Conversas no Caminho

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ricardobarbosa

1ª edição Curitiba/PR 2020


Ricardo Barbosa de Sousa

Conversas no caminho Coordenação editorial: Claudio Beckert Jr. Revisão: Sandro Bier e Josiane Zanon Moreschi Capa: Endrik Silva Diagramação: Josiane Zanon Moreschi Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil Sousa, Ricardo Barbosa de. Conversas no caminho / Ricardo Barbosa de Sousa. Curitiba : Editora Esperança, 2020. 192 p. ISBN 978-65-87285-23-8 1. Espiritualidade cristã — Crônicas. I. Título. S725c

CDU 248

Catalogação na publicação: Leandro Augusto dos Santos Lima - CRB 10/1273

Salvo indicação, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia na versão Nova Almeida Atualizada © Sociedade Bíblica do Brasil, 2017.

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SUMÁRIO

Prefácio....................................................................................................7

Apresentação......................................................................................11

CONVERSAS SOBRE A VIDA CRISTÃ..............................................15

Por uma nova conversão...................................................................17 A quem Deus fala hoje.........................................................................23

Criando através das palavras............................................................27 Os sinais dos tempos............................................................................31 Um homem de família.........................................................................35 As mãos ou o cálice?.............................................................................39

O novo ateu...............................................................................................43

A inversão da conversão....................................................................47 Ele nos amou primeiro........................................................................51

Intenção ou fatalidade.........................................................................55

Mantendo a vela acesa.........................................................................59 Outro espírito...........................................................................................63

Voltando ao primeiro amor................................................................67

CONVERSAS SOBRE AS VIRTUDES CRISTÃS............................73 A oferta divina do amor....................................................................75

Nem mais, nem menos.......................................................................79 Compaixão.....................................................................................83

Alegrai-vos no Senhor..........................................................................87

Obediência e liberdade........................................................................91

Atenção.........................................................................................95 Beleza.......................................................................................99


Ver para crer ou crer para ver.....................................................105 Vivendo concentricamente..............................................................109

A fé e o caminho do discipulado....................................................113

Votos..................................................................................................119 CONVERSAS SOBRE A ESPIRITUALIDADE CRISTÃ...............123 A cruz e a autoestima.......................................................................125

Cuidado com os atalhos...................................................................129

“Miserável homem que sou”..........................................................135 Uma obra inacabada..........................................................................139

Resgatando a submissão..................................................................143 “Sede meus imitadores”....................................................................147

A Bíblia e a maturidade espiritual..............................................151

Amadurecimento.......................................................................155 Avanço em direção a Cristo...........................................................159

“Não foram vocês, foi Deus”..........................................................165 Os 4 estágios do amor.........................................................................171

Entre o secreto e o público..............................................................177

Tereza de Ávila e os essenciais da oração................................181


PREFÁCIO

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alar de espiritualidade está na moda no meio evangélico brasileiro. Por todo lado surgem livros, palestras e cursos que buscam resgatar a chamada espiritualidade clássica dos pais da igreja ou dos padres do deserto. Ao mesmo tempo, olhando para o crescimento recente da igreja evangélica no Brasil, vemos uma grande perda do conceito de vida comunitária, reduzida ou a um clube social ou a técnicas e a controles sobre a vida dos outros. A falta da unidade e equilíbrio entre espiritualidade e vida comunitária pode resvalar, de um lado, para um individualismo místico, ou, no outro extremo, para um tipo de vida comunitária massificada e impessoal. Nos textos reunidos neste livro, Ricardo Barbosa nos apresenta uma alternativa bíblica e saudável de viver, o que eu chamaria, uma espiritualidade comunitária.

A riqueza das diferentes tradições da espiritualidade, ao longo da história da igreja, está presente nos textos do Ricardo. Desde Agostinho, Bernardo de Clairvaux e Teresa de Ávila, passando por Tomás de Aquino e padre Antônio Vieira, até os mais contemporâneos como Dietrich Bonhoeffer, Francis Schaeffer e Jacques Ellul, todos eles estão presentes, de alguma forma, nos textos de Ricardo. Sem se prender a um determinado nome, ele consegue se inspirar no legado deixado por todos esses santos da História da Igreja e contextualizá-los dentro da nossa realidade de vida no século 21. Acima de tudo, porém, a linha com que Ricardo costura todas essas diferentes tradições é a ênfase nos textos bíblicos como fonte primária dessa espiritualidade. Mas isso não é tudo. O que você irá perceber na leitura deste livro é que essa espiritualidade bíblica nos convida a nos relacionarmos com um Deus

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que é pessoal nos seus relacionamentos e que, portanto, nos convida a construir relacionamentos também pessoais.

