Espaço da Memória no Distrito de São Benedito

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espaรงo da memรณria no distrito de sรฃo benedito Breno Silva Roxane Sidney [orgs.]


espaรงo da memรณria no distrito de sรฃo benedito



espaรงo da memรณria no distrito de sรฃo benedito

Breno Silva Roxane Sidney [orgs.]



Sumário

Escrita  7 Bairro 11 Casa

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Rua 39 Água

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Ônibus 59 Escola 65 Parque 73 Jornal 77 Imagens

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Escrita

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ESPAÇO DA MEMÓRIA

Este livro foi construído a partir de relatos e de arquivos pessoais de moradores e ex-moradores do distrito de São Benedito no município de Santa Luzia em Minas Gerais. É um dos resultados da etapa inaugural do projeto Espaço da Memória, ocorrida entre os anos de 2017 e 2019. O projeto coordenado pelos professores Breno Silva e Roxane Sidney é realizado no âmbito do LITS (Laboratório de Tecnologias Sociais) do IFMG – Campus Santa Luzia. O Espaço da Memória objetiva fortalecer o engajamento e a mobilização social da população do entorno do IFMG Santa Luzia, promovendo pertencimento e identificações de interesses comuns a partir das memórias dos moradores do distrito de São Benedito. Nesse sentido, estimula trocas de saberes e estabelece vínculos e parcerias entre os moradores e o IFMG – Santa Luzia. Cabe ressaltar que o projeto se alinha com as finalidades e os objetivos dos IFs previstos na Lei n. 11.892, de 29 de dezembro de 2008, de criação dos Institutos Federais no condizente à ênfase no desenvolvimento socioeconômico e cultural local e regional; e no fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural. Dentre os resultados desta etapa do projeto, temos publicações, a construção de um acervo audiovisual com relatos e acesso a arquivos pessoais (fotografias, vídeos, recortes de jornais e revistas), disponíveis no site: https://espacodamemorialits.wordpress.com.

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A MEMÓRIA E OS ESPAÇOS

Santa Luzia foi fundada em 1692 e teve seu maior crescimento populacional em função da capital mineira, Belo Horizonte. Dividida em dois distritos, Sede e São Benedito, a cidade detém dois panoramas distintos. No Sede, localiza-se o Centro Histórico, onde estão construções do período colonial, datadas do início da conformação de Santa Luzia. Já o São Benedito foi fundado em 1962. Os moradores do São Benedito ocuparam a antiga região de fazendas do município de Santa Luzia através de sucessivos movimentos migratórios, ocorrendo um adensamento populacional de maiores proporções a partir da década de 1980. Tal adensamento foi devido à política habitacional do governo federal financiada pelo BNH, que viabilizou a implantação de diversos conjuntos habitacionais na região metropolitana de Belo Horizonte. Nesse período, foram inaugurados no São Benedito os conjuntos habitacionais Cristina e Palmital (Maria Antonieta Mello Azevedo). Os novos moradores do município foram se articulando mais com o município de Belo Horizonte, onde mantinham seus postos de trabalho e de lazer. Diante da questão do pertencimento dos moradores de São Benedito à Santa Luzia, o Espaço da Memória se propôs a investigar as memórias de pessoas que habitam bairros do entorno do campus IFMG – Santa Luzia, localizado no bairro Londrina, com a finalidade de potencializar essas conexões. Nesse contexto, o projeto aposta no potencial da memória como instrumento capaz de fortalecer o pertencimento da população ao lugar habitado.

Escrita

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ESPAÇOS DE CONVERSA

A equipe do Espaço da Memória realizou conversas com diversos moradores do São Benedito entre os anos de 2017 e 2019. No exercício da escuta, percebemos vários assuntos em comum que diziam da formação dos bairros, da constituição das moradias, do cotidiano, de reivindicações, entre outros. Categorizamos alguns desses assuntos no sumário deste livro de modo a levar os relatos a convergir para uma memória coletiva. Neles, aparecem as singularidades e diferenças, histórias de privação, de discriminação, de conflitos e de solidariedade e, fundamentalmente, de construção de vidas diante de adversidades. Assim, a equipe do projeto Espaço da Memória redigiu os relatos a partir das conversas, de modo a proporcionar uma voz coletiva contando por fragmentos as memórias dos espaços no São Benedito – uma voz polifônica e fronteiriça possibilitando o encontro entre o passado e o presente. As imagens ocupam uma categoria específica neste livro. Elas partem principalmente de arquivos pessoais de moradores do São Benedito, incluem fotos, documentos, jornais. Podem ser vistas como um atlas, um álbum de memórias, uma outra forma de contar histórias. A memória não é somente a tentativa de recuperação de uma experiência vivida, ela é também uma reinvenção que renova o passado, trazendo outras possibilidades de leitura e de entendimentos da realidade, contribuindo, inclusive, para se pensar e construir o futuro. Assim, no projeto Espaço da Memória, ela é trabalhada não somente a partir de sua noção mais comum, mas de sua potencial atuação na dimensão espacial, contribuindo para a construção de novas realidades. Breno Silva & Roxane Sidney

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Bairro

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À PROCURA DO OURO

Antigo morador da região, Álvaro Diniz já foi vereador da cidade e é um conhecedor da história de Santa Luzia. Ele atribui seu conhecimento sobre o passado da cidade ao convívio com seu sogro, Pedro Lara, filho de Gervásio Lara, um dos herdeiros da Fazenda da Baronesa. Segundo ele, na época da colonização do Brasil, um bandeirante chamado Zé Correia chegou, através do Rio das Velhas, a um ninho de ouro em Sabará. Posteriormente, descendo o rio à procura de mais ouro, Correia chegou a Santa Luzia e fez seu garimpo na região onde hoje é o Mega Space. Tempos mais tarde, abateu-se sobre o lugar uma enchente, e a comunidade que ali havia se formado fugiu e foi para um lugar mais elevado. No alto, fundaram a Igreja Matriz, onde atualmente é o Centro Histórico, que foi chamado a princípio de Bom Retiro. Álvaro conta a seguinte lenda que deu origem ao nome da cidade. Leôncio, um dos integrantes do grupo de Zé Correia, era cego e um dia puxou na bateia a imagem de uma santa, Santa Luzia, que milagrosamente curou sua visão, batizando assim o nome daquele lugarejo. Em paralelo a esse movimento do garimpo, surgiram as sesmarias, fazendas que o Estado delegava a particulares para o cultivo de alimentos. Uma delas era a Fazenda da Baronesa, personagem que surge na região por volta 1800, cujo título vinha do marido, Manoel Civiliano, que o recebera do Imperador. A Fazenda Baronesa ia do Zero Hora até o Posto Demétrio. Ao redor da fazenda, foram edificados um teatro e um posto de saúde, entre outras estruturas urbanas, as quais geraram boa parte da conformação do Centro Histórico atual. Em 1915, os irmãos Gervásio Lara e Francisco Lara, este mais conhecido como Chiquinho, compraram a Fazenda da Baronesa e a dividiram entre si. Gervásio ficou com a maior parte, a sede da fazenda, cujas terras se localizavam em direção ao Centro Histórico, abrangendo atualmente os bairros Duquesa I, Duquesa II, 12

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Liberdade, Castanheira, Belo Vale, Palmital, Cristina, etc. Já Chiquinho ficou com uma parte menor, onde hoje são os bairros São Benedito, Londrina, Asteca, Chácaras Santa Inês, São Cosme e Baronesa. No início da década de 1950, quando Juscelino Kubitschek inaugurou o frigorífico Frimisa em Santa Luzia, vias de acesso foram criadas até o local, denominado de Carreira Comprida. Nesse momento, foi implementada a avenida Brasília, nome em referência à nova capital do Brasil que estava sendo construída. A família de Chiquinho aproveitou a oportunidade e criou uma imobiliária. Começaram então a lotear e vender terrenos ao redor dessa avenida, onde hoje se encontra o centro comercial do distrito de São Benedito. Texto a partir do relato de Álvaro Diniz em entrevista realizada em agosto de 2017.

Bairro

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INDO AO CENTRO HISTÓRICO

Carlos Pacífico mudou-se com apenas dois anos para o bairro Londrina, em 1978. Mesmo morando desde muito pequeno na cidade, Carlos foi ao Centro Histórico pela primeira vez apenas aos 16 anos para tirar o título de eleitor; depois, aos 18 anos, para se alistar; e alguns anos depois retornou por algum outro motivo do qual não se lembra mais. Esse vínculo frágil com o Centro da cidade, pautado pela burocracia, o instigou a pesquisar sobre o pertencimento de cidadãos luzienses. Esse foi o enfoque de seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) na graduação de Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O tema escolhido foi “São Benedito no contexto de metropolização de Belo Horizonte”, pois sempre lhe chamou atenção essa dicotomia cultural entre São Benedito e Santa Luzia (sede histórica). São Benedito cresceu como periferia de Belo Horizonte, sendo que a maioria dos moradores provenientes de lá veio por motivos imobiliários ou financeiros. Isso dificulta os vínculos dos moradores do São Benedito com Santa Luzia, uma vez que se sentem mais próximos a BH. Em uma pesquisa, feita por um colega de graduação de Carlos, detectou-se o movimento pendular do São Benedito: foi constatado que 97% das pessoas que pegam ônibus no São Benedito vão para algum lugar em Belo Horizonte, e somente 3% vão para algum lugar em Santa Luzia. Dessa forma, é notável como as pessoas se conectam mais a Belo Horizonte do que a Santa Luzia. Em seus estudos como geógrafo, Carlos cita alguns movimentos de expansão urbana em Santa Luzia. O primeiro ocorreu na década de 1692, próximo ao Rio das Velhas. Em 1695, houve uma inundação do rio; as pessoas saíram da região e foram construir suas casas onde hoje é a Rua Direita (Centro Histórico). Esse fato foi decisivo para alavancar a formação do núcleo urbano inicial, levando, posteriormente, à fundação da cidade, ou seja, bem 14

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anterior à de BH, que fora fundada em 1897. Um segundo grande movimento ocorreu na década de 1950, com a inauguração do frigorífico Frimisa.Nesse momento, ocorreu a inauguração da Avenida Brasília, que passou a ter um grande fluxo de gado devido ao frigorífico. Posteriormente, já na década de 1980, houve um importante fluxo migratório para o distrito de São Benedito. Várias pessoas passaram a ocupar os conjuntos Cristina e Palmital, muitas delas desabrigados da região central de BH. Por fim, Carlos lembra a conformação do que hoje é o bairro Londrina. Essa parte do distrito foi vendida e loteada por uma imobiliária chamada Filadélfia, que possuía terras desde o Zero Hora até o Belo Vale. O loteamento era precário, feito com arruamentos de tratores, e mal e mal tinha postes. Dessa conversa com Carlos, pode-se perceber que São Benedito cresceu em função de Belo Horizonte, e não de Santa Luzia, sendo, portanto, um lugar cujos moradores pouco se relacionam com a cidade a qual pertencem. Texto a partir do relato de Carlos Pacífico de Oliveira Neto em entrevista realizada em maio de 2018.

