente, com a explicação das suas especificidades.
por Marta CarreiroAlbertina Nunes começa por aler tar para a “necessidade de um correto diagnóstico e uma avaliação inicial abrangente, que permitem avaliar a tolerância ao tratamento proposto e identificar fatores de risco e prognóstico”. “Uma abordagem minuciosa, sistematizada, com deteção de infiltração extramedular, avaliação da autonomia do doente e do seu contexto familiar e social são a base da escolha do plano terapêutico da LLA no adulto, que, idealmente, passará pela sua inclusão em ensaio clínico”, acrescenta a hematologista no Instituto Português de Oncologia de Lisboa.
Por outro lado, Albertina Nunes considera que o acompanhamento por “uma equipa multidisciplinar dedicada, com decisões partilhadas, é fundamental no longo trajeto do tratamento”. Na sua apresenta ção, a especialista também abordará o conceito de prognóstico dinâmico, que, por exemplo, varia entre o momento do diagnóstico e as diferentes fases do tratamento. “Os dados clínicos integrados com
Ficha Técnica
os laboratoriais e com estudos imunofenotípicos e moleculares permitem a primeira estratificação prognóstica, que é dinâmica, seguindo-se as avalia ções preconizadas ao longo do tratamento.”
A hematologista realça ainda a importância da doença residual mensurável (DRM) como fator de prognóstico e orientação do protocolo terapêutico. “Nos doentes com LLA, a DRM é um dos mais sensí veis marcadores de prognóstico e risco de recaída, permitindo guiar as decisões terapêuticas em dife rentes fases da doença.”
Ebulição no campo
terapêutico
No âmbito do tratamento, Albertina Nunes come çará por abordar o recurso a protocolos de inspiração pediátrica para a LLA em adolescentes e adultos jovens. “Esta aplicação resultou numa melhoria significativa dos resultados, registando-se, atual mente, uma sobrevivência global aos cinco anos de 60 a 70%”, justifica. Efetivamente, “os esquemas de tratamento do adolescente e do adulto jovem
são complexos, com utilização de fármacos não mielossupressores em doses adequadas”. A aspara ginase é um componente-chave destes protocolos, contudo, “tem complicações específicas, que são mais prevalentes quando esta substância é utilizada para além da idade pediátrica, tais como tromboses, hepatotoxicidade e osteonecrose”.
Sobre a fase de manutenção do tratamento, a preletora afirma que “é passível de ser otimizada, com a identificação de polimorfismos em genes implicados no metabolismo das tiopurinas”. Já nos doentes com LLA de fenótipo T em recaída ou refratários ao tratamento, “a utilização da nelabarina tem melhorado os resultados, estando em curso ensaios clínicos para avaliar a sua utilização em fases mais precoces da doença”.
Mais recentemente, “o paradigma de tratamento da LLA tem sido alterado com os inibidores da tiro sina-cinase, tendo como alvo a sequência de genes BCR-ABL1; os anticorpos monoclonais anti CD20; os anticorpos conjugados com fármacos anti CD22; os anticorpos biespecíficos anti CD19 e as células T com recetores de antigénio quimérico”, elenca Albertina Nunes. A oradora vai apresentar os princi pais dados de ensaios clínicos relativos à utilização destes fármacos em primeira linha terapêutica, para redução da DRM e na LLA em recaída/refratária.
No doente idoso, “a minimização das toxicida des da quimioterapia convencional tem sido uma prioridade”, evitando-se a sua utilização em prol dos novos agentes. O lugar da transplantação de células progenitoras hematopoiéticas nos algorit mos terapêuticos da LLA no adulto também tem sofrido alterações. “Os ensaios clínicos com novos fármacos permitem antever mais mudanças num futuro não muito distante. Os resultados, ainda insatisfatórios, do tratamento da LLA no adulto poderão ser melhorados quando os regimes de combinação entre medicamentos mais antigos e mais recentes forem otimizados”, acredita Albertina Nunes.
Reunião anual SPH 20
Tratamento de primeira linha do LDGCB de alto risco
As maiores dificuldades no tratamento de primeira linha do linfoma difuso de grandes células B (LDGCB) de alto risco e as novas opções terapêuticas para as tentar debelar serão abordadas na palestra do Prof. Igor Aurer, hematologista no Centro Hospitalar Universitário de Zagreb, na Croácia. por
Pedro Bastos ReisComo explica o Prof. Igor Aurer, o LDGCB “é o linfoma não Hodgkin mais frequente, com uma incidência de cerca de cinco casos por cada 100 mil habitantes por ano, ocor rendo em todas as faixas etárias, incluindo crianças, sendo esta patologia ligeiramente mais prevalente nos homens”. Quanto ao tratamento, o hematologista croata realça que “depende do estado do doente e da fase da doença”.
Relativamente ao regime terapêutico a escolher, Igor Aurer sublinha que “o tratamento de primeira linha standard consiste no protocolo que combina o anticorpo monoclonal anti-CD20 rituximab com o regime de quimioterapia ciclofosfamida, doxorrubi cina, vincristina e prednisolona [R-CHOP]”. No entanto, com este protocolo, “quanto mais alto for o risco do LDGCB, maior será a falência terapêutica dos doentes”, lamenta o especialista, acrescentando que “mais de metade dos doentes de alto risco entram em recaída com este regime”.
Nesse sentido,“o outcome destes doentes é bastante negativo, especialmente com a abordagem standard, que consiste numa elevada dose de quimioterapia seguida de transplante autólogo”, frisa Igor Aurer. Por isso,“a principal necessidade não atendida nesta área é a melhoria dos resultados do tratamento nos doentes
de alto risco, que, quando recaem à primeira linha, ficam associados a um mau prognóstico”.
Para aferir a gravidade da doença, Igor Aurer re mete para o International Prognostic Index e para o valor deste índice ajustado à idade (aaIPI, na sigla em inglês), referindo que “valores superiores a dois levam a que os doentes com LDGCB sejam considerados de alto risco”. Quanto ao tratamento destes casos, as recomendações variam.“Enquanto os Estados Unidos recomendam o regime R-CHOP para todos os doen tes, na Europa, adiciona-se o R-CHOEP14 (rituximab, ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina, etoposido e prednisolona, a cada duas semanas) e o R-ACVBP (rituximab, doxorrubicina, ciclofosfamida, vindesina, bleomicina e prednisolona) à lista de regimes reco mendados para doentes mais jovens de alto risco”, indica o hematologista.
A evidência científica tem apontado para os bons resultados destes regimes, mas há complicações a considerar. “Vários estudos de fase II sugerem que administrar etoposido juntamente com R-CHOP pode melhorar o outcome dos doentes de alto risco, apesar de se saber que esta estratégia aumenta a toxicidade do tratamento”, diz Igor Aurer. O R-CHOP tem então sido comparado a outros regimes, nomeadamente ao DA-R-EPOCH (dose ajustada de etoposido, predniso lona, ciclofosfamida, doxorrubicina e rituximab) e ao Pola R CHP (polatuzumab vedotina em substituição da vincristina). Este último revelou“uma melhoria de 6,5% na sobrevivência livre de progressão a dois anos, o
Instantes
que constitui um passo de vanguarda rumo ao futuro”.
Assim, “regimes com etoposido ou polatuzumab vedotina, bem como a radioterapia ou elevadas doses de metotrexato, podem superar os fatores de prog nóstico adverso no LDGCB”. Por isso,“estas abordagens devem ser discutidas com os doentes de alto risco e suas famílias”, remata Igor Aurer.
Cuidados paliativos em hemato-oncologia
A mesa-redonda intitulada “Novos projetos e inovação” vai apresentar a iniciativa Nurse Navigator e o programa de cuidados oncoestéticos “Bela/Belo-Me-Quero”. Também serão debatidos os desafios na consulta de enfermagem hemato-oncológica.
por Diana Vicenteos cuidados paliativos se destinam apenas aos últimos dias de vida, o que não corresponde à realidade”, sublinha a coordenadora da Unidade de Cuidados Continuados e Paliativos do Hos pital da Luz Lisboa
Na mesa-redonda moderada pelo Prof. Antó nio Almeida, diretor do Serviço
Hema tologia
Hospital
Lisboa, a Dr.ª Isabel Galriça Neto comentará a evidência científica que demonstra que “os doentes hematológicos são dos menos referenciados para os cuidados paliativos”. “Tal sucede porque não é reconhecida essa necessidade, em parte devido a existirem ainda muitos preconceitos que levam a crer que
Uma tarde dedicada a comunicações orais e pósteres
Por conseguinte, Isabel Galriça Neto alerta que esta forma de enquadrar o problema tem como principal consequência “um prejuízo para os doen tes, que, caso contrário, poderiam ter acesso a cuidados de saúde que conferem mais qualidade de vida nos últimos meses e semanas de vida”. Nessa perspetiva, o objetivo da sua apresenta ção passa por clarificar os critérios de inclusão dos doentes hemato-oncológicos em cuidados paliativos, com base na evidência científica que sustenta a necessidade de iniciar estes cuidados mais precocemente, explorando pistas de como melhorar a articulação entre a Hematologia e os Cuidados Paliativos.