Em geral, quando pensamos em crescer na nossa espiritualidade cristã, as primeiras ideias e imagens que enchem nossa mente estão relacionadas com a vida de oração, com a meditação ou a momentos de solitude. O problema é quando reduzimos a vida com Deus e no Espírito a esses momentos apenas. Nas conversas que Ricardo nos propõe, você vai notar que essa vida espiritual não nos transforma em místicos alienados da vida comum. Pelo contrário, transforma-nos em pessoas que levam para todas as esferas da vida o que acontece no secreto do quarto. E que também, por outro lado, levam para Deus as diferentes demandas da vida em um mundo pós-moderno. Não é à toa que, em vários textos, Ricardo inicia a partir de uma pesquisa, uma conversa ou uma observação atenta da cultura contemporânea. Ao fazer isso, ele nos incentiva a ver nossa vida com Deus como o início e o fim da nossa vida humana nas suas mais diferentes dimensões. Ao final, se nos deixarmos moldar pelas propostas oferecidas por Ricardo em forma de conversa, nós nos tornaremos mais humanos e pessoais no sentido mais primário, conforme pensado no coração de Deus, princípio de tudo.

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Confesso, entretanto, que o que mais me chamou a atenção nestes textos foi a presença da vida comunitária do Ricardo. Atualmente, muita gente não suporta mais a vida comunitária pela invasão e o controle sobre a vida uns dos outros que as distorções do que significa vida comunitária têm causado. Por isso, muitos têm optado por uma espiritualidade individualista, independente, na qual ninguém participa de suas vidas e eles também não querem participar da vida de ninguém. No entanto, não é necessário que seja assim. Você vai perceber que, em vários momentos, Ricardo usa expressões como “conversando com um amigo”,


“recebi um presente de um amigo”, “assistindo a um filme recomendado por um amigo”, “ouvindo um amigo que tem dado palestras aqui na igreja”, “estava conversando com um amigo, com quem frequentemente converso sobre a vida, teologia, igreja”. É para o espaço dessas conversas que Ricardo leva a sua vida com Deus e, ao mesmo tempo, é dessas conversas que nascem as questões que são levadas a Deus. Foi inevitável, para mim, conectar as frases do Ricardo com as diversas recomendações do apóstolo Paulo para a vida comunitária das igrejas neotestamentárias. Se fizermos uma leitura atenta do Novo Testamento, vamos nos deparar constantemente com expressões como “sede membros uns dos outros”; “seguimos as coisas da paz e também as da edificação de uns para com os outros”; “acolhei-vos uns aos outros”; “certo estou (...) de que estais possuídos de bondade, cheios de todo o conhecimento, aptos para vos admoestardes uns aos outros”; “sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor”; “consolai-vos, pois, uns aos outros e edificai-vos reciprocamente”; “exortai-vos mutuamente”; “habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria” . A vida comunitária nas igrejas do Novo Testamento é feita dessa mutualidade de gente que conversa, de amigos que participam uns das vidas dos outros, que contam suas histórias uns aos outros; sobretudo, é formada por pessoas exortáveis, moldáveis e ensináveis. Não existe uma massificação impessoal nem um controle imposto. Existe amizade e diálogo sustentados pela vida em Cristo e pela sua Palavra. As distorções contemporâneas desse modelo bíblico não podem se transformar em licença para rejeição dessa espiritualidade formada a partir e dentro desse espaço comunitário. Deus (também) é amizade entre Pai, Filho e Espírito Santo. Seu convite é para ampliarmos a sua natureza entre nós.

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É por isso que é com muita alegria que gostaria de incentivá-lo à leitura deste livro de Ricardo Barbosa. Não tenho dúvidas de que você será motivado e inspirado a buscar, na sua própria vida e nos seus relacionamentos, o desenvolvimento de uma espiritualidade que nasce em Deus, firma-se nas escrituras e na tradição da igreja e se esparrama e toma forma na vida cotidiana e comunitária. Boa Leitura!

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Rômulo Correa


APRESENTAÇÃO

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ste livro segue no mesmo formato de Janelas para a vida. Trata-se de uma coletânea de artigos, a maioria deles escritos para a Revista Eclesia durante os anos em que tive o privilégio de ser um dos seus articulistas. Eles foram agrupados em três blocos, nos quais procurei reunir os artigos dentro de uma temática.

