HARTMUT AUGUST
POTENCIAL NA IGREJA
8 marcas de uma comunidade acolhedora para pessoas adultas sem c么njuge
POTENCIAL NA IGREJA
HARTMUT AUGUST
POTENCIAL NA IGREJA
8 marcas de uma comunidade acolhedora para pessoas adultas sem cônjuge 1ª edição
Curitiba 2013
Hartmut August
Potencial invisível na igreja
8 marcas de uma comunidade acolhedora para pessoas adultas sem cônjuge Coordenação editorial: Walter Feckinghaus Revisão: Josiane Zanon Moreschi Edição: Sandro Bier Capa: Sandro Bier Editoração eletrônica: Josiane Zanon Moreschi Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) August, Hartmut Potencial invisível na Igreja : 8 marcas de uma comunidade acolhedora para pessoas adultas sem cônjuge / Hartmut August. - - 1. ed. - Curitiba, PR : Editora Esperança, 2013. ISBN 978-85-7839-084-6 1. Igreja - Trabalho com pessoas adultas sem cônjuge 2. Liderança cristã 3. Pessoas sozinhas - Vida religiosa 4. Teologia pastoral I. Título. 13-02062
CDD-253 Índices para catálogo sistemático:
1.. Ministério para pessoas adultas sem cônjuge : Teologia pastoral : Cristianismo 253
As citações bíblicas foram extraídas da Bíblia de Estudo NVI, Editora Vida (2003).
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total e parcial sem permissão escrita dos editores. Editora Evangélica Esperança Rua Aviador Vicente Wolski, 353 - CEP 82510-420 - Curitiba - PR Fone: (41) 3022-3390 - Fax: (41) 3256-3662 comercial@esperanca-editora.com.br - www.editoraesperanca.com.br
Dedicatória
Dedico este livro àqueles que têm um coração que arde em favor das pessoas adultas sem cônjuge e que buscam, como eu, por caminhos para sua inclusão saudável e produtiva em suas comunidades de fé.
Agradecimentos
A Deus, por ter me possibilitado enxergar para além dos sonhos despedaçados. Aos meus pais, Jacob e Gredel August, in memoriam, que, por seu exemplo me mostraram o caminho para a intimidade com Deus e para o serviço desprendido em seu Reino. À minha esposa, Mariluce, pelo apoio incondicional em todos os momentos e pelo privilégio de podermos servir a Deus juntos. Aos meus filhos Thomas, Christian, in memoriam, e Patricia, por compreenderem que Deus em tudo tem um propósito eterno. Às pessoas adultas sem cônjuge e às igrejas que me permitiram a aproximação e convivência, sem as quais este livro não teria sido possível.
Sumário
Prefácio.............................................................................................9 A quem se destina este livro..............................................................11 Como ler o livro.....................................................................................15 Aconteceu comigo!.................................................................................17 PARTE 1..................................................................................................21 1. Pessoas adultas sem cônjuge: conceitos e realidade.....................23 Conceito de “pessoa adulta sem cônjuge”...................................23 Conceito de igreja..............................................................................24 O contexto brasileiro.........................................................................25 Realidade no meio evangélico.........................................................29 Pesquisa Sepal/Apoio........................................................................30 Pesquisa de Opinião August, August..............................................31 Biopoder e biopotência....................................................................32 Capacitação de pastores e líderes..................................................34 Processos de subjetivação de pessoas solteiras..........................35 Características das igrejas que favorecem o acolhimento e a integração...........................................................36
PARTE 2 Marcas de uma igreja acolhedora para pessoas adultas sem cônjuge.....................................................41 2. Marca 1 - Compreende a realidade das pessoas adultas sem cônjuge........................................................................................43 3. Marca 2 - Pratica princípios bíblicos quanto ao divórcio e ao novo casamento........................................................59 4. Marca 3 - Capacita pessoas para atuarem junto às PASCs..........77 5. Marca 4 - Adequa as estruturas às novas necessidades.............89 6. Marca 5 - Estimula a organização de pequenos grupos específicos............................................................................101 7. Marca 6 - Favorece o convívio fraterno.....................................117 8. Marca 7 - Proporciona oportunidades para servir...................131 9. Marca 8 - Desenvolve a comunicação bidirecional....................143 PARTE 3 Desenvolvendo um ministério para pessoas adultas sem cônjuge...........................................................153 10. 11. 12. 13.
