JOÃO CAVALCANTE
COMO OVELHAS QUE TÊM PASTOR FORMAÇÃO DE LÍDERES COM CORAÇÃO PASTORAL
COMO OVELHAS QUE TÊM PASTOR
JOÃO CAVALCANTE
COMO OVELHAS QUE TÊM PASTOR FORMAÇÃO DE LÍDERES COM CORAÇÃO PASTORAL 1ª edição
Curitiba 2015
João Cavalcante
Como ovelhas que têm pastor Formação de líderes com coração pastoral
Coordenação editorial: Walter Feckinghaus Revisão: Josiane Zanon Moreschi Edição: Sandro Bier Capa: Sandro Bier Editoração eletrônica: Josiane Zanon Moreschi
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Cavalcante, João Como ovelhas que têm pastor : formação de líderes com coração pastoral / João Cavalcante. - - 1. ed. - - : Editora Esperança, 2015. Bibliografia ISBN 978-85-7839-127-0 1. Liderança - Aspectos religiosos - Cristianismo 2. Liderança cristã 3. Líderes cristãos 4. Ordenação de líderes I. Título 15-08900
CDD-253
Índices para catálogo sistemático:
1. Liderança cristã : Teologia pastoral : Cristianismo 253 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total e parcial sem permissão escrita dos editores. Editora Evangélica Esperança Rua Aviador Vicente Wolski, 353 - CEP 82510-420 - Curitiba - PR Fone/fax: (41) 3022-3390 comercial@esperanca-editora.com.br - www.editoraesperanca.com.br
Sumário
Dedicatória.......................................................................................................................7
Agradecimentos.............................................................................................................9 Prefácio.............................................................................................................................11 Introdução........................................................................................................................13
Capítulo 1 – Ovelhas sem pastor................................................................17 Capítulo 2 – Líderes pastorais que atendem ao anseio das ovelhas..........................................................31
Capítulo 3 – Líderes pastorais em plena pós-modernidade..........51 Capítulo 4 – Competências de um líder pastoral................................65
Capítulo 5 – Uma dose de filosofia – de educação............................81 Capítulo 6 – Da filosofia aos métodos....................................................93 Capítulo 7 – Observando Jesus na formação de líderes pastorais...........................................................117
Capítulo 8 – Vivendo e aprendendo......................................................129
Capítulo 9 – O coração do líder pastoral............................................141
Capítulo 10 – Líderes pastorais em contextos especializados.................................................155 Capítulo 11 – Líderes pastorais que abrem caminho para líderes pastorais.......................................................169
Capítulo 12 – Parcerias – juntos podemos mais.................................179
Conclusão.......................................................................................................191 Bibliografia..............................................................................................193 Identidade, Visão e Missão de TOPIC Brasil..........................................199 Confissão de Fé de TOPIC............................................................................201
Fundamentos teológicos de consenso para TOPIC..........................203
Dedicatória
E
ste trabalho é dedicado à memória de meu filho Eliézer. O
pastor Eliézer Cavalcante viveu bem menos do que nós gosta-
ríamos, formou-se pastor e pastoreou com as limitações dos humanos e a dedicação dos verdadeiros pastores. A última vez em que o
vi chorar (e nem mesmo me lembro de tê-lo visto chorando outras
vezes em sua vida adulta) foi diante do questionamento que ardia em seu coração: “Que tipo de pastores teremos no futuro?” Eu não conseguia entender que angústia era aquela... A última vez em que
o vi sorrir (um lindo sorriso!) foi diante de sua igreja: pleno, feliz, pastor! Poucas horas depois ele se tornou membro da igreja triunfante. Viveu trinta e três anos. Durante onze anos, foi pastor!
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Agradecimentos
M
inha profunda gratidão a Deus que me fortaleceu, [...] que me considerou fiel, designando-me para o ministério (1Tm 1.12).