Nos últimos 15 anos, tenho olhado com atenção para a experiência espiritual (pessoal e comunitária) dos cristãos evangélicos e percebo alguns sinais preocupantes: preocupa-me a natureza funcional, utilitária e impessoal da vida religiosa dos cristãos contemporâneos. Somos consumidores religiosos vorazes. Igrejas e pastores se lançam no mercado oferecendo todo tipo de produtos e vantagens. Deus se transformou em uma mercadoria, garantindo realização, prosperidade e saúde a quem, em troca de alguma oferta, negocia no balcão religioso os produtos “espirituais” que deseja. Preocupa-me também a crise de caráter ou a ausência de virtudes cristãs na vida de muitos que professam sua fé em Cristo. É cada vez mais raro encontrar, entre nós, homens e mulheres cujo caráter inspira dignidade, honra e respeito. A antipatia que os evangélicos vêm conquistando está longe de ser fruto de sua integridade, justiça e compromisso com a verdade, mas é fruto de sua incoerência, hipocrisia, oportunismo e falta de caráter.

A fé abandonou as grandes verdades e convicções e se transformou em um elemento mágico, uma fórmula para se conseguir benefícios, bênçãos e vantagens. A oração deixa de ser um meio de relacionamento e se transforma em uma

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fórmula mágica para conseguir vagas em estacionamentos ou em uma repartição pública.

Nunca tivemos tantos recursos como temos hoje: inúmeros programas religiosos na mídia, uma grande variedade de livros, CDs e revistas, vários congressos, feiras e “shows gospels”, igrejas de todos os tamanhos e para todos os gostos, agências e instituições missionárias com diferentes projetos e ministérios. Porém, esses são recursos que pouco influenciam a sociedade; a maioria apenas infla o ego narcisista e o espírito consumista dos cristãos. A presença de evangélicos em todas as áreas da vida pública chama a atenção mais pelos escândalos do que por suas propostas altruístas e humanitárias. No Brasil, hoje, o crescimento numérico e a expansão do cristianismo são inegáveis; porém, o compromisso dos cristãos com os valores e as virtudes cristãs, sua maturidade moral, ética e espiritual, sua profundidade bíblica e teológica, deixam muito a desejar. Embora sem dados estatísticos, em uma afirmação completamente empírica, imagino que o número de divórcios entre os evangélicos não é muito diferente do que entre os não evangélicos; o consumismo e o materialismo, entre os evangélicos, também não diferem dos que não são evangélicos; a conversão não implica uma mudança de vida e caráter. Somos mais conhecidos pelo fanatismo, intolerância, fundamentalismo, esquisitice do que por seguir a Cristo, ser seus discípulos.

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A vida cristã e espiritual não é espasmódica, não se trata de sensações ou experiências que vamos acumulando ao longo da jornada da fé, não deve ser medida pelo número de “bênçãos”, nem contabilizada pela quantidade de orações respondidas. Somos chamados para seguir a Cristo, ser seus discípulos ou, na linguagem do apóstolo Paulo, ser “seus imitadores”, aprender com sua humildade e mansidão; refletir sua retidão, pureza e justiça.


Neste livro, você encontrará uma coletânea de artigos escritos a partir dessas percepções. São textos pequenos, de fácil leitura, que procuram considerar a natureza da vida cristã. São artigos que nascem das experiências mais comuns e ordinárias da vida; muitos deles tiveram como embrião as pastorais que escrevo para a igreja que pastoreio, por isso, eles constituem uma espécie de conversas no caminho. Espero que estes artigos, de alguma forma, estimulem sua reflexão sobre a forma como você tem vivido o chamado de Cristo para segui-lo.

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E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas. 2 Coríntios 5.17

CONVERSAS SOBRE A VIDA CRISTÃ

“Fomos carimbados por Deus, somos moedas extraviadas do seu tesouro. Por nosso erro, foi apagado o que em nós fora impresso. Veio aquele que restituiria a imagem, já que ele próprio a tinha criado. Ele também busca a sua moeda, assim como César busca a dele. Por isso diz: “Devolvei a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. A César, as moedas. A Deus, a vós mesmos.” Agostinho



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oi lançado há alguns anos o livro O escândalo do comportamento evangélico (Ultimato) de Ronald Sider: Fiquei feliz ao vê-lo publicado em português. Neste livro, Ronald Sider analisa o comportamento dos evangélicos norte-americanos, a partir de dados estatísticos colhidos em pesquisas encomendadas aos institutos Gallup e Barna, além de pesquisas feitas por universidades, que apresentam um retrato da igreja evangélica nos Estados Unidos. A conclusão que os dados apresentam, é trágica.