A propósito dos critérios de inclusão, Isabel Galriça Neto destaca, desde logo, a importân cia “do reconhecimento da irreversibilidade da doença”. Por outro lado, também “a elevada sobrecarga sintomática, com uma presença de situação de sofrimento decorrente do descontrolo
dos sintomas, ou por questões existenciais mais complexas”. “Relembro que, frequentemente, os doentes hemato-oncológicos são jovens, pelo que pretendo deixar bem vincado com a minha apresentação que não é preciso ser um doente terminal ou moribundo para ser referenciado aos cuidados paliativos. Aliás, temos pouca capaci dade de intervenção nos doentes que recebe mos apenas nos últimos dias de vida”, afirma a especialista em Medicina Paliativa e Medicina Geral e Familiar.
Segundo Isabel Galriça Neto, o desconheci mento sobre a fase em que se deve referenciar um doente para cuidados paliativos constata-se em todo o território nacional, pelo que “é essencial chamar a atenção para a urgência de combater esse estigma”. Por outro lado, a preletora tam bém considera necessário, em Hematologia e nos cuidados de saúde em geral, “evitar a obstinação terapêutica, porque, quando não se reconhece a irreversibilidade e a terminalidade, envereda -se por um padrão de cuidados desproporcio nados e fúteis, que não trazem benefícios para o doente, nem são eticamente recomendados”, conclui. Marta Carreiro
Na Reunião Anual da SPH, já é tradição dedicar a sexta-feira à tarde, integralmente, às comunica ções orais e à discussão de pósteres, comprovando a importância que a SPH atribui à produção científica nacional e aos trabalhos realizados por vários hospitais e equipas.
Este ano, foram selecionados 24 trabalhos de médicos para apresentar no formato de comu nicações orais, entre as 14h30 e as 17h15, nas salas 1 e 2. Já os 51 pósteres selecionados e expostos nesta reunião serão discu tidos entre as 17h30 e as 19h00, na sala 1.
Relativamente aos trabalhos de Enfermagem selecionados, cinco serão apresentados sob a forma de comunicações livres, entre as 16h30 e as 17h30, na sala 3, e a discussão dos 12 pósteres decorrerá a seguir, na mesma sala, até às 19h00.
9h00 10h30, Sala 3
Novos projetos de suporte ao doente
A mesa-redonda intitulada “Novos projetos e inovação” vai apresentar a iniciativa Nurse Navigator e o programa de cuidados oncoestéticos “Bela/Belo-Me-Quero”. Também serão debatidos os desafios na consulta de enfermagem hemato-oncológica.
por Diana VicenteAapresentação do programa Nurse Na vigator , por Marisa Pinheiro Falé, en fermeira no Centro de Oncologia do Hospital da Luz Lisboa, abre o leque de preleções desta mesa-redonda. O conceito tem origem na Oncology Nurse Society, dos Es tados Unidos, que “define as competências es senciais do Oncology Nurse Navigator, ferramenta que foi adaptada à realidade do Hospital da Luz, consistindo no acompanhamento sistemático do doente oncológico por um enfermeiro em todas as fases da doença, desde o diagnóstico até aos cuidados paliativos, incluindo todo o percurso clínico”, clarifica a oradora.
Esta abordagem diferencia-se da prática ge neralizada em Portugal, onde “o doente é acom panhado por equipas distintas de enfermagem de acordo com a opção terapêutica”. Segundo Marisa Pinheiro Falé, o primeiro projeto do gé nero no nosso país foi iniciado no Hospital da Luz Lisboa, em 2013, no âmbito do cancro da mama, da patologia gastrointestinal e, no último ano, na Ginecologia.
“Em Hematologia, o programa terá início em 2023. Os objetivos do Nurse Navigator são pro mover a qualidade de vida, melhorar o suporte social e emocional, e facilitar a adaptação ao processo da doença, sempre em articulação com uma equipa multidisciplinar”, informa a enfermeira. Nesta abordagem de cuidados, “as complicações são despistadas precocemente, até porque o acompanhamento telefónico per mite o follow-up frequente e o doente pode contactar o enfermeiro sempre que necessitar”.
O acompanhamento navigator “não só au menta a qualidade de vida dos doentes como
melhora a sua adesão à terapêutica”. Além disso, “evitam-se idas desnecessárias ao hospital, por que algumas situações são resolvidas por tele fone”, explica Marisa Pinheiro Falé.
Projeto de cuidados oncoestéticos
Em seguida, Bruna Gomes e Sofia Coutinho, en fermeiras no Serviço de Hematologia Clínica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central/Hospital de Santo António dos Capuchos (CHULC/HSAC), darão a conhecer o projeto “Bela/ Belo-Me-Quero”, desenvolvido em 2019, que surgiu para “apoiar as pessoas com diagnóstico de doença hemato-oncológica no processo de adaptação às alterações da sua imagem corpo ral”. “O projeto não envolve apenas os doentes, mas também os seus familiares e outras pes soas que queiram ter consigo”, sublinha Sofia Coutinho.
Em workshops ou reuniões com o doente, são abordados, por exemplo, “os cuidados a ter com a pele, como tratar das unhas, fazer a maqui lhagem e como redesenhar as sobrancelhas”, elenca Bruna Gomes. Relativamente à alopecia, “sugerem-se formas de tratar do couro cabeludo, de colocar os lenços e turbantes e que cuidados ter com a prótese capilar”. Neste momento, o projeto “Bela/Belo-Me-Quero” apenas está a ser implementado no Serviço de Hematologia Clínica do CHULC/HSAC, mas há o objetivo de o divulgar através das redes sociais.
“O feedback de todos os doentes envolvidos tem sido muito positivo no que diz respeito às entrevistas realizadas, aos workshops e aos ensinos individuais durante o internamento”, nota Bruna Gomes. Com esta apresentação na
Reunião SPH 2022, as duas enfermeiras preten dem sensibilizar para o impacto das alterações na imagem corporal, que, por vezes, são menos valorizadas. “Queremos alertar para a questão e partilhar estratégias que permitem criar um ambiente mais seguro e tranquilo no processo de adaptação às alterações estéticas decorrentes das doenças oncológicas”, afirmam Sofia Cou tinho e Bruna Gomes.
Desafios na consulta de hemato-oncologia Na última preleção, Clara Ezequiel, enfermeira no Serviço de Hematologia Clínica do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, vai ana lisar o caminho percorrido até à implementação da Consulta Externa de Enfermagem Hemato -oncológica na sua instituição. “No início, surgi ram algumas dificuldades. Apesar de existir uma agenda eletrónica, não havia agendamentos nem referenciações de doentes. Então, a solução passou por falar com os médicos para perce ber o percurso do doente hemato-oncológico dentro do IPO de Lisboa e onde começa o seu acompanhamento”, descreve a preletora.
Clara Ezequiel também explicará os objeti vos, o modo de funcionamento e as conquistas da Consulta Externa de Enfermagem Hemato -oncológica do IPO de Lisboa. “A oportunidade de refletir sobre o papel da enfermagem nesta área e o caminho que se pretende seguir é uma especial vitória”, considera. A enfermeira vai ainda dar conta de algumas das principais estra tégias seguidas para ultrapassar as dificuldades iniciais. Em todo o processo, “a resiliência teve lugar de destaque”, remata Clara Ezequiel.
Reunião anual SPH 20
Desafios em enfermagem hemato-oncológica
Os desafios relacionados com a segurança e a eficácia na administração de componentes sanguíneos e de combinações terapêuticas, bem como o controlo da fadiga em pessoas com doença hemato-oncológica, estão em destaque na segunda sessão de enfermagem do programa de hoje.
por Diana VicenteNa primeira apresentação, Maria Helena Martins Silva, enfermeira-chefe do Ser viço de Imuno-hemoterapia do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, vai discutir a segurança e a eficácia na administração de componentes sanguíneos. “A transfusão é um procedimento terapêutico essencial na prática clínica e fundamental para os doentes oncológicos”, clarifica.
Os doentes hemato-oncológicos são dos que têm maior necessidade de produtos sanguíneos, nomeadamente concentrados eritrocitários e pla quetas. Tal acontece porque “os tratamentos a que estes doentes são submetidos acabam por diminuir a capacidade de produção da medula óssea, pelo que há necessidade de transfusões de sangue e componentes sanguíneos em quase todas as fases das doenças hemato-oncológicas”, explica Maria Helena Martins Silva.
Contudo, o processo acarreta desafios, porque não é isento de riscos. “A administração de trans fusões tem de ser segura, sem reações adversas ou infeções, eficiente e eficaz, isto é, com ganhos para o doente. A qualidade do sangue deve ser assegurada em todo o processo”, alerta a enfermeira. Os riscos podem ser minimizados com uma boa prática clínica e transfusional, que “depende do cumprimento es trito de regras e normas, tal como do envolvimento e do compromisso de todos os elementos que fazem parte da cadeia transfusional”.
Os cuidados começam logo com o dador de sangue, que é submetido a uma consulta médica cuidadosa e a análises sanguíneas antes da dádiva de sangue. Os enfermeiros, em particular, “têm um
papel importante, pois estão envolvidos em algumas fases críticas do processo transfusional”, conclui Maria Helena Martins Silva.