Bairro

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A SOLIDARIEDADE DOS VIZINHOS

No início do bairro Cristina C, grande parte das moradias seguia o padrão da COHAB. Elizabeth da Silva nos conta que foi a primeira moradora de seu prédio, permanecendo assim durante seis meses, sendo ela quem solicitou água e luz para o local. No início, não havia comércio na região, existindo apenas um mercado na atual Avenida Brasília, que sequer atendia a todas as necessidades da população. Logo, era necessário o deslocamento até Belo Horizonte para se obterem mantimentos. A situação seguiu assim até a inauguração do supermercado Ribas. Para Elizabeth, que trabalhava em Belo Horizonte, a questão do comércio não era um problema significativo, apesar do incômodo em carregar pesadas sacolas por um longo trajeto. A questão que mais marcou Elizabeth foi o fato de não ter tido tempo de criar seus filhos como gostaria, pois trabalhava o dia todo em outra cidade. Seus filhos acabaram por serem criados com a ajuda de vizinhos que, segundo a moradora, eram muito unidos. A vizinhança estava sempre disposta a ajudar; inclusive, costumavam passar datas comemorativas, como Natal e Ano Novo, juntos. De acordo com Elizabeth, foram incontáveis as vezes em que, quando um de seus filhos se acidentava, seus vizinhos prontamente os levavam aos hospitais da região, que na época eram poucos. Até a construção da UPA, o hospital São João de Deus era o único ao qual se podia recorrer. Ademais, para se chegar até ele, era necessário o uso de ônibus ou carro, já que na época não havia ambulâncias ou Samu na região. Os meios de locomoção, principalmente os ônibus, sempre foram problemáticos na região. De início, existiam apenas dois ônibus; um que ia para Belo Horizonte e outro que passava pelo Cristina A. A situação melhorou um pouco após a inauguração do Cristina B, quando finalmente começou a passar ônibus pelo bairro.

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Segundo uma lenda urbana da região, algumas ruas do bairro levam o nome das vítimas de um acidente de ônibus que ocorreu há vários anos. Além disso, conta-se que, durante a noite, é possível ouvir o choro das crianças que morreram nesse acidente. Texto a partir do relato de Elizabeth da Silva em entrevista realizada em junho de 2019.

Bairro

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CIRCOS E FEIRAS

Diogo Rocha é morador do bairro Palmital desde 1985, ano em que nasceu. Cresceu no bairro sem saneamento básico nem asfaltamento nas ruas e com escassez de água; alguns lugares sequer recebiam energia elétrica. No entanto, Diogo lembra que com muita luta os moradores foram conquistando seus direitos. A violência no bairro também foi uma questão bem marcante: os moradores tiveram de lidar por muito tempo com o medo de sair de casa, algo que hoje em dia é menos evidente, dada a união que conseguiram. Diogo conta que, quando criança, eram frequentes no bairro os circos e parques itinerantes. Eles faziam a alegria da criançada. Ele recorda também sobre várias feiras que aconteciam e favoreciam a interação entre as pessoas dos bairros do distrito de São Benedito. Diogo nos conta que gostaria de ver mais investimento da Prefeitura em praças públicas, áreas para eventos alternativos e prática de esportes, como o skate e o basquete. Texto a partir do relato de Diogo Rocha da Cruz em entrevista realizada em abril de 2018.

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A PRIMEIRA OCUPAÇÃO DE MINAS GERAIS

Divina Marques se mudou para a vila Santa Beatriz, entre os bairros Asteca e Londrina, vindo do interior em busca de melhores condições de vida e de emprego. A princípio, na ocupação não havia água nem luz, a frota de ônibus era escassa, contendo apenas três por dia que passavam somente no Asteca. A infraestrutura de comércios, como supermercados, também só existia na Avenida Brasília; posto de saúde e emergência eram distantes e de difícil acesso. As ruas eram tão inconsistentes e o descaso da Prefeitura para com esse problema era tão grande que certa vez, ela conta, os moradores se organizaram e do próprio bolso pagaram uma máquina para limpar os caminhos para os ônibus transitarem. Segundo Divina, essa ocupação foi a primeira do estado de Minas Gerais. Com o passar do tempo, eles foram percebendo que havia a necessidade de representantes locais para o bairro. Apesar de muitas lutas, a vila era um local de muita alegria e confraternização. Para Divina, atualmente, boa parte desses espaços foi tomada por insegurança. Contudo, a parte de infraestrutura urbana, como transportes, comércios e postos de saúde, melhorou bastante. Texto a partir do relato de Divina Franco de Meira Marques em entrevista realizada em junho de 2017.

Bairro

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OCUPANDO O MATAGAL

Raimunda Jose da Silva, moradora do bairro Londrina desde 1985, presenciou a formação do bairro desde o princípio. Natural de Santana do Riacho, Raimunda diz que foi para o bairro Londrina interessada no loteamento proposto por um grupo da igreja católica da região. Porém, o então prefeito de Santa Luzia, Rui Avelar, não autorizou o loteamento. Assim, a família de Raimunda e mais 87 famílias, no dia 12 de dezembro de 1986, resolveram lotear a área irregularmente, estabelecendo-se dessa forma na região. Ela conta que no começo era tudo muito difícil, eles não tinham acesso a água nem a luz. A região era um matagal. Eles tiveram que se organizar e lotear a área contando somente com a ajuda dos seminaristas da igreja. Para conseguir água para as suas necessidades, os moradores tinham que andar grandes distâncias carregando baldes e tambores. Além das dificuldades por que passaram, eles ainda eram vítimas de preconceito de moradores dos bairros vizinhos. Raimunda conta que, como eles tinham que pegar ônibus no bairro vizinho, o Asteca, eram humilhados por causa do fato de não terem água em casa. Mas, apesar de toda a dificuldade, ela conta que, aos poucos, as coisas começaram a melhorar. Chegaram ao bairro água encanada, rede elétrica e pavimentação nas ruas. E a vida da população foi mudando. Uma nova linha de ônibus começou a atender os moradores do bairro, fazendo com que eles não precisassem mais ir até o bairro vizinho em busca de transporte público. Por fim, ela acrescenta que para o futuro espera só melhorias, como na área da saúde e da educação. Do tempo passado, ela diz não sentir falta de nada. Texto a partir do relato de Raimunda José da Silva em entrevista realizada em maio de 2017. 20

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DO ALTO, SEM COMUNICAÇÃO

Carlos Pacífico recorda, em sua memória de infância, que o bairro Londrina tinha ruas de terra, lá não havia água encanada nem luz elétrica. A água era de cisterna, e a CEMIG não abastecia a região na época. Quando, mais tarde, a eletricidade chegou, ela atendia somente até o Asteca, mas a parte alta do Londrina não. Seu pai então decidiu puxar energia da casa de um amigo e começar a dividir a conta com ele. Carlos conta que da sua casa, no alto do bairro Londrina, era possível ver todo o Asteca, que era somente pastos e terra, com apenas três postes de lamparina. Até onde atualmente é a Avenida Brasília, só existiam trilhas sem ruas. Para pegar ônibus, ele tinha de caminhar por essas trilhas precárias, mato adentro, e ir até onde hoje é o Brazilian Mall – lá era a garagem dos coletivos luzienses. Quando a Metrobel (empresa de ônibus responsável por Santa Luzia na época) chegou à cidade, foi um grande avanço para a região. A comunicação era totalmente precária. As linhas telefônicas eram caríssimas. Seu pai, na época, teve que vender um lote para comprar uma linha telefônica, de tão caro que era. Carlos foi aluno da primeira turma da E.E. Francisco Tibúrcio em 1983 e anos depois voltou como professor, lecionando por oito anos Geografia. Texto a partir do relato de Carlos Pacífico de Oliveira Neto em entrevista realizada em maio de 2018.

Bairro

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PEDREIRA

Jayme Totte, morador do bairro Londrina desde 1967, relata que, ao se mudar, deparou-se com ruas de terra, vizinhança tranquila e muitas chácaras. Ele conta que acompanhou o surgimento e a construção do antigo CAIC e do atual campus do IFMG. Esse local, lembra Sr. Jayme, era antes uma pedreira, considerada ponto de encontro entre as pessoas e local perfeito para as crianças se divertirem. O terreno também era fonte de pedras que as pessoas usavam para construir suas propriedades. Jayme relata que não havia venda de drogas na época da pedreira e a criminalidade era baixa, mas tem uma lembrança ruim de um assalto à mão armada que resultou na morte de um morador da região. Texto a partir do relato de Jayme Totte em entrevista realizada em junho de 2017.

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POUCAS CASAS, MUITAS MATAS E FESTAS

Sônia Dalva, natural de Timóteo/MG, se mudou para o bairro Palmital em 1983 para trabalhar como doméstica. Ela conta que houve muitas mudanças no local e nas pessoas que ali conviviam. Dona Dalva relata lembranças do bairro sem muitas casas, e com muita mata; a ausência de ônibus; as ruas de terra; no entanto, o local tinha festas tradicionais de rua, quadrilhas, fogueira nas ruas e pessoas mais unidas. Porém o bairro cresceu desordenadamente, o que causou um medo constante nos antigos moradores, devido ao aumento da criminalidade no local. Saudades de um tempo que não volta mais é o que Dona Dalva relata. Em sua percepção, a união e a solidariedade das pessoas foi se esvaindo com o passar do tempo, sem esperanças de grandes mudanças nos dias de hoje. Texto a partir do relato de Sônia Dalva em entrevista realizada em setembro de 2017.

