Sentenças aditivas e omissões constitucionais

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Augusto Corrêa de Sousa* SENTENÇAS ADITIVAS E OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS ADDitivE SEntEnCES AnD UnConStitUtionAl omiSSionS SEntEnCiAS ADitivAS y omiSionES inConStitUCionAlES

Resumo: O presente trabalho visa a uma abordagem do problema das omissões inconstitucionais no Brasil e ao uso das sentenças aditivas para solucioná-las. Para tanto, far-se-á uma breve explanação sobre a omissão inconstitucional e suas modalidades, com destaque para as espécies que viabilizam o combate por meio das sentenças aditivas. Em seguida, tecer-se-ão comentários sobre o instrumento jurídico hábil em sede de controle concentrado de constitucionalidade para a utilização dessa modalidade de decisão judicial. Adiante, será dado o conceito de sentença aditiva, discorrendo-se sobre suas características, vantagens, óbices e importância. Por fim, analisar-se-á, brevemente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal após a promulgação da Constituição de 1988 sobre o tema em comento. Abstract: This work is aimed at addressing the problem of an unconstitutional omissions in Brazil sentences and the use of additives to resolve them. For both, will be a brief explanation about the omission unconstitutional and its modalities, with emphasis on the kind which enables the fight by means of judgments addictive. Then it will make comments on the legal instrument skilled in the concentrated control of constitutionality to use this modality of judgement. Ahead, will be given the concept of judgement additive, is talking about its features, benefits, obstacles and importance. Finally, it will examine, briefly, the jurisprudence of the Supreme Federal Court after the promulgation of the 1988 Constitution on the subject in comment. * Especialista em Direito Constitucional pela UFG. Assessor da 57ª Promotoria de Justiça de Goiânia.

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Resumen: El presente trabajo pretende abordar el problema de la omisión inconstitucional en Brasil y el uso de frases de aditivos para resolverlos. Con este fin, se explicará brevemente la omisión inconstitucional y sus modalidades, especialmente las especies que permiten el combate a través de las sentencias aditivas. A continuación, se hacen comentarios sobre el instrumento jurídico experto en la sede del control concentrado de constitucionalidad a utilizar este tipo de decisión judicial. Adelante, se le dará el concepto de la pena de aditivos, hablando sobre sus características, ventajas, obstáculos e importancia. Por último, se analizará brevemente la jurisprudencia de la Corte Suprema de Justicia después de la promulgación de la Constitución de 1988 sobre el tema. Palavras-chaves: Ação direta de inconstitucionalidade por omissão, mandado de injunção, princípio da igualdade, interpretação conforme à Constituição, “legislador negativo”. Keywords: Direct action of unconstitutionality by omission, writ of injunction, equal protection doctrine, in agreement interpretation, “legislating negative”. Palabras clave: Acción directa de inconstitucionalidad por omisión, requerimiento judicial, principio de la igualdad, interpretación conforme con la Constitución, “legislador negativo”. INTrODUÇãO o presente trabalho tratará do uso das sentenças aditivas pelo Supremo tribunal Federal após a Constituição Federal de 1988, instrumento já um tanto quanto antigo na itália e na Espanha, mas de abordagem bastante recente no Brasil. 376


Para tanto, verificar-se-á as situações de cabimento e os instrumentos adequados para a utilização dessa modalidade decisória, bem como a importância das sentenças aditivas para solucionar casos de omissão inconstitucional. outrossim, imprescindível deixar claro que o fundamento de validade das sentenças aditivas está no princípio constitucional da igualdade, sendo a técnica decisória utilizada a interpretação conforme à Constituição. Ademais, imperioso frisar que as sentenças aditivas não violam o princípio da separação dos Poderes, eis que não vulneram o dogma da função de legislador negativo das Cortes Constitucionais. Para alcançar o objetivo deste artigo, abordar-se-á, no capítulo 1, o conceito e as modalidades de omissões inconstitucionais, bem como quais espécies de omissão ensejam o manejo das sentenças aditivas. no capítulo 2, será proposto qual o instrumento eficaz para a utilização das sentenças aditivas em sede de controle concentrado de constitucionalidade. De seu turno, o capítulo 3 versará sobre o conceito e a importância das sentenças aditivas. Por fim, no capítulo 4 far-se-á uma breve análise da jurisprudência do Supremo tribunal Federal acerca das sentenças aditivas. omiSSão inConStitUCionAl A Constituição de 1988, por ser analítica e possuir várias normas de natureza programática, é um campo fértil para o surgimento de omissões inconstitucionais, que desafiam tratamento jurídico e não apenas político (RotHEnBURG, 2010, p. 77). Antes de mais nada é preciso deixar claro que não é todo e qualquer não fazer do legislador que gera omissão inconstitucional, mas somente os “casos em que a lei maior impõe ao órgão legislativo o dever de editar norma reguladora da atuação de determinado preceito constitucional”, a exemplo dos comandos insertos nos artigos 5º, XXvi, 7º, Xi, e 201, § 11, da Constituição da República (BARRoSo, 2009, p. 158). Sobre o tema, Bernardes (2004, p. 14-15) leciona:

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na linha de CAnotilHo, cabe sustentar que, inclusive no Brasil, a mora quanto à implementação de “normas-fim ou normas-tarefa” abstratamente impositivas não dá ensejo ao surgimento de omissão jurídico-constitucional. É diferente dizer que há omissão inconstitucional quando o legislador não adota medidas legislativas necessárias para executar preceitos constitucionais que estabelecem obrigações permanentes e concretas (como atualizar o salário mínimo, organizar serviços de segurança social, garantir ensino básico universal, obrigatório e gratuito), do que quando a lei não cumpre “normas-fim e normas-tarefa que, de forma permanente mas abstrata, impõem a prossecução de certos objetivos.” o não-atendimento dos fins e objetivos da constituição, embora possa igualmente ser considerado inconstitucional, não é juridicamente controlável. A concretização dessas “normas-fim” ou “normas-tarefa”, como bem expõe CAnotilHo, “depende essencialmente da luta política e dos instrumentos democráticos”.

