O futuro chegou lá em casa - Relacionamentos familiares quando os filhos são adultos

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O FUTURO CHEGOU

LÁ EM CASA



João Cavalcante

O FUTURO CHEGOU

LÁ EM CASA Relacionamentos familiares quando os filhos são adultos 1ª edição

Curitiba/PR 2019


João Cavalcante

O futuro chegou lá em casa

Relacionamentos familiares quando os filhos são adultos Coordenação editorial: Claudio Beckert Jr. Revisão: Josiane Zanon Moreschi Capa: Neriel Lopez Editoração eletrônica: Josiane Zanon Moreschi

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Cavalcante, João O futuro chegou lá em casa: relacionamentos familiares quando os filhos são adultos / João Cavalcante. - Curitiba, PR : Editora Esperança, 2019 192 p. ISBN 978-85-7839-288-8 1. Filhos adultos - Pais - Relacionamento Relacionamento I. Título

2. Família cristã CDD-248.84

Índices para catálogo sistemático:

1. Família cristã : Adultos

248.84

Salvo indicação, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia na versão Nova Almeida Atualizada © Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução total e parcial sem permissão escrita dos editores.

Editora Evangélica Esperança

Rua Aviador Vicente Wolski, 353 - CEP 82510-420 - Curitiba - PR Fone/fax: (41) 3022-3390 comercial@esperanca-editora.com.br www.editoraesperanca.com.br


Sumário

Dedicatória.........................................................................................................7 Prefácio................................................................................................................9

Introdução.......................................................................................................11

1 Um ponto de partida – A história do Filho Pródigo..............19 2 Já sou dono do meu nariz.................................................................33 3 Eu não sou criança!................................................................................43

4 Convém que ele cresça, e eu diminua..........................................55 5 Onde foi que eu errei?.........................................................................69

6 Um ponto de frustração – A história de Sansão.......................83 7 Cansados... e teimosos!........................................................................99

8 Não preciso do seu dinheiro..........................................................115

9 Lutas e luto no futuro lá de casa..................................................131

10 Sério e delicado – religiosidade em família.............................145 11 Momentos de família........................................................................157

12 Um ponto de referência – A história de José.......................169

Conclusão – Celebrando o futuro que chegou lá em casa.........183



Dedicatória

Para minha esposa, Aélia. Recebi no passado esse presente de Deus que trouxe brilho aos meus olhos na caminhada para os futuros – o que já chegou lá em casa e o que ainda está diante de nós.



Prefácio

S

e eu tivesse que indicar um exemplo de família ideal, eu escolheria rapidamente a do João Cavalcante. Para mim, ele realmente tem autoridade para escrever sobre família. Piedoso e culto, seu texto flui suavemente com a beleza de quem viveu a dor, aprendeu, venceu e teve graça para compartilhar suas experiências: as boas e as difíceis. Quando leio seus textos, fico a perguntar se o sofrimento é necessário para aguçar a escrita. A morte de um dos seus dois filhos adultos na véspera de Natal, um câncer terrível no sistema linfático e as lutas naturais que todo grande líder enfrenta fizeram do João um tipo de Jó de nossos dias. Deixar de ler João Cavalcante é desperdício certo.

Bom, não gosto daquela sensação de imaginar, durante a leitura de livros famosos, que o texto parece maior que o autor. Aqui você perceberá, entre as linhas, um ser humano melhor que suas palavras, mesmo que bem colocadas. Seguramente a vida do João é melhor que seus livros, mas não podemos morar na casa dele, não é mesmo? Porém, esta não é apenas uma leitura apaixonante, é também prática. Há muitos livros sobre como criar nossas crianças, mas


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O futuro chegou lá em casa

quantos já lemos que nos fizeram refletir sobre a desafiadora fase da vida quando filhos e pais são adultos? Ensinar uma criança sobre o perigo do fogo ou de uma faca afiada seria mais difícil que ajudar um filho adulto a refletir sobre boas decisões, nos assuntos de família, carreira ou finanças, por exemplo? E quem é que recebe treinamento para cuidar dos pais quando idosos? Os desafios não são igualmente grandes? Ao terminar a leitura, provavelmente você sentirá aquele piedoso desejo: “preciso fazer outros lerem este livro”. Juracy Carlos Bahia