Bairro

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Casa

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DESABRIGADOS NA CHUVA

Laerte Moreira Vítor é vigilante aposentado e morador do bairro Baronesa desde 1983. Ele trabalhou como vigilante no antigo CAIC do bairro Londrina. Antes de morar no bairro, residia no Alto Vera Cruz em Belo Horizonte. Para comprar um lote no bairro Baronesa, Laerte pegou o acerto de duas empresas onde trabalhou, pois enxergou ali uma boa proposta de valor para o terreno. Porém, com as dificuldades financeiras e topográficas do terreno que comprou, a construção se tornou inviável. Então, o Sr. Laerte alugou por um mês um barracão perto de seu lote para morar, enquanto não podia construir, e não disse a sua esposa onde estava. Dona Dirce, sua esposa, tomou seus dois filhos pequenos nos braços, enquanto o marido estava trabalhando, e pediu para que um carreteiro fizesse sua mudança para o bairro sem conhecer ainda onde iriam morar. Foi para o bairro e pediu que deixasse sua mudança em uma marquise para se proteger da chuva, pois não sabia qual era o barraco. Coincidentemente, em frente, havia uma porta do barracão aberta. Dona Dirce entrou com a mudança para a casa e se estabeleceu lá dentro. Seu marido foi do trabalho para a casa onde moravam antigamente e recebeu a notícia de que ela havia se mudado para o bairro. Foi ao encontro dela, preocupado com o fato da esposa estar com as crianças desabrigadas na rua, mas, para sua surpresa, ele a encontrou exatamente no barracão que havia alugado. Lá ficaram por poucos meses, até que o dinheiro ficou escasso e tiveram dificuldades para pagar o aluguel. O vizinho do lote que o Sr. Laerte comprara emprestou um quarto para que sua família morasse, porém, depois de um mês, solicitou o espaço. Sua esposa cortou madeira no próprio bairro e sozinha levantou um cômodo no terreno que compraram; a partir daí continuaram a expandir a casa. Texto a partir do relato de Laerte Moreira Vitor em entrevista realizada em março de 2017. 26

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PARA SAIR DO ALUGUEL

Daniel, Maria e três filhas se mudaram para o bairro Baronesa em 1988, inicialmente em uma casa de aluguel na rua Suécia. Em 1989, conseguiram comprar um lote no mesmo bairro, financiado pela antiga proprietária. Nesse mesmo período, o proprietário da casa onde moravam de aluguel a requisitou, num prazo de 30 dias. O plano inicial era sair do aluguel e aos poucos ir terminando a casa. No entanto, tinham pressa, precisariam de uma nova moradia em apenas 30 dias. Assim foi construída uma casa com dois cômodos e um banheiro de blocos cerâmicos sem acabamento, cobertura de telhas de amianto, portas e janelas doadas de uma casa que estava sendo reformada pelo sogro de Daniel, que era pedreiro. Devido ao pouco tempo e à falta de dinheiro, o alicerce foi feito com pó de pedra, pedra, areia e cimento. Essa primeira parte da construção foi feita em forma de um mutirão que contava com a orientação do sogro de Daniel, Sr. Mairde, além da ajuda financeira de sua sogra, Sra. Alice. Posteriormente, a casa foi sendo ampliada em módulos, de acordo com as possibilidades e necessidades dos moradores. Foram acrescidos dois quartos, outro banheiro, uma cozinha maior, as telhas de amianto foram substituídas por laje. Nos fundos do lote, foi construído um quarto, uma cozinha e um banheiro para receber a sogra de Daniel, que os visitava com frequência. Atualmente, a casa é composta por três quartos, sala ampla, cozinha, sala de jantar, dois banheiros, garagem, um varandão e um pequeno campo gramado de futebol. Além da casa principal, no lote há um barracão nos fundos e um barraco de aluguel no porão, que complementa a renda do casal. Texto a partir de relato de Daniel Custódio Leal e Maria da Penha Leal em entrevista realizada em abril de 2017.

Casa

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COHAB

Dona Maria Efigênia adquiriu sua residência no bairro Palmital por meio de inscrição na COHAB (Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais), em 1986. A casa foi efetivamente comprada em 1987, mas ela ocupou a residência, por orientação da COHAB, para evitar que outras pessoas a ocupassem antes dela. Na época da inscrição, havia uma pessoa morando irregularmente nessa casa, e D. Efigênia teve que esperá-la sair. Quando se mudou, não havia água na casa, pois a distribuição tinha sido cortada devido às ocupações irregulares. Na época, precisou colocar madeirite no lugar dos vidros das janelas, pois estes haviam sido quebrados. Um tempo depois, ela trocou as vidraças. Além disso, o tanque de lavar roupas, de concreto, também teve que ser trocado por estar danificado e foi construído um muro para delimitar o terreno. O telhado foi trocado, por motivos de manutenção, alguns cômodos da casa foram revestidos, e o banheiro foi alterado. Dona Maria Efigênia sempre morou sozinha e não sentiu vontade de fazer alterações consideráveis na casa, pois acreditava que ela atendia bem às suas necessidades. Texto a partir de relato de Maria Efigênia em entrevista realizada em junho de 2017.

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PEDREIROS DE CASA

Dona Dirce das Graças, moradora de uma das casas adquiridas através da COHAB, relata que naquele tempo a casa não tinha nenhum problema estrutural ou defeito significativo. As modificações na residência foram feitas devido à adaptação aos vizinhos e ao nascimento dos filhos e, posteriormente, dos netos. As mudanças foram feitas por pedreiros autônomos, sendo eles integrantes da família. As alterações consistiam na expansão de quartos, construções de varandas e banheiros, garagens e outros setores. A casa praticamente dobrou o tamanho da construção original. Essas alterações foram feitas entre 1992 e 1996. Texto a partir do relato de Dirce Oliveira das Graças em entrevista realizada em março de 2017.

Casa

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DESCARREGANDO

Em 1980, Dona Noilda Braga e seu marido se mudaram para o bairro São Benedito com seus dois filhos. Compraram um lote que estava sendo negociado por seu irmão e construíram um barracão de quatro cômodos (quarto, sala, cozinha, banheiro). O piso era de taco, a cobertura era em laje e não havia tratamento de esgoto. O que havia era uma fossa séptica. Uma década depois, a família comprou tijolos para ampliar a casa, pois os filhos haviam crescido e continuavam dividindo o quarto com os pais. Foram feitos mais dois quartos e uma sala de estar. Todo o material da obra foi transportado por Noilda e seus filhos. Para economizar e usar o dinheiro para pagar a mão de obra, eles descarregavam os caminhões que chegavam com areia, brita e tijolos. As reformas eram feitas aos poucos, conforme entrava dinheiro. Por volta de 2005, construíram uma varanda que precisou ser refeita, porque, segundo Noilda, ela “ficou horrorosa” e “parecia que estava pela metade”. Um carpinteiro ajudou a idealizar a nova varanda, que tomou toda a extensão da fachada. Texto a partir do relato de Noilda Gonçalves Braga em entrevista realizada em junho de 2017.

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EM BUSCA DOS ACERTOS

Fernanda Arcanjo e Ronaldo Arcanjo moravam de aluguel no bairro Baronesa, quando, em 2007, compraram meio lote no bairro Luxemburgo, no valor de R$6.000,00. Como não entendiam nada de construção, contrataram um pedreiro, por indicação de amigos, para construir a casa. Foi o próprio pedreiro quem planejou os espaços, com algumas orientações deles. A princípio, eles pretendiam construir apenas o primeiro pavimento para logo se mudarem. O pedreiro fez a lista de materiais, e Ronaldo realizou a compra no depósito do bairro, apesar de achar um pouco exagerada a quantidade. Somente quando o primeiro pavimento já estava ficando pronto e ainda havia muito material sobrando é que o pedreiro falou que fez o pedido do material para os dois andares. A construção foi iniciada em setembro de 2007, e eles se mudaram em 31 de dezembro de 2007. Conseguiram construir a casa com a renda dos dois, o acerto de empresa em que o Ronaldo trabalhava, seguro-desemprego, ajuda dos pais e financiamento de parte do material no depósito do bairro. Quando se mudaram, a casa ainda estava sem acabamento, não tinha muro nem garagem. O primeiro pavimento é composto por sala, cozinha, copa e banheiro. Já no segundo pavimento, existem dois quartos, banheiro, corredor e varanda. Fernanda relata que não gostou de algumas decisões do pedreiro, como a localização da porta do quarto dos meninos, que não possibilitava o uso do corredor no segundo pavimento como um pequeno escritório. Gostaria também que a área de tanque fosse no primeiro pavimento, mas não foi possível, pois demandaria muita retirada de terra, e na época não conseguiram maquinário acessível. Algum tempo depois de se mudarem, construíram o muro, a escada no corredor externo que dá acesso à área de serviço e a garagem. Com um financiamento no banco, fizeram os acabamentos cerâmicos e as portas dos quartos. Terminaram a Casa

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área de serviço e colocaram telhado na garagem. Nesse período tinham apenas um filho. Em 2012, decidiram construir o terceiro pavimento, que teria um quarto e um banheiro para receber as visitas, além de uma área de lazer. Porém, ao perceberem que as escadas dificultariam o acesso, resolveram construir apenas a área de lazer e um banheiro. Nessa reforma, o telhado da garagem foi retirado para a construção de uma laje para abrigar dois quartos, todos no segundo pavimento. Nesse período, nasceu a segunda filha e o casal não chegou a construir os quartos planejados. Fernanda e Ronaldo demonstraram arrependimento do investimento feito no último pavimento, pois, de acordo com eles, o acréscimo no segundo pavimento já atenderia às necessidades deles, que seriam de mais dois quartos. Devido às escadas e ao último pavimento estarem sem acabamento, ele é pouco usado. Fernanda relata ainda que, após o vizinho construir o segundo pavimento, sua casa ficou muito escura, e analisa uma forma de melhorar essa situação. Ela diz também que o casal quer planejar bem a construção dos dois quartos, para que a casa fique mais arejada. Texto a partir do relato de Ronaldo Arcanjo e Fernanda Arcanjo em entrevista realizada em maio de 2017.

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UMA CASA MAIOR

Washington da Silva e sua esposa Carmen da Silva moraram no bairro Cristina A do início dos anos 1980 a 1998. Washington se recorda das partidas de futebol no “Campo do Grêmio”, suas idas aos botecos com amigos, a construção e o crescimento de sua família. Com o crescimento da família, Washington e Carmen estavam à procura de uma casa maior, pois residiam em um apartamento muito pequeno. Com o passar do tempo, fizeram a inscrição para a COHAB em busca de uma casa que atendesse às suas necessidades. Com muitas dificuldades, conseguiram um apartamento e logo fizeram a mudança. Carmen saiu de seu emprego formal para se dedicar aos seus filhos pequenos, enquanto Washington continuou em seu emprego para manter financeiramente a família. Texto a partir do relato de Washington Pereira da Silva e Carmen Aleixo da Silva em entrevista realizada em junho de 2017.