Segurança na administração de terapêuticas
Em seguida, Ana Cardeira, enfermeira no Hospital de Dia de Hemato-oncologia do IPO de Lisboa, ver sará sobre os desafios da enfermagem para garantir segurança na administração de novas combinações em pessoas com doença hemato-oncológica. “Nos últimos anos, surgiram novos tratamentos, como a combinação de inibidores de checkpoint imunoló gico com imunoterapia em linhas mais avançadas de tratamento. Esta é uma nova realidade, à qual as equipas de enfermagem têm de se adaptar”, introduz a enfermeira.
Na sua apresentação, Ana Cardeira vai falar so bre algumas das novas combinações terapêuticas para os doentes hemato-oncológicos, em particular com linfoma de Hodgkin. “Conhecer os cuidados de administração e os efeitos adversos traduz-se na prestação de cuidados de enfermagem de qua lidade e em segurança à pessoa com doença on cológica. Devemos conhecer os medicamentos, o seu mecanismo de atuação e os efeitos secundários para podermos ajudar os doentes da melhor forma”, defende a enfermeira.
Assim, também “é necessário que os enfermeiros expliquem aos doentes quais são os sinais de alerta, fornecendo-lhes ferramentas para, no seu dia-a-dia, serem capazes de identificar quando os efeitos são graves e precisam de recorrer aos serviços de saúde, ou quando os podem gerir no domicílio”, remata Ana Cardeira.
Impacto da fadiga no doente
O controlo da fadiga no doente hemato-oncológico é o foco da última preleção, a cargo de Carla Silva Tava res, enfermeira no Serviço de Hematologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria (CHULN/HSM). Segundo vários estudos, “a fadiga é o sintoma mais comum e prevalente em todos os doentes hemato-oncológicos”. Em concreto no CHULN/HSM, “entre 25 a 99% destes doentes referem sentir fadiga, antes e após o tratamento”, explica a oradora. Este sintoma é multifatorial, mas, na sua apresentação, a enfermeira vai destacar os contributos da doença e dos tratamentos, que “con dicionam a qualidade de vida dos doentes, mesmo durante o internamento”.
Apesar do seu impacto, a fadiga é amiúde “minimi zada e ainda pouco tratada ao nível clínico”. Muitas vezes, “a equipa médica valoriza mais outros fatores, como as náuseas, que também são muito frequentes.” Carla Silva Tavares dá conta que, no CHULN/HSM, está a ser desenvolvido um projeto de exercício físico para controlar a fadiga nos doentes oncológicos. “Vários estudos evidenciam os benefícios da atividade física no doente oncológico”, nota a enfermeira.
O projeto do CHULN/HSM consiste na avaliação do doente e na realização de um plano adequado durante e após o tratamento. “Sob a orientação de uma equipa de enfermeiros de reabilitação, os doen tes realizam exercícios leves e de caráter aeróbico, mas o programa atuará, sobretudo, ao nível da rea bilitação”, informa Carla Silva Tavares. Também está previsto que o projeto conte com a colaboração de profissionais das áreas da Nutrição e da Psicologia.
As várias fases da doença oncológica
Os cuidados de enfermagem nas diversas etapas das doenças hemato-oncológicas são o foco da mesa-redonda “Um percurso, várias fases!”. Estarão em análise o acolhimento no Serviço de Hematologia do doente com leucemia mieloide aguda (LMA) inaugural, a sobrevivência após os tratamentos e os cuidados paliativos em doentes oncológicos.
por Diana VicenteOacolhimento do doente com LMA inaugural no Serviço de Hematolo gia será abordado por Isilda Rebelo, enfermeira no Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa. Normalmente, esta doença “caracteriza-se pelo aparecimento súbito de sintomas inespecíficos, obrigando a um diag nóstico e a um tratamento muito rápidos”. Conse quentemente, “a pessoa vê-se confrontada com a incerteza e a ameaça de mortalidade, ao mesmo tempo que tem de mudar a sua vida”. O propósito do acompanhamento é “capacitar a pessoa para conseguir tomar decisões, participar no processo terapêutico e compreender o seu percurso”. No fundo, trata-se de “ajudar o doente a lidar melhor com a situação, porque é preciso acolher bem para promover a qualidade de vida”, justifica a oradora. O percurso começa com a apresentação do espaço físico e da equipa com que o doente vai contactar. “Durante o tratamento, a resposta às necessidades do doente é promovida pela infor mação e pela sua capacitação para o autocuidado. Destaca-se a patologia, o tratamento, a prevenção de complicações e o reconhecimento de sinais de alarme. Importa também preparar o doente para viver com a incerteza que o diagnóstico de LMA acarreta, enfatizando-se a realização frequente de exames”, sublinha Isilda Rebelo.
Contudo, não há práticas de acolhimento esta belecidas no Serviço de Hematologia do IPO de Lisboa. Além de ser desafiante motivar a equipa de enfermagem, existe a “dificuldade de promover o trabalho multiprofissional, devido ao elevado nú mero de dentes seguidos pela equipa”. Neste mo mento, diz Isilda Rebelo, a forma de acolhimento “passa pela sensibilidade de cada um”. No entanto, para o futuro, “o objetivo é criar uma abordagem mais consistente e sistemática”.
A vida de quem sobrevive ao cancro
Em seguida, Telma Grãos, enfermeira no Hos pital de Dia de Hemato-Oncologia do Hospital CUF Descobertas, em Lisboa, vai incidir sobre como fica a vida de quem sobrevive às doen ças hemato-oncológicas. “A nova realidade do doente, após os tratamentos contra o cancro, traz outro tipo de exigências, ou seja, não se volta à vida de antes.” Apesar de os sobreviven tes terem consultas de follow-up médico, “os efeitos secundários de todo o processo terapêu tico e da doença deveriam ser monitorizados de forma mais integrada e até multidisciplinar”.
“Os efeitos secundários podem ocorrer a nível físico, emocional, social e até espiritual”, explica a enfermeira. Alguns são de ordem física, tais como a fadiga, a neuropatia, as alterações no padrão de sono, na concentração e na memó ria, dificultando o regresso ao trabalho, por exemplo. “Acrescem a sensação de medo e a dificuldade em gerir a nova normalidade. Muitas vezes, estes impactos prolongam-se muito para além do final dos tratamentos”, alerta Telma Grãos.
Por tudo isso, a enfermeira defende a impor tância de as pessoas que passaram por uma doença oncológica continuarem a ser acom panhadas. “Deveria existir uma consulta de en fermagem inserida em equipa multidisciplinar, para acompanhar os sobreviventes da doença que ainda se debatem com os efeitos secundá rios de todo o processo.” Neste momento, “as preocupações estão mais centradas em tratar e vigiar o cancro do que a pessoa que sobrevive com efeitos secundários da doença e dos tra tamentos”, adverte Telma Grãos, que é autora do projeto SOSobreviventeCancro, divulgado nas redes sociais Instagram e Facebook.
Cuidados paliativos e qualidade de vida
Na última preleção da mesa-redonda, Ana Ortiz, enfermeira no IPO de Lisboa, onde trabalha com doentes hemato-oncológicos, falará sobre a impor tância dos cuidados paliativos em doentes onco lógicos. Trata-se de “um modo interdisciplinar de cuidar, com o objetivo principal de promover o alívio de sintomas e a qualidade de vida”, explica a enfermeira. E acrescenta: “Os cuidados paliativos devem ser integrados na Oncologia e na Hemato logia atempadamente, resultando em inúmeras vantagens.”
Nos doentes oncológicos, os cuidados paliati vos “assumem uma importância acrescida, pois o cancro tornou-se numa doença crónica”. “Muitos estudos demonstram que, quando a referencia ção para estes cuidados é precoce, consegue-se controlar os sintomas, melhorando o estado dos doentes para a fase curativa”, evidencia Ana Ortiz. De facto, a preletora apresentará um artigo que demonstra a agressividade terapêutica em fim de vida nos doentes oncológicos.
No caso concreto da Hematologia, a enfermeira entende que, em muitas situações, os cuidados pa liativos deveriam ser introduzidos logo numa fase inicial. “Os doentes com diagnóstico de uma pato logia potencialmente fatal, ou que pode ter grandes repercussões na sua independência e qualidade de vida, deveriam ser imediatamente referenciados para os cuidados paliativos”, defende.
No entanto, a realidade é contrária. Segundo um estudo com uma amostra de 98 000 óbitos em in ternamento nos hospitais portugueses, “os doentes que padeceram de doenças hematológicas foram os menos referenciados, e mais tardiamente, para os cuidados paliativos”, indica Ana Ortiz, que vai apre sentar mais dados deste estudo na mesa-redonda.
Reunião anual SPH 20
Abordagem de emergências em Oncologia
Nesta mesa-redonda, serão evidenciadas a síndrome de lise tumoral e algumas ocorrências hemato-oncológicas que exigem resposta urgente, nomeadamente as complicações relacionadas com a leucostase, a síndrome de hiperviscosidade e a neutropenia febril.
por Diana VicenteAsíndrome de lise tumoral (SLT) será abordada por Andreia Ortiz e Rui Cruz, enfermeiros no Serviço de Hematologia Clínica do Instituto Português de Onco logia (IPO) de Lisboa, que vão explicar porque surge esta complicação, como se manifesta e quais são os fatores de risco. Nesse sentido, serão evidenciadas algumas alterações bioquímicas e clínicas que po dem manifestar-se com esta síndrome, que, devido à sua gravidade, exige estratégias de prevenção e, caso não tenha sido possível, de gestão rápida.