Introdução

“M

eu filho, o futuro chega...” Sempre achei graça desse jargão repetido com frequência por minha mãe. Mesmo depois dos oitenta anos de idade ela ainda estava se preparando para o tal futuro que chegaria. Agora, chegando aos noventa, com alguma confusão mental, ainda fica indignada: “Estão achando que sou uma velha de cem anos! Eu posso muito bem fazer o que quero! Ainda não preciso de ninguém me vigiando!” Em nossas brincadeiras em família, sempre pergunto quando minha mãe acreditará que o futuro chegou. Esse “cidadão” já chegou. Entrou sem pedir licença, assentou-se confortavelmente, tomou conta do ambiente e, sem pudor e sem piedade, começou a dar ordens e controlar a situação! Há momentos em que ele se sente no direito de incomodar, e há momentos em que ele é um convite à celebração. O mais curioso é que ele sempre foi esperado, e até mandou inúmeros avisos enquanto caminhava em nossa direção, mas, ainda assim, consegue ser surpreendente. O futuro chegou lá em casa!

Desde pequeno ouço falar desse tal futuro e era muito encantado com o mistério que o envolvia. Sendo o mais novo dos cinco


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O futuro chegou lá em casa

filhos, alimentava certa inveja dos irmãos que chegavam ao meu futuro antes de mim, e queria estar onde eles estavam, fazendo o que faziam, sendo o que eles eram. Até que meu irmão caçula nasceu, sete anos depois de mim, e pelo menos algum futuro havia chegado. Para mim foi um livramento porque não mais seria o último – como se sempre houvesse vantagem em ser o primeiro da fila. Em algum momento entendi que o futuro não é produto individual e com vagas limitadas, mas algo democrático e disponível a todos. Todos têm seu futuro, mesmo que ele se manifeste diferentemente para cada um de nós. Mesmo se passar pelo portão da morte, quando se imagina ter chegado o fim de todas as coisas, é aí que o futuro se instala com mais propriedade e significado. A infância se foi, e pelo menos aquele futuro que me encantava se tornou passado. Plena adolescência e sonhos da mocidade. Sonhos gostam de apontar para o futuro. No casamento o meu futuro se tornou nosso futuro. Um toque de pessoal, individual, e dois toques de plural, casal. Mesmo sem a anulação de um de nós, os dois foram feitos uma só carne, e os futuros se misturaram bastante. Sendo esse texto focado em questões de família, peço licença ao “eu” para acomodar mais convenientemente o “nós”, o “nosso” – o nosso futuro, que chegou lá em casa. Sonhamos e trabalhamos pelo futuro. Convencemos nossos filhos que eles deveriam estudar, dedicarem-se com zelo para ter um futuro melhor. Falamos em previdência, cuidado com a saúde, construção de uma história de vida que facilitasse o futuro. Imaginamos (acho que Aélia, minha esposa, prefere que eu fale “imaginei”) que até poderia domar, programar, preparar o futuro. Ele seria como um gênio da lâmpada maravilhosa, e todo o nosso trabalho e cuidado seria como esfregar a lâmpada de Aladim até que o gênio surgisse e pudéssemos dizer nossos desejos mais preciosos, certos de que a resposta seria um inconfundível “sim, meu amo”.