Casa

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TROCA DE CASAS

Darci, Maria e seus quatro filhos moravam no bairro Madri em Belo Horizonte, quando, em 1992, negociaram uma troca de casas com um morador do bairro Londrina, pois consideravam o bairro com melhor qualidade de vida, mais segurança e melhor localização. A casa onde moravam no bairro Madri já estava terminada, ao contrário da nova casa do bairro Londrina, que estava com paredes ainda sem acabamento, sem piso cerâmico e metade dela sem a laje de cobertura. Na troca, foi acrescentado todo o material para a execução da laje, que foi realizada através de mutirão. A ajuda para a obra contou com cerca de vinte pessoas, entre amigos e parentes, no dia 23 de dezembro de 1992. Após a mudança, continuaram utilizando apenas metade da casa. Os três meninos dormiam em um quarto e a menina dormia com o casal no outro quarto. Aos poucos foram rebocando toda a casa. Os materiais de construção eram comprados no depósito do bairro e a construção era feita, aos poucos, nos fins de semana. Além do trabalho formal, o senhor Darci fazia alguns “bicos” aos fins de semana. Dona Maria trabalhava de costureira em casa para ajudar na renda da família, além de fazer chup-chup e algodão-doce para seus filhos venderem. Boa parte desse dinheiro era direcionado para a construção. Em 1995, eles fecharam a garagem, construíram um pequeno banheiro e área de serviço para acolher a família do irmão do senhor Darci. Fizeram algumas mudanças na casa, acrescentaram mais um quarto, aumentaram a sala. Onde era a área de serviço, fizeram outro banheiro e uma varanda nos fundos. Algum tempo depois, o senhor Darci foi demitido e, com o acerto da firma, comprou os pisos cerâmicos para toda a casa, além de telhas para um futuro terraço. Toda a obra foi feita pelo senhor Darci, pedreiro de profissão, passando seus conhecimentos para os filhos, que também ajudavam na construção. Em 1997, o irmão do senhor 34

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Darci mudou-se para outra casa. Nesse mesmo período, eles decidiram reforçar toda a estrutura da casa com pilares e vigamentos para receber o terraço, onde foram feitos dois quartos para receber as visitas de parentes que vinham da roça e um depósito. Nesse período, já podiam contar com a renda do filho mais velho, que estava trabalhando, sendo possível contratar uma equipe de carpinteiros para a execução do telhado. Texto a partir de relato de Darci Ribeiro de Oliveira e Maria Custódia Oliveira em entrevista realizada em abril de 2017.

Casa

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ILUMINAÇÃO

Shirley Rainer e Warlan Rainer compraram sua casa em 2008, por intermédio de um financiamento pela Caixa Econômica Federal. O valor foi dividido em parcelas que totalizaram 15 anos. Assim que se mudaram, perceberam a necessidade de construir um muro de arrimo nos fundos da casa, pois quando chovia a terra do jardim virava lama e invadia a casa. Contrataram um pedreiro para realizar essa obra e removeram parte da terra para aproveitar o espaço e fazer uma área de serviço e uma varanda. Essa área foi coberta com telhado e, posteriormente, foi feita a garagem. Recentemente, em 2014, o banheiro da casa começou a apresentar mau cheiro, sendo necessário realizar uma reforma nas instalações do esgoto. Com essa reforma, houve a desvinculação da casa ao lado, pois elas eram geminadas. Com o nascimento da primeira filha, surgiu a necessidade de mais espaço na casa, o que foi resolvido com a utilização do corredor lateral. Preocuparam-se com a iluminação e a ventilação natural que seria perdida, uma vez que não haveria corredores. Nesse momento, tiveram que colocar a criatividade em prática para resolver o problema da iluminação, uma vez que as soluções mercadológicas para esse tipo de problema construtivo são caras. Então tiveram a ideia de cobrir o corredor com telha translúcida e utilizar forro de PVC branco que deixasse a luz penetrar, além de fazer duas claraboias com vidro temperado. Tal ideia fora executada pelo cunhado de Warlan, o Reginaldo. Texto a partir do relato de Warlan Rainer e Shirley Rainer em entrevista realizada em maio de 2017.

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O PRIMEIRO BAR

Em meados de 1970, o pai de Gloriangela Freitas adquiriu um lote no bairro São Benedito, cujo valor foi dividido entre ele e um conhecido. Apesar de o lote ser grande, a casa construída tinha apenas dois cômodos: um quarto e uma cozinha. O banheiro ficava do lado de fora da casa. Durante alguns meses, seu pai passava o dinheiro de sua parte do lote para o conhecido, que deveria passar o dinheiro para o proprietário, mas certo dia recebeu uma carta de despejo. Para resolver a situação, pediu acerto no emprego e adiantamento, conseguiu quitar a dívida e adquiriu a totalidade do lote. Gloriangela se lembra de que, na sua infância, a casa ainda era como quando seu pai se mudou – piso de cimento queimado, depois passou a ser pavimentado com “vermelhão”, cobertura de telha cerâmica e lote cercado apenas por arames. Algum tempo depois foi construída uma sala. Nessa época, seu pai ia todos os dias de bicicleta trabalhar na região de Venda Nova em Belo Horizonte, o que o motivou a começar um comércio. No mesmo lote da casa, construiu um alpendre de lona e começou a vender pipoca, balas e chicletes. Com o passar do tempo, construiu um pequeno balcão de madeira e abriu o primeiro bar da região, que acabou fazendo sucesso. Com isso, surgiu a necessidade de construir um local maior e mais sólido. Como pagar mão de obra não era uma opção na época, ele construiu sozinho o novo bar, fazendo inclusive todos os blocos de concreto. Quando Gloriangela se casou, em 1995, a casa ficou para ela, que fez algumas alterações, como a colocação do piso cerâmico, a anexação do banheiro à residência e a construção de uma varanda. Texto a partir do relato de Gloriangela Laurenço Freitas em entrevista realizada em junho de 2017.

Casa

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Rua

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TELEFONE PÚBLICO

Marli Santiago morou com a sogra no bairro Glória em Belo Horizonte por dois anos. Mudou-se para o bairro Cristina em Santa Luzia após casar-se e conseguir um apartamento por meio do programa COHAB. Morou no apartamento por três anos até que, no dia 29 de dezembro de 1984, mudou-se para sua casa no Londrina. A região antigamente era uma chácara de um deputado, e quando compraram o lote não havia praticamente nada na região, tudo que precisavam fazer tinham que ir no São Benedito. Foram a segunda família a se mudar para o bairro, juntamente com outros três moradores: Geraldo, Nilda e Dona Elvira. Marli tem uma relação muito especial com a escola onde hoje em dia funciona o Instituto Federal de Minas Gerais – IFMG, antigo CAIC. Ela cozinhava em sua casa para todas as pessoas que lá trabalhavam na construção da escola. Eram engenheiros, mestres de obras, pedreiros e demais profissionais. Quando o espaço era uma cascalheira, muitas crianças brincavam lá. O muro de sua casa foi feito com pedras da antiga cascalheira. Marli juntava as pedras com seus dois filhos durante o dia e, quando seu esposo chegava do serviço, as buscava com uma Kombi. As obras do CAIC trouxeram o asfalto para a sua casa. Segundo ela, a vida era mais tranquila do que atualmente. Em 1990, Marli abriu seu bar, ficava aberto até cerca de quatro horas da madrugada e não havia preocupações com assaltos. Os moradores traziam instrumentos, todos dançavam e aproveitavam até altas horas. No lado de fora do seu bar, havia um dos pouquíssimos telefones públicos na redondeza. Os moradores de bairros vizinhos o utilizavam para marcar consultas e para se comunicar com os familiares. Por morar perto, Marli já foi responsável por levar muitas notícias boas e ruins a várias pessoas. Ela relata que já deu notícias de óbitos e era uma espécie de porta-voz para o bairro. Marli tem planos de se mudar para Juatuba, onde tem uma chácara, 40

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pois gosta da vida calma. Vida da qual sente falta e saudades ao se lembrar do seu passado no bairro. Ela disse que, antigamente, no bairro, era possível alimentar os miquinhos, era cheio de árvores e hoje em dia elas se acabaram. “Aonde chega a população, o homem destrói tudo.” Texto a partir do relato de Marli Vilaça Santiago em entrevista realizada em abril de 2017.

Rua

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JANELAS E PORTAS ABERTAS

Solange Ribeiro se mudou do bairro Aparecida, em Belo Horizonte, para o bairro São Benedito, depois de ter se casado, em 1983, passando a morar em um lote doado por seu sogro. Naquela época, não havia asfalto nas ruas nem facilidade para se locomover de ônibus, diferente de seu antigo bairro na capital, próximo ao Centro e com muitas opções de transporte. Em compensação, no São Benedito, Solange não precisava se preocupar com a falta de segurança, deixava as janelas e portas abertas. Ela relata que não havia criminalidade no local. Diz não sentir saudades de Belo Horizonte. Depois de sua vinda ao São Benedito, Solange criou seus filhos e construiu sua família ali mesmo, por todos os anos seguintes. Texto a partir do relato de Solange Figueiredo Ribeiro em entrevista realizada em outubro de 2017.

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CARRO SOLIDÁRIO

Gregório, antigo morador de Governador Valadares, mudou-se para Contagem com seus pais quando pequeno por motivos trabalhistas e financeiros. No entanto, o custo de vida nessa cidade ainda era alto para a família. Em 1976, resolveram, então, se mudar para o bairro Londrina em Santa Luzia. Ao chegar à cidade, ficaram encantados, era um sonho realizado. O terreno era de fazenda, tinha lagoas, muito mato, pastos, nascentes, era um lugar que estava sendo descoberto e sua família foi uma das primeiras a morar no bairro. Seu pai, de mesmo nome, passou por muitos problemas na vida, mas sempre deu a volta por cima. Já morou na rua e seu irmão o levou para tentar a vida no interior, no norte de Minas. Começou plantando, abandonou, trabalhou como pedreiro e teve uma mercearia. Cresceu muito dentro da profissão e obteve êxito mesmo sem ter estudos. O pai de Gregório até hoje é muito conhecido na redondeza. Era um líder comunitário nato, sempre ajudava as pessoas. Tomava iniciativa, conversava com o prefeito e os vereadores, prestava um importante suporte aos moradores. Era um dos poucos que possuía carro e estava sempre disponível para levar a vizinhança que passava mal aos hospitais de BH. Texto a partir do relato de Gregório Gomes Filho em entrevista realizada em março de 2017.

Rua

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RUAS ERMAS

João Francisco Neto morou em Santa Luzia na década de 1990 no bairro Baronesa. Mudou-se da região aos 19 anos de idade, mas, mesmo após a mudança, manteve contato com os parentes e com a comunidade. A iniciativa de morar em Santa Luzia foi de seu pai, por motivos financeiros e interesses imobiliários. João morou com sua família no Baronesa, na rua Turquia. Ele conta que o bairro hoje já não é mais o que era antes. Anteriormente era semirrural, hoje é bem mais urbanizado. A principal mudança do bairro foi a violência, com impacto direto no convívio social. Era um costume juntar os amigos, fazer rodas de papo ou de violão, conversas, festas e shows, após culto da igreja, na praça. Com a chegada do tráfico e por consequência da violência, isso tudo acabou e as ruas se tornaram ermas. A praça onde aconteciam os encontros se tornou um local de crimes, violência e até mesmo homicídios. Londrina e Cristina nessa época também se tornaram bairros mais violentos. Texto a partir do relato de João Francisco de Carvalho Neto em entrevista realizada em agosto de 2017.