“A SLT é caracterizada por um conjunto de ano malias metabólicas graves, que resultam da destrui ção massiva e acelerada das células malignas. Esse processo provoca desequilíbrios em alguns pro dutos do metabolismo das proteínas e dos ácidos nucleicos, pelo que todo o sistema hidroeletrolítico pode ficar alterado”, explica Rui Cruz.
O sintoma mais comum da SLT é a insuficiência renal aguda, mas existem outros sinais de alerta que são detetados logo nas análises sanguíneas. “Se não forem tratados rapidamente, os doentes que desenvolvem SLT podem ir parar aos cuidados intensivos e até morrer”, realça o enfermeiro. Além disso, as complicações derivadas desta síndrome “podem comprometer a eficácia dos tratamentos antineoplásicos, que, muitas vezes, têm de ser descontinuados”.
Por isso, antes de tudo, “é necessário que as equi pas saibam se o doente tem risco de desenvolver SLT, para que, caso surja, estejam preparadas para a resolver rapidamente”. No entanto, também é possível adotar medidas profiláticas, como “o reforço da hidratação, a introdução de alguns iões no soro e terapêutica de substituição renal”.
Urgências hemato-oncológicas Segue-se a intervenção de Fernanda Conceição, enfermeira-chefe da Área de Cuidados Intensi vos e Recobro do Centro Clínico da Fundação Champalimaud, em Lisboa, que vai falar sobre algumas das principais urgências hemato-oncológi cas, como a leucos tase e a síndrome de hiperviscosidade. “A neutropenia febril, cujos cuidados estão muito dependentes da enfermagem,
também é uma das complicações e emergências mais prevalentes neste âmbito”, sublinha a preletora.
Uma vez que os enfermeiros são os profissionais de saúde em maior contacto direto com os doentes, “são quem pode identificar estas emergências mais precocemente e atuar de forma interdependente na resolução, contribuindo diagnósticos e tratamentos céleres”, afirma Fernanda Conceição.
Não é fácil identificar os sintomas das situações mais emergentes, porque os doentes hemato -oncológicos sofrem muitas alterações. Contudo, segundo a enfermeira, “conhecendo o perfil da pessoa e os sintomas de alerta, torna-se mais fácil reconhecer alguma mudança, que, muitas vezes, pode ser neurológica ou mais generalista”.
Em casos de leucostase e hiperviscosidade, os sinais de alarme são semelhantes. “O primeiro alerta é o excesso de células brancas, que pode levar a alterações neurológicas por hemor ragia intracraniana e a mudanças no pa drão respiratório ou da oxigenação do doente, que se detetam nas saturações periféricas”, refere Fernanda Conceição. A abor dagem destas emergências “passa sempre pelas medidas farmacológicas, que têm de ser instituídas com prescrição médica, e pela intervenção dos enfermeiros, nomeadamente na hidratação dos doentes”.
A neutropenia febril, que se deteta através de sinais de febre ou de hipotermia,
também exige uma intervenção rápida. “Priorizamos estas situações para, no imediato, realizar colheitas que permitam identificar os microrganismos cau sadores da neutropenia febril. Depois, aplicamos medidas de ressuscitação, com a administração de antibióticos e fluidos”, descreve a enfermeira. Esta abordagem também é muito dependente dos enfermeiros e Fernanda Conceição acredita que “é uma das áreas onde as intervenções de enfer magem podem ter mais sucesso”.
PRECIPITANTES DO RISCO DE SLT
A síndrome de lise tumoral (SLT) ocorre mais frequentemente após o início do tratamento com quimioterapia. “Há patologias que acarretam maior risco, como a leucemia linfoblástica aguda, as leucemias mieloides ou mieloblásticas agudas, mas também alguns casos de linfoma não Hodgkin em estádios mais agressivos, linfoma de Burkitt, mieloma múltiplo, leucemia linfocítica crónica e leucemia promielocítica, uma subtipologia da leucemia mieloblástica”, elenca Rui Cruz.
Segundo o enfermeiro do IPO de Lisboa, “no último ano e meio, surgiram mais casos de SLT, o que se relaciona com o facto de, por causa da pandemia, os doentes terem sido diagnosticados mais tarde e com doença mais avançada”.
Simpósio SPH-EHA discute síndromes raras
As neoplasias mieloides crónicas raras, com foco na mastocitose sistémica, e a fisiopatologia molecular das síndromes de sobreposição mielodisplásicas/mieloproliferativas são os temas em análise no simpósio conjunto da Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH) com a European Hematology Association (EHA). Esta sessão oferecerá também a oportunidade de conhecer melhor a EHA e as suas iniciativas de apoio à formação, à atualização de conhecimentos e à investigação científica de que os hematologistas portugueses podem beneficiar. por Marta Carreiro
Enquanto presidente-eleito da EHA e membro da SPH, o Prof. António Almeida também reforça a importância deste simpósio conjunto, no qual será preletor (ver abaixo). “Apesar de a EHA ser uma associação abrangente, que tem muitas atividades transversais a todas as sociedades nacionais, como o European Hematology Exam, o seu programa edu cacional e as bolsas de investigação, ainda assim, corremos o risco de ser uma associação que está um pouco afastada das atividades e das necessidades das sociedades nacionais”, justifica.
Segundo a Prof.ª Elizabeth Macintyre, presi dente da EHA, a organização deste simpó sio conjunto com a SPH é um exemplo da prioridade que está a ser dada ao reforço das ligações e do trabalho de parceria com as socie dades de Hematologia dos países-membros da EHA. “Há projetos que devem ser concretizados ao nível europeu, com vista a atingir objetivos mais amplos, mas também há muitas iniciativas que podemos e devemos desenvolver no âmbito nacional”, esclarece.
De acordo com a também hematologista no Hô pital Universitaire Necker-Enfants Malades, em Paris, nos últimos tempos, a EHA tem dedicado muito do seu trabalho à advocacia em Saúde no espaço europeu. “A pandemia de COVID-19 mostrou-nos que as doenças não respeitam fronteiras. Então, consideramos que este é um momento importante para fazermos ouvir a voz da Hematologia, pelo interesse dos nossos doentes. Para isso, precisamos de uma interação muito próxima com as sociedades nacionais, de modo a garantirmos que as mudan ças em desenvolvimento ao nível da estruturação e do financiamento em Saúde vão ao encontro das necessidades dos nossos doentes”, defende.
Nesse sentido, Elizabeth Macintyre sublinha que os hematologistas europeus “devem ver a EHA e as sociedades nacionais como suas representantes,
Prof.
marcando presença nas reuniões científicas sempre que possível”. Sobre o programa da Reunião Anual SPH 2022, a presidente da EHA destaca a “ótima harmonia entre as patologias benignas e malig nas, bem como o equilíbrio entre as preleções de hematologistas nacionais e convidados interna cionais”. E remata: “Estou muito feliz por ter sido convidada e sinto-me orgulhosa por participar na Reunião da SPH!”
Também moderadora da Simpósio SPH-EHA, a Prof.ª Maria Gomes da Silva corrobora a priori dade que está a ser dada à participação da EHA nos congressos nacionais. “Quando a convidámos, a Prof.ª Elizabeth Macintyre disse-nos logo que o estabelecimento de conexões com as sociedades nacionais de Hematologia é um ponto muito impor tante da sua atividade como presidente, pelo que a sua presença na nossa reunião e a organização de um simpósio conjunto seria mais uma forma de tornar a EHA visível, presente e disponível para os hematologistas portugueses.” A vice-presidente da SPH vê também este simpósio como “um reforço da proposta de aproximação curricular na formação dos hematologistas”. “No fundo, pretende-se mostrar à assistência o que a EHA tem para oferecer aos hematologistas europeus, e ninguém melhor do que a sua presidente para o fazer.”
Apesar desse objetivo, António Almeida também salienta que o facto de os hematologistas portugue ses serem dos que mais se candidatam à realização do exame europeu de Hematologia e às bolsas de investigação da EHA “motiva a vontade de estreitar laços entre a EHA e a SPH”.
Update em mastocitose sistémica Entrando nas palestras científicas do Simpósio SPH -EHA, a primeira intervenção será da Dr.ª Deepti Radia, que vai apresentar uma atualização em mastocitose sistémica. “Vou abordar a forma como encaramos o diagnóstico, sobretudo do ponto de vista histológico, e como classificamos os doentes, o que é essencial para a escolha de terapêuticas dirigidas a cada pessoa”, adianta a hematologista no Guy’s and St Thomas’ NHS Foundation Trust, no Reino Unido.
Como explica Deepti Radia, o diagnóstico realiza -se através de biópsia à medula óssea, que identi fica a presença, ou não, de mastocitose sistémica. “Depois, temos de decidir qual a classificação clínica do doente, procurando perceber se está no grupo de bom prognóstico com mastocitose não avançada, ou se pertence ao grupo de mau prognóstico com mastocitose avançada.”