Além do mais, é preciso ter em conta o fator tempo para aferição da inconstitucionalidade por omissão. É intuitivo perceber que sem o transcorrer de determinado tempo entre a publicação da norma constitucional e a propositura da ação não há se falar em omissão inconstitucional. Aliás, o Supremo tribunal Federal elenca como pressuposto da declaração da inconstitucionalidade por omissão a superação de prazo razoável para elaboração de ato normativo tendente a garantir efetividade à Constituição da República (BRASil, 1994). Recentemente, o Pretório Excelso, em decisão monocrática do ministro Celso de mello no mi 715/DF (BRASil, 2005), negou provimento a mandado de injunção justamente em razão da ausência de inertia deliberandi, não caracterizando, bem por isso, omissão inconstitucional. A questão girava em torno da celeridade processual prevista no art. 5º, lXXviii, da Constituição da República, inserido pela EC 45/04. no caso anteriormente mencionado, não se está diante de uma omissão legislativa inconstitucional, mas se trata de uma situação constitucional imperfeita. Somente após passado tempo considerado razoável é que se poderá falar em omissão inconstitucional. Há, todavia, situações diferenciadas, em que é possível 378


constatar uma mora qualificada na omissão do legislador. In casu, vale citar o caso do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), que a despeito do comando inserto no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais transitórias (“o Congresso nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”) foi editado quase dois anos após a promulgação da Constituição, que data de 5 de outubro de 1988. Conforme se verá adiante, para o correto manejo das sentenças aditivas é preciso uma ação incompleta do legislador, a qual viole o princípio da igualdade. Bem por isso, somente as omissões materiais (parciais e relativas) ensejam correção por sentença aditiva. CONTrOlE CONCENTrADO DE CONSTITUCIONAlIDADE E OMISSãO lEgISlATIVA A Constituição Federal de 1988, influenciada pelo art. 283 da lei Fundamental portuguesa (AlmEiDA FilHo, 2001, p. 116), não foi generosa ao tratar sobre a omissão legislativa, dedicando apenas dois dispositivos para tratar do assunto, o art. 5º, lXXi, e o art. 103, § 2º. nesse passo, a nossa lei Fundamental previu, expressamente, somente o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão como instrumentos de combate à omissão inconstitucional. todavia, Bernardes (2004, p. 12) aponta que a partir da regulamentação do art. 102, § 1º, da Constituição da República, pela lei Federal 9.882, de 3 de dezembro de 1999, pode-se incluir nesse rol de remédios judiciais de combate à omissão a arguição de descumprimento de preceito fundamental em sua modalidade autônoma (art. 1º, caput, da lei 9.882/99), entendimento compartilhado por tavares (2008, p. 386, 395-397), especialmente face ao julgamento da ADPF-mC 4/DF pelo Supremo tribunal Federal (BRASil, 2006). Ademais disso, frise-se que o descaso regulatório acerca do controle judicial das omissões legislativas é sintomático, eis que o constituinte originário foi detalhista quanto à sanção e ao veto, 379


minudenciando inclusive prazos no art. 66 da Constituição, mas descurou-se da regulamentação sobre a discussão e a votação de projetos de lei, com a ressalva do prazo estipulado no art. 64, § 2º. É de se lamentar que a lei Federal 9.868, de 10 de novembro de 1999, que “dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo tribunal Federal” não tenha dedicado um dispositivo sequer à ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Registre-se que somente 10 (dez) anos após a lei 9.868 adveio a lei 12.063, de 27 de outubro de 2009, a qual incluiu os arts. 12-A a 12-H à primeira, versando sobre admissibilidade, procedimento, medida cautelar e decisão em Ação Direta de inconstitucionalidade por omissão. Porém, o ponto nevrálgico da ADo – ausência de efetividade das decisões do Supremo tribunal Federal – permanece intato, pelo menos até que venha uma Emenda à Constituição apta a alterar a decisão de mera ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias, prevista no art. 103, § 2º. Sobreleva notar que, ao contrário do que possa parecer, desde o julgamento do mi 107/DF o Supremo tribunal Federal tem conferido efeitos erga omnes às decisões proferidas em mandados de injunção (BRASil, 1990), razão porque esse remédio constitucional, cujo manejo se imaginou inicialmente se dar somente em sede de controle difuso de constitucionalidade, tornou-se meio hábil para controle concentrado das omissões inconstitucionais. todavia, assim como consolidado nos julgamentos de ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, as decisões em mandados de injunção também ensejaram somente a notificação do Poder em mora, não conferindo ao instituto grande relevo para fins de efetividade da Constituição, consagrando-se no Supremo tribunal Federal a teoria da subsidiariedade (mAZZEi, 2009, p. 223-224). Em que pese essa construção pretoriana, desde o advento da decisão proferida no citado leading case, o Supremo tribunal Federal vem modificando o entendimento acerca das decisões proferidas em sede de controle das omissões legislativas, notadamente na via do mandado de injunção. 380


mendes (2008, p. 17) traz um histórico a respeito dessa evolução que se afigura pertinente citar: Após o mandado de injunção n. 107, “leading case” na matéria relativa à omissão, a Corte passou a promover alterações significativas no instituto do mandado de injunção, conferindo-lhe, por conseguinte, conformação mais ampla do que a até então admitida. no mandado de injunção n. 283, o tribunal, pela primeira vez, estipulou prazo para que fosse colmatada a lacuna relativa à mora legislativa, sob pena de assegurar ao prejudicado a satisfação dos direitos negligenciados. no mandado de injunção n. 232, o tribunal reconheceu que, passados seis meses sem que o Congresso nacional editasse a lei referida no art. 195, § 7º, da Constituição Federal, o requerente passaria a gozar a imunidade requerida. Percebe-se que, sem assumir compromisso com o exercício de uma típica função legislativa, o Supremo tribunal Federal afastou-se da orientação inicialmente perfilhada, no que diz respeito ao mandado de injunção. As decisões proferidas nos mandados de injunção n. 283 (Rel. Sepúlveda Pertence) e n. 232 (Rel. moreira Alves) e, ainda, no mi n. 284 (Rel. Celso de mello) sinalizaram para uma nova compreensão do instituto e a admissão de uma solução “normativa” para a decisão judicial.