Marcas de uma igreja saudável de Schwarz..........................155 E agora, por onde eu começo?................................................159 Diagnóstico da sua igreja..........................................................161 Apresentando uma ferramenta de gerenciamento..............169
Conclusão...........................................................................................183 Referências Bibliográficas...................................................................187
Prefácio
Foi a vida que encaminhou e, por assim dizer, determinou este livro. O que segue não é apenas fruto de uma curiosidade intelectual, mas foram acontecimentos inesperados e doloridos para todos os envolvidos, sobretudo para o autor do livro, que provocaram esta pesquisa. Quando a dor achou a porta de saída, ela permitiu reflexão e novas conclusões. E o que é melhor ainda: um novo agir. Um novo agir não só na vida do autor do livro, que experimentou “o vale da sombra da morte”, mas um agir novo primeiramente em sua igreja, depois ultrapassando as barreiras da igreja e agora trazendo um enfoque novo ao meio evangélico brasileiro. Muitos anos atrás uma irmã solteira da minha igreja me surpreendeu com um pedido: “Pastor, não quero passar todas as tardes de domingo ao lado de minha mãe assistindo televisão ou então conversando com amigas em uma mesa com café e bolo”. “E o que você quer então?”, perguntei sem saber onde ela queria chegar. Ela ficou um pouco enrubescida e, depois de alguns gaguejos, ousou dizer: “Eu gostaria de ter também figuras masculinas na roda de conversa”. E aí fiquei eu sem saber o que fazer.
Temos em nossas igrejas um número muito grande de PASCs (Pessoas Adultas Sem Cônjuge) e, na maioria das vezes, não sabemos o que fazer. E pior: tendemos a nem enxergá-las. Conheço uma igreja em que, entre os membros, o número das PASCs é maior que o número de pessoas casadas, mas a igreja continua focada basicamente nos casais e seus filhos. Lá, quem é PASC é invisível. O autor constata que “sem relacionamentos cristãos saudáveis, facilmente a fé da pessoa adulta sem cônjuge esfria, seu testemunho fica fragilizado e seu envolvimento no Reino é comprometido.” Precisamos conhecer esse grupo tão numeroso e importante em nossas igrejas. Precisamos fazer alguma coisa. O autor deste trabalho, de modo muito claro e com muita paixão, nos dá a análise e os caminhos que poderemos seguir se quisermos integrar esse grupo até agora relegado a segundo plano. A igreja cristã precisou esperar até o século 18 para descobrir a necessidade da escola dominical para as crianças. E dois mil anos para entender que “Pessoa Adulta Sem Cônjuge” igualmente precisa de uma atenção específica. Este é um livro de um homem corajoso e persistente que, motivado por um drama pessoal, conseguiu transformar suas lágrimas e seu desespero em um instrumento para a obra do Senhor. Que Deus seja louvado e este livro inspire muitas pessoas a igualmente ousarem esse passo de transformação! Dr. J. Udo Siemens Pastor na COBIM (Convenção Brasileira das Igrejas Evangélicas Irmãos Menonitas), professor universitário e conselheiro
A quem se destina este livro
Ao escrever este livro, tenho em mente os seguintes grupos de leitores: a. Pastores e líderes de igrejas Sei que qualquer ministério novo que se deseje implantar na igreja precisa, não só da aprovação, mas do apoio dos pastores e da liderança. Nada acontecerá de relevante e duradouro se as pessoas que estão à frente da igreja não estiverem convencidas da sua importância. Em minha experiência no ministério com pessoas adultas sem cônjuge, tenho observado como é fundamental que os pastores e líderes compreendam a realidade dessas pessoas. Tenho visto pastores e líderes reconhecendo a ênfase que a Palavra de Deus dá ao cuidado com os menos favorecidos e fragilizados, o que em muitos casos inclui as pessoas adultas sem cônjuge. Portanto, se você, caro leitor, é pastor ou líder eclesiástico, minha oração é que este livro o ajude a firmar a convicção da relevância de um ministério direcionado às pessoas adultas sem cônjuge em sua comunidade, para que essas pessoas se sintam acolhidas, compreendidas e envolvidas ministerialmente na igreja.