A preletora mencionará as mais recentes altera ções nos critérios de classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), disponibilizados este ano, que adicionam uma nova categoria ao grupo da mastocitose sistémica não avançada – a mastocitose da medula óssea. “É importante que os hemato
Atualmente a desempenhar funções de presidente-eleito, a partir de 2023, António Almeida cumprirá um mandato de dois anos enquanto presidente da EHA e, a partir de 2025, mais dois anos como past-president. Assim, o hematologista português ficará no board executivo da EHA até 2027. Segundo Elizabeth Macintyre, a passagem do testemunho para o colega português será muito profícua. “Tem sido um enorme gosto trabalhar com o Prof. António Almeida, que tem mostrado muita dedicação, principalmente às questões da harmonização da formação em Hematologia na Europa, pelo que tenho a certeza de que a sua presidência será uma grande mais-valia para o desenvolvimento da EHA”, sustenta.
António Almeida será o próximo presidente da EHAProf. António Almeida, Prof.ª Elizabeth Macintyre e Prof.ª Maria Gomes da Silva
logistas conheçam a existência desta nova categoria, uma vez que a classificação da OMS difere dos consensos inter nacionais, que consistem nas classificações de base norte-americana”, justifica.
Deepti Radia afirma que “80% dos doentes com diagnóstico de mastocitose sistémica estão incluídos na classificação de melhor prognós tico”. “Apesar de ser um grupo com muito boa esperança de vida, numa pequena porção de doentes os sintomas têm um enorme impacto, desde o ardor na pele à anafilaxia, de modo que a sua qualidade de vida acaba por ficar muito preju dicada pela doença”, sublinha. Normalmente, estes doentes são submetidos a terapêutica sintomática, que “consiste num tratamento antimediadores liber tados, que atua sobre os efeitos da desgranulação dos mastócitos”. No entanto, “mesmo após seis ou sete combinações terapêuticas, uma percentagem destes doentes continuará a ter má qualidade de vida”, alerta a hematologista.
Contudo, Deepti Radia está confiante de que, em breve, o paradigma vai mudar. “Está a decorrer um ensaio clínico que inclui doentes sintomáticos com diagnóstico de mastocitose sistémica indo lente, cujos resultados preliminares demonstram benefícios na qualidade de vida com o fármaco que está a ser testado. Estamos muito entusiasmados, porque, continuando tudo a correr bem, este será o primeiro fármaco dirigido à doença, atingindo redução do número de mastócitos nos doentes muito sintomáticos.”
Já no âmbito da mastocitose sistémica avançada, Deepti Radia incidirá nos casos de maior agressi vidade – doentes com leucemia de mastócitos e
doentes com mastocitose sistémica associada a neoplasia hematoló gica. “Nesta categoria, cerca de 70% dos doentes têm masto citose associada a outra neo plasia hematológica, o que dificulta muito o tratamento devido à presença de duas neoplasias.”
No entanto, a hematologista destaca o papel que os inibidores da tirosina-cinase (TKI, na sigla em inglês) podem ter nesta população. “Os TKI são os primeiros fármacos dirigidos aos mastócitos, sendo capazes de os reduzir e até colocar alguns doentes em processo curativo”, afirma. Aliás, nos ensaios clínicos FLAURA, “os TKI mostraram eficácia em todos os subgrupos de doentes com mastocitose sistémica avançada, possibilitando até que alguns se tornassem elegíveis para transplante, obtendo melhores outcomes”, conclui Deepti Radia.
Fisiopatologia molecular das síndromes de fronteira António Almeida considera particularmente im portante trazer para a discussão doenças raras da Hematologia, com o objetivo de “ajudar a sistema tizar a investigação e o tratamento”. Na preleção seguinte, o hematologista falará sobre a fisiopato logia molecular das síndromes mielodisplásicas e mieloproliferativas de sobreposição ou fronteira. “São situações relativamente frequentes, porque vemos muitas vezes anemias com trombocitopenia e leucocitose.”
Reunião anual SPH 20
No entanto, estas síndromes de fronteira “acabam por ser difíceis de diagnosticar, porque as mani festações mistas, como, por exemplo, leucocitose com anemia e trombocitopenia, também são vistas noutras doenças, como infeções crónicas, doenças sistémicas, doenças autoimunes e doenças de órgão crónicas”, introduz o diretor do Serviço de Hemato logia do Hospital da Luz Lisboa.
Segundo o preletor, a leucemia mielomonocítica crónica é a doença de sobreposição das síndromes mielodisplásicas/mieloproliferativas mais frequente, contudo, “a monocitose acaba por ser a manifestação frequente de outras doenças”. O tratamento é tam bém um desafio e tem de ser muito bem sustentado. “Só com um diagnóstico firme de síndrome mielo displásica/mieloproliferativa de fronteira, que inclui o diagnóstico molecular, é que devemos avançar com o tratamento”, afirma António Almeida.
A verdade é que, neste campo da Hematologia, “ainda há muitas necessidades não preenchidas”, considera o hematologista. E explica porquê: “Os tra tamentos disponíveis para as síndromes de fronteira são relativamente abrangentes, cobrindo uma série de mielodisplasias e síndromes mieloproliferativas. Isso fica muito aquém do que gostaríamos de ofe recer a estes doentes, que requerem terapêuticas mais dirigidas.”
No entanto, face às mais recentes descobertas genéticas e à melhor compreensão da fisiopato logia molecular das síndromes mielodisplásicas/ /mieloproliferativas de fronteira, António Almeida acredita que “a ciência está a caminhar no sentido da identificação de alvos terapêuticos e, assim, do desenvolvimento de terapêuticas dirigidas”.
“A drepanocitose afeta gravemente a qualidade de vida dos doentes”
“Terapêutica da drepanocitose: novos fármacos e complicações” é o título da preleção educacional do Dr. João Silva Gomes. Em entrevista, o hematologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra comenta as principais complicações associadas a esta patologia congénita, os desafios da sua abordagem e o papel que poderão assumir algumas das terapêuticas emergentes, nomeadamente o crizanlizumab, o voxelotor e a terapia génica.
por Marta Carreiro e Pedro Bastos Reisaumento inesperado da dimensão do baço e do fígado, dando início a um quadro bastante dolo roso e com descida abrupta de concentração de hemoglobina. Na apresentação, também abordarei o risco de acidente vascular cerebral [AVC] e as complicações crónicas da drepanocitose, como a sobrecarga de ferro ou o aumento do risco de osteopenia e osteoporose. Outro aspeto a consi derar é a dor crónica, uma das complicações desta doença que ainda não abordamos de forma sufi cientemente eficaz. Embora seja uma das compli cações da drepanocitose tradicionalmente menos abordada, a dor crónica tem despertado muita atenção nos últimos anos.
Qual o impacto da dor crónica na vida destes doentes?
A drepanocitose afeta dramaticamente a quali dade de vida dos doentes, quer pelas crises de dor aguda, quer pelas consequências a longo prazo. Sobretudo nos doentes que têm crises álgicas frequentes, desenvolve-se uma componente de dor neuropática e crónica que pode ser extrema mente incapacitante e difícil de gerir. A dor é, sem dúvida, um dos pontos em que devemos atuar para melhorar a qualidade de vida destes doentes.
trócitos à parede endotelial e, assim, atuando sobre um dos mecanismos mais importantes da fisiopatologia das crises vaso-oclusivas dolorosas e das complicações da drepanocitose. Já o voxe lotor é um medicamento que atua sobre a poli merização da hemoglobina S, atuando também sobre a afinidade de oxigénio da hemoglobina. Esta será uma terapêutica importante para os doentes com valores mais baixos de hemoglobina e com consequências advindas da anemia. Será também uma estratégia potencialmente útil para os doentes com alterações da função cardíaca.
Com existência desses novos fármacos, que lugar poderá ocupar a terapia génica? A terapia génica é muito promissora, porque a drepanocitose, embora tenha variabilidade ge notípica, não deixa de ser uma doença monogé nica. Portanto, obviamente que é uma patologia candidata à terapia génica, existindo, inclusive, resultados bastantes interessantes nos ensaios clínicos. A única terapêutica potencialmente curativa da drepanocitose de que dispúnha
Quais são os maiores desafios na abor dagem da drepanocitose?
Esta doença congénita afeta bastante a vida dos doentes, que passam a precisar de uma série de cuidados, desde a hidratação abundante até evitar a exposição a variações extremas de temperatura, ao stresse fisiológico e a infeções. Quer pelas crises dolorosas, quer pelo impacto das complicações na qualidade de vida, a drepanocitose requer muita experiência por parte de toda a equipa que in tervém no tratamento destes doentes. Também requer uma boa relação médico-doente, que per mita otimizar a adesão às medidas terapêuticas.
Quais são as principais complicações associadas à doença?
Dentro das complicações agudas, é de realçar a síndrome torácica aguda, com ocorrência de fenómenos vaso-oclusivos que afetam a função pulmonar e podem levar a insuficiência respira tória. Também se deve suspeitar de sequestros esplénico e hepático em qualquer doente com
As manifestações da drepanocitose são sempre graves?