Prosseguindo sobre a evolução do posicionamento do Supremo tribunal Federal em julgamentos de mandados de injunção, anota mendes (2008, p. 18-19): no caso do direito de greve dos servidores públicos, afiguravase inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos (CF, art. 9º, caput, c/c o art. 37, vii), de um lado, e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua (CF, art. 9º, § 1º), de outro. Evidentemente, não se outorga ao legislador qualquer poder discricionário quanto à edição ou não da lei disciplinadora do direito de greve. o legislador poderá adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos restritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderá deixar de reconhecer o direito previamente definido na Constituição.

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identifica-se, pois, no caso, a necessidade de uma solução obrigatória da perspectiva constitucional, uma vez que ao legislador não é dado escolher se concede ou não o direito de greve, podendo tão-somente dispor sobre a adequada configuração da sua disciplina. Em 25 de outubro de 2007, o tribunal, por maioria, conheceu dos mandados de injunção ns. 670 e 708 e, reconhecendo o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos, de um lado, com o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua, de outro, bem assim, tendo em conta que ao legislador não é dado escolher se concede ou não o direito de greve, podendo tão-somente dispor sobre a adequada configuração da sua disciplina, reconheceu a necessidade de uma solução obrigatória da perspectiva constitucional e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação, no que couber, da lei 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada. Assim, o tribunal, afastando-se da orientação inicialmente perfilhada no sentido de estar limitada à declaração da existência da omissão legislativa para a edição de norma regulamentadora específica, passou, sem assumir compromisso com o exercício de uma típica função legislativa, a aceitar a possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário. O Tribunal adotou, portanto, uma moderada sentença de perfil aditivo, introduzindo modificação substancial na técnica de decisão do mandado de injunção. (negritou-se)

Ainda neste trabalho, abordar-se-á brevemente essa já célebre “virada de jurisprudência” do Supremo tribunal Federal, especialmente quanto a essa “moderada sentença de perfil aditivo”. Por oportuno, vale registrar que, assim como a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o mandado de injunção contempla somente o controle das omissões formais e/ou totais, eis que se exige a falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício de direito subjetivo do impetrante, conforme recentemente anotou o Pretório Excelso (BRASil, 2008a). Sobre o manejo da arguição de descumprimento de preceito fundamental para combater as omissões inconstitucionais, vale notar que, em razão da peculiaridade desse novo instrumento 382


de controle de constitucionalidade, seria preciso um outro trabalho para abordar de maneira percuciente essa possibilidade. Contudo, registre-se que a doutrina (v.g. BERnARDES, 2004, p. 12 e tAvARES, 2008, p. 386, 395-397) tem sinalizado pelo cabimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental para o controle das omissões legislativas, especialmente após o julgamento pelo StF da medida cautelar na ADPF 4/DF, em que a Corte, em apertada maioria (6 x 5) admitiu o uso da ADPF para questionar a medida Provisória 2.019-1, de 20 de abril de 2000, em face do art. 7º, iv, da lei Fundamental (BRASil, 2006). note-se que nem todas as omissões inconstitucionais são sindicáveis por ADo, ADPF ou por mandado de injunção, sendo que esses remédios visam ao controle das omissões formais e/ou totais, que proveem de uma inércia absoluta do Poder legislativo. Por outro lado, as omissões parciais e relativas (hipóteses de cabimento das sentenças aditivas) advêm justamente de uma ação do legislador, que edita ato normativo tendente a concretizar norma constitucional e o faz de forma incompleta, excluindo determinados grupos ou situações, ou emana lei que viola o princípio da igualdade, incidindo ambos os casos em inconstitucionalidade por ação. observe-se que, nesse caso, sendo a inconstitucionalidade por ação, não há se falar em controle do ato normativo defeituoso por meio de ação direta de inconstitucionalidade por omissão ou mandado de injunção, mas sim através de ação direta de inconstitucionalidade genérica. Bem por isso, o instrumento de controle concentrado de constitucionalidade adequado para veicular uma sentença aditiva é a ação direta de inconstitucionalidade genérica. Registre-se que, para Bernardes (2004, p. 37-38), as sentenças aditivas incidem somente em casos de omissões relativas, não alcançando as omissões parciais, argumentando que aquelas, por não dizerem respeito à inobservância de alguma norma constitucional sem aplicabilidade direta, estão a contrario sensu do §2º do art. 103 da CF/88 excluídas do âmbito de cabimento dos instrumentos de controle da constitucionalidade omissiva. Essa conclusão, portanto, restringe à fiscalização

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comissiva o problema dos fundamentos da fiscalização das omissões relativas. [...] Então, sabendo que o parâmetro de controle das omissões relativas é formado por normas constitucionais auto-aplicáveis, defende-se o seguinte. Uma vez decretada a incompatibilidade constitucional do preceito que promove discriminação arbitrária, a defeituosa “vontade negativa” contida na disciplina incompleta seria reparada pela aplicação da própria norma constitucional violada, a qual, por possuir eficácia plena, não necessita de interpositio legislatoris para ser imediatamente aplicada.