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b. Líderes e apoiadores de ministérios para pessoas adultas sem cônjuge Tenho em mente também as inúmeras pessoas que atuam ou gostariam de atuar em um ministério direcionado às pessoas adultas sem cônjuge. Sei, por experiência própria, que não é fácil começar um ministério. Ainda mais quando esse ministério tem por objetivo acolher, restaurar e integrar na igreja local um público que, muitas vezes, é ignorado ou até discriminado. Como evangélicos, temos larga experiência em ministérios para crianças, adolescentes, jovens, casais, mulheres e homens. Mas temos uma longa jornada de aprendizado quando pensamos em atender pessoas que não veem suas necessidades atendidas nos ministérios citados, como é o caso das pessoas adultas sem cônjuge. Se esse é o seu caso, querido leitor, meu desejo é que este livro confirme em você o chamado de Deus para atuar junto a essas pessoas. c. Educadores e professores de cursos de teologia Desconheço alguma grade de curso de graduação, pós-graduação ou mestrado em teologia que apresente conteúdos referentes às pessoas adultas sem cônjuge. Embora estas representem um contingente expressivo da sociedade brasileira, os cursos que formam os líderes eclesiásticos do futuro ainda não captaram essa nova realidade. Desde que iniciamos o Ministério Jovens Adultos temos tido a oportunidade de ministrar aulas esporádicas em diversos cursos de graduação e de pós-graduação em teologia. A ministração dessas aulas me ajudou a estruturar o material que agora tenho o privilégio de publicar. Se você é educador ou professor de algum curso de teologia, quero motivá-lo a incluir conteúdos referentes ao atendimento das pessoas adultas sem cônjuge. Inclua este livro na bibliografia da sua disciplina e estimule seus alunos a pesquisarem e a escreverem artigos, trabalhos de conclusão de curso, monografias e dissertações a respeito de temas relacionados a elas. Estaremos assim, juntos, contribuindo para desenvolver um potencial invisível na igreja, representado pelas pessoas adultas sem cônjuge, e para construir uma igreja mais madura e inclusiva para todos os segmentos da sociedade.
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d. Estudantes e pesquisadores Quando minha esposa Mariluce e eu iniciamos o Ministério Jovens Adultos, logo identificamos que havia pouca literatura voltada a esse público. Praticamente não há pesquisas no meio acadêmico que se debrucem sobre a realidade das pessoas adultas sem cônjuge no meio evangélico brasileiro. Diante desse cenário, para a monografia de conclusão do Curso de Pós-graduação em Teologia Pastoral, realizamos juntos uma ampla pesquisa junto a essas pessoas para compreendermos melhor como elas se sentem, em especial no relacionamento com sua igreja local. Posteriormente, para nossas dissertações de conclusão do Curso de Mestrado em Teologia, novamente realizamos pesquisas junto a esse público no meio evangélico. Com os resultados dessas pesquisas podemos agora dar voz às pessoas adultas sem cônjuge. Essa voz pode ser ouvida nos gráficos e nas falas dos entrevistados deste livro. Portanto, se você é estudante ou pesquisador, faça bom uso dos dados apresentados. Minha oração é para que muitos outros trabalhos de pesquisa, artigos científicos, cursos e livros direcionados às pessoas adultas sem cônjuge venham enriquecer as bibliotecas das instituições de ensino, das igrejas e dos lares cristãos, para suprir uma carência que, no momento, é flagrante.