Esta doença afeta as pessoas de forma diferente, uma vez que tem uma variabilidade fenotípica muito grande e genótipos distintos. Além disso, há vários fatores moduladores do fenótipo que fazem com este possa ser mais ligeiro ou mais grave. Portanto, temos doentes com poucas cri ses dolorosas e poucas complicações ao longo da vida, que, por isso, sentem menos o impacto da doença. Contudo, infelizmente, muitos doentes têm um curso da doença marcado por muitas complicações. Por isso, a adesão às medidas de prevenção de crises e complicações da doença é extremamente importante.
Existem novidades no âmbito do tratamento?
Na apresentação, vou falar, sobretudo, sobre o crizanlizumab, o voxelotor e outros tratamentos que estão em investigação, como a terapia génica.
O crizanlizumab é um anticorpo monoclonal que inibe as selectinas, diminuindo a adesão dos eri
mos era o transplante alogénico de progeni tores hematopoiéticos. Agora, a terapia génica surge como uma potencial resposta curativa. Na apresentação, vou partilhar alguns dos resul tados com a terapia génica disponíveis até ao momento. Será muito importante podermos vir a contar com uma terapêutica potencialmente curativa para esta doença que, embora seja be nigna, afeta gravemente a qualidade de vida dos doentes.
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Será muito importante podermos vir a contar com uma terapêutica potencialmente curativa para esta doença que, embora seja benigna, afeta gravemente a qualidade de vida dos doentes"
Reunião anual SPH 20
Trombocitopenias congénitas e adquiridas
As várias causas que podem estar na origem das trombocitopenias, bem como as estratégias terapêuticas para estas patologias serão analisadas pela Dr.ª Joana Azevedo, hematologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). A preletora pretende ainda vincar a importância da correta identificação da etiologia da trombocitopenia enquanto etapa essencial da abordagem adequada a esta doença.
por Pedro Bastos ReisSegundo a Dr.ª Joana Azevedo, um dos principais objetivos da sua apresentação é “ajudar a perceber as diferentes causas de trombocitopenias”, nomeadamente a distinção entre as formas congénitas e adqui ridas. “As trombocitopenias adquiridas são um conjunto vasto de entidades, que podem ter causas hematológicas ou não hematológicas, primárias ou secundárias, podendo ter por base também mecanismos imunes ou microangiopáticas”, con textualiza a hematologista no CHUC. Quanto às trombocitopenias congénitas, a oradora realça que “as trombocitopenias presentes ao nascimento podem ter uma causa adquirida, geralmente tran sitória, mas habitualmente este termo utiliza-se para as formas hereditárias, que têm por base uma alteração genética de linha germinativa”.
Relativamente à distinção entre trombocito penias congénitas e adquiridas, Joana Azevedo considera que, “na maior parte dos casos, o diag nóstico é inequívoco”. “Muitas vezes, atendendo ao histórico clínico do doente e aos resultados dos hemogramas anteriores, percebemos logo que estamos perante uma patologia adquirida, ou, pelo contrário, se até existe também um histórico familiar, apontamos para a etiologia congénita”, explica.
Contudo, nem sempre esta conclusão é óbvia, daí a importância da minuciosidade diagnóstica. “É essencial fazer-se uma boa anamnese, um exame objetivo cuidadoso e uma história fami liar muito detalhada. Hoje em dia, começamos a ter novas ferramentas para o diagnóstico, sobre tudo no foro das trombocitopenias congénitas, alicerçando as nossas investigações em estudos funcionais e genéticos”, frisa Joana Azevedo.
Respostas terapêuticas
Quanto ao tratamento das trombocitopenias adquiridas, a hematologista explica que a primeira estratégia passa por “reconhecer a patologia de
base”, dando como exemplo a infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH). No entanto, “existem algumas trombocitopenias que, sendo adquiridas, são consideradas idiopáticas e o seu tratamento dependerá do mecanismo que lhes está subjacente”. Para os casos de trombocitopenia imune, “existem vários fármacos disponíveis, entre os quais os corticoides, os imunossupressores com ação na imunomodulação, como a imunoglobulina e os agonistas do recetor da trombopoietina”, bem como a abordagem cirúrgica com esplenectomia.
Ainda nas trombocitopenias adquiridas, nos casos de ausência de produção de plaquetas, Joana Azevedo nota que a estratégia terapêutica tem de ser dirigida à patologia de base, podendo ser necessário recorrer a transfusões de plaquetas, que “não são curativas e estarão sempre reservadas a situações clínicas muito específicas”, nomea damente hemorragia. A hematologista também salienta a importância de reconhecer outras si tuações que cursam com uma trombocitopenia adquirida muito grave, cujo tratamento é muito específico, como é o caso das microangiopatias.
Já para o tratamento das trombocitopenias con génitas, Joana Azevedo afirma que, antes de mais, tem de se despistar a existência de manifestação hemorrágica. “Caso exista, dependendo da razão subjacente à disfunção plaquetária, podemos ten tar algumas estratégias de tratamento, como a desmopressina ou as transfusões de plaquetas nas situações mais agudas”, concretiza a hematologista. Recentemente, “tem havido interesse na utilização de agonistas do recetor da trombopoeitina em algumas destas patologias”. Contudo, hoje em dia, devido a novos métodos de diagnóstico e estratégicas terapêuticas, “o foco da abordagem às trombocitopenias congénitas não está limi tado apenas ao seu risco hemorrágico, como no passado”.
Quando a trombocitopenia se enquadra mais numa síndrome de predisposição para outro tipo
Take-home message de Joana Azevedo
de doenças hematológicas do foro das falências medulares, “normalmente, a decisão terapêutica não é tanto para corrigir as plaquetas, que até podem estar apenas moderadamente diminuídas, mas mais para monitorizar e prevenir a progressão da falência medular”, refere Joana Azevedo. Perante a subida dos níveis de plaquetas, a hematologista também realça o papel dos agonistas do recetor da trombopoeitina no tratamento das tromboci topenias congénitas, “não com intenção curativa, mas sim de corrigir algum risco hemorrágico ou situações mais agudas”, remata.
A trombocitopenia define‐se como uma contagem inferior ao P2.5 da distribuição normal de plaquetas, embora este valor possa variar ao longo da vida. Trata-se de uma das causas mais frequentes de referenciação de doentes para a Hematologia. O diagnóstico eficaz depende de um elevado grau de suspeição e da atenção aos dados clínicos e laboratoriais, bem como à história familiar do doente. É importante perceber que a trombocitopenia pode ser a primeira manifestação de outras doenças mais difíceis de distinguir e tratar. Assim, devemos começar por distinguir se estamos perante uma situação congénita ou adquirida e, depois, perceber se a trombocitopenia é ou não isolada da primeira manifestação, como, por exemplo, uma síndrome mielodisplásica.
Diagnóstico e gestão do doente com eritrocitose
Identificar as causas da eritrocitose – seja primária ou secundária – e defini-la tendo em conta a origem adquirida ou congénita é o primeiro passo para uma melhor abordagem a esta patologia. Quem o diz é a Prof.ª Mary Frances Mc Mullin, hematologista e docente na Queens University Belfast, na Irlanda do Norte, que, na sua palestra, discorrerá ainda sobre a gestão do doente com eritrocitose, evidenciando as dúvidas que persistem e as melhores estratégias para cada caso.
por Pedro Bastos Reis
como evento primário, quando uma alteração intrínseca no comportamento da medula ós sea leva ao aumento da produção de glóbulos vermelhos. E ainda como evento secundário, quando a produção de glóbulos vermelhos é impulsionada pela produção de eritropoietina”, explica a hematologista e docente na Queens University Belfast, na Irlanda do Norte.
Frances Mc Mullin, acrescentando que existe ainda a eritrocitose idiopática, cuja causa ainda não foi identificada. Tendo em conta as diversas manifestações de eritrocitose, “um bom diagnós tico depende de uma história clínica exigente”.
Antes de falar sobre o diagnóstico e a gestão da eritrocitose, é importante ter presente a sua definição. Assim, segundo a Prof.ª Mary Frances Mc Mullin , considera-se a existência de eritroci tose “quando a massa de glóbulos vermelhos é superior em 125% ao previsto para o sexo e a massa corporal da pessoa”. No entanto, há outros aspetos a ter em conta no diagnóstico desta patologia, que tanto pode ter origem primária como secundária.
“A presença de uma eritrocitose pode ser in ferida a partir de uma hemoglobina e/ou um hematócrito elevados. Pode também surgir
Relativamente às formas primária e secundá ria da eritrocitose, Mary Frances Mc Mullin nota que uma das principais causas é a policitemia vera, uma patologia que leva a mudanças na produção de glóbulos vermelhos na medula óssea, para a qual existem testes da mutação janus kinase 2 (JAK2).
Contudo, o diagnóstico das eritrocitoses pode revelar-se complexo, uma vez que estas patolo gias podem ter diversas origens. “Há uma série de mutações germinativas raras que demons tram que alguns casos de eritrocitose podem ser explicados por antecedentes familiares, ou seja, causas congénitas e adquiridas”, concretiza Mary
Relativamente à gestão da eritrocitose, a pre letora alerta que há menos consenso científico e maiores desafios na tomada de decisão clínica. “O problema está na forma como a doença deve ser gerida, isto é, se devemos ou não reduzir a hemoglobina, nomeadamente através da venes secção ou da flebotomia”, ressalva Mary Frances Mc Mullin, alertando que “os doentes com dema siados glóbulos vermelhos têm mais coágulos e, consequentemente, estão mais expostos ao acidente vascular cerebral”.