ousa-se discordar do posicionamento do mencionado professor da Universidade Federal de Goiás por que nada impede que o legislador, ao editar norma visando a regulamentação de um determinado dispositivo constitucional de eficácia limitada, o faça de maneira incompleta, gerando uma omissão parcial, que por sua vez ensejará o manejo de sentença aditiva para extirpar a inconstitucionalidade, tendo como fundamento o princípio da igualdade, amplamente espalhado na Constituição de 1988. A título de exemplo, basta imaginar que o Congresso nacional, ao editar a lei reclamada pelo art. 37, vii, da Carta magna, o faça garantindo o direito de greve somente aos servidores públicos com mais de 3 (três) anos de ingresso na Administração. Considerando que a norma constitucional acima mencionada é de eficácia limitada (BRASil, 1996), a omissão quanto ao direito de greve dos servidores em estágio probatório é do tipo parcial, estando a inconstitucionalidade do texto exatamente na parte em que não prevê o citado direito aos servidores que ainda não cumpriram o disposto no art. 41, caput, da Constituição, ou mesmo na previsão da exceção ou condição para o exercício do direito de greve. In casu, nada impede que a omissão parcial seja colmatada mediante sentença aditiva, fundada no princípio da isonomia, capitulado no art. 5º, caput, da Constituição, eis que não sendo a omissão legislativa total ou formal, não se afigura possível combatê-la mediante a propositura das clássicas ações de controle concentrado das omissões inconstitucionais (BRASil, 1995).

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SEntEnçAS ADitivAS De acordo com Sampaio (2002, p. 208), a sentença aditiva é uma espécie do gênero sentenças normativas, sendo que estas são pronunciamentos judiciais que importam a criação de norma jurídica de caráter geral e vinculante. São elas: (a) as sentenças interpretativas ou de interpretação conforme a Constituição, (b) as aditivas, (c) as aditivas de princípio e (d) as substitutivas.

Canotilho (2000, p. 990) afirma que a sentença normativa: (1) alarga o âmbito normativo de um preceito, declarando inconstitucional a disposição na "parte em que não prevê", contempla uma "exceção" ou impõe uma "condição" a certas situações que deveria prever (sentenças aditivas); (2) declara a inconstitucionalidade de uma norma na parte ou nos limites em que contém uma prescrição em vez de outra ou profere uma decisão que implica a "substituição" de disciplina jurídica contida no preceito julgado inconstitucional (sentença substitutiva).

nobre Júnior (2006, p. 121) conceitua as sentenças aditivas: Essas são consideradas as decisões que, num questionamento sobre a constitucionalidade de ato normativo, acolhe a impugnação, sem invalidá-lo. Em vez de aportar-se na drástica eliminação da norma jurídica, esta é mantida com o adicionamento ao seu conteúdo de uma regulação que faltava para lastrear a concordância daquela à Constituição. nessas decisões, a estrutura literal da norma combatida se mantém inalterada, mas o órgão de jurisdição constitucional, criativamente, acrescenta àquela componente normativo, vital para que seja preservada sua conciliação com a lei Fundamental.

Em suma, “a sentença aditiva não é senão uma maneira de salvar, ao menos parcialmente, a decisão tomada pelo legislador” (BERnARDES, 2004, p. 43). Assim, nas sentenças aditivas o foco da fiscalização da 385


inconstitucionalidade recai não naquilo que a norma prescreve, mas, contrariamente, naquilo que deixa de prever (noBRE JÚnioR, 2006, p. 121). É justamente em razão dessa característica essencial que se afirma que as sentenças aditivas só podem ser manejadas em casos de omissões relativas e parciais, por meio de ação direta de inconstitucionalidade genérica, lembrando-se que as omissões formais e/ou totais são sindicáveis por ação direta de inconstitucionalidade por omissão e/ou mandado de injunção (BRASil, 2008a). Para uma melhor compreensão acerca das sentenças aditivas, três temas precisam necessariamente ser abordados, quais sejam: o dogma da função de legislador negativo da Corte Constitucional, o princípio da igualdade e a interpretação conforme à Constituição. A função de legislador negativo incumbida à Corte Constitucional deita raízes em Kelsen (noBRE JÚnioR, 2006, p. 112). De acordo com esse princípio, o tribunal Constitucional não poderia ir além da declaração de nulidade da norma. “isso porque ainda vigora concepção que impede a atribuição de qualquer 'efeito aditivo' aos atos normativos questionados em juízo, nem mesmo a pretexto de corrigir claras distorções que neles se possam verificar” (BERnARDES, 2004, p. 40). Aliás, o Supremo tribunal Federal (BRASil, 1994b), em caso paradigmático, assentou: [...] o StF Como lEGiSlADoR nEGAtivo: A ação direta de inconstitucionalidade não pode ser utilizada com o objetivo de transformar o Supremo tribunal Federal, indevidamente, em legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da instituição parlamentar. não se revela lícito pretender, em sede de controle normativo abstrato, que o Supremo tribunal Federal, a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda à virtual criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o próprio legislador.

no ponto, importante frisar a clara diferença entre sentença 386


aditiva e ato legislativo, não havendo afronta à função típica do legislativo por parte do Poder Judiciário. outro não é o entendimento de nobre Júnior (2006, p. 130): Com efeito, entre a atividade legislativa e a adição, oriunda do manuseio da exegese em harmonia com a Constituição, há um límpido e inegável ponto de distanciamento: é que, ao contrário do que acontece com o legislador, não se tem a elaboração de uma norma jurídica, com a discrição àquele peculiar, mas tãosó o complemento da existente, a partir de solução constante do sistema jurídico, cuja descoberta se deve ao labor do intérprete. Há, sem margem de dúvida, atividade de criação jurídica, sem embargo de inexistir típica ação legislativa. [...] [...] o Judiciário não fixa o parâmetro, não é o legislador positivo, apenas determina a observância do parâmetro fixado pelo legislador a todos aqueles que estão em idêntica situação, ou em situação a exigir o mesmo tratamento, por força de imposição constitucional.