Introdução

Ouvi com curiosidade a história da minha sogra. Ela reuniu os seis filhos que se aproximavam da “tal adolescência” e lhes informou de maneira clara e taxativa: “Ouvi o povo por aí falar sobre essa coisa chamada adolescência, e queria informar que aqui em casa não vai existir isso, não!” Na prática, quando o futuro chegou lá em casa, percebemos que ele não é tão dócil e manipulável como imaginávamos (ou eu imaginava), que ele teria surpresas desejadas e indesejadas, e que caprichosamente marcaria seu espaço sem se sentir na obrigação de fazer nossas vontades. Tenho que admitir que o futuro é como uma brincadeira que se faz com bebês que sabem que a mamãe apenas se escondeu atrás da toalha no varal, mas se surpreende quando o rosto da mamãe aparece, e dá aquela gargalhada mais gostosa do mundo. Como podemos nos surpreender com algo tão avisado, tantas vezes e de tantas maneiras?

O que, então, faz o futuro ser o que ele se torna? Seria ele obra do acaso – um acaso ditador que se impõe independentemente de meus planos e esforços? Estaria tudo definido no estilo de “pau que nasce torto, até a cinza é torta?” Nascemos “para”, e não adianta espernear? Seria coisa do destino – e não adianta teimar com o destino. Seria esse destino “pré-destinado” por Deus, e não há nada a ser feito? Somos meramente produto do meio, do sistema, e apenas temos a ilusão ingênua de que estamos controlando alguma coisa quando, na verdade, as forças do sistema nos empurram para sermos o que o Senhor desse ambiente (uma noção geográfica) e desse tempo (uma noção histórica) definiu? Quanto valor se pode atribuir à “lei da semeadura” e à noção de causa e efeito? Em outras palavras, quanto da nossa responsabilidade moral, das nossas escolhas e decisões, dos nossos esforços, perseverança e seriedade pode ser contabilizado na formação do futuro que chegou lá em casa?

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O futuro chegou lá em casa

Cheguei a um dilema tendo sido apresentado a esse personagem misterioso chamado “futuro”. Fui por ele informado de que entre a ingenuidade otimista de quem acredita ter o controle da situação e a cínica postura de quem deixa tudo acontecer há um caminho de sobriedade e equilíbrio que pode ser trilhado. O simplismo que habita os dois extremos, ora visitando o fatalismo imobilizante, ora instalando-se no palco soberbo dos que se acham senhores do destino, não me parece suficientemente adequado para a percepção da vida. A coisa é mais complexa! Que ninguém me acuse de ignorar a soberania de Deus. Eu apenas me percebo como sendo um crente que recebe do Deus soberano a determinação de me fazer responsável, zeloso e fiel na condução do meu presente, como quem sabe que exatamente essa postura terá impacto relevante na construção do meu futuro. Que ninguém se iluda fazendo planos para hoje ou amanhã sem a humilde postura de quem diz: Se Deus quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou aquilo (Tg 4.15). Como família, temos compromisso com a construção do nosso futuro e, como família, nos preparamos para ele, independentemente de como ele se apresentará. Descobri que isso inclui uma postura de responsabilidade, zelo, humildade, resiliência e resignação. Alguém disse com muita propriedade que devemos “trabalhar como se tudo dependesse de nós, e orar como se tudo dependesse de Deus”. Por que afirmo que o futuro chegou lá em casa? Minha esposa e eu passamos dos cinquenta anos. Na verdade, nos aproximamos dos sessenta. Ambos fomos aposentados pelo INSS, mesmo fazendo ainda parte da chamada população economicamente ativa. Ambos perdemos os pais e temos as mães idosas. Nossos filhos cresceram, casaram-se e se profissionalizaram. Somos avós. No nosso caso, tivemos um choque de futuro quando perdemos um de nossos filhos em um acidente, quando ele contava