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VISTA DA JANELA

A vista da Cidade Administrativa custou muito caro para os moradores da região do bairro São Cosme. Para a implantação da nova Sede do Governo, inicialmente se alegava que seria necessário desapropriar uma área, que contava com muitas residências do bairro São Cosme, para garantir a segurança do local. A princípio, as casas foram avaliadas irrisoriamente, contudo, com a ajuda de uma advogada, Fernando de Castro comprovou o real valor das casas da região, consideravelmente maior que o demonstrado pelo Governo, invalidando a desapropriação. Hoje ele vê a monumental obra de sua janela todos os dias, o que seria impossível sem a luta para permanecer no seu lugar. Junto com a implementação da Cidade Administrativa, veio uma série de mudanças no cotidiano dos moradores, dentre elas recorrentes acidentes de trânsito. A janela de Fernando tornou-se porta-voz dos anúncios dessas tragédias. Frequentemente, da sua janela, se escutam sons de acidentes na Linha Verde. Nesse cenário, encontra-se a pior lembrança de Fernando: certa tarde, em sua casa, ele ouve um ruído estrondoso e, quando desce para averiguar o ocorrido, descobre que a vítima era seu melhor amigo. Texto a partir do relato de Fernando de Castro em entrevista realizada em maio de 2018.

Rua

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POEIRA BRANCA

Até seus nove anos de idade, Luciene e sua família moravam de aluguel em uma casa na rua Jacuí em Belo Horizonte. Em 1987, o seu pai comprou uma casa da COHAB no conjunto Cristina, para onde se mudaram. A sua primeira impressão do local não foi das melhores, havia muita poeira, a rua não era pavimentada, era uma terra, que mais parecia um pó branco, cobria todo o quintal e a rua. A primeira providência que o pai tomou, ao se mudar, foi murar o lote, pois a sensação de insegurança era muito forte. Com a ajuda do avô e do tio de Luciene, mesmo sem habilidades técnicas, eles construíram o muro, que mais tarde viria a ser consertado por um pedreiro. Texto a partir do relato de Luciene Augusto Elias em entrevista realizada em maio de 2017.

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FINCA, PETECA, ROUBA-BANDEIRA E QUEIMADA

Joelma Gonçalves, moradora do bairro Baronesa desde 1978, acompanhou de perto as transformações ocorridas no entorno de sua residência. Uma mudança que Joelma diz ter percebido é o fato de as brincadeiras entre as crianças terem mudado demais. Ela se lembra da sua própria infância e cita brincadeiras de rua que praticava bastante, como finca, peteca, rouba-bandeira e queimada. Brincadeiras que hoje foram substituídas por tablets, videogames e smartphones. Recorda-se, também, do antigo posto de saúde que funcionava onde hoje é o Instituto Federal de Minas Gerais – IFMG, que oferecia um bom atendimento. Por fim, a moradora diz que sente falta do sentimento de união da comunidade, que poderia estar se manifestando por seus direitos, como mais segurança nas ruas. Texto a partir do relato de Joelma Gonçalves da Silva em entrevista realizada em maio de 2017.

Rua

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RUA DO SR. GETÚLIO

A rua do Sr. Getúlio, no conjunto Cristina, era conhecida como “Rua da Cirrose”, apelido que recebeu em meados dos anos 1990, devido à grande quantidade de churrascos que ocorriam nas residências aos finais de semana. Muitos moradores acabaram por desenvolver dependência química e alguns vieram a óbito devido ao alcoolismo. Um dos moradores da rua, Sr. Getúlio, inclusive, passou a liderar grupos do AA (Alcoólicos Anônimos) nos bairros Belo Vale em Santa Luzia e no bairro Ouro Preto em Belo Horizonte. Apesar do alcoolismo, o morador relembra com alegria das festas com os vizinhos e familiares naquela rua, as quais simbolizavam a união dos moradores do conjunto. A quantidade de pessoas era tamanha, que o casal Getúlio e Maria precisava revezar os convidados entre grupos de amigos e familiares, para que o espaço da casa deles pudesse atender a todos. Texto a partir do relato de Getúlio Alves dos Santos e Maria José Perdigão Alves em entrevista realizada em abril de 2019.

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Água

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NÃO VENDO POR NADA

Sr. Domingos de Souza morava com sua família, dois filhos e esposa, em Itambacuri/MG. Durante esse período, sua esposa adoeceu e foi internada em Governador Valadares, na sequência, foi transferida para Belo Horizonte. Quando sua mulher ganhou alta, eles voltaram para a sua cidade, isso em 1965. Devido à necessidade de sempre retornar à capital para pegar remédios e a vida financeira no interior ficar cada vez mais complicada, resolveram mudar-se para o bairro Santa Efigênia, em Belo Horizonte, em 6 de janeiro de 1971. Moraram de aluguel por três meses, até que o Sr. Domingos ganhou um terreno de um tio no mesmo bairro e construiu a casa para viver com sua família, um pequeno barraco, mas que foi de muita “valença”. A casa ficava à beira do ribeirão Arrudas, onde eram comuns as enchentes. Bastava chegar o período de chuvas que os moradores ficavam apreensivos. Adão de Souza, filho de Sr. Domingos, conta que os pais dormiam com uma das mãos tocando o chão, para que, caso a água entrasse de noite, eles conseguissem perceber. Em 1982, uma grande enchente tomou conta daquela comunidade, condenando diversas residências. A partir disso, o governo do estado providenciou o realojamento de algumas das famílias no bairro Morro Alto em Vespasiano. A família do Sr. Domingos não foi, pois não tinham recebido garantia de ganharem uma nova casa. Potencializada pela canalização do ribeirão Arrudas que fora feita apenas até um trecho, em 1983, outra grande enchente tomou aquela comunidade. A água que vinha compactada pelas manilhas era projetada com grande pressão, o que fez com que o ribeirão transbordasse, tomando toda aquela comunidade e arrastando diversos barracões à margem do rio. Todas as roupas, móveis e objetos foram perdidos, como lembra Sr. Domingos: “Eu vi esses meninos com a única roupa pregada no corpo, todos molhados, 50

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tremendo. De dentro da minha casa, de lembrança, só essa colher. Essa colher eu achei ela em cima de uma taboazinha que tinha no cantinho assim. No alto. Essa é lembrança. Pode me oferecer o dinheiro que for que eu não vendo ela”. Após essa enchente, o restante das famílias daquela região, incluindo a de Sr. Domingos, foi realojado no Conjunto Maria Antonieta Mello Azevedo em Santa Luzia, hoje conhecido como Palmital. Texto a partir do relato de Adão Pereira de Sousa e Domingos Pereira de Sousa em entrevista realizada em agosto de 2019.

Água

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TEMPO FECHADO

Maria Aparecida mudou-se junto com seus pais para o bairro Palmital em Santa Luzia em 1983, quando tinha 14 anos. Ao chegar à cidade, muitas foram as adaptações feitas, uma delas a criação de novos laços de amizade. No início, houve certa dificuldade, pois as pessoas pareciam muito diferentes das que moravam em seu antigo bairro, o Barreiro, em Belo Horizonte. Aquele bairro tinha um aspecto rural, onde existia uma maior aproximação entre as pessoas, talvez por estarem estabelecidas ali há mais tempo. No Palmital, as pessoas ainda estavam se adaptando à rotina. Maria, por exemplo, sentiu muita diferença na nova escola, que estava mais atrasada em conteúdo em relação à antiga. As idas e vindas para a escola eram sempre a pé. Nos períodos chuvosos, era muito complicado, pois devido às ruas serem de terra se formava muito barro. Caso o sapato molhasse, não daria para utilizá-lo no outro dia, tamanha a quantidade de lama que o sujava. Todos os dias, a mãe de Maria a buscava após a aula no bairro Cristina, localizado a cerca de 30 minutos da sua casa, pois ela estudava à noite e o caminho de volta para casa era muito escuro. “[…] aí minha mãe, toda noite, parava lá na padaria do Cristina e ficava me esperando”, lembra Maria. Além de escuro e molhado, o trajeto na chuva revelava outros perigos: “[…] quando chovia muito nem tinha como passar nas ruas, aí tinha esses canos em cima do córrego, eu morria de medo de passar em cima dos canos e cair dentro do córrego”. Anos depois, Maria casou-se e mudou-se para o bairro São Cosme. Ali, passou a dividir o mesmo espaço de moradia com a “casa de rações”, comércio que montou a fim de completar a renda familiar. Em 1996, uma enchente fez com que o córrego em frente à sua loja e casa transbordasse, perdendo grande parte da mercadoria. O que sobrou teve de ser vendido mais barato para tentar diminuir o prejuízo. Posteriormente, conseguiu se 52

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restabelecer. “Até hoje quando eu vejo que o céu escurece eu sinto medo [...] tava tão limpo no dia, eu tava tão feliz no dia que aconteceu isso, minha casa tava toda arrumadinha, porque eu morava aqui dentro da loja, aí tava tudo muito bem organizado. Aí a chuva veio, inesperada, e foi horrível. Aí tinha uma criança aqui comigo, e a gente teve que pular pelos fundos pra casa do vizinho, eu tive que deixar meu marido aqui dentro acudindo as coisas, até hoje eu tenho um pouco de trauma, eu temo.” Texto a partir do relato de Maria Aparecida Cerqueira Baia em entrevista realizada em setembro de 2018.

Água

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ENCHENTE NO RAUL

João Rosa Soares, nascido em Patos de Minas, mudou-se para o Cristina após conseguir uma casa pela COHAB. De início, o planejamento era morar no apartamento cedido pela companhia, mas ao tomar conhecimento do tamanho do imóvel, que para ele era pequeno demais, saiu em busca de outro espaço, até encontrar uma proposta no Cristina. Por ter se mudado ainda no início do bairro, João lembra que havia poucas casas ao seu redor, apesar de já haver vizinhos. Ademais, as casas no entorno eram precárias, mas foram melhorando com o passar do tempo. A Avenida Brasília também era precária. Sem sequer ter asfalto, jamais poderia se consolidar como um ponto comercial, o que se tornou exatamente após o asfaltamento da via. “O Raul” foi o primeiro lugar em que João Rosa trabalhou e lá permaneceu até sua aposentadoria. Apesar de não trabalhar mais lá, ele conta que às vezes vai ao lugar para se alimentar. Quando foi fundada, a escola Raul Teixeira da Costa era a melhor de sua região, o que lhe garantia uma boa condição de trabalho. Apesar das boas lembranças, o Raul também teve suas tragédias, como uma inundação que gerou sérias vítimas tanto no colégio quanto fora dele. Um pintor que morava a poucos metros da escola perdeu sua esposa durante o acontecimento, além de ter se ferido juntamente com seus filhos. A força da enchente foi grande o suficiente para quebrar o muro da escola, que foi reconstruído depois. Sobre o bairro Cristina, um fato interessante contado por João é que todas as suas ruas carregam nomes de pessoas que já faleceram, sendo uma parte composta por nomes em homenagem às vítimas de um acidente de ônibus (que levou a óbito por volta de 60 pessoas, a maioria crianças), e outra por nomes retirados do acervo do cemitério de Santa Luzia. Assim como suas ruas, o nome 54

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do bairro é também uma homenagem a uma falecida. No caso, Cristina foi a proprietária de uma fazenda que abrangia a área dos três bairros Cristina. Seu João é conhecido em sua vizinhança pelos cartazes que fazia com a intenção de salientar a conscientização de pedestres e motoristas sobre a rua e o cuidado que se deve ter ao deslocar-se nela. O que chama a atenção são as rimas simples presentes neles, que cativam a quem lê e são fáceis de gravar. Texto a partir do relato de João Rosa Soares em entrevista realizada em junho de 2019.