Atualmente, a prioridade é assegurar que as decisões clínicas não comprometem a adaptação fisiológica do doente, sendo que “o ácido acetilsa licílico em baixas doses e, eventualmente, a vene secção são as medidas geralmente consideradas” na gestão da eritrocitose. Assim, “o mais impor tante é identificar a causa da doença, já que uma boa história clínica ajuda a decidir qual o melhor procedimento a seguir, estando sempre alerta para a possibilidade dos diagnósticos raros”, con clui a hematologista.
Doença do enxerto contra o hospedeiro: uma área ainda carente de sensibilização e conhecimento
Este ano, a Junior Lecture é dedicada à imunobiologia da doença do enxerto contra o hospedeiro, tendo como preletor o Prof. Pedro Sousa, hematologista na Unidade de Transplantação de Medula Óssea do Instituto Português de Oncologia de Lisboa. Em entrevista, o também professor auxiliar convidado na Universidade Nova de Lisboa antecipa alguns dos tópicos que abordará na sua palestra, como os mecanismos subjacentes à doença, a fisiopatologia e as novidades terapêuticas, destacando a necessidade de maior conhecimento na comunidade médica e sensibilização do doente que vai ser submetido a transplante.
por Marta Carreiro e Pedro Bastos ReisComo descreve a fisiopatologia desta doença?
Na doença do enxerto contra o hospedeiro aguda, a fisiopatologia relaciona-se com a inflamação de senvolvida durante a fase de condicionamento, levando a uma ativação dos linfócitos T do dador, que se manifestam, sobretudo, através de inflama ção da pele, do intestino e do fígado. Já na doença do enxerto contra o hospedeiro crónica, existe uma disfunção generalizada da imunidade, com manifestações mais semelhantes às das doenças autoimunes. A sua fisiopatologia é bastante mais complexa, envolvendo os linfócitos T, os linfócitos B, as células apresentadoras de antígeno e as células do estroma, resultando, muitas vezes, em fibrose nos tecidos e consequente disfunção de órgão.
Que terapêuticas existem para enfrentar o problema?
com múltiplas manifestações, implicando, por isso, um conhecimento muito bom sobre o manejo dos imunossupressores. O revés da medalha é sempre este: quando aumentamos a imunossupressão, es tamos também a comprometer a capacidade do sistema imunitário para combater a doença onco lógica. É uma balança muito difícil de equilibrar.
Além do fármaco já referido, que avan ços se verificam nesta área?
O que leva ao desenvolvimento de doença do enxerto contra o hospedeiro?
As complicações da transplantação alogénica, par ticularmente as pequenas diferenças entre o patri mónio genético do dador e do recetor, que podem levar a que um novo sistema imunitário ataque os tecidos saudáveis do recetor. Este efeito alorreativo é algo que temos de explorar quando realizamos transplante alogénico em doentes oncológicos, porque será através desse novo sistema imunitário que controlaremos a doença oncológica que possa persistir depois do tratamento com quimioterapia e radioterapia. Contudo, quando, além das células tumorais, são também afetados os tecidos saudáveis, temos um problema, que é a doença do enxerto contra o hospedeiro.
A corticoterapia continua a ser o tratamento de primeira linha, quer na doença aguda quer na cró nica. O grande desafio surge quando a doença se torna corticodependente ou corticorresistente. Nestes casos, destaco o papel do ruxolitinib, um inibidor da via de sinalização JAK-STAT, utilizado no tratamento de doenças mieloproliferativas crónicas. Ora, sabendo que a via de sinalização JAK-STAT é importante na ativação dos linfócitos T, esse foi o racional seguido para utilizar o fármaco na doença do enxerto contra o hospedeiro e, efetivamente, os resultados têm sido bastante promissores. Assim, o ruxolitinib tem sido utilizado nas formas aguda e crónica da doença que são refratárias aos corti coides, tendo revolucionado o tratamento destes doentes. O fármaco também se revela muito útil para a redução da corticoterapia, que, como sabe mos, tem bastantes efeitos adversos associados.
A comunidade médica está suficiente mente esclarecida sobre a doença do enxerto contra o hospedeiro?
Ainda é uma área pouco conhecida, não só dentro da Hematologia, mas, sobretudo, noutras especia lidades. São poucos os médicos que dominam esta matéria, o que assusta bastante, porque a doença do enxerto contra o hospedeiro afeta muitos órgãos,
As técnicas de tipagem HLA e as técnicas de pro filaxia da doença do enxerto contra o hospedeiro têm vindo a melhorar. Para além da introdução do ruxolitinib como forma de tratamento da doença refratária aos corticoides, outro avanço terapêu tico bastante importante é a administração de ciclofosfamida em alta dose no pós-transplante como profilaxia da doença do enxerto contra o hospedeiro, o que veio, por exemplo, melhorar significativamente os resultados obtidos com os transplantes haploidênticos.
Que mensagens-chave espera que a assistência retire da sua apresentação? Espero conseguir sensibilizar para a problemática da doença do enxerto contra o hospedeiro, para que o seu risco de ocorrência seja referido aos doentes quando são referenciados para transplante. Muitas vezes, os doentes chegam à primeira consulta sem terem ideia de que, apesar de o transplante ser uma potencial cura, também pode trazer proble mas importantes. Então, quando os doentes são confrontados com essa realidade na consulta pré -transplante sofrem um grande choque. Acho que é importante apostar na sensibilização e na passagem de informação mais precoce, para que os doentes percebam que o transplante alogénico comporta sempre o risco de desenvolvimento da doença do enxerto contra o hospedeiro, mas também saibam que dispomos de estratégias terapêuticas eficazes para melhorar a sua qualidade de vida.
Reunião anual SPH 20
Novos alvos terapêuticos nas anemias com sobrecarga de ferro
Com a moderação do Prof. António Par reira, a Lição Francisco Parreira tem como conferencista a Prof.ª Maria Domenica Cappellini, hematologista no Hospital Policlínico da Fundação IRCCS e docente na Uni versidade de Milão, em Itália. A especialista come çará por explicar como se desenvolve uma anemia com sobrecarga de ferro. “Alguns casos devem-se à acumulação de ferro em diferentes órgãos derivada das transfusões sanguíneas. Outros são causados por uma eritropoiese ineficaz aliada ao aumento da absorção de ferro pelo intestino, que se acumula nos diferentes órgãos”, esclarece.
Relativamente à resolução destas anemias, a pre letora destaca dois tipos de abordagens terapêuti cas – a remoção de ferro através de “um quelante de toma oral muito eficaz” e os novos tratamentos para a anemia em si mesma. Neste cenário, existem várias novas possibilidades. “Para algumas formas de anemia, que têm mutações genéticas como causa, é possível optar por uma terapêutica que consiste na substituição do gene mutado por um gene normal. É o caso da beta-talassemia, em que o gene normal beta-globina é introduzido nas células estaminais autólogas, que são depois devolvidas ao doente para promover a produção de hemoglobina normal”, explica Maria Domenica Cappellini.
Outra abordagem molecular passa pela possibi lidade de modular a expressão do gene da globina. “Um ensaio clínico que está em curso utiliza a tec
nologia CRISPR-Cas9 para aumentar a produção da cadeia de globina gama. Através deste mecanismo, é possível aumentar a produção de hemoglobina normal”, esclarece a especialista.
Há também novos fármacos, que têm como alvo principal a “ineficácia da eritropoiese, que é o driver da fisiopatologia da talassemia, devido ao desequilíbrio entre as cadeias de globina alfa e beta”. “A eritro poiese ineficiente na medula óssea é responsável pela anemia crónica. Assim, a possibilidade de a re duzir pode ter um impacto positivo na anemia.” Uma dessas novas opções é o luspatercept, que, “além da capacidade de reduzir a ineficiência da eritropoiese, em doentes com talassemia dependente de trans fusão é capaz de reduzir a necessidade de sangue”, evidencia Maria Domenica Cappellini.
A preletora falará ainda sobre as novas moléculas em desenvolvimento, como o mitapivat, já aprovado para a deficiência de piruvato-cinase. “Esta molécula ativa a produção de proteína ATP, corrigindo a sua de ficiência.” A utilização do mitapivat como tratamento da talassemia encontra-se em fase de ensaio clínico, tanto nos casos dependentes de transfusão como não dependentes (respetivamente estudos ENER GIZE e ENERGIZE-T1). Outras moléculas encontram-se
ainda em fase I de desenvolvimento, tendo como alvo o metabolismo do ferro.
Tendo em consideração toda esta ebulição cien tífica, Maria Domenica Cappellini acredita que, “nos próximos meses, muitos dados vão ser recolhidos e, provavelmente, chegar-se-á a um ponto em que será possível selecionar o tratamento mais adequado a cada doente com anemia”. Marta Carreiro
Referência: 1. Kuo KH, et al. Hematology, Transfusion and Cell Therapy. 2021:43(1);S20.