Introdução

com trinta e três anos de idade. Enfrentamos as marcas doídas e as alegrias que vieram na companhia do futuro. Se não fôssemos capazes de enxergar em nós próprios o recado do futuro que chegou, poderíamos olhar os amigos de nossa geração e perceber que eles estão maduros – quer dizer, mais velhos. Até porque, nem me parece que eu esteja tão velho como os meus amigos da minha geração. Em outras palavras, chegou mesmo a hora de “fechar a conta” e fazer um balanço da vida. Débitos e créditos se debatem na busca de um saldo positivo ou negativo – de preferência que nos seja favorável. As reflexões deste livro são feitas com o objetivo de cooperar com você, para quem o futuro também chegou. Mas quero muito que o conteúdo seja útil para os que ainda olham para esse futuro como algo que evidentemente não lhes pertence. E será excelente se alguns dos meus leitores, puderem aproveitar as reflexões para lidar com o seu próprio futuro que virou passado e com as marcas que se fazem presentes nos dias atuais, sejam elas doloridas, sejam muito bem resolvidas e aceitas. Se você, leitor, tem mais de cinquenta anos de idade e tem filhos adultos, então você está no olho do furacão, no centro das atenções desta reflexão. E minha esposa diria que, se você tem essa idade, e tem a bênção de contar ainda com a presença de seus pais ou de um deles, então temos ainda mais a conversar! Precisamos conversar sobre dúvidas, culpas, frustrações, perplexidades, alegrias e sonhos dessa etapa da vida. Precisamos conversar sobre relacionamentos que incluem os companheiros de caminhada nesse momento da vida, sejam eles os nossos filhos, esposo ou esposa, pais e amigos – talvez até inimigos! Para facilitar nosso trabalho, o livro contém alguns capítulos com análise de textos bíblicos preciosos que ilustram situações e valores que devem ser refletidos por todos nós, para quem o

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futuro já chegou. Esses capítulos funcionarão como pilares em uma construção. Desse modo, os capítulos 1, 6 e 12 são exposições bíblicas, ainda que sem os rigores técnicos de um sermão expositivo, e os demais são temáticos. Foi feito um esforço com o objetivo de destacar os principais questionamentos meus e de pessoas a quem tenho tentado ajudar nos pouco mais de quarenta anos em que exerço o ministério pastoral, tanto em uma igreja local quanto na direção de um seminário evangélico ou na liderança da Igreja Cristã Evangélica do Brasil. Pela graça de Deus, tenho servido em igrejas de todas as regiões do Brasil e em vários países, geralmente atuando em pregação, ensino, aconselhamento e mediação de conflitos. Minha expectativa é de que essa experiência ajude diferentes leitores que investirem tempo e atenção ao que estou agora colocando em linguagem escrita. Houve um esforço deliberado para produzir um texto que não fosse muito técnico, mas demonstrasse seriedade para levar as reflexões além do senso comum. Procurei com dedicação evitar a falácia da generalização em que uma experiência particular e pessoal seja confundida automaticamente com valores aplicáveis a todos, mesmo que o trabalho tenha sido produzido exatamente a partir de experiências. A alternativa encontrada foi a de tomar fatos e experiências, colocá-los em interação com o texto e a doutrina bíblica, e com experiências vividas por outras pessoas e realidades, bem como com as ciências humanas. Feito esse trabalho, então procuro me voltar para, na medida do possível, aplicá-las a realidades diversas, mais amplas e comuns a um grupo maior de pessoas – os possíveis leitores.

Finalmente, devo dizer ao meu leitor que sou consciente de estar escrevendo para adultos e, por isso, não me sinto no direito de colocar ideias como quem sabe todas as coisas e se dirige aos que não sabem coisa alguma. Nosso ponto de contato está muito


Introdução

mais no campo da perplexidade e na busca de perguntas que nos sejam comuns do que no domínio do saber. O que espero oferecer ao meu leitor é o fato de ter dedicado esforço intencional para entender e buscar algumas respostas e sugestões, além de destacar valores importantes (parte deles, fundamentais mesmo!), para a sua edificação. O livro será muito melhor com a ajuda do próprio leitor mediante o uso de sua própria capacidade de conversar com o texto, concordar e discordar, ampliar e aplicar, aprofundar e descobrir novos caminhos para a reflexão. Como companheiros de caminhada, temos a graça de contar com o sobrenatural, com a graça do Consolador. É ele quem ensina e nos assiste em nossas fraquezas, e inclusive intercede por nós, pois nem mesmo sabemos orar como convém. Buscamos conhecê-lo melhor no passado, no presente, no futuro que já chegou e naquele que ainda está à porta, pedindo passagem para se estabelecer. A ele toda a honra pelos séculos dos séculos.