Água

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ENCHENTES E CASCALHOS

Devido morar em uma vila, a família de Evanilda Martins sempre sofria com o drama das recorrentes enchentes dos anos 1980 e 1990 no entorno do ribeirão Arrudas. Essa realidade fez com que se mudassem do bairro São Geraldo em Belo Horizonte para o bairro Baronesa em Santa Luzia, que ainda estava sendo loteado, mas não teria o mesmo problema quanto às enchentes. Nesse novo bairro, sua mãe comprou um lote de 360 m2, onde construíram sua casa. Naquele tempo não existiam grandes exigências para aquisição de bens imóveis, o que facilitou a aquisição daquele terreno. A compra foi parcelada e não foi necessária nenhuma entrada em dinheiro, “eu lembro bem que era na Afonso Pena 409, era lá que a gente ia pagar o carnezinho da prestação do nosso terreninho”. No entorno onde construíram, existiam apenas oito casas e, por ser o início do bairro, uma série de dificuldades foi enfrentada por aqueles moradores, principalmente quanto à ausência de infraestrutura básica. Desde pequenos, Evanilda e seus irmãos precisaram trabalhar para ajudar a mãe a pagar as despesas, pois o que ela ganhava como doméstica não era o suficiente para manter toda a família, o que era agravado devido a seu pai ter saúde frágil, vindo a óbito em 1975. Mesmo com as dificuldades diárias, as crianças daquele lugar conseguiam abstrair alguns problemas a partir das brincadeiras de rua. Quando pequenas, as crianças do bairro iam para uma grande cascalheira que havia no bairro ao lado, onde hoje é o IFMG Santa Luzia, e, utilizando papelões, brincavam de escorregar sobre o cascalho. Segundo Evanilda, chegavam em casa todos rasgados, mas elas nem ligavam para os machucados, logo que tinham oportunidade, voltavam para brincar. Texto a partir do relato de Evanilda Martins em entrevista realizada em janeiro de 2019. 56

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CERVEJA, SOPA E LAGOA

O Dú do Salão, como é conhecido Ernane Guimarães dos Santos, é morador do Londrina desde 1988. Ele se mudou do bairro Santa Mônica, em Belo Horizonte, para Santa Luzia aos sete anos de idade. Ele lembra que havia uma antiga fábrica de cerveja próximo ao seu atual estabelecimento. Essa fábrica fechou em Santa Luzia por volta de 2003, por causa do fim do contrato com a Prefeitura. Parece que os empresários não pagaram os impostos devidamente, além de deixarem muitos habitantes locais desempregados. Quando a fábrica fechou, a área onde ela se localizava se tornou muito perigosa. Era um local utilizado para delitos diversos. Porém, após um tempo, esse espaço abandonado veio a sediar um batalhão de polícia, o que acabou proporcionando alguma segurança nos arredores. Dú ouvia muitos moradores falarem que antigamente os terrenos da Escola Estadual Francisco Tibúrcio de Oliveira, do batalhão e do “Campo do Ratão”, eram uma lagoa que desembocava no córrego Londrina. Havia nessa região um Hospital Espírita onde eram servidas sopas à população, reforçando as áreas públicas do bairro como espaço de convivência. No entanto, isso se perdeu com o tempo e a população foi perdendo espaço para as gangues. Dú diz que o surgimento das gangues foi lá pelos anos 2000, e as novas ocupações vieram piorar a situação, pois trouxeram muitas pessoas de outros lugares. Dú guarda na memória a perda de amigos, clientes e conhecidos envolvidos com tráfico de drogas e outros crimes. Hoje, contudo, ele considera que a região está mais apaziguada. Texto a partir do relato de Ernane Guimarães dos Santos em entrevista realizada em abril de 2018.

Água

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Ônibus

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A LINHA 5516

Morador do conjunto Palmital, Elias dos Santos nunca se esqueceu da data em que se mudou para Santa Luzia: 3 de março de 1983. Ele morava no bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, junto com outras 1.100 famílias. Porém, após intensas chuvas, o ribeirão Arrudas transbordou. Devido a obras inacabadas de canalização do rio, a enchente destruiu muitos barracos das favelas nos arredores da Avenida do Contorno. Os moradores das vilas União, Perrela e Santa Terezinha (Vila da Baiana) tiveram suas vidas completamente modificadas por tais desmandos da natureza. Muita gente perdeu totalmente suas casas. Essas pessoas foram indenizadas pela Prefeitura e, muito tristes, tiveram que deixar o local onde viviam. Os moradores dessas vilas tinham um enorme vínculo com suas casas e os que restaram não aceitaram sair do local onde haviam construído suas histórias de vida. No entanto, um ano depois, por meio de um acordo entre eles e os governantes, cerca de 1.000 famílias concordaram em se mudar para o conjunto Palmital em Santa Luzia. Tal mudança não ocorreu de forma fácil, no novo bairro havia muitos problemas de saneamento básico, de transporte público, de abastecimento de água, de rede elétrica e de ensino. Os empregos eram escassos e muitos moradores não tinham documentos, pois foram perdidos nas águas do Arrudas. Elias, com ajuda de amigos, conseguiu fundar e inaugurar a Associação dos Moradores do Palmital em novembro de 1983. O espaço destinado para a associação era um pasto, porém ele enxergava o futuro. Para conseguir realizar a 1a missa no local, com a ajuda dos moradores, o pasto foi limpo em dois dias e, após 21 dias, para espanto do padre, as dependências já estavam sendo construídas com doações dos moradores. Nesse local, eram exibidos filmes educativos, para muitos o primeiro contato com o cinema. Muito havia de se

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fazer pelo Palmital e seus moradores que sofriam diversas formas de preconceito. Os moradores tinham que ir para o bairro vizinho, Cristina, para conseguir sair do bairro para trabalhar e estudar. A única linha de ônibus que existia na época passava pela avenida Antônio Carlos e chegava ao Cristina. No entanto, os moradores do Cristina não gostavam que as pessoas do Palmital usassem o coletivo, pois eram julgados como favelados. Mas o cenário virou, a associação uniu a população do Palmital e conseguiu uma linha de ônibus para atender o bairro, a 5516, que passava pela avenida Cristiano Machado. O sucesso da linha foi instantâneo e até os moradores do Cristina passaram a usá-la. Texto a partir do relato de Elias dos Santos em entrevista realizada em maio de 2017.

Ônibus

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CASAMENTO

Mário Damasceno e sua família moravam no bairro Salgado Filho em Belo Horizonte. Assim como diversos moradores dos bairros no entorno do ribeirão Arrudas, eles enfrentavam dificuldades nos períodos chuvosos. Ali, a água do rio passava muito próximo da casa em que eles moravam. Tendo avistado o perigo iminente, os pais de Mário fizeram uma inscrição junto à COHAB na tentativa de sair daquela região antes de um desastre. A partir desse cadastro, conseguiram adquirir uma casa no conjunto Cristina, tendo se mudado em março de 1982. Não conheciam ninguém ao chegarem ao bairro, no entanto a interação com os vizinhos não demorou muito, começou devido à ausência dos muros e à grande proximidade das residências. Inicialmente não existiam muitas opções de lazer, o que começou a mudar no início dos anos 1990, quando foram construídas algumas praças. Até então, a única diversão em um espaço comum era ir à missa aos domingos. Após a missa, o grupo de jovens se reunia para conversar e brincar juntos. Como forte lembrança, Mário se recorda da turma de amigos que se formou. Juntos, eles andavam por toda a cidade, mesmo de madrugada, até porque o ônibus não cobria todos os bairros. Em sua juventude, Mário conseguiu trabalho na região Centro-Sul de Belo horizonte, passando a percorrer cerca de 35 km todos os dias, um trajeto que durava cerca de três horas dentro do ônibus para chegar no horário. Dentro do contexto da mobilidade urbana e dos laços criados nesses espaços, Mário guarda consigo o que considera a melhor das histórias, a de como conheceu sua esposa. Devido à quantidade de ônibus ser limitada, eles fazia um longo trajeto para cobrir mais áreas dos bairros. Mário todos os dias segurava a bolsa das pessoas, para aliviar assim o espaço dos 62

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corredores. Nessas subidas e descidas de ônibus, acabou conhecendo sua esposa, uma das pessoas cuja bolsa sempre segurou e que as poucos foi conhecendo, até namorarem e posteriormente se casarem. “[…] essa é a melhor história, uma das melhores histórias que tem”. Texto a partir do relato de Mário do Rosário Damasceno em entrevista realizada em setembro de 2018.

Ônibus

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O ACIDENTE

Maria do Rosário, natural de Itanhomi/MG, é moradora do distrito São Benedito desde 1976. Ela vivenciou várias mudanças e vários acontecimentos na região. Dentre eles, talvez um dos mais impressionantes foi o acidente que ocorreu com um ônibus que levava crianças da escola Gervásio Lara em uma excursão para conhecer o Muro de Pedras, um local histórico da cidade de Santa Luzia. O trágico acidente ocorreu em 1976, morreram 16 crianças e a professora Lúcia Vianna Paiva. Posteriormente, uma escola da rede municipal foi inaugurada no bairro Baronesa com o nome em homenagem à professora. Outra imagem bastante marcante na memória da moradora é da falta de pavimentação das ruas da vizinhança. Ela se lembra de que quase nenhuma rua tinha pavimentação, o que tornava impossível se locomover no período das chuvas. Foi necessária uma mobilização popular para arrecadar dinheiro para que se fizesse um calçamento nas ruas. Texto a partir de relato de Maria do Rosário Gomes Gonçalves em entrevista realizada em maio de 2017.