As pesquisas indicaram que o padrão de comportamento dos cristãos norte-americanos, não os nominais, aqueles que se apresentam como cristãos, mas que não tem nenhum compromisso com a Palavra de Deus, nem com a igreja, mas entre aqueles que afirmam terem nascido de novo, que participam regularmente de suas igrejas, que professam sua fé em Cristo e que estão, de alguma forma, envolvidos nas atividades e programas de suas igrejas, não é em nada diferente daqueles que se declaram não cristãos. O índice de divórcio, adultério, pornografia e racismo entre os adultos cristãos e os não cristãos é praticamente o mesmo. O percentual de doação que os cristãos fazem em suas igrejas caiu ao mesmo tempo em que a renda per capita aumentou muitíssimo, o que mostra que o materialismo e o estilo de vida individualista e consumista entre os cristãos não diferem muito daqueles que se declaram não cristãos. A atividade sexual de adolescentes e jovens antes do casamento e o índice de doenças sexualmente transmitidas ficam apenas um pouco atrás da média nacional. O

Co nversa s sob re a vi da cri s tã

POR UMA NOVA CONVERSÃO

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racismo, os abusos e a violência doméstica também apresentam índices alarmantes. Diante desses dados, Ron Sider traz à luz a profunda hipocrisia do cristianismo e a completa irrelevância do testemunho da igreja na América do Norte.

Infelizmente não temos pesquisas dessa natureza aqui no Brasil, mas eu arriscaria, mesmo que empiricamente, em dizer que nossa situação, se não é igual, talvez seja até pior na maioria dos itens pesquisados. Se levarmos em conta que somos uma igreja mais jovem, sem muita tradição; que somos uma cultura muito sensual e erotizada; que somos bastante tolerantes com a mentira, corrupção e imoralidade; não fica difícil reconhecer que nossa situação não deve ser muito diferente. No entanto, o problema maior, a meu ver, é um dado estatístico que aparece nestas pesquisas, que diz que apenas 9% dos cristãos adultos e 2% dos cristãos adolescentes e jovens têm uma cosmovisão bíblica, ou seja, apenas 11% dos cristãos norte-americanos interpretam a realidade, a cultura, o mundo, o trabalho, as relações, a sexualidade, etc, a partir de um fundamento bíblico, de uma visão cristã da realidade, daí não fica tão difícil entender porque os cristãos em nada diferem dos não cristãos em seu testemunho ético e moral.

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Minha preocupação, olhando para o cenário brasileiro, não é com algum aspecto particular da conduta moral ou ética dos cristãos, mas com a ausência de um fundamento bíblico, teológico e doutrinário para a vida e missão cristã, aquilo que o apóstolo Paulo chamou de “mente de Cristo”. A mente do cristão moderno tem sido influenciada e moldada muito mais pela cultura circundante, pela propaganda, pelos apelos da moda, pela moral das novelas e não pela Palavra de Deus, pela encarnação de Cristo e pelo Reino de Deus presente entre nós.


O marco inicial da vida cristã é a conversão a Cristo. Este é o evento que estabelece o ponto de partida da nova vida em Cristo. O apóstolo Paulo descreve a relevância e transcendência desse evento com as seguintes palavras: Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. E esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim (Gl 2.19s). É assim que ele resumidamente descreve o que aconteceu com ele desde o dia em que Cristo se revelou a ele no caminho de Damasco. O encontro de Paulo com Cristo abriu seus olhos, mente e alma para outra realidade, completamente distinta e oposta a tudo o que ele pensava ou imaginava que pudesse dar significado e sentido à sua existência.

A revelação do Senhor ressurreto e o significado da cruz deram a Paulo um novo sentido. Para Paulo, a conversão não foi simplesmente uma mudança de religião ou de convicções, para ele a conversão significou a morte para tudo aquilo que ele foi e acreditava. Na morte de Cristo, ele também morreu para o seu “velho homem” e, na ressurreição de Cristo, ele também ressurgiu para uma vida nova, para o “ser nova criatura”. Agora, ele reconhece que o “velho Saulo” já não vive mais, mas é Cristo quem vive pelo poder do Espírito Santo nele, é uma nova vida vivida agora pela fé em Cristo, naquilo que Cristo fez por ele. Isto é o que chamamos de “conversão”. A conversão de Paulo tem uma história, como toda conversão tem a sua história. Ela envolve o que ele era, o que aconteceu e aquilo em que se tornou. Antes, Paulo era um judeu zeloso, inteligente, responsável, que segundo ele mesmo, encontrava-se acima da média dos seus colegas e buscava guardar as tradições dos seus antepassados. Paulo era um homem íntegro, coerente com tudo aquilo que cria a ponto de se lançar em uma perseguição aos cristãos por considerá-los

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uma ameaça à pureza da religião judaica, da qual ele era um fiel defensor. Foi assim que ele viveu durante muitos anos.