Como ler o livro
Estruturei o livro em três partes. Na parte 1, composta pelo capítulo 1, explico os conceitos de pessoa adulta sem cônjuge (PASC) e de igreja, empregados no livro. Apresento também dados das PASCs no contexto brasileiro, bem como dados e estudos relativos à realidade das PASCs no meio evangélico. Na parte 2, que vai dos capítulos 2 a 9, são apresentadas as oito marcas de uma igreja acolhedora para pessoas adultas sem cônjuge. Para cada marca de uma igreja acolhedora você verá os resultados da minha pesquisa, bem como o embasamento bíblico que confirma a relevância da respectiva marca. Igualmente, em cada marca são apresentadas áreas nas quais a igreja pode investir para fortalecer sua atuação, a fim de se tornar uma igreja que desenvolve adequadamente o potencial invisível representado pelas pessoas adultas sem cônjuge. Por fim, a parte 3, composta pelos capítulos 10 a 13, contém orientações práticas para o desenvolvimento de um ministério para pessoas adultas sem cônjuge. Nesse bloco, você poderá fazer um diagnóstico da sua igreja, para avaliar como ela se comporta em relação às oito marcas de uma igreja acolhedora para PASCs.
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Receberá, também, dicas úteis de como implantar ou aperfeiçoar um ministério direcionado a esse público em sua igreja. Tendo essa estrutura do livro em mente, não é necessário fazer a leitura dos capítulos de modo sequencial. Você pode ir direto ao capítulo que mais lhe interessa, retornando mais tarde para os que não foram lidos. Talvez você tenha curiosidade em fazer o diagnóstico da sua igreja para descobrir como ela se comporta em cada uma das marcas de uma igreja acolhedora de pessoas adultas sem cônjuge. Se esse for o seu caso, vá direto ao capítulo 11 – Diagnóstico da sua igreja. Com o diagnóstico em mãos, sugiro que você retome a leitura do livro desde o princípio. Talvez você já esteja convencido da importância de um ministério direcionado ao atendimento das pessoas adultas sem cônjuge em sua igreja. O que lhe falta, são ferramentas para iniciar ou ampliar o alcance desse ministério. Se você se encaixa nessa situação, pode ir direto para os capítulos 12 em diante. Ali encontrará uma ferramenta prática para apoiá-lo na implantação e gerenciamento do ministério. Apresento, inclusive, formulários que você pode empregar nas reuniões de planejamento e de acompanhamento dos trabalhos. Com essas orientações dadas, desejo a você uma boa leitura e um excelente aproveitamento do conteúdo! Que Deus o abençoe nessa jornada!
Aconteceu comigo!
Era uma tarde de sábado. Minha esposa e eu caminhávamos pela praia no intervalo do retiro de casais do qual estávamos participando. Enquanto contemplávamos o movimento incansável das ondas do mar ela me disse que não queria mais estar casada comigo. Depois de 23 anos de casamento e 3 filhos já jovens, ela afirmou que me queria apenas como amigo. Naquele momento, fiquei sem ação. Não sabia se deveria levar o assunto a sério ou se era apenas mais uma fase difícil que estávamos passando. Depois de algumas semanas de muita hesitação, retomei o assunto com ela. Perguntei se suas colocações referentes à separação eram pra valer. Como ela insistiu, meu mundo desabou. Fiquei sem chão. Na verdade, nossa convivência vinha sendo muito trabalhosa para ambos. Embora tivéssemos conseguido criar os filhos dentro da igreja e estivéssemos bastante envolvidos em diversos ministérios, nosso relacionamento como casal oscilava muito. Era difícil saber quando as coisas estavam boas e sob controle e quando estávamos passando por mais uma “calmaria antes da tempestade”. Porém, dessa vez ela estava determinada a dar um fim ao nosso relacionamento e isso me levou ao desespero.