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Escola

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O CAIC

Gladiston Viana morava na casa da sua avó no bairro Cachoeirinha em Belo Horizonte. Em 1984, mudou-se com sua família para o bairro Baronesa. Gladiston foi um dos funcionários do antigo CAIC do bairro Londrina. Segundo ele, o prédio entrou em atividades pouco antes de 1997. Gladiston trabalhou no centro de saúde que funcionava nas suas dependências até 1999. Ele diz que após esses dois anos foi para a prefeitura de Santa Luzia, mas o posto de saúde funcionou por cerca de nove anos. Ele relata que o projeto original era o PRONAICA, uma escola infantil com atendimentos sociais integrados. Porém o projeto social de integração entre ensino e cuidados com a saúde da população não foi para a frente, funcionando apenas o posto de saúde e a Escola Municipal Mariana Viana Castilho que, hoje, situa-se no terreno logo ao lado do Instituto Federal de Minas Gerais. Segundo o antigo funcionário, no primeiro pavilhão do CAIC situava-se o centro de saúde, que era composto pela equipe de PSF (Posto de Saúde da Família) e uma equipe de odontologia. Eram realizados atendimentos médicos para a comunidade local. Ali funcionou também o Conselho Tutelar, uma biblioteca pública e, no fundo, a escola primária Mariana Vianna. Os espaços do CAIC foram utilizados pela comunidade para formaturas, centros de estudos, eventos da juventude, cultos religiosos. Era tudo muito integrado e, segundo ele, é o que falta hoje em dia. Falta a juventude se unir e fazer com que o bairro se desenvolva, reivindicar os serviços públicos que são de direito da população e dever dos órgãos governamentais. Texto a partir do relato de Gladiston H. Viana de Souza em entrevista realizada em abril de 2017.

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QUADRA ABERTA

Fernando de Castro foi diretor por quatro anos do CAIC e conta o porquê do CAIC, mesmo não existindo mais, ainda ser tão presente nas lembranças da comunidade. Ele conta que os programas que lá havia foram os grandes protagonistas dessa memória, dentre eles o CRAS, APAE, PET, Projovem, programas profissionalizantes, dentre outros. Além disso, sempre eram feitos eventos que integravam a comunidade local, como casamentos, aniversários ou eventos comemorativos. Lembra-se de que, certa vez, o morro todo desceu para festejar o Congado e a parada final foi um almoço coletivo no CAIC. Essas e outras histórias compõem a memória afetiva coletiva. Fernando sentia a necessidade de integrar também os morros Santo Antônio e Santa Beatriz no cotidiano das atividades do CAIC. Dessa forma, convidou essas duas comunidades para uma reunião e lhes expôs seu desejo. Ficou combinado que todo dia após as 19 horas o uso da quadra seria exclusivo dessas comunidades, com a única condição de manterem o local como o receberam. Essa vontade de Fernando de quebrar paradigmas se justifica em suas experiências passadas, ele conta: “Eu já fui excluído e por onde passei tentei quebrar preconceitos”. Texto a partir do relato de Fernando de Castro em entrevista realizada em maio de 2018.

Escola

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FESTA DE 15 ANOS

Celeste Leal nasceu em 1980, na cidade de Itanhomi, próximo a Governador Valadares. Celeste mudou-se para Betim com seus pais quando tinha um ano de idade. Depois se mudaram para o bairro Santa Efigênia, onde moraram por volta de dois anos. Logo após esse período, em busca de uma vida financeira de baixo custo e mais tranquila, sua família mudou-se para o bairro Baronesa, que já conheciam, pois tinham parente que lá morava. Celeste foi marcada pela insatisfação em mudar-se constantemente de um lugar para o outro. A realidade da educação e do transporte coletivo de Santa Luzia foram questões que a preocupavam muito ainda quando era criança, para ela foi um choque de realidade. Sua primeira escola foi a Lucia Viana Paiva, instituição municipal bastante precária. Era tudo muito velho, dizia. Celeste sentiu um grande abalo causado pela destruição dos locais que frequentava, viu seu passado e o de muitos outros moradores desmoronar. Antigamente, ela brincava muito na rua, fazia piqueniques nas chácaras e podia ir sozinha para a escola. Realidade que hoje não existe mais. Segundo ela, o espaço onde está situado o Instituto Federal de Santa Luzia era uma cascalheira, um local devastado, perigoso, e de rivalidade entre as gangues do bairro Baronesa e Londrina. A implantação do CAIC nesse terreno foi uma verdadeira salvação. Diminuiu a rivalidade e o desconforto entre as pessoas, pois antes os moradores evitavam até mesmo passar perto do local após um certo horário. Ali, funcionava uma escola infantil destinada a moradores do bairro Londrina, porém, por ser a única biblioteca da região, era acessada por todos os estudantes das escolas próximas. O antigo CAIC foi palco de muitas memórias para Celeste. Ela relembra a festa de 15 anos da sua cunhada. Houve também formaturas, crismas, um centro de saúde, Conselho Tutelar e um Conselho da Mulher. Os moradores tinham uma relação muito 68

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intimista com o espaço, pois ele funcionava como uma junção entre os bairros, era aberto a todos. O CAIC ficou desocupado e abandonado por um bom tempo, mas, enquanto isso, havia a esperança da abertura de uma faculdade no local. Após descobrir que um dos cursos superiores ofertados seria o de Arquitetura e Urbanismo, o qual sempre sonhou cursar, Celeste começou a estudar e passou no vestibular, sendo assim uma das primeiras alunas do IFMG Campus Santa Luzia. Texto a partir do relato de Celeste Maria Leal Oliveira em entrevista realizada em maio de 2017.

Escola

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A CHEGADA DO IFMG – S ANTA LUZIA

Cassimiro conta que, na época do Governo Collor (1990 – 1992), surgiu um programa chamado Pronaica, e desse programa surgiram duas vertentes: uma delas foi o CAIC, que seria uma escola ampla e com inovações culturais e educacionais. Esse projeto educacional não se sustentou e, com o passar do tempo, os CAICs se tornaram escolas comuns. Posteriormente, os governos passaram o terreno para o Poder Municipal. Contudo, as cidades não conseguiam manter um espaço desse tamanho e, em pouco tempo, o projeto entrou em decadência. Em Santa Luzia, o terreno passou a ter outras utilidades, uma escola menor foi construída ao lado do CAIC. Mais tarde, foi lançado o projeto dos Institutos Federais e Santa Luzia tinha bastante interesse em obter um campus. Assim, o Governo Federal liberou um IF para a região; porém, essa oportunidade quase foi perdida por falta de terreno. Foi aí que surgiu a ideia de utilizar o terreno do CAIC para o Instituto Federal. O terreno atendia aos pré-requisitos, dentre eles a metragem quadrada e a localização periférica. Em fevereiro de 2014, foi inaugurada a unidade do IFMG, o campus Santa Luzia. A retirada dos programas que atuavam nesse espaço, como o CRAS, o posto de saúde e a assistência social, gerou polêmica entre a população. Porém o mais polêmico foi a retirada da APAE. A implantação da APAE em outro terreno foi complicada, pois o terreno não era de domínio público e se apresentava bastante acidentado. Texto a partir do relato de José Cassimiro da Silva em entrevista realizada em junho de 2018.

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MELHORIAS NO ENTORNO DO IFMG

Iolanda, antiga moradora do bairro Pompeia, em Belo Horizonte, mudou-se para o bairro Londrina em Santa Luzia no ano de 2003. Iolanda sempre trabalhou na região. Ela se lembra de ter trabalhado no antigo posto de saúde do bairro Londrina, que funcionava dentro de um Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAIC), espaço onde posteriormente veio a ser instalado o Instituto Federal de Minas Gerais – I FMG, em 2014. Com o passar dos anos, Iolanda presenciou melhorias na infraestrutura dos bairros do entorno, como no transporte público, pavimentação das ruas e o surgimento de negócios e comércios locais. A moradora, ainda, diz esperar por outras melhorias em seu bairro, principalmente em creches e escolas infantis. Texto a partir do relato de Iolanda dos Santos Silva Ferreira em entrevista realizada em março de 2017.

Escola

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Parque

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A MATA DO RAUL

A luta para a realização do parque na mata do Raul começou em meados dos anos 1990, quando estudantes e professores da Escola Estadual Raul Teixeira da Costa Sobrinho (RATECOS) se mobilizaram para que a área da mata em frente à escola pudesse ser utilizada como um parque. A escola propunha atividades imersivas para estimular a reflexão sobre a importância da preservação daquela área, uma das poucas áreas verdes públicas do Distrito de São Benedito. No período em que estudava no Raul, Gibran Muller e seus amigos participavam de atividades artísticas no Parque da Lagoa do Nado em Belo Horizonte, o que os fez questionar a função social da mata do Raul, enxergando um grande potencial do local se tornar uma reserva, precisando apenas de articulação institucional. Após se formar no ensino médio, Gibran, junto a alguns ex-alunos da RATECOS, identificando a importância da preservação daquela área, passou a desenvolver uma série de ações a fim de transformar a mata em um espaço de uso comum. Esse grupo de ex-alunos fez um convênio com o Ministério da Cultura para a formação de um ponto de cultura, o Art22 (Associação de Ideias Ambientais e Ações Socioculturais), com foco em ações ambientais e valorização da produção cultural e artística na região do São Benedito. O Art22 passou a promover fóruns de discussão com a comunidade a fim de entender quais seriam os desejos para aquele local, além de investigar a melhor forma de aquele espaço se transformar em uma área de bem comum. Desde então, o Art22 enfrentou várias dificuldades, uma delas em 2013, que levou à mobilização social contra um projeto de lei que permitia a doação da área para a implantação de um parque gráfico, proposta por um vereador da cidade. O projeto foi feito e encaminhado rapidamente para a apreciação da Câmara; no entanto, durante a noite, foi descoberto que ele seria votado na 74

Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


manhã posterior. Diante do iminente risco de perder esse espaço de uso público, às cinco horas daquela manhã o diretor da RATECOS foi acionado e, às sete horas, estavam alunos e funcionários da escola fechando a Avenida Brasília, a principal do São Benedito. Essa manifestação popular impediu que o projeto de doação do terreno avançasse. Apesar de tantos anos de luta para a construção do parque, muito pouco foi feito por parte da Prefeitura. De acordo com Gibran, as políticas ambientais do município são muito defasadas e os governantes da cidade não demonstram entendimento sobre o destino da área. Atualmente, os moradores da região e os membros do Art22 continuam atuando, agora em parceria com o IFMG, realizando mobilizações e atividades para que a implementação do parque aconteça. “Cadê meu balanço?” é uma pergunta feita por Gibran, que ainda sonha com um espaço verde público no local da mata, onde as famílias possam se divertir e as crianças brincar e crescer com melhor qualidade de vida. Texto a partir do relato de Gibran Muller em entrevista realizada em junho de 2018.