Aélia, minha esposa. Nenhuma pessoa teve e tem mais influência em minha vida do que ela! E com ela, nossos filhos, Eliézer e Kalley com suas respectivas esposas, Flávia e Águeda, e nosso neto, o Pedro Henrique. À Igreja Cristã Evangélica do Brasil, que foi o ambiente principal no qual “vesti minha primeira roupa de pastor”, e onde tenho servido no ministério nos últimos quase quarenta anos, especialmente na arte de participar na formação cristã de líderes pastorais. Aos companheiros de TOPIC – Trainers of Pastors International Coalision, especialmente os colegas de trabalho no Brasil. Tenho a honra de mencionar os irmãos que mais recentemente fazem TOPIC “acontecer”: Paul Landrey e Lowell Bailey, Ozéas Gomes, Juracy Bahia, Walter Feckinghaus, Rainerson Israel, Mickey Counter, Vitor Mamberti e outros colegas.
À Editora Esperança. Mais especialmente, ao meu irmão, pastor Walter Feckinghaus, que efetivamente exerceu o papel de motivador, cobrador (quase algoz), editor e facilitador para que este trabalho tenha sido feito.
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Prefácio
E
ste livro, escrito com maestria por João Cavalcante, retrata e complementa o resultado da caminhada da TOPIC Brasil, que foi fundada em 2001. TOPIC (Trainers of Pastors International Coalition) surgiu na consulta internacional de Manila, Filipinas, em março de 1999, ocasião em que foi escolhido seu líder, Paul Landrey. Em seguida, em maio de 2000, aconteceu na Costa Rica a consulta TOPIC para a América Latina. Dela participaram 18 pessoas do Brasil. Esse grupo brasileiro organizou a primeira consulta de TOPIC no Brasil de 21 a 24 de agosto de 2001, na cidade de Anápolis, Goiás, onde nasceu Topic Brasil.
Desde então, durante as consultas anuais, a equipe tem trabalhado arduamente para oferecer apoio ao pastoreio de membros novos e antigos da igreja brasileira, que se encontra em pleno crescimento. A Visão de TOPIC Brasil é: “Que cada igreja tenha pelo menos um pastor treinado, equipado e crescendo em maturidade”.
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Como ovelhas que têm pastor Materiais elaborados tais como “Princípios da Educação Vivencial LPCA” e “As oito competências de um LPCA (Líder Pastoral Capacitado e em Amadurecimento)” estão livres para download no site da TOPIC Brasil (www.topicbrasil.org/).
Neste livro, João Cavalcante, que em meio ao processo de escrever foi atingido por experiências muito desconcertantes, como a perda de um dos seus queridos filhos em um trágico acidente e, além disso, está tratando de um câncer que debilitou suas forças físicas e emocionais, elaborou um texto que, apesar de sua complexidade, tornou fácil de entender e, com certeza, oferece aos seus leitores um material didático excelente para a formação e estruturação de um pastoreio saudável.
Este livro deixa transparecer a experiência, o conhecimento e a capacidade singular do pastor João Cavalcante, que durante muitos anos tem atuado como educador, professor e diretor do seminário SETECEB, em Anápolis. João tem sido o irmão que durante todos estes anos tem colaborado com apresentações, palestras e contribuições valiosas, com seu jeito amável e dedicado, nas consultas de TOPIC Brasil. Agradecemos a Deus pelo esforço e pelo dom especial em comunicar, de uma maneira didática e acessível, as propostas para o pastoreio do rebanho de Deus.
Walter Feckinghaus
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Introdução
Como ovelhas sem pastor
O
poder do argumento que se fundamenta em estatística séria é muito grande! A informação chega e quase que nos obriga a fazer alguma coisa com os dados que apresenta. O ponto de partida deste trabalho foi a comprovação estatística de que uma grande quantidade de crentes em Jesus (ou pelo menos, pessoas que assim se denominam ou se percebem) e muitas igrejas chamadas evangélicas estão carentes de um ministério pastoral saudável. Quando ouvi as informações, duvidei bastante. Achei que não seria possível porque conheço muitos pastores sem igreja, e também conheço igrejas que contam com diversos pastores. Avaliando mais de perto e de uma forma mais ampla, fui convencido de que a questão era mesmo muito séria e algo precisava ser feito. Desde bem jovem tenho estado envolvido na formação de líderes pastorais e, desse modo, foi fácil me juntar a um grupo de amigos que formaram uma organização interessada em atuar nessa área, chamada TOPIC, na busca de uma ação mais eficaz para cooperar no atendimento a
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Como ovelhas que têm pastor essa necessidade que já foi declarada pelo Senhor Jesus, e que tem chegado até muitos de nós, que estamos envolvidos em formação de líderes com coração pastoral.
TOPIC – Trainers of Pastors International Coalision – é um movimento que surgiu em meio ao incômodo mencionado anteriormente. Teve como porta-voz inicial um irmão nascido na Índia e que leciona atualmente no Seminário Teológico de Dallas, Estados Unidos, o dr. Ramesh Richard. A organização recebeu apoio de diversas organizações evangélicas internacionais e rapidamente espalhou-se entre líderes evangélicos de todas as partes do mundo, especialmente entre aqueles que têm se dedicado à formação de líderes pastorais, tanto de modo formal quanto, ainda mais especialmente, de modo não formal.
Um grupo bastante consistente e representativo da igreja evangélica brasileira tem se unido à TOPIC desde o seu princípio e, por meio de encontros, seminários, produção de material e troca de experiência, está engajado na visão de participar efetivamente na formação (transformação, aperfeiçoamento) de líderes pastorais que sirvam ainda melhor, tanto no pastoreio das inúmeras igrejas já mencionadas, quanto no pastoreio pessoal e fundamental que os cristãos tanto necessitam. Para manutenção da unidade internacional do projeto, os brasileiros mantiveram o nome “TOPIC”, e apenas acrescentaram a palavra “Brasil”, formando oficialmente (e legalmente) uma associação denominada “TOPIC-Brasil”. Desse modo, o ponto de partida para este trabalho está no pressuposto de que toda ovelha deve ser pastoreada, e que todas as igrejas devem ter o direito a uma liderança pastoral saudável e preparada. O trabalho evangelístico e o surgimento de mais e mais igrejas no Brasil e em outros países do mundo devem ser complementados por um trabalho sério e consistente de formação de líderes pastorais, sob pena de termos, no futuro, uma história lamentá-
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Introdução – Como ovelhas sem pastor vel a ser contada por aqueles que nos sucederem. A proposta deste livro é discutir e avaliar caminhos para um projeto cooperativo e bem fundamentado de formação de líderes pastorais de modo que evitemos ou, pelo menos, nos esforcemos para diminuir a realidade de “ovelhas que não têm pastor”.
O leitor pode conhecer mais sobre a essência do que os membros de TOPIC creem ao consultar sua Confissão de Fé no Apêndice A. Seguem aqui alguns princípios e crenças que foram considerados pelas pessoas envolvidas e se tornaram pressupostos para o esforço delas e daquelas que se unirão ao projeto, sejam elas vinculadas à TOPIC, ou mesmo em outros caminhos que porventura forem abertos pelo Senhor para o cumprimento dessa missão de participar efetivamente na formação de líderes pastorais para a igreja do Senhor Jesus. • Uma igreja local só é saudável na medida da saúde de seus líderes pastorais. A existência de líderes pastorais qualificados é crítica para a saúde da igreja local e em todos os contextos do mundo.
• Grande número de líderes pastorais, em um contexto de igrejas que estão crescendo rapidamente, precisam de preparo ministerial essencial e integral. A Grande Comissão não será cumprida sem efetivo trabalho de equipar líderes pastorais. • Oração ao Senhor da Seara é fundamental para o surgimento e aperfeiçoamento dos líderes pastorais necessários para a igreja do Senhor Jesus.
• As competências para um ministério pastoral efetivo em qualquer congregação são resultado da existência de caráter bíblico e conhecimento dos princípios e habilidades que se fundamentam na Bíblia.
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Como ovelhas que têm pastor • Cooperação reflete o Corpo de Cristo e otimiza recursos humanos e financeiros. O desafio do preparo ministerial de líderes pastorais será mais bem atendido na medida em que houver uma cooperação entre organizações que se dedicam a essa tarefa.
• O investimento na formação de líderes pastorais que sejam capazes de equipar os santos para toda boa obra é o melhor caminho para se fazer missões nos dias atuais.
• Uma alternativa preciosa para atender a urgente necessidade de líderes pastorais em locais economicamente limitados é usar metodologias não tradicionais de educação. • A multiplicação de líderes pastorais deve acontecer de modo contextualizado, tanto no conteúdo quanto no processo e avaliação dos resultados do trabalho.
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Capítulo 1 Ovelhas sem pastor
A
ideia de que “homem não chora” já não é tão aceita hoje como era antigamente. Mesmo assim, é natural que se avalie o que seria suficiente para fazer um homem adulto chorar. Qual seria uma motivação válida? Naturalmente, aquilo ou aquele que nos faz chorar demonstra nossa escala de valores, o que amamos especialmente, o que realmente importa para nós.
A Bíblia nos informa as poucas oportunidades em que Jesus chorou. Uma delas foi por ocasião da morte de seu amigo Lázaro. As pessoas em volta avaliaram que as lágrimas atestavam que, certamente, Jesus amava Lázaro. Outra situação foi em Lucas 19.41, diante de um povo sofrido e perdido, efetivamente sem pastor. Em Mateus 9.36, somos informados de que Jesus é tomado de compaixão diante do fato de que as multidões eram “como ovelhas que não têm pastor”. Após a ressurreição, a manifesta vontade de Deus para Pedro (Jo 21.15-17) não deixa dúvida de que essa era uma questão importante para ele. Para o Senhor Jesus, não faz sentido que as
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Como ovelhas que têm pastor pessoas estejam perdidas, sem esperança e sem orientação – como ovelhas sem pastor. Essa questão deve ser importante também para nós. Certamente faz parte do plano de Deus que as pessoas sejam pastoreadas, e é nosso trabalho, como líderes ministeriais, cooperar na tarefa de suprir a igreja do Senhor Jesus com pastores segundo o coração de Deus.
“Ovelhas sem pastor” entre os não crentes O olhar perceptivo e generoso de Jesus tem sido inspiração para muitos dos líderes evangélicos que não são indiferentes ao sofrimento humano. Incomoda para esses irmãos e irmãs o fato de que uma parcela significativa da população não seja pastoreada, uma vez que está fora do rebanho do Senhor. São homens e mulheres, adultos e crianças, pessoas de todas as classes sociais, pessoas perdidas. A morte espiritual as faz serem incluídas nesse grupo pelo qual choram os líderes que se preocupam com as mesmas causas que produzem as lágrimas do Senhor Jesus.
Na Bíblia, os que não viram ainda a “grande luz do Evangelho” (Mt 4.16) estão em trevas, e são como ovelhas sem pastor. Estão perdidos, alienados da família de Deus, condenados, “sem esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2.12). Por essa razão estão incluídas no público-alvo deste trabalho. Carecem de um pastor, e carecem ainda de um encontro pessoal com Jesus Cristo, nosso Senhor.
Essas “ovelhas sem pastor” estão por todo lado, e na verdade, formam a grande maioria da população. Se, por exemplo, nos detivermos em notar quem são nossos vizinhos, vamos encontrar pessoas sem pastor. Estão nos diversos ambientes de trabalho. Um passeio a uma feira livre ou a um shopping center será a
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Capítulo 1 – Ovelhas sem pastor oportunidade adequada para encontrar pessoas que são como ovelhas sem pastor. Basta ligar a televisão, ir até a rodoviária da cidade ou a um aeroporto, conhecer os alunos, funcionários e professores de uma escola, ou mesmo fazer uma visita a um hospital ou a uma prisão. É como ovelha sem pastor a grande maioria dos moradores das grandes cidades, tanto os da periferia quanto os que vivem em suas regiões nobres. Pessoas das diferentes gerações podem ser identificadas como parte desse rebanho desgarrado e desassistido. Essas pessoas que podem ser identificadas como ovelhas sem pastor estão nas pequenas cidades de interior, nas comunidades indígenas, entre os quilombolas e sertanejos. Muito mais do que a metade da população brasileira é como ovelha sem pastor! E o Senhor Jesus se angustiava por causa dos que eram percebidos desse modo! Sem um pastor, essas pessoas fazem o que lhes vem à mente. Vivem de acordo com as normas sociais e ditames do sistema de marketing que influencia a uns e a todos, são levados pelos ventos de doutrina, pelos enganos do inimigo. Mesmo do ponto de vista religioso, são cegos que guiam outros cegos e, por isso, estão perdidos mesmo quando se tornam consumidores de empresas religiosas que lhes exploram a fé, mas não lhes oferecem pastoreio verdadeiro. Talvez não desejemos incluir esse grupo entre o que chamamos de “ovelhas sem pastor” porque, em um sentido, ainda não são ovelhas. A verdade, porém, é que não seria justo excluí-las, especialmente considerando o fato de que aqueles por quem Jesus se compadeceu seriam incluídos especificamente nesse grupo, pois ainda não criam nele.
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Como ovelhas que têm pastor “Ovelhas sem pastor” entre os crentes Primeiro tenho que contar com a gentileza de quem lê para não tomar ao pé da letra os rótulos que não consegui evitar – crentes e não crentes, por exemplo. Estou me referindo agora ao fato de que há um enorme crescimento no número de igrejas chamadas de “evangélicas”, e seus frequentadores são, geralmente, chamados no Brasil de “crentes”. A preocupação, então, está em duas dimensões: igrejas sem pastor e igrejas que contam com um ou mais pastores, mas cujos membros não são efetivamente pastoreados.
Vamos colocar toda a questão a partir de um tema bastante recorrente entre os que se envolveram com formação de líderes pastorais (sendo ou não parte da organização TOPIC). Primeiro, as pessoas criadas por Deus e que povoam a terra devem ter direito a uma manifestação da presença de Deus no mundo na forma de igreja – ou seja, no nosso caso, cremos que a presença da igreja deve ser sentida em todos os cantos e recantos do Brasil. Segundo, cada uma dessas igrejas (organismos ou instituições) possui o direito de ser devidamente pastoreada. Terceiro, o pastoreio de cada igreja deve alcançar de modo efetivo e eficaz a cada um de seus membros, da maneira mais plena possível. Uma suspeita que realmente nos incomoda é que haja uma grande quantidade de membros de igrejas que estão privados do benefício de um pastoreio adequado. O percentual de pessoas que se dizem evangélicas ou protestantes no Brasil aumentou muito nos últimos anos, como pode ser notado pelo “senso comum”, e até mesmo pelas agências oficiais de estatísticas. O IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – informa que em 1980 éramos 6,6% da população brasileira, em 1991 passamos para 9,0%, e já nos anos 2000 éramos 15,4% de evangélicos em relação à população brasileira. Em 2010
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Capítulo 1 – Ovelhas sem pastor chegamos a 22,2% de evangélicos. Considerando o crescimento populacional, esse aumento se torna, de fato, algo extraordinário. A própria mídia tem divulgado o fato do crescimento de evangélicos, e trata o fato como um movimento que afeta especialmente o catolicismo brasileiro, porque, de fato, grande quantidade de pessoas mudou de religião e agora se denomina evangélica. Há evidências claras de que até mesmo a liderança católica tem se preocupado com o fato e diversos esforços têm sido dedicados no sentido de tentar diminuir a perda de fiéis. A aceitação do movimento carismático católico, o surgimento de padres populares (astros de música e de comunicação com auditórios e literatura), somados a esforços oficiais, como a visita do Papa Francisco ao Brasil logo no início de seu pontificado (aliás, um papa de perfil bastante popular) por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, são exemplos que evidenciam essa percepção e o esforço para evitar uma avalanche ainda maior de católicos em direção às igrejas denominadas evangélicas (sejam elas quais forem). O crescimento do número de evangélicos no Brasil, assim como em outras partes do mundo, foi, naturalmente, acompanhado pelo crescimento do número de igrejas locais. Se os templos evangélicos praticamente não existiam nos primeiros quatrocentos anos da história do Brasil, e eram relativamente poucos até os primeiros dois terços do século 20, o que se observou foi um aumento gradativo a partir dos anos 70 ou 80, e uma verdadeira multiplicação de templos evangélicos distribuídos por todos os recantos do país neste início do século 21. Cidades e regiões em que a presença evangélica era insignificante (ou mesmo desconhecida) passaram a perceber diversas portas abertas com o nome de igreja evangélica. Algumas cidades brasileiras chegam a exibir dois, três ou mais templos em uma mesma rua e, em alguns casos, há até mesmo uma competição de uma igreja bem ao lado de outra.
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Como ovelhas que têm pastor As denominações históricas (pentecostais ou tradicionais), que tinham certo controle sobre o processo de abertura de novas igrejas, receberam a companhia de inúmeras outras denominações e igrejas independentes. Hoje, no Brasil, há igrejas de todos os tipos e tendências e, em alguns casos, pode-se encontrar igrejas chamadas evangélicas que têm pouco em comum com as igrejas evangélicas que conhecíamos no país em anos anteriores. Olhando de uma perspectiva otimista, há muitos que consideram algo bastante positivo o fato de termos a multiplicação de pessoas que se denominam evangélicas e de templos conhecidos como evangélicos. De outro lado, não há dúvida de que há urgente necessidade de uma estrutura bíblica, teológica e pastoral para esse movimento que testemunhamos, no qual alguns parecem meio satisfeitos, mas a maioria de nós, líderes evangélicos brasileiros, estamos na verdade bastante incomodados.
A palavra “incômodo”, usada acima, pode constranger muitos de nós, porque fomos ensinados (com verdade) que o crescimento do Reino de Deus, a conversão de pecadores e a “substituição de botecos por igrejas” em todo lugar, deveria incomodar o inimigo, Satanás, e não aos líderes cristãos. Estes deveriam glorificar a Deus e celebrar esse momento de euforia e colheita abundante em nossa pátria e em tantos lugares do mundo. O que, de fato, perturba é pensar sobre o rumo para onde esse incômodo nos conduzirá, diante de tantos desvios daquilo que se pode considerar o cristianismo verdadeiro. A conversão de pecadores e formação de novas igrejas são motivo de exultação, e não de preocupação. O problema está na inconsistência das conversões.
Outro problema enfrentado pela igreja evangélica brasileira é notar, tristemente, que há muitos casos em que as igrejas que surgem são, na verdade, distantes da natureza essencial do que significa ser uma igreja neotestamentária. Muitas delas lidam
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Capítulo 1 – Ovelhas sem pastor com dificuldade para cumprirem a missão bíblica de uma igreja verdadeiramente cristã. Desse modo, surgem as opções de tomar parte em um perigoso movimento contra as igrejas (com críticas teológicas ou pragmáticas), ou a criação de um projeto sério que tenha como objetivo ajudar essas igrejas e os que as frequentam a se aproximarem mais do modelo bíblico do que significa ser igreja evangélica e crente em Jesus, nosso Senhor. Não são raras as vezes em que confundimos templo com igreja em nossas conversas diárias. Pode-se dizer que não há nada de errado nisso, uma vez que a língua portuguesa nos faculta o direito de usar figuras de linguagem que facilmente indicam que quando mostramos o templo, não estamos nos referindo apenas a ele, mas à igreja de fato. Fica ainda manifesto no senso comum a natural facilidade com que nos esquecemos tantas vezes de que somos pastores de pessoas, e não de prédios ou de instituições. A confusão é ainda maior no contexto de diversas de nossas igrejas locais no Brasil que passam por momento de estruturação e estão, muitas vezes, envolvidas em construções, elaboração de documentos e outras atividades nessa área. O pastor chega a acreditar que está edificando a igreja quando, na verdade, está edificando um prédio; pensa que está fazendo nascer uma igreja quando, na verdade, está legalizando documentos e institucionalizando a igreja (o que parece inevitável!). É como se o perfumista se contentasse com a fabricação de vidros bonitos, ou o chefe de cozinha se alegrasse em fazer panelas. Diante da natural dificuldade de se lidar com pessoas, alguns colegas se dedicam exageradamente a tijolos e concreto. Precisamos aqui firmar um ponto básico em ministério pastoral: pastoreamos pessoas!
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O pressuposto de que toda ovelha deve ser pastoreada, e que todas as igrejas devem ter o direito a uma liderança pastoral saudável e preparada é o ponto de partida para este livro de João Cavalcante. Alinhado com a Visão de TOPIC Brasil: “Que cada igreja tenha pelo menos um pastor treinado, equipado e crescendo em maturidade”, Cavalcante tem lutado de forma muito intensa pelo trabalho sério e consistente de formação de líderes pastorais. A proposta deste livro é discutir e avaliar caminhos para um projeto cooperativo e bem fundamentado de formação de líderes pastorais de modo que evitemos ou, pelo menos, nos esforcemos para diminuir a realidade de “ovelhas que não têm pastor”.