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Procurei os pastores da igreja, falei com os familiares, insisti com ela para que, juntos, buscássemos ajuda terapêutica. Mas infelizmente nada disso foi capaz de fazê-la mudar de ideia. E assim, cerca de 5 meses após aquela tarde à beira da praia, eu saí de casa. Restava-me ainda a esperança de que as coisas se acalmassem e que dali a algum tempo pudéssemos reatar nosso casamento. Infelizmente isso não aconteceu. Durante o processo de separação recebi assistência exemplar dos pastores da minha igreja e de um terapeuta cristão. Porém, senti na própria pele o que é não ser casado. Meu envolvimento ministerial foi interrompido. Fui destituído de funções de liderança na comunidade. Por me achar desqualificado em função de meu novo estado civil, pedi afastamento do conselho pastoral da igreja. Deixei de ser convidado para realizar estudos bíblicos. Perdi quase todos os relacionamentos de amizade na igreja, pois os mesmos eram mantidos pelo casal. Durante esse período de luto interior fui profundamente trabalhado por Deus, embora, no início, eu não o percebesse. Quando me dei conta de que a separação e o consequente divórcio eram irreversíveis, fiquei indignado com Deus. Como ele era capaz de permitir isso? Como era possível ele, que tudo pode e que havia instituído o casamento, não interferir para salvar o meu? Diante dessa indignação parei de orar e ler a Bíblia. Eu simplesmente não sabia mais como me relacionar com Deus. Depois de anos nos quais eu o havia servido fielmente, agora, na hora em que eu mais precisava, ele havia me deixado na mão. Nessa época, eu e minha filha caçula morávamos de aluguel em um apartamento mobiliado. Resolvemos que iríamos partir para um sobrado alugado, sem mobília, para que, aos poucos, pudéssemos adquirir os móveis e eletrodomésticos da casa. Depois de algumas semanas de procura, nos decidimos por um sobrado perto do meu trabalho. Quando saímos da imobiliária com a reserva feita, tínhamos três dias úteis para trazer os documentos e assinar o contrato de aluguel. Ao sairmos, passamos por um conjunto de
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sobrados novos, que estavam à venda. Propus à minha filha darmos uma espiada, só para ver como era um sobrado novo. Resumindo a história, o vendedor nos colocou em contato com a construtora, que me facilitou de maneira inacreditável as condições de compra de um sobrado. Com isso, no final daqueles três dias úteis que eu tinha para assinar os papéis do aluguel de um sobrado, estava com os papéis assinados para a compra de um. Quando saí da construtora com o negócio fechado, percebi o que havia acontecido. Deus, que eu achava que havia me abandonado, me proporcionara a compra de um sobrado por um custo mensal um pouco superior ao custo do sobrado que eu queria alugar. Me dei conta de que ele nunca me havia abandonado, mesmo nesse período tão difícil para mim. Sim, ele havia silenciado, certamente por entender que essa era a melhor forma de me fazer ouvi-lo. Mas aquela compra do sobrado me fez ver que ele se importava comigo. Naquela noite, chorei muito. Pedi perdão a Deus por não ter conseguido compreender a forma como ele estava lidando comigo. E renovei meu compromisso de vida com o Senhor. Um compromisso firmado em outras bases. Me dei conta que, em muitas situações do passado, eu tomara as decisões e simplesmente pedia que Deus me abençoasse. Percebi também que essa minha maneira de agir estava na raiz de diversos erros que eu havia cometido. E decidi que, dali em diante, eu iria submeter minha vontade à dele. Após esse período de restauração, em determinado momento ficou claro para mim que somente seria possível imaginar um novo envolvimento ministerial depois que estivesse novamente casado. Assim, dois anos após a separação, em um retiro para pessoas adultas não casadas organizado pelo Ministério Jovens Adultos, conheci Mariluce, minha atual esposa. Algum tempo depois, reconheci que Deus tinha um chamado claro para atuarmos com pessoas adultas não casadas, visando sua restauração e integração na Igreja. Atualmente, Mariluce e eu estamos envolvidos na coordenação do Ministério Jovens Adultos. Para saber mais desse ministério, consulte nossa página na internet, no endereço www.ministeriojovensadultos. com.br. Organizamos, junto com uma equipe de preciosos irmãos e
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irmãs de diferentes denominações, congressos, retiros para líderes e cooperadores e encontros mensais de jovens adultos. Em nossa igreja, supervisionamos os grupos familiares voltados a esse público. Através de nosso envolvimento com pessoas adultas não casadas, temos acompanhado muitas histórias, tanto de fracassos quanto de sucessos. Temos tido o privilégio de ver Deus agindo e restaurando vidas. E estamos conscientes do quanto ainda falta para que uma pessoa adulta não casada seja considerada “normal” no meio evangélico e seja aceita como ela é. Após concluirmos o Curso de Pós-Graduação em Ministério Pastoral pela Faculdade Fidelis, nos propusemos a fazer o Mestrado em Teologia pela PUCPR visando ampliar nossa compreensão da realidade das pessoas adultas sem cônjuge. Assim, pretendemos, através dos conteúdos desenvolvidos ao longo de nossa caminhada, proporcionar ferramentas de ajuda às igrejas para que as mesmas conheçam a realidade dessas pessoas e saibam agir de maneira mais eficaz. Motivado por minha trajetória pessoal, meu desejo é que este livro seja um estímulo e uma ferramenta útil para todos os que desejam transformar sua comunidade em um ambiente acolhedor para pessoas adultas sem cônjuge, contribuindo assim para o desenvolvimento desse significativo potencial invisível na igreja.