Ademais, a “vedação” da função criadora do juiz remonta à Revolução Francesa e aos escritos de montesquieu, para quem o juiz era a “boca da lei” (noBRE JÚnioR, 2006, p. 113). todavia, não se nega, à evidência, que a atividade criadora dos magistrados é imprescindível para a evolução do direito. Sem delongar no tratamento de ponto brilhantemente defendido por nobre Júnior (2006, p. 117), que após confrontar o pensamento de Schmitt, que era fervorosamente contra a jurisdição constitucional, com o de lafuente Belle, o qual defendia a atividade criativa do juiz, assim resume o tema: Depreende-se, pois, não mais ser contestável o apanágio do juiz em levar a cabo renovação do sistema jurídico, seja pela natural falibilidade do legislador em disciplinar todas as relações da cada vez mais complexa vida gregária, seja pela singularidade de que o texto legal deva ser interpretado em atenção às transformadoras reações ocorridas no meio social. Além disso, a longa exposição de opiniões doutrinárias nos leva a considerar como irrecusável que, versando a Constituição uma disciplina não individualizada ou detalhada, mas que, ao contrário, caracteriza-se por cláusulas gerais e conceitos

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de valor, não se pode negar ao seu intérprete a imensa faculdade de tomar decisões com certa autonomia. isso se dá principalmente no âmbito dos direitos fundamentais, no qual a menção a expressões como igualdade, dignidade da pessoa humana, construção de uma sociedade livre, justa e solidária fornece elementos que, durante o esforço exegético para sua concreção, permitem uma pluralidade de deliberações.

imperioso ressaltar que a atividade criadora dos juízes se faz sentir especialmente por meio da jurisprudência. note-se que a resolução de demandas mediante a simples aplicação de enunciados da súmula da jurisprudência dos tribunais Superiores é bastante usual no Brasil, sendo esses entendimentos pretorianos os que uniformizam a exegese de leis pelo Poder Judiciário, o que sem sombra de dúvida favorece a segurança jurídica. Por outro lado, a discussão acerca da vedação da atividade criativa do juiz, especialmente no pertinente ao Supremo tribunal Federal, esvaziou-se substancialmente, mormente após a Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004, que incluiu na lei Fundamental o art. 103-A (já devidamente regulamentado pela lei 11.417, de 19 de dezembro de 2006), o qual traz a previsão de edição de súmulas vinculantes pelo Pretório Excelso. Como se sabe, as súmulas vinculantes têm eficácia imediata e efeito vinculante (com perdão pelo truísmo) em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, o que as torna, na prática, tão fortes quanto um ato normativo editado pelo Poder legislativo. nesse passo, é tranquilo afirmar que a atividade criadora do juiz, no que tange ao Supremo tribunal Federal, não só é possível no Brasil, como uma vertente de sua permissão adquiriu status constitucional por meio das súmulas vinculantes. Sobre o princípio da igualdade, tem-se que “a sua inserção no plano jurídico pode ser indicada como coincidente com o constitucionalismo, movimento que servira de estuque ao surgimento do Estado liberal de direito” (noBRE JÚnioR, 2006, p. 117). Como se sabe, “o postulado coexiste com o da proporcionalidade, sendo de notar que o tratamento igualitário somente é 388


admissível à medida que guarde correspondência com a situação diferenciadora que a respalde” (noBRE JÚnioR, 2006, p. 118). no ponto, imperioso ressaltar que o princípio da igualdade vincula tanto o legislador quanto os aplicadores da lei, o que ressai da obrigatoriedade de todo ato normativo respeitar a Constituição. Assim, nobre Júnior (2006, p. 119) ressalta que, [...] com o propósito de verificar o enquadramento do legislador nas balizas igualitárias, algumas situações, merecendo realce a inerente à omissão legislativa parcial – v.g., quando uma norma confere determinado direito a certas pessoas, silenciando em estendê-los a outras pessoas em posições assemelhadas –, em que se mostra que a recomposição do tratamento igualitário não está em se impedir a concretização jurídica já obtida, mas, ao revés, em procurar obter, por meio da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, o suprimento desta.

É exatamente em razão dessa espécie de violação ao princípio da igualdade, ocasião em que o legislador edita uma lei incompleta, omissa, que surge a pertinência da utilização das sentenças aditivas para adequar à lei Fundamental um ato normativo inicialmente inconstitucional. no que toca à interpretação conforme à Constituição, imperioso se calcar na lapidar lição de mendes (1996, p. 221-222), que, analisando a jurisprudência do tribunal Constitucional alemão, traz: Uma outra importante modalidade de decisão do Bundesverfassungsgericht é a interpretação conforme à Constituição, na qual o tribunal declara qual das possíveis interpretações se revela compatível com a lei Fundamental. A despeito da falta de uma disciplina legal, essa forma de decisão adquiriu peculiar significado na jurisprudência do tribunal graças à sua flexibilidade, que permite uma renúncia ao formalismo jurídico em nome da idéia de justiça material e da segurança jurídica. oportunidade para a interpretação conforme à Constituição existe sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição.