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1 Um ponto de partida A história do Filho Pródigo

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ucas 15.11-32

Jesus continuou: “– Certo homem tinha dois filhos. O mais moço deles disse ao pai: ‘Pai, quero que o senhor me dê a parte dos bens que me cabe’. E o pai repartiu os bens entre eles. – Passados não muitos dias, o filho mais moço, ajuntando tudo o que era seu, partiu para uma terra distante e lá desperdiçou todos os seus bens, vivendo de forma desenfreada. – Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele país uma grande fome, e ele começou a passar necessidade. Então foi pedir trabalho a um dos cidadãos daquela terra, e este o mandou para os seus campos a fim de cuidar dos porcos. Ali, ele desejava alimentar-se das alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada. Então, caindo em si, disse: ‘Quantos trabalhadores de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui estou morrendo de fome!


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Vou me arrumar, voltar para meu pai e lhe dizer: ‘Pai, pequei contra Deus e diante do senhor; já não sou digno de ser chamado de seu filho; trate-me como um dos seus trabalhadores’. E, arrumando-se, foi para o seu pai. – Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou e, compadecido dele, correndo, o abraçou e beijou. E o filho lhe disse: ‘Pai, pequei contra Deus e diante do senhor; já não sou digno de ser chamado de seu filho’. O pai, porém, disse aos servos: ‘Tragam depressa a melhor roupa e vistam nele. Ponham um anel no dedo dele e sandálias nos pés. Tragam e matem o bezerro gordo. Vamos comer e festejar, porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado’. E começaram a festejar. – Ora, o filho mais velho estava no campo. Quando voltava, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. Chamou um dos empregados e perguntou o que era aquilo. E ele informou: ‘O seu irmão voltou e, por tê-lo recuperado com saúde, o seu pai mandou matar o bezerro gordo’. – O filho mais velho se indignou e não queria entrar. Saindo, porém, o pai, procurava convencê-lo a entrar. Mas ele respondeu ao seu pai: ‘Faz tantos anos que sirvo o senhor e nunca transgredi um mandamento seu. Mas o senhor nunca me deu um cabrito sequer para fazer uma festa com os meus amigos. Mas quando veio esse seu filho, que sumiu com os bens do senhor, gastando tudo com prostitutas, o senhor mandou matar o bezerro gordo para ele!’ – Então o pai respondeu: ‘Meu filho, você está sempre comigo; tudo o que eu tenho é seu. Mas era preciso festejar e alegrar-se, porque este seu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado’ ”.


1 – Ponto de partida – A história do Filho Pródigo

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impressionante quantidade de textos que apresentam o Senhor Jesus atendendo ao pedido de um pai ou uma mãe, visitando uma casa ou agindo em favor de uma família lembra a importância que ele deu a esse tema. O texto do filho pródigo apresenta uma família em crise: um dos filhos se rebela e decide deixar o lar e partir para uma terra distante com o objetivo de viver de uma maneira que lhe parecia melhor, mas que seria um desastre absoluto.

Tenho acompanhado inúmeras abordagens a esse texto muito conhecido, tanto em forma de sermão quanto em escritos diversos. Pessoalmente preguei sobre esse texto muitas vezes. Mesmo evitando a abordagem tipológica, que seria muito perigosa, os personagens da história geralmente ilustram personagens da vida cristã. Há quase unanimidade na compreensão de que o filho pródigo lembra a pessoa que deixou o caminho do Senhor e se perdeu no mundo. O filho mais velho é como aqueles que permanecem na igreja, sem se afastar de sua fidelidade religiosa e ética, mas sem a verdadeira alegria que deveria ser experimentada pela vida abundante a que Jesus se referiu no Evangelho de João (capítulo 10). E o pai lembra o Senhor Deus! Boas famílias podem enfrentar problemas

O ponto de tensão para mim está no desejo de saber o que houve com essa família em que o pai é uma ilustração do Deus maravilhoso a quem servimos. Por que essa família entrou em crise? De quem é a responsabilidade? O que deu errado?