PARTE 1
1 Pessoas adultas sem cônjuge: conceitos e realidade
Inicialmente, quero definir alguns conceitos que serão empregados neste livro.
Conceito de “pessoa adulta sem cônjuge” Ao utilizar a expressão “pessoa adulta sem cônjuge”, estarei me referindo a pessoas, de ambos os sexos, com idade entre vinte e cinco anos e cinquenta e nove anos, que não são casadas. A idade inicial de vinte e cinco anos justifica-se pelo fato de que, nas igrejas, geralmente os ministérios direcionados aos jovens conseguem dar assistência aos mesmos até que eles alcancem essa idade. Em algumas igrejas, os jovens já começam a sair antes dos vinte e cinco anos. Em outras, há jovens com idade acima. Mas, em linhas gerais, entendo que vinte e cinco anos representa uma idade de referência a partir da qual muitos jovens que não estão casados passam a se sentir deslocados na sua comunidade. Por outro lado, pessoas com sessenta anos ou mais, em muitos casos passam a ser atendidos por ministérios direcionados às pessoas de terceira idade. Frequentemente, pessoas a partir dos sessenta anos já não estão mais ativas profissionalmente, o que permite também desenvolver um atendimento em outro formato.
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Quanto à condição de convivência, utilizo a designação “pessoas adultas sem cônjuge” para incluir todas as pessoas adultas que vivem sem cônjuge ou sem companheiro. Essa designação inclui, portanto, as pessoas solteiras, as viúvas, as separadas e as divorciadas. Gary Collins, psicólogo com doutorado em psicologia clínica e autor do livro best seller Aconselhamento Cristão, menciona as cinco categorias mais numerosas de pessoas adultas sem cônjuge: a) as que não encontraram um companheiro ou decidiram adiar o casamento; b) as que escolheram não se casar; c) as que tiveram casamentos fracassados; d) as que perderam o cônjuge por morte; e) pessoas com outras razões para permanecerem solteiras. (2004, p. 430-432) Na literatura, a categoria de pessoas adultas sem cônjuge também é denominada de “jovens adultos”, “pessoas adultas não casadas” ou singles (em inglês). Você encontrará essas diferentes designações neste livro. Porém a expressão que considero a mais adequada é “pessoa adulta sem cônjuge” ou sua sigla “PASC” (“PASCs”, no plural), por entender que ela caracteriza com mais precisão o perfil das pessoas que desejamos focalizar: • a palavra “pessoa” contempla ambos os gêneros, podendo ser utilizada tanto para pessoas do gênero masculino quanto feminino; • a expressão “pessoa adulta” deixa claro que se trata de pessoas da faixa etária adulta, excluindo, por consequência, crianças, jovens e idosos; • a expressão “sem cônjuge” deixa claro que se busca identificar pessoas que não são casadas, referindo-se, assim, aos solteiros, viúvos, separados e divorciados.