Parque

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Jornal

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O PLEBISCITO PELA EMANCIPAÇÃO

Em 1995, surgiu a ideia de emancipar o Distrito de São Benedito para que ele se tornasse uma cidade. O processo de emancipação foi iniciado mediante requerimento do deputado Carlos Murta, recebido em 25 de maio de 1995 na Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Na época, o jornal Diário da Tarde estava publicando matérias com notícias duvidosas a respeito da área que seria incorporada ao distrito, induzindo as pessoas a lutar pela emancipação. Fernando de Castro, desconfiado de toda essa informação, imediatamente procurou um juiz eleitoral para que ele cobrasse da Assembleia Legislativa e do prefeito os verdadeiros limites do São Benedito, pois, em seis dias, aconteceria o plebiscito para a emancipação, pautado por falsas informações. A decisão do juiz foi de exigir a correção de toda a informação veiculada, que erroneamente ampliava de 29 km2 para 44 km2 a área do Distrito de São Benedito no caso de ele ser emancipado. No fim, a emancipação não foi aprovada, já que a maioria das pessoas não compareceu à votação para a decisão. Texto a partir do relato de Fernando de Castro em entrevista realizada em maio de 2018.

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Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


O ESTOPIM

Segundo Cassimiro, durante a década de 1980, foi muito importante a atuação dos movimentos populares na formação do Distrito de São Benedito. Esses movimentos tiveram forte presença na cidade, tinham o objetivo de garantir os direitos para a população que estava se consolidando na região. Uma das razões para a efervescência desses movimentos seria a Constituição Brasileira, que estava sendo revista. Nesse mesmo período, se formaram diversas associações de bairro, que, diferentemente das atuais propostas – funcionar como plataforma eleitoral de políticos –, eram espaços de militância política, a fim de garantir os direitos da população, cobrando do executivo e denunciando irregularidades. Surgiram aí diversos movimentos, como: o Movimento Sem Casa, o Movimento Negro e a União dos Movimentos Populares (UNIMOP). Além disso, também surgiu a SECLAP (Sociedade de Educação e Cultura Popular de Santa Luzia e Adjacências), que tinha o objetivo de promover a educação popular utilizando o método de Paulo Freire. A partir da SECLAP surgiu o jornal O Estopim, focado na divulgação das lutas sociais da cidade e na proposição da reflexão sobre as lutas políticas. Esse jornal se destacou dentro da cidade devido ao seu diferencial de publicação, pois o único jornal da cidade, o Folha Luziense, poderia ser considerado “chapa branca”, seu único foco era elevar o nome do prefeito e mostrar as obras feitas pela Prefeitura que minimamente beneficiavam os moradores das periferias de Santa Luzia. Além de provocar uma forte reação da elite da época, o surgimento e a circulação de O Estopim foi de grande contribuição para a vinda de um grupo de padres xaverianos para os bairros Asteca, Londrina e Baronesa, que ajudaram fortemente no desenvolvimento Jornal

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social daquela população. Com a chegada dos xaverianos, foi construída a paróquia São Raimundo Nonato. Nos bairros Palmital e Cristina teriam vindo padres jesuítas, que trouxeram a lógica das pastorais sociais. Ali foram construídas duas paróquias, a Nossa Senhora da Paz e a Nossa Senhora da Penha. Texto a partir do relato de José Cassimiro da Silva em entrevista realizada em junho de 2017.

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Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


Imagens

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Valdemiro Xisto dos Reis, primeiro Vicentino do bairro São Benedito. Acervo de Fernando de Castro.

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Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


Primeiro ônibus a circular na região do São Benedito em 1965. Acervo de Fernando de Castro. Imagens

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Dona Dirce. Acervo de Fernanda e Dirce.

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Espaรงo da Memรณria no Distrito de Sรฃo Benedito


Dona Maria costurando na varanda dos fundos de sua residĂŞncia. Acervo de Darci e Maria.

Imagens

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Área externa. Acervo Gloriangela Laurenço Freitas.

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Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


Crianรงa com conjunto Cristina ao fundo. Acervo de Washington e Carmen.

Imagens

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Fachada da casa de Maria Efigênia em 2018. Acervo do projeto Espaço da Memória.

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Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


Avenida Europa, localizada no bairro Baronesa em 1998. Acervo de Celeste Leal.

Imagens

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Recibo de prestação da COHAB. Acervo de Fernanda e Dirce.

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Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


Festa. Acervo de Gloriangela Laurenรงo Freitas.

Imagens

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Arrimo. Acervo de Ronaldo Arcanjo e Fernanda Arcanjo.

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Espaรงo da Memรณria no Distrito de Sรฃo Benedito


Equipe de carpinteiros que construĂ­ram o telhado de Darci e Maria. Acervo de Darci e Maria.

Imagens

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Preparativos da E.M. Maria Vianna de Castilho para o desfile de 7 de Setembro de 1999. Acervo da E.M Marina Vianna de Castilho.

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Espaรงo da Memรณria no Distrito de Sรฃo Benedito


Festa na varanda. Acervo de Darci e Maria.

Imagens

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Documento de aquisição de um terreno no bairro São Benedito em 06/05/1954, em nome de Erivaldo Mendes Machado, pai de Fernando de Castro. Acervo de Fernando de Castro.

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Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


Churrasco. Acervo de Daniel Leal e Maria Leal.

Imagens

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Prédio do antigo CAIC, recém inaugurado em 1996. Acervo da E.M. Marina Vianna de Castilho.

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Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


Inauguração do posto de Saúde “Saulo Rocha Diniz”, o primeiro posto de saúde da região do São Benedito em 1986. Acervo de Fernando de Castro.

Imagens

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Bairro Baronesa visto a partir da Vila Santo Antônio em 1988. Acervo de Geraldo Santos.

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Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


Primeiros moradores do SĂŁo Benedito: Oscar Freitas e Nair Freitas, sua irmĂŁ. Acervo de Fernando de Castro.

Imagens

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Jogadores no campo do Nacional. Acervo de Zenaide.

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Espaรงo da Memรณria no Distrito de Sรฃo Benedito


Rainha de Bateria da escola de Samba do bairro Palmital. Acervo de Elias Santos.

Imagens

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Fachada da casa. Acervo de Zenaide.

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Espaรงo da Memรณria no Distrito de Sรฃo Benedito


Quarto. Acervo Gloriangela Laurenรงo Freitas.

Imagens

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Escritura de compra e venda de imรณvel. Acervo de Daniel Leal e Maria Leal.

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Espaรงo da Memรณria no Distrito de Sรฃo Benedito


Barracão em construção nos fundos da casa. Acervo de Daniel Leal e Maria Leal.

Imagens

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As telhas de Darci sendo pintadas por Maria. Acervo de Darci e Maria.

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Espaรงo da Memรณria no Distrito de Sรฃo Benedito


Churrasco e casamento. Acervo de Gloriangela Laurenรงo Freitas.

Imagens

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Maria de Fátima Cerqueira Bahia, mãe de Maria Aparecida. Acervo do projeto Espaço da Memória.

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Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


Jornal O estopim, junho de 1987. Acervo de JosĂŠ Cassimiro.

Imagens

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Semana temática da E.M. Marina Vianna de Castilho, até então localizada no prédio do CAIC – 2000. Acervo da E.M. Marina Vianna de Castilho.

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Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


Cรณrrego no bairro Asteca. Acervo do projeto Espaรงo da Memรณria.

Imagens

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Casa, รกrea externa. Acervo Gloriangela Laurenรงo Freitas.

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Espaรงo da Memรณria no Distrito de Sรฃo Benedito


Mitchel, neto de Dona Dirce, sentado na calçada em frente a sua casa na dÊcada de 80. Acervo de Fernanda e Dirce.

Imagens

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Primeiros moradores do São Benedito: José Alves de Azevedo, conhecido como Juca Bispo. Acervo de Fernando de Castro.

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Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


Lazer da família. Acervo de Gloriangela Laurenço Freitas

Imagens

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Família. Acervo de Fernanda e Dirce.

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Espaço da Memória no Distrito de São Benedito


Quadro de energia na sala dos professores do IFMG Santa Luzia. Acervo do projeto Espaรงo da Memรณria.

Imagens

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Primeiros moradores do São Benedito: Felício José Inácio e sua esposa Valdete. Acervo de Fernando de Castro.

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Desfile com bairro Palmital ao fundo. Acervo de Fernanda e Dirce.

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Croqui da casa. Acervo de Daniel Leal e Maria Leal. 122

Espaรงo da Memรณria no Distrito de Sรฃo Benedito


Banho no tanque. Acervo de Wasington e Carmen.

Imagens

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Visita. Acervo de Wasington e Carmen.

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Espaรงo da Memรณria no Distrito de Sรฃo Benedito


Maria Aparecida em sua “Casa de Rações” em 2018. Acervo do projeto Espaço da Memória.

Imagens

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Da Maria Efigênia ao Telefone em 2017. Acervo do projeto Espaço da Memória.

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Primeira casa de Gloriangela no bairro São Benedito. Acervo de Gloriangela Laurenço Freitas.

Imagens

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EQUIPE ESPAÇO DA MEMÓRIA

Projeto de Pesquisa aplicada do IFMG Edital 104/2016: Espaço da Memória: produção de identidades, pertencimento e empoderamento social na região do entorno do IFMG – Campus Santa Luzia Projeto de Pesquisa aplicada do IFMG Edital 59/2018: Espaço da memória: compartilhando memórias coletivas COORDENAÇÃO Roxane Sidney Breno Silva BOLSISTAS ENTRE 2017 E 2019 Ana Clara Boari de Souza Celeste Maria Leal Oliveira Gabriel Bernardes de Oliveira Gabriela Mendonça Teixeira Geraldo Magela dos Santos Junior Gislaine Moreira de Souza Julia Márcia de Oliveira Alvim Lucas Figueiredo Custodio Marina Araújo Poloni de Amaro Maurício Carvalho Batista Filho Samuel Oliveira Pereira Vinícius Henrique Rodrigues Barbosa Este livro foi realizado com recursos do IFMG edital 104/2016 de Pesquisa Aplicada

Realização


© Breno Silva, 2019 © Roxane Sidney, 2019 COORDENAÇÃO EDITORIAL Impressões de Minas CAPA Mário Vinícius sobre desenho de Wallison Gontijo PROJETO GRÁFICO & DIAGRAMAÇÃO Mário Vinícius REVISÃO Diogo da Costa Rufatto

FICHA CATALOGRÁFICA S586e 2019

Silva, Breno. Espaço da memória no distrito de São Benedito / Breno Silva, Roxane S. R. Mendonça, Organizadores. – Belo Horizonte: Impressões de Minas, 2019. 127 p.; 13 cm × 18 cm.

ISBN: 978-85-63612-74-8

1. História do Brasil. 2. Relatos. 3. Memória. 4. São Benedito (Santa Luzia, MG). I. Mendonça, Roxane S.R. II. Título CDD: 981 CDU: 91 (81) Ficha catalográfica elaborada por: Vagner Rodolfo da Silva CRB-8/9410

Impressões de Minas rua Bueno Brandão  80  Floresta 31015-178  Belo Horizonte – MG Tel. (31) 3492 2383 www.impressoesdeminas.com.br


Este livro foi impresso em novembro de 2019 na gráfica da Impressões de Minas. O papel do miolo é o Pólen Bold 90 g/m2 e o da capa é o Supremo 250 g/m2. Composto em Supria Sans.



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