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Essa técnica de decisão judicial permite ao juiz um efeito integrador, ao invés de limitar-se à declaração da nulidade. É justamente do efeito integrativo proveniente da interpretação conforme à Constituição que advém as sentenças aditivas (noBRE JÚnioR, 2006, p. 121). Assim, para a correta utilização das sentenças aditivas, em sede de controle concentrado de constitucionalidade pelo Supremo tribunal Federal, são necessários os seguintes requisitos: a) edição de lei ou ato normativo federal ou estadual incompleto, que viole o princípio da igualdade, seja por não conceder benefício a pessoas ou situações em condições análogas às contempladas pela norma, seja por prever exceção ou condição não exigidas de pessoas ou situações em casos semelhantes; b) propositura de ação direta de inconstitucionalidade genérica por um dos legitimados do art. 103 da Constituição, eis que a omissão legislativa provocada pela lei ou ato normativo incompleto é do tipo parcial ou relativa; c) utilização da interpretação conforme à Constituição, aqui entendida como técnica de controle de constitucionalidade, para, acolhendo o pedido, acrescentar à lei a norma faltante, de modo a compatibilizá-la com o princípio constitucional da igualdade, ao invés de se anular o ato normativo questionado. Com o intuito único de demonstrar a importância e a inegável utilidade das sentenças aditivas para a solução de omissões inconstitucionais, convém trazer à lume alguns precedentes paradigmáticos de Cortes Constitucionais europeias. A Corte Constitucional da itália, por meio da Sentenza 190, de 16.12.1970, solucionou controvérsia relativa ao Código de Processo Penal, que não previa a presença de advogado no interrogatório do acusado, mas tão somente do ministério Público, apesar de garantir ao defensor o direito de assistir perícias e exames domiciliares (noBRE JÚnioR, 2006, p. 122). no julgamento desse caso, a Corte Constitucional italiana deu vazão à paridade de armas no âmbito do processo penal, que nada mais é do que um corolário do princípio da igualdade. na Espanha, a questão girou em torno de recebimento de pensão por parte do cônjuge varão, porquanto a lei Geral de Seguridade Social exigia que o viúvo, à época do falecimento da 390


esposa, se encontrasse incapacitado para o trabalho, condição não exigida para as mulheres. Assim, através da Sentencia 103, de 22.11.1983: o tribunal Constitucional reputou a existência de discriminação injustificada e, portanto, ofensiva ao princípio da igualdade que o direito dos viúvos à pensão sofra maiores limitações do que o das viúvas, assegurando àqueles o gozo de tal prestação nas mesmas condições. (noBRE JÚnioR, 2006, p. 123)

Ainda, na Espanha, vale registrar a decisão proferida na Sentencia 222, de 11.12.1992, a qual, diante da inconstitucionalidade da lei de Arrendamentos Urbanos, que, ao prever a sub-rogação em favor do cônjuge, não contemplava as uniões concubinárias, mas tão-só as matrimoniais. Em consequência, reconheceu-se a inconstitucionalidade, com a adição da sub-rogação em prol do sobrevivente que resultasse de união diversa do matrimônio civil. (noBRE JÚnioR, 2006, p. 123)

Por fim, em Portugal, vale registrar o julgamento do tribunal Constitucional no Acórdão n. 545/99, conforme relatado por nobre Júnior (2006, p. 123-124): o litígio decorreu de recurso interposto de decisão do Supremo tribunal Administrativo, ao ratificar a improcedência de pleito individual que considerou, para fins da subvenção mensal devida aos titulares de cargos políticos, apenas o período de exercício do recorrente de 11 anos, desconsiderando, assim, o tempo em que este desempenhara o múnus de Secretário Adjunto do Governo de macau. o motivo para tanto estava em que tal cargo não fora objeto de menção pelo art. 24, n. 1º, da lei 4/85. Com estuque na igualdade na lei, o tribunal julgou inconstitucional referido preceito enquanto não considerara, para contagem do respectivo tempo de serviço, o exercício das funções de Secretário Adjunto do Governo de macau, reformulando-se a decisão recorrida, com o deferimento do pedido.

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Como se vê dos julgamentos anteriormente referidos, temas da mais alta importância para a sociedade foram resolvidos pelas Cortes Constitucionais da itália, Espanha e Portugal, tais como paridade de armas no processo penal, igualdade entre os sexos, isonomia entre entidades familiares e proibição de distinção entre servidores públicos. Bem por isso, nada impede, aliás, tudo justifica, com fulcro na experiência dos países ibéricos e da itália, que o manejo das sentenças aditivas possa ganhar especial destaque no Brasil, ao passo que estas poderiam solucionar questões de grande relevo para a população. JURiSPRUDênCiA Do SUPREmo tRiBUnAl FEDERAl: BREvES ConSiDERAçõES Apesar de fortes vozes em contrário (mEnDES, 1996, p. 291), o Supremo tribunal Federal vem utilizando, timidamente, e ao que tudo indica, inadvertidamente também, as sentenças aditivas. Bernardes (2004, p. 45-48) cita alguns casos, dentre os quais destaca-se a ADi 2652/DF: Ação DiREtA DE inConStitUCionAliDADE. imPUGnAção Ao PARÁGRAFo ÚniCo Do ARtiGo 14 Do CÓDiGo DE PRoCESSo Civil, nA REDAção DADA PElA lEi 10358/2001. PRoCEDênCiA Do PEDiDo. 1. impugnação ao parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil, na parte em que ressalva "os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da oAB" da imposição de multa por obstrução à Justiça. Discriminação em relação aos advogados vinculados a entes estatais, que estão submetidos a regime estatutário próprio da entidade. violação ao princípio da isonomia e ao da inviolabilidade no exercício da profissão. interpretação adequada, para afastar o injustificado discrímen. 2. Ação Direta de inconstitucionalidade julgada procedente para, sem redução de texto, dar interpretação ao parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil conforme a Constituição Federal e declarar que a ressalva contida na parte inicial desse