Conceito de igreja Considerando os diversos significados da palavra “igreja”, é importante definir o que será empregado neste livro. “O vocábulo ‘igreja’
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se deriva do latim ecclesia, que, por sua vez, vem do grego ekkesia. No Novo Testamento, o termo ekklesia aparece cento e quinze vezes” (RIENECKER, 1998, p. 288). Na grande maioria das passagens bíblicas, o termo refere-se a uma congregação local de cristãos, jamais a um edifício (ROBINSON, 1979, p. 735). Nesse sentido, a primeira vez que o termo “igreja” é citado nas Escrituras é em Mateus 16.18, quando Jesus afirma a Pedro: “E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do Hades não poderão vencê-la”. Nessa passagem, Cristo anuncia que erguerá a “sua comunidade, sua ekklesia” (RIENECKER, 1998, p. 288). Como podemos ver, desde a primeira utilização da palavra “igreja”, fica claro que o construtor da comunidade é o próprio Senhor Jesus. Assim, “qualquer que seja o uso da palavra ‘igreja’ no Novo Testamento, uma ideia está inerente, a saber, um povo segregado ou chamado dentre a massa para ser um grupo distinto em si mesmo” (CHAFER, 2003, p. 406). Se por um lado, a igreja é chamada para ser um grupo distinto, por outro, tem uma missão, um propósito. Esse propósito da “igreja” é o anúncio da segunda vinda de Cristo e da instauração do novo céu e da nova terra. O vocábulo “igreja” também é empregado para designar o conjunto de cristãos ou o coletivo de congregações como, por exemplo, a Igreja do Novo Testamento ou a Igreja Primitiva. Portanto, para caracterizar o significado no âmbito deste livro, será empregada a palavra “igreja” ou “comunidade de fé” para designar um conjunto de pessoas que participam de uma congregação local de cristãos. Por outro lado, será utilizada a palavra “Igreja” para designar um conjunto mais amplo de cristãos, como por exemplo, a Igreja Evangélica no Brasil.
O contexto brasileiro As igrejas brasileiras estão inseridas em um contexto que experimenta uma profunda transformação, pois cresce o número de lares formados por apenas um adulto, com ou sem filhos. As pesquisas revelam que: a) é cada vez maior o número de adultos que vivem sem parceiro; b) tem aumentado a idade das pessoas em seu primeiro casamento, sendo que a média atual é de 32 anos (MARTINS, 2011); c) tem aumentado o número de divórcios e separações.
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Diferentemente de como era no passado, não há mais a imposição social ou econômica sobre a instituição matrimonial, ou seja, a sociedade não exerce mais uma pressão para que as pessoas se casem. A revista de economia e negócios Exame (STEFANO, SANTANA, ONAGA, 2008), em um interessante artigo de capa referente aos novos consumidores brasileiros, revela que a cada dez anos dobra o número de pessoas que moram sozinhas, conforme demonstrado no gráfico abaixo:
2016
12.000.000
2006
1996
6.000.000
3.200.000
5.000.000
10.000.000
15.000.000
Figura 1 - Número de pessoas que moram sozinhas. Projeção para 2016. Fonte: stefano; santana; onaga, 2008
Essa nova realidade das estruturas familiares já tem sido percebida pelo mercado, pois o contingente crescente de pessoas brasileiras sem cônjuge movimenta mais de 400 bilhões de reais ao ano (MARTINS, 2011). Da mesma forma, as pessoas já não permanecem mais casadas por pressão da sociedade ou por dependência financeira de um dos cônjuges. Diante desse novo cenário, “as pessoas hoje em dia só se mantêm casadas por opção” (ALECRIM, CARDOSO, 2011). Nesse cenário pós-industrial, a família “tem uma marca de maior liberdade, pelo questionamento das tradições e pela flexibilidade em cumprir as regras e as normas” (PORRECA, 2010, p. 31). Além dessas transformações sociais ocorridas nos últimos anos, houve também mudanças jurídicas no Brasil, como a lei do divórcio, que simplificaram os passos