Sempre fiquei intrigado com o fato de que nosso temor a Deus tem sido frequentemente responsável por certa desonestidade de nossa parte na abordagem que fazemos ao texto. Veja bem,

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tenho visto com muita frequência a acusação que pesa sobre os pais quando os filhos deixam de frequentar a igreja ou, ainda pior, quando acontece de um filho ser flagrado em uma vida considerada pecaminosa. Em muitos casos, lidamos com a pergunta insistente de pais que perguntam onde erraram e porque o texto de Provérbios 22.6 (que aparentemente promete que se ensinarmos a nossos filhos o caminho no qual devem andar quando são crianças, eles jamais se desviarão desse bom caminho) não se cumpriu na vida deles. O fato é que mesmo havendo natural facilidade para responsabilizar os pais (ou eles se sentirem responsáveis) nos tantos casos em que filhos adultos se afastam da igreja, não se imagina a possibilidade de um de nós responsabilizar o pai do filho pródigo e acusá-lo de ter tomado alguma atitude inadequada. Talvez devido ao fato de participarem da vida de um filho desde sua gestação e infância, muitos pais passam a acreditar que, de fato, tomarão conta da vida inteira deles, definindo seus caminhos, gostos e destinos. Infelizmente, ou felizmente, isso não é realmente verdade! Mesmo evitando nesse primeiro momento a ideia de destino, fatalismo, predestinação, força do sistema e do meio, que exercem um impacto incalculável na vida de cada um de nós, temos que admitir que não somos senhores do destino e das escolhas de nossos filhos. A história do filho pródigo ensina que filhos têm o seu próprio caminho. De um lado, isso destaca certa sensação de impotência quando discordamos fortemente do rumo que estão dando a suas vidas – ou que suas vidas estão tomando sem que eles estejam conseguindo controlar. Do outro lado, não se pode negar que há certo alívio quando reconhecemos a impossibilidade de controle dos destinos dos filhos, especialmente considerando que essa responsabilidade de dominadores do destino pode se tornar insuportável na medida em que a sua história de vida vai tomando seu curso.


1 – Ponto de partida – A história do Filho Pródigo

Os filhos decidem

Na medida em que refletimos sobre a história do filho pródigo, somos forçados a admitir que os filhos tomam suas decisões – e não há como garantir que tomem sempre decisões acertadas. As implicações desse fato são diversas! No caso do rapaz que se torna protagonista em nosso texto de referência, foi tomada uma decisão evidentemente infeliz – uma verdadeira loucura! Chama a minha atenção o fato de que o pai do filho pródigo não atuou no sentido de retirar dele o direito e a capacidade de decisão. Sempre me lembro de que o Senhor soberano, criador de todas as coisas e de todos nós exerceu sua soberania plena ao decidir criar um ser que seria dotado de livre arbítrio – capacidade de decisão moral. Desde bem pequenos, nossos filhos demonstram que são portadores do que chamamos “vontade”. Em alguns casos, vontade intensa, e em outros, vontade inadequada! Fala-se até mesmo em “dobrar a vontade dos filhos” e ensinar-lhes a obedecer a vontade dos pais. O máximo que conseguimos, na verdade, é educar essa vontade e ajudar nossos filhos a se manterem no padrão de bom senso e razoabilidade. Aprendemos a aceitar que os filhos saiam de casa com uma roupa que nós não escolheríamos, comprem algo que não aceitaríamos ou fiquem horas em um jogo de vídeo game que certamente não seria nossa escolha. Na medida em que se tornam adultos, as insistentes atitudes dirigidas pela vontade ganham direito – já são “donos do próprio nariz”. Via de regra, quanto mais independentes se tornam, mais se sentirão no direito de tomar suas próprias decisões.

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