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artigo alcança todos os advogados, com esse título atuando em juízo, independentemente de estarem sujeitos também a outros regimes jurídicos. (BRASil, 2003)

o preceito impugnado foi o art. 14, parágrafo único, do Código de Processo Civil, na redação dada pela lei 10.358, de 27 de dezembro de 2001, especificamente a parte “ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da oAB”. A impugnação formulada na ADi recaiu exatamente sobre a acepção restritiva, segundo a qual somente os advogados de particulares estariam excluídos das penalidades do mencionado dispositivo, as quais alcançariam os advogados públicos, que se sujeitariam à lei 8.906/94 e aos respectivos estatutos dos servidores públicos. no caso vertente, o Supremo tribunal Federal, utilizando como paradigma o princípio da isonomia, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado na inicial da ação direta de inconstitucionalidade genérica para emprestar à expressão “ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da oAB”, contida no citado dispositivo do CPC, interpretação conforme à Constituição, de modo a abranger os advogados do setor privado e do setor público. veja-se que na ADi 2.652/DF o Supremo tribunal Federal solucionou a omissão inconstitucional relativa contida no art. 14, parágrafo único, do CPC, nos moldes defendidos neste artigo, utilizando-se como norma paramétrica o princípio da igualdade, valendo-se da interpretação conforme à Constituição para se chegar a uma solução aditiva ao texto normativo, tudo por meio de ação direta de inconstitucionalidade genérica. Por outro lado, recentemente, o Supremo tribunal Federal afastou-se do rigor técnico demonstrado na ADi 2.652/DF, uma vez que, ao julgar três mandados de injunção envolvendo direito de greve de servidores públicos civis, atuou claramente como legislador positivo. o ministro Gilmar mendes, em voto proferido no mi 708/DF (BRASil, 2008b), faz um breve histórico da jurisprudência do Supremo tribunal Federal em mandados de injunção e concluiu, a partir do decidido nos mmii 283, 284, 232, 562, 543 393


e 679, que a Corte “aceitou a possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário, uma espécie de sentença aditiva, se se utilizar a denominação do direito italiano”. Adiante, Gilmar mendes crava: nesse quadro, não vejo mais como justificar a inércia legislativa e a inoperância das decisões desta Corte. Comungo das preocupações quanto à não assunção pelo tribunal de uma protagonismo legislativo. Entretanto, parece-me que a nãoatuação no presente momento já se configuraria quase como uma espécie de “omissão judicial”.

Por fim, apesar de o mandado de injunção ser uma ação de natureza subjetiva, o tribunal, por maioria, nos termos do voto do Relator ministro Gilmar mendes, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da lei 7.783/89, no que couber, atribuindo eficácia erga omnes à decisão. Entre os ministros que votaram vencidos, destaca-se o voto-vista de Ricardo lewandowski, para quem: De fato, embora sedutora a ideia segundo a qual seria possível e desejável, até, aplicar-se a todos os movimentos paredistas do setor público a lei 7.783/89, destinada a regular as paralisações no setor privado, disciplinando, assim, definitivamente, ou enquanto perdurar a inércia do legislativo, as greves de servidores públicos, hoje carentes de qualquer regramento, quer me parecer que tal solução, insisto, representaria indevida ingerência do Judiciário na competência privativa do Congresso nacional de editar normas abstratas e de caráter geral, além de desfigurar o mandado de injunção, importante instrumento concebido pelo constituinte para regular, caso a caso, o exercício de direito, liberdade ou prerrogativa asseguradas na Carta magna.

Assim, o ministro Ricardo lewandowski, bem como os ministros Joaquim Barbosa e marco Aurélio, concediam o exercício do direito de greve somente aos impetrantes, ou seja, aos servidores públicos em educação do município de João Pessoa/PB. 394


Com efeito, a dura crítica formulada por tavares (2010, p. 1015) sobre a solução dada pelo StF no mi 708/DF é lapidar: A conclusão do ministro é tecnicamente impecável, pois, como mencionado anteriormente, é imprescindível distinguir entre decisões proferidas em sede de mandado de injunção, um instrumento de controle concreto, das decisões próprias de uma Justiça Constitucional abstrata (via ADin por omissão ou ADPF), sob pena de confusão e desvirtuamento de institutos (especialmente porque a legitimidade ativa para ação abstrata é enumerada e fechada constitucionalmente).

De fato, o Supremo tribunal Federal equiparou o mandado de injunção às ações de controle direto e concentrado de constitucionalidade, o que é lamentável, tanto porque alarga o rol taxativo de legitimados do art. 103 da Constituição da República, quanto por outorgar a uma ação de cunho subjetivo eficácia erga omnes e efeito vinculante próprios das ações objetivas, conforme preconiza o art. 102, § 2º, da lei Fundamental. vale registrar, no ponto, ser absolutamente esdrúxula a solução preconizada pelo ministro Eros Grau em seu voto no mi 712/PA (BRASil, 2008c), eis que literalmente criou um novo conjunto normativo para regular o art. 37, vii, da Constituição, gerando artigos e parágrafos, usurpando função do Congresso nacional. Frise-se que uma sentença desse naipe deve ser considerada inexistente, forte na clássica doutrina de Guastini (2005). não se nega, à evidência, que o art. 37, vii, da Constituição da República (“o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”), que trata do direito de greve dos servidores públicos, é uma norma de eficácia limitada (BRASil, 1996), necessitando de regulamentação infraconstitucional. Considerando que até hoje não foi editada nenhuma lei sobre o assunto, tem-se que a omissão legislativa nesse caso é formal e total, não sendo passível, bem por isso, de controle por meio de sentença aditiva, que só tem cabimento em caso de omissão material relativa ou parcial. outra decisão da Suprema Corte, que formulou solução aditiva e recebeu censura de parte da doutrina, foi a medida cautelar proferida na ADi 3854/DF (BRASil, 2007): 395


mAGiStRAtURA. Remuneração. limite ou teto remuneratório constitucional. Fixação diferenciada para os membros da magistratura federal e estadual. inadmissibilidade. Caráter nacional do Poder Judiciário. Distinção arbitrária. ofensa à regra constitucional da igualdade ou isonomia. interpretação conforme dada ao art. 37, inc. Xi, e § 12, da CF. Aparência de inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução nº 13/2006 e do art. 1º, § único, da Resolução nº 14/2006, ambas do Conselho nacional de Justiça. Ação direta de inconstitucionalidade. liminar deferida. voto vencido em parte. Em sede liminar de ação direta, aparentam inconstitucionalidade normas que, editadas pelo Conselho nacional da magistratura, estabelecem tetos remuneratórios diferenciados para os membros da magistratura estadual e os da federal.