Vigilância e monitorização do doente tratado com células CAR-T
por Diana VicenteAs enfermeiras Fátima Penim e Patrícia Pinheiro vão partilhar a experiência do Serviço de Transplantação de Pro genitores Hematopoiéticos do IPO de Lisboa com as células CART-T (chimeric antigen receptor T), cujos tratamentos realiza desde 2019. Dos 17 doentes com linfoma difuso de grandes células B (LDGCB) que receberam esta terapêutica, 8 estão em remissão de doença. “Não parece um universo muito grande, mas foi a última linha terapêutica apresentada a estes doentes, que estão bem e a ter qualidade de vida”, sublinha Fátima Penim.
No IPO de Lisboa, intervêm nos tratamentos com células CAR-T o Serviço de Transplantação de Progenitores Hematopoiéticos, a equipa de Farmácia, a Unidade de Cuidados Intensivos, o Serviço de Radiologia, o Serviço de Neurologia e a própria Administração.
Depois de o doente ser referenciado e aceite para o tratamento com células CAR-T, o primeiro passo é a consulta multidisciplinar, também com
a presença do cuidador do doente. “Segue-se a colheita de linfócitos do doente, que, depois, são expandidos e modificados em laboratório de forma retroviral, com a aplicação de um fármaco que faz com que as células se tornem inteligentes e capazes de identificar os linfócitos T do linfoma”, descrevem Fátima Penim e Patrícia Pinheiro.
Quando as células tratadas e alteradas labo ratorialmente são infundidas no doente, elas identificam, acoplam e destroem as células do linfoma. Antes da infusão, ainda se realiza “uma quimioterapia de linfodepleção com o doente em ambulatório, no Hospital de Dia do Serviço de Transplantação de Progenitores Hematopoié ticos”, descreve Fátima Penim.
Vigilância e monitorização do doente No IPO de Lisboa, depois de realizado o trata mento com as células CAR-T, o doente fica inter nado durante 10 a 14 dias para monitorização e despiste de complicações. “As reações adversas surgem muito rapidamente e é preciso agir logo para evitar que progridam e sejam potencial
Protocolos de atuação em Enfermagem
A enfermeira Ana Filipa Calado destaca “o papel essencial da vigilância pós- infusão de células CAR-T, tanto no internamento como após a alta hospitalar, pois os efeitos adversos podem surgir muito rapidamente”. No entanto, pode haver reações mais tardias, que, “muitas vezes, são extremamente agressivas e precisam de controlo imediato”, alerta. Por essa razão, além de reforçar a importância de os doentes terem familiares ou cuidadores atentos, a enfermeira defende a necessidade de, também no âmbito da Enfermagem, se “promover a atualização de conhecimentos e a implementação de protocolos de atuação”.
mente fatais”, destaca Patrícia Pinheiro. Mesmo depois de regressar a casa, o doente continua a precisar de vigilância. Por isso, “o cuidador tam bém assume um papel crucial na observação de sinais e sintomas que traduzam possíveis complicações”, frisa Fátima Penim.
Na segunda parte da mesa-redonda, Ana Filipa Calado, enfermeira no Serviço de Hematologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte/ /Hospital de Santa Maria, vai discorrer sobre a importância da vigilância e da monitorização do doente tratado com células CAR-T. “Esta te rapêutica está a mostrar bons resultados, mas também acarreta riscos. Por isso, é importante estar alerta e adotar todas as medidas preventivas de complicações”, sublinha.
Tendo em conta as características do fármaco utilizado no tratamento com células CAR-T, “é criado um protocolo de vigilância, acompa nhamento e monitorização do doente”, esclarece a enfermeira. No período pós-infusão, realiza-se uma vigilância apertada dos parâmetros vitais e do estado neurológico do doente. “Entre ou tras medidas, recorre-se a telemetria cardíaca, oximetria de pulso, vigia-se a pressão arterial e o débito urinário, avalia-se o balanço hídrico e a escala ICE a cada oito horas”, descreve Ana Filipa Calado. E conclui: “Estes cuidados não são exclusivos da Enfermagem; a monitorização do doente resulta de um trabalho de equipa, pelo que é essencial haver comunicação eficaz entre todos.”
Reunião anual SPH 20
Perspetivas sobre o futuro da enfermagem oncológica
A última sessão do Programa de Enfermagem vai refletir sobre o futuro da intervenção dos enfermeiros no âmbito das doenças oncológicas, tanto no contexto nacional como ao nível europeu.
por Diana VicenteNa primeira intervenção, Maria Cris tina Lacerda, enfermeira-chefe no Departamento de Oncologia do IPO de Lisboa, vai contextualizar o estado da enfermagem oncológica ao nível europeu. A oradora pertenceu à direção da European Oncology Nursing Society (EONS), como tesoureira, entre 2013 e 2019. Nesse período, Cristina Lacerda esteve envolvida num estudo que visou perceber as diferenças entre os países que têm e os que não têm a Enfermagem Oncológica reconhecida como especialidade. O es tudo comparou quatro países: Reino Unido, Países Baixos (que têm esta especialização), Estónia e Ale manha (que não têm).
Os enfermeiros especialistas em Oncologia“têm um papel importante no diagnóstico, na aplicação dos tratamentos, na gestão dos efeitos secundários, na formação e na monitorização dos doentes, no fundo, em todas as fases das doenças oncológicas. Além disso, também atuam ao nível da reabilitação e da inserção social”, afirma Cristina Lacerda. Por isso, não é de es tranhar que o estudo da EONS tenha concluído que a especialização em Enfermagem Oncológica tem vantagens clínicas e até económicas.
A população europeia está em constante envelhe cimento, o que contribui para o aumento da incidên cia de cancro, que já é a segunda causa de morte na Europa e em Portugal. Por isso, “é importante haver uma task force que cuide destes doentes, incluindo enfermeiros, médicos, psicólogos e outros profissionais de saúde que intervêm na avaliação, no tratamento e na monitorização dos doentes oncológicos ao longo da vida”, defende Cristina Lacerda.
Contexto nacional
O panorama da Enfermagem Oncológica em Portugal será analisado na sessão por Sérgio Gomes, enfermeiro diretor do IPO de Lisboa. Esta especialidade ainda não existe no nosso país, mas o preletor considera que “pode vir a ser estabelecida para acrescentar valor à Saúde”. Nesse sentido, será necessário “construir uma matriz que ajude a compreender onde esta especialidade atua e como pode acrescentar valor aos cuidados de saúde”.
Em Portugal, a especialização em Enfermagem Oncológica “tenderá a evoluir como já aconteceu noutras áreas, o que também resultará do interesse dos profissionais”, ressalva Sérgio Gomes. Neste mo mento, “o essencial é manter as boas práticas, com
qualidade e segurança, apostar na organização eficaz dos cuidados e reforçar as equipas de Enfermagem”. No fundo, “manter o que já existe de bom e aprimorar o que possa ser melhorado”.
Relativamente às boas práticas na prestação dos cuidados de saúde, “também importam a vertente relacional, o sentimento de pertença, o estímulo à inovação, o compromisso e a partilha”. Para isso, há que “dotar os serviços de saúde com os recursos necessá rios ao desenvolvimento profissional dos enfermeiros”, considera Sérgio Gomes.
A dimensão relacional assume um destaque par ticular nos cuidados oncológicos, porque “possibilita uma abordagem próxima dos doentes, ajudando-os a lidar com as circunstâncias difíceis da doença”. Por estarem sujeitos a patologias e tratamentos particular mente complexos, “os doentes oncológicos precisam de orientação e respostas às suas dúvidas e anseios, sendo os enfermeiros os profissionais com quem podem estabelecer esse elo de proximidade, que também é terapêutico”, remata o enfermeiro diretor do IPO de Lisboa.
SABIA QUE…
…dos 26 países da União Europeia (UE), 16 econhecem a Enfermagem Oncológica como especialidade?
Neste contexto, a European Oncology Nursing Society (EONS) tem vindo a desenvolver um trabalho de sensibilização junto da UE. “O objetivo é avaliar a hipótese de estabelecer a especialidade de Enfermagem Oncológica em todos os países europeus, porque nenhum doente deve ter piores cuidados de saúde oncológicos pelo facto de se ter deslocado do seu país”, explica Maria Cristina Lacerda, que pertenceu à direção da EONS entre 2013 e 2019.
PRÉMIOS DE HEMATOLOGIA E ENFERMAGEM
A Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH) atribui anualmente prémios aos trabalhos que contribuam para o avanço da investigação em Hematologia. Os trabalhos vencedores serão conhecidos no sábado, na sessão de encerramento, pelas 13h00 para os hematologistas e pelas 12h30 para os enfermeiros. Eis as categorias e valores:
Apresentação oral* 1.º prémio: €1500 2.º prémio: €1000
Póster de trabalho experimental 1.º prémio: €1000 2.º prémio: €750
Póster de trabalho clínico 1.º prémio: €1000 2.º prémio: €750
Prémio Jovem Hematologista* €1250
Apresentação oral de Enfermagem* 1.º prémio: €600
Póster de Enfermagem* 1.º prémio: €400 2.º prémio: €250
*Prémios patrocinados pela Pharma Kern