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para a dissolução do casamento. Com isso, surgiram brechas para um aumento significativo de divórcios e recasamentos. Os dados oficiais confirmam que é crescente o número de casamentos interrompidos por separação ou divórcio, ao passo que o número de casamentos apresenta um leve declínio. Surge assim o aumento dos novos arranjos familiares, pois, em 15 anos, entre 1992 e 2007, o número de casais com filhos, o estereótipo da família tradicional, caiu 11,2%. A queda foi compensada pelo aumento dos novos arranjos familiares: casais sem filhos, mulheres solteiras, mães com filhos, homens solteiros e pais com filhos. (BOREKI, 2010)
Os dados do Censo Demográfico 2000 do IBGE comprovam como é considerável o número de pessoas adultas não casadas, conforme pode ser observado no quadro a seguir:
44%
Estado civil
Não casado (a)
Casado (a)
0%
56%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Figura 2 – Estado civil das pessoas entre 25 e 59 anos. Fonte: ibge, 2000
Os dados confirmam que, em cada dez pessoas adultas do Brasil, quatro não são casadas, sendo que entre as pessoas não casadas estão somadas as separadas, divorciadas, viúvas e solteiras. Por outro lado, o quadro a seguir apresenta o percentual de pessoas adultas, agrupadas pelo estado de convivência. Nesse quadro, não importa o estado civil oficial, mas se essa pessoa convive com um cônjuge ou companheiro ou não.
POTENCIAL NA IGREJA
Seja por conta dos solteiros, dos viúvos ou das novas configurações das famílias brasileiras, como os separados ou os divorciados, o número de pessoas adultas sem cônjuge nas igrejas têm aumentado significativamente. Esse grande potencial humano tem sido muitas vezes negligenciado por pastores e lideranças. Por não se encaixarem nos grupos existentes, essas pessoas acabam se sentindo rejeitadas e, com o tempo, a apatia faz com que muitos até mesmo deixem as igrejas nas quais gostariam de se sentir acolhidos. O autor, Hartmut August, após um profundo trabalho de pesquisa apresenta neste livro Potencial invisível na igreja – 8 marcas de uma comunidade acolhedora para pessoas adultas sem cônjuge, formas de reconhecimento, acolhimento, compreensão e envolvimento das pessoas adultas sem cônjuge por parte da igreja toda, para que estes possam contribuir com alegria nos diferentes ministérios da igreja. Este livro se destina a pastores e líderes de igrejas, educadores e professores de cursos de teologia, além de estudantes e pesquisadores.
“Sinto significativa alegria por saudar a primeira edição de um livro que aborda tão oportuno tema, em um momento em que a Igreja, particularmente a brasileira, está em busca de direção séria, bíblica e, sobretudo, contemporânea, para assistir à crescente demanda que o nosso tempo nos apresenta. Quero expressar meu reconhecimento à capacidade, idoneidade e experiência que caracterizam Hartmut August, credenciando-o de maneira ímpar para produzir semelhante trabalho. Como mentor de várias gerações de pastores, quero expressar a profunda relevância deste livro, vindo à luz em um momento de extrema carência e desafio, a fim de que a Igreja Brasileira possa cumprir com fidelidade o chamado de cuidar e consolar a todos, particularmente aos que experimentam situações singulares de vida.” Edson Nepomuceno Barbosa, fundador e coordenador do Projeto Oásis (células de discipulado denominadas RENOVO), docente nacional do Instituto Haggai, fundador e ex-diretor do CADI (Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral) e pastor emérito da Igreja Cristã Água Viva.
“Conheço Hartmut há oito anos e pude acompanhar seu despertar para o acolhimento da pessoa adulta sem cônjuge. Juntamente com sua querida esposa Mariluce, envolveu-se no Ministério Jovens Adultos, direcionado a esse público, o que trouxe novos rumos e bênçãos para muitas pessoas. Com certeza, este livro abrirá novas perspectivas e desafios para nossas igrejas.” Otto G. Stange, missionário da MEUC (Missão Evangélica União Cristã) e líder no Ministério Jovens Adultos.