Pelicioli (2007, p. 44) criticou o decisum com severidade: nessa sentença normativa, o Supremo tribunal Federal, sob o argumento do caráter nacional e unitário do Poder Judiciário, especialmente no que toca à estrutura nacional da remuneração dos magistrados, prevista no inciso v do art. 93 da Constituição de 1988, não se limitou a encontrar e explicitar uma norma já existente no ordenamento, mas utilizou-se do material normativo do inc. Xi do art. 37 para construir uma norma qualitativamente diversa e, portanto, nova em consideração à existente, qual seja, “a prevalência como teto máximo da remuneração da magistratura dos subsídios do ministro do Supremo tribunal Federal”. A sentença, nesse caso, transforma-se de ato substancialmente jurisdicional em ato substancialmente normativo, com caráter geral e abstrato. Verifica-se, no entanto, que o Supremo Tribunal Federal, nesse caso específico, utilizou-se da legitimidade democrática a sentença normativa não com o objetivo de concretizar direitos fundamentais previstos na Constituição, mas para assegurar interesses corporativos.

Por outro lado, apesar de o Supremo tribunal Federal ter andado mal na ADi 3854 e se equivocado nos mmii 708/DF e 712/PA, o mesmo não se pode dizer da decisão proferida na ADi 4277/DF, apensada à ADPF/RJ, no célebre leading case sobre união homoafetiva no Brasil. 396


In casu, o StF, com apoio no princípio da igualdade e em outros fundamentos constitucionais, outorgou ao art. 1.723 do Código Civil (“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”) interpretação conforme à Constituição Federal, admitindo como entidade familiar os casais formados por pessoas do mesmo sexo, concedendo-lhes, por via de consequência, a mesma proteção jurídica garantida às uniões estáveis formadas por homem e mulher. Enfim, na ADi 4277/DF, o Supremo tribunal Federal proferiu uma legítima sentença aditiva, nos moldes defendidos no presente trabalho, porquanto no âmbito de uma ação direta de inconstitucionalidade genérica, ancorando-se no princípio da igualdade e valendo-se da técnica de interpretação conforme à Constituição, acrescentou ao art. 1.723 do Código Civil a norma faltante de proteção às uniões homoafetivas, de modo a compatibilizá-lo com o princípio constitucional da igualdade. ConClUSão Por força da inaptidão do Poder legislativo em efetivar a Constituição de 1988, que ora se mostra omisso, ora legisla de maneira incompleta, bem como da falta de prioridade do Poder Executivo em elaborar políticas públicas que contemplem os direitos básicos dos cidadãos, abriu-se um enorme flanco para o Poder Judiciário participar mais ativamente em defesa da lei Fundamental e da sociedade, o que fatalmente irá desaguar nas sentenças aditivas. Como dito em várias passagens deste trabalho, o primeiro passo para o correto uso dessa espécie de sentença normativa é identificar a modalidade de omissão inconstitucional que está sendo sindicada perante o Supremo tribunal Federal. nesse passo, afastam-se as omissões formais, totais e absolutas, advindas da ausência completa de ato normativo, abarcando-se somente as omissões materiais, sejam elas relativas ou parciais, 397


provenientes da edição de uma lei defeituosa, violadora do princípio da isonomia. Assim, conclui-se que para a escorreita utilização das sentenças aditivas, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, é necessária a edição de lei ou ato normativo federal ou estadual incompleto, que vulnere o princípio da igualdade, seja por não conceder benefício a pessoas ou situações em condições análogas às contempladas pela norma, seja por prever exceção ou condição não exigidas de pessoas ou situações em casos semelhantes. Ademais, para sindicar essa omissão legislativa parcial ou relativa é imprescindível a propositura de ação direta de inconstitucionalidade por um dos legitimados do art. 103 da Constituição, vez que provocada pela ação do legislador, afastando-se, bem por isso, o manejo de ação direta de inconstitucionalidade por omissão ou mesmo mandado de injunção. Para tanto, afigura-se inevitável a utilização da interpretação conforme à Constituição, aqui entendida como técnica de controle de constitucionalidade, para, acolhendo o pedido formulado na ADi genérica, acrescentar à lei a norma faltante, de modo a compatibilizá-la com o princípio constitucional da isonomia, ao invés de se anular o ato normativo questionado. noutro giro, em respeito ao art. 2º da Constituição da República, os órgãos de cúpula do Poder Judiciário nacional (StF) e estadual (tribunais de Justiça) precisam ter a parcimônia necessária ao proferir uma sentença aditiva, especialmente se o caso envolver acréscimo de despesas, o que fatalmente exigirá uma cuidadosa análise das leis orçamentárias pela Corte. Por fim, calcado na experiência de países da Europa ocidental, particularmente itália, Espanha e Portugal, é possível vislumbrar um retumbante sucesso das sentenças aditivas no Brasil, fulminando distorções legislativas ofensivas à igualdade, objetivando precipuamente a efetivação da Constituição, em geral, e dos direitos fundamentais, em particular.

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