Um dia, indo para Damasco, por volta do meio-dia, levando consigo uma autorização dos seus chefes, que davam a ele poderes para prender ou fazer o que fosse necessário com os cristãos daquela cidade, uma luz brilhou com uma intensidade tão grande que jogou ele e seus colegas no chão. Ali, ele ouviu uma voz que lhe disse: “Saulo, Saulo, por que você está me perseguindo? Resistir ao aguilhão só lhe trará dor!”, ao que ele respondeu: “Quem és tu, Senhor?” Então ouviu a resposta que dizia: “Sou Jesus, a quem você está perseguindo…”. Naquele momento em que Cristo se revelou a ele, Paulo reconheceu que tudo aquilo que ele pensava ser certo, que toda a sua religiosidade que fez dele um homem tão íntegro e responsável, na verdade estava levando-o para um caminho completamente oposto ao de Deus. Ele que pensava ser um grande amigo de Deus, fazendo o melhor que podia para preservar a pureza daquilo que ele cria ser a vontade de Deus, ele agora se viu como um inimigo de Deus ao ouvir de Cristo: “Sou Jesus, a quem você está perseguindo”. Este encontro transformou radicalmente, e para sempre, a vida de Paulo. Enquanto se encontrava ainda no chão, Jesus continuou dizendo a ele: “Agora, levante-se, fique em pé. Eu lhe apareci para constituí-lo servo e testemunha do que você viu a meu respeito e do que lhe mostrarei…”. Paulo levantou-se para iniciar uma nova jornada, uma nova vida, uma nova missão. Depois de passar três anos na Arábia, ele volta para Jerusalém e inicia seu longo ministério, proclamando as Boas-Novas do Evangelho de Cristo ao mundo.

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Paulo tinha uma vida como todos nós. Era um homem íntegro, zeloso e coerente com suas convicções, como alguns de nós. No entanto, quando Cristo se revelou a ele como Filho


de Deus, Salvador, ele se entregou completamente a ele. As coisas velhas ficaram para trás, suas velhas ambições foram abandonadas, seus velhos princípios, valores e conceitos, também foram deixados para trás. Não eram mais suas tradições que determinavam o que era certo ou errado, nem o mundo com suas políticas e filosofias; nem mesmo sua consciência tinha a última palavra, o que lhe importava agora era Cristo, sua palavra, sua cruz, sua ressurreição, sua vontade. Esta experiência mudou a compreensão que Paulo tinha do mundo e dos seus valores, mudou radicalmente sua cosmovisão e estabeleceu novos paradigmas que iriam conduzir sua vida, seus valores, princípios e trabalho.

Vejo que temos perdido esse conceito tão central e fundamental da conversão. O Cristo que queremos servir não é mais aquele que se revela a nós, mas um que nós criamos a partir daquilo que nos interessa. A vida cristã não significa mais o “ser nova criatura”, mas permanecer sendo a mesma criatura, com um leve toque de verniz religioso. Não é mais a voz de fora que fala conosco, mas uma voz de dentro, uma voz que nasce da vaidade, do medo, do egoísmo e dos desejos confusos e desordenados que povoam nossa natureza caída. Precisamos recuperar o significado de dizer: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. Precisamos voltar a viver pela fé no Filho de Deus, e não pelos impulsos da nossa natureza caída, atraídos pelo fascínio de uma cultura que nega a cruz de Cristo.

As pesquisas que levaram Ron Sider a chorar ao se deparar com os cristãos de seu país vivendo da mesma forma como vivem os que não creem em Cristo, com os mesmos vícios, com a mesma falta de ética, com a mesma imoralidade e o mesmo racismo, revelam um completo esvaziamento

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do significado de “nascer de novo”, do ser “nova criatura” em Cristo. A conversão implica em uma radical mudança de paradigmas, uma mudança radical na forma como vemos, interpretamos e reagimos ao mundo que nos cerca. Jesus, quando confrontado por Pilatos em seu julgamento disse: “…meu reino não é deste mundo”. As coisas que importavam a Cristo, não eram as que importavam a Pilatos. Isto fez a